REl - 0600183-93.2024.6.21.0063 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/05/2025 às 14:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso é tempestivo. A publicação da intimação da decisão que julgou os aclaratórios foi publicada em 08.11.2024 e o presente recurso foi interposto na data de 11.11.2024. Ademais, encontram-se presentes os pressupostos ínsitos à tramitação processual.

Destarte, conheço do recurso. Passo à análise de seu mérito.

 

MÉRITO

A controvérsia está centrada na comprovação do gasto de R$ 400,00, valor pago por meio de cheque nominal cruzado a ITAMIRA DE F. A. DE SOUZA e que restou depositado na conta da empresa LOTERICA BONASORTE LTDA., a qual, posteriormente, entregou o dinheiro à prestadora de serviço, impossibilitando a verificação fidedigna dos gastos com verba pública.

Ocorre que o depósito correspondente foi realizado em conta de terceiro diverso, tornando impossível a rastreabilidade e a confirmação inequívoca da destinação dos recursos públicos utilizados, especialmente por envolver verba oriunda do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

O documento indicativo da regularidade da despesa, comprovante de cheque nominal cruzado, foi juntado apenas posteriormente à publicação da sentença, quando da oposição dos embargos de declaração.

Pedindo vênia para discordar da conclusão contida no parecer oferecido pela sempre diligente Procuradoria Regional Eleitoral, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, este Tribunal Regional Eleitoral tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura, primo ictu oculi, pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica.

In casu, tem-se por privilegiar o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como denota-se das ementas oriundas deste TRE-RS, colacionadas a título exemplificativo:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2020. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DESAPROVAÇÃO. CONHECIDOS OS DOCUMENTOS JUNTADOS NA FASE RECURSAL. DOAÇÃO ESTIMÁVEL DE SERVIÇOS CONTÁBEIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUITAÇÃO. DIVERGÊNCIA DE VALORES ENVOLVENDO TARIFAS BANCÁRIAS. MERAS IMPROPRIEDADES. REFORMA DA SENTENÇA. AFASTADA A MULTA E A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de diretório municipal de partido político, referente ao exercício financeiro de 2020, em razão do recebimento de recursos de origem não identificada. Determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, acrescido de multa. 2. Conhecidos os documentos juntados na fase recursal. No âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura, ictu primo oculi, pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica. Na hipótese, juntadas fotografias de cheques, de simples constatação e com aptidão para, em tese, conduzirem ao saneamento das irregularidades. 3. Ausência de comprovação de quitação de despesa. Apresentação de recibo de pagamento para comprovação de doação estimável de serviços contábeis, em desacordo com o prescrito pelo art. 9º da Resolução TSE n. 23.604/19. Entretanto, sendo inequívoco que o serviço doado se origina da atividade laboral da própria doadora e que o valor arbitrado não destoa de outros praticados para trabalhos semelhantes no município de origem, a falha é meramente formal, pois não prejudica a fiscalização sobre os contornos essenciais da doação estimável em questão, sendo suficiente a aposição de ressalvas. Inexistência de fundamento legal para a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da doação estimável de serviço, fruto do trabalho da doadora, declarada em valor razoável relativamente aos parâmetros do mercado local e não envolvendo recursos públicos ou de origem não identificada. 4. Divergência detectada entre o valor registrado como despesas com tarifas bancárias e o valor realmente apurado em análise. Reduzido montante da falha. Mera impropriedade, ensejadora de ressalvas às contas. 5. Reforma da sentença. As falhas identificadas constituem meras impropriedades, pois, alcançando montante módico, não impediram o exame técnico das contas e não resultam em dano ao erário, possibilitando a aprovação com ressalvas da contabilidade, na esteira de julgados desta Corte e do TSE (TRE–RS – PC 060028875, Relator.: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, Data de Julgamento: 15/06/2020, DJE de 23/06/2020). 6. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Afastada a multa e a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - REl: 06000458320216210079 MANOEL VIANA - RS, Relator: Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Data de Julgamento: 31/10/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 202, Data 07/11/2023.) Grifei.

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2020. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DESAPROVAÇÃO. JUNTADA DE DOCUMENTAÇÃO NA FASE RECURSAL. POSSIBILIDADE. DOCUMENTAÇÃO SIMPLES. DESNECESSIDADE DE NOVA ANÁLISE TÉCNICA. MÉRITO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE GASTOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. JUNTADA DE NOTA FISCAL IDÔNEA. DESPESA DEMONSTRADA. AFASTADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas anuais do partido, exercício 2020, em razão de ausência de comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional e aplicada multa de 5% do valor irregular. 2. Conhecidos os documentos juntados com o recurso. Conforme pacífica jurisprudência desta Corte, a apresentação de novos documentos com o recurso, sobretudo na classe processual das prestações de contas, não apresenta prejuízo à tramitação do processo quando se trata de documentos simples, capazes de esclarecer, primo ictu oculi, as irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. O posicionamento visa, sobretudo, salvaguardar o interesse público na transparência da contabilidade de campanha e a celeridade processual e afastar excessivo formalismo. 3. Ausência de comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. A nota fiscal indicada é documento idôneo a demonstrar a despesa - a diferença é de ordem insignificante, um centavo, e foi emitida pela mesma empresa cujo pagamento parcial foi acolhido pela sentença. Existência apenas de falhas formais e de comprovações extemporâneas, de forma que as contas devem ser aprovadas com ressalvas. 4. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Afastada a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - REl: 06000861020216210060 PELOTAS - RS, Relator: Des. Afif Jorge Simoes Neto, Data de Julgamento: 20/07/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 135, Data: 26/07/2023.) Grifei.

 

Por essas razões, conheço do documento acostado com o recurso, consistente em fotografia do cheque emitido pelo prestador de contas, de simples constatação e com aptidão para, em tese, conduzir ao saneamento da irregularidade apontada.

Efetivamente, o cheque em questão foi emitido nos moldes da Resolução TSE n. 23.607/19, art. 38, inc. I, que preconiza nos seguintes termos:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I – cheque nominal cruzado

[…]

Portanto, a irregularidade refere-se a um cheque compensado por beneficiário diferente do apontado, nas contas, como prestador de serviço.

Verifica-se que o cheque n. 000002 do Banco do Estado do Rio Grande do Sul - Banrisul, no valor de R$ 400,00, foi emitido de forma cruzada e nominal a ITAMIRA DE F. A. DE SOUZA (ID 45799582, p. 4). Todavia, no extrato bancário da conta de campanha (ID 45799543) e no exame de contas proferido pelo cartório (ID 45799565), constou que o cheque foi compensado pela empresa LOTERICA BONASORTE LTDA.

Intimado para se manifestar sobre a irregularidade, o interessado apresentou, inicialmente, cópia de comprovante de depósito bancário, em dinheiro, em favor de ITAMIRA DE F. A. DE SOUZA, o que não teve o condão de sanar a irregularidade.

Agora, em sede recursal, alega que o pagamento à prestadora foi realizado em estrita observância ao prescrito no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 e que a compensação do cheque de forma diversa não pode ser imputada ao ora recorrente.

No caso dos autos, resta comprovado que o candidato emitiu o cheque como prescrito no já citado art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, não podendo ser responsabilizado por seu endosso e pagamento a terceiro diferente da relação contratual entre as partes indicadas na contabilidade, dado que o cheque nominal e cruzado pode ser endossado por meio de autorização no verso.

Na forma do art. 17, § 1º, da Lei n. 7.357/85 (Lei do Cheque), para proibir o endosso de cheque, ainda que nominal e cruzado, deve-se marcar como “não à ordem” a cártula, pois todo o cheque, por padrão, apresenta a expressão “à ordem”, podendo ser endossado normalmente. Para proibir a concessão, deve-se riscar o “à ordem” e colocar “não à ordem”, mas o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 não estabelece a exigência de vedação ao endosso

Dessa maneira, deve ser afastada essa irregularidade, na linha de entendimento já adotado por esta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DESAPROVAÇÃO. CHEQUE DESCONTADO POR TERCEIROS. DOCUMENTAÇÃO APTA A DEMONSTRAR A REGULARIDADE NO PAGAMENTO DE DESPESA. CÁRTULA NOMINAL E CRUZADA. ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. AUTORIZADO O ENDOSSO POSTERIOR. ART. 17 DA LEI N. 7.357/85. POSSIBILIDADE DE DESCONTO EM BANCO POR TERCEIROS. VÍCIO SANADO. AFASTADA A NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. CONTAS INTEGRALMENTE APROVADAS. PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha e determinou o recolhimento da quantia considerada irregular ao Tesouro Nacional. 2. Acervo probatório coligido aos autos pela prestadora apto a demonstrar o fiel cumprimento do disposto no art. 38 da Resolução TSE 23.607/19 quanto às formas de realização de dispêndios durante o pleito. O cheque acostado comprova a emissão na forma cruzada e nominal, não havendo ressalva na legislação eleitoral quanto ao seu endosso, podendo ser transmitido a terceiros, de acordo com o art. 17 da Lei n. 7.357/85. 3. Sanado o vício que maculava as contas. Aprovação sem ressalvas. Afastada a necessidade de recolhimento ao erário do montante tido por irregular quando da sentença de primeiro grau. 4. Provimento.

(REl PC n. 0600285-77, Rel. Des. El. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, j. 7.7.2021.) Grifei.

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RONI. OMISSÃO DE DESPESA. NOTA FISCAL EMITIDA EM NOME DO CANDIDATO NÃO DECLARADA. AUSENTE DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO ERÁRIO NA ORIGEM. INVIÁVEL A IMPOSIÇÃO NESTA INSTÂNCIA EM PREJUÍZO AO RECORRENTE. CHEQUE EMITIDO NOS MOLDES DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. AUTORIZADO O ENDOSSO A TERCEIRO. IRREGULARIDADE DE BAIXA MONTA. APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas, em razão do recebimento de recursos de origem não identificada - RONI - utilizados para o pagamento de despesa não escriturada nas contas e da falta de emissão de cheque cruzado para quitação de dispêndio com pessoal de campanha e serviços de panfletagem. Não determinado o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional. 2. Emissão de nota fiscal, em nome do prestador, não declarada nas contas de campanha. Não demonstrada a origem do montante empregado para quitação do débito, e ausente o trânsito do valor por conta bancária, resta caracterizado o uso de recursos de origem não identificada - RONI. Vício mantido. 3. Demonstrada a correta emissão de cheque nominal e cruzado pelo candidato, ainda que compensado por terceiro. A hipótese de ensosso da cártula a terceiro não é vedada pela Lei n. 7.357/85 (Lei do Cheque) nem contraria o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Falha sanada. 4. Irregularidade de baixa monta, apta a autorizar a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade visando ao juízo de aprovação das contas com ressalvas. 5. Parcial provimento.

(TRE-RS - RE: 060031507 PALMARES DO SUL - RS, Relator.: GERSON FISCHMANN, Data de Julgamento: 27/01/2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 01/02/2022.) Grifei.

 

Portanto, à guisa de conclusão, restou demonstrado nos autos o saneamento da única irregularidade apontada na sentença que julgara as contas, possibilitando a reforma do julgado para aprová-las e, consequentemente, afastar a determinação de recolhimento do montante tido por irregular (R$ 400,00) ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 74, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ante o exposto, VOTO por DAR PROVIMENTO ao recurso interposto, a fim de aprovar as contas de SIDNEI DE CARVALHO MAGAGNIN, bem como afastar a determinação de recolhimento de R$ 400,00 ao Tesouro Nacional.