REl - 0600711-62.2024.6.21.0020 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/05/2025 às 14:00

VOTO

I. ADMISSIBILIDADE

Os recursos são tempestivos, visto que interpostos dentro do tríduo recursal. Mostrando-se adequados à espécie e preenchidos os demais pressupostos recursais, conheço de ambos os recursos.

 

II. PRELIMINAR DE OFÍCIO – INOVAÇÃO PROCESSUAL

Em alegações finais, o recorrente ERNANI MARIO COELHO MELLO trouxe tópico relativo ao excesso apontado na PCE 0600642-34.2024.6.21.0148, relativa à prestação de contas de PAULO ALFREDO POLIS, que denotaria a ocorrência do abuso de poder econômico entrelaçado aos já citados desvios da campanha, visto que apontaria uma superação de gastos na monta de 37,2% com relação ao valor máximo permitido pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Após o processo ser sentenciado, o demandante opôs embargos de declaração apontando omissão no julgado quanto ao citado tópico. Assim manifestou-se a Magistrada a quo:

“A alegação de "abuso de poder econômico" trazida aos autos pelo representante trata-se de fato novo, totalmente alheio à discussão travada nos presentes autos, que transborda os limites dos argumentos fáticos e jurídicos já deduzidos no processo e, portanto, incapaz de influenciar o teor da sentença proferida nos autos. A pretensão do representante é descabida. Antes mesmo da apresentação das contas finais por parte do representado, consultou o sistema de divulgação de contas do TSE, lançou nos autos o novo fato, mesmo após o encerramento da instrução, de forma totalmente desconexa a sua própria petição inicial e com o andamento do feito, e pretendeu a condenação do representado nas graves penas previstas pela Lei Complementar nº 64/90.

Não houve, portanto, omissão, já que o representante, ora embargante, quis produzir, sem quaisquer provas, nova demanda dentro da presente ação de investigação judicial eleitoral.”

 

Tais alegações encontram-se reprisadas no recurso eleitoral de ID 45803926, no qual está juntada cópia do extrato da prestação de contas da PCE 0600642-34.2024.6.21.0148. Arguiu o recorrente que o abuso de poder econômico demonstrado na prestação de contas do representado, em função do excesso de gastos da campanha, é um desdobramento dos fatos narrados na exordial, da qual fora oportunizada o contraditório ao longo da instrução.

Aduz que há possibilidade de conhecer-se da matéria e julgá-la neste momento processual, por ser aplicável a teoria da causa madura. Nesse sentido, há de privilegiar-se o célere andamento processual típico dos feitos eleitorais, além de não haver necessidade de maior dilação probatória.

Tenho não assistir razão ao recorrente quanto ao ponto.

Explico.

Em que pese a Ação de Investigação Judicial Eleitoral em análise estar fundamentada na previsão do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, que visa apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, da leitura de todos os fatos trazidos na inicial (nove, ao total), não está demonstrada indubitavelmente a relação entre tais acusações ao que o dispõe o artigo 18-B da Lei n. 9.504/97, conjugado com o artigo 6º da Resolução TSE n. 23.607/19, como pretendido pelo recorrente. Nesse sentido, em conclusão, o recorrente apenas alega que: “(...) tomando-se apenas o componente econômico, apartado de todas as demais condutas abusivas descritas inicialmente na AIJE, o recorrido desequilibrou o pleito, afetando sobremaneira a legitimidade e a normalidade” (ID 45803926, p. 8).

De fato, é claro que a demanda não foi instaurada visando a apurar condutas em desacordo com as normas relativas a arrecadação e gastos de recursos e, portanto, tenho que se tratam de fatos e argumentos novos, apresentados após o encerramento da instrução, repisados no recurso ordinário e que não foram objeto de discussão em primeiro grau, constituindo verdadeira inovação recursal, não passível de análise por esta Corte ad quem, sob pena de violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.

Pelo exposto, suscitando de ofício preliminar de inovação recursal, não conheço dos fatos novos trazidos pelo recorrente nos tópicos 2 (ABUSO DE PODER ECONÔMICO. ULTRAPASSAGEM DO LIMITE DE GASTOS EM 37,72%) e 3 (TEORIA DA CAUSA MADURA: AUSÊNCIA DE INOVAÇÃO PROCESSUAL OU DE FATO NOVO – POSSIBILIDADE DE JUNTADA DE DOCUMENTO EM FASE RECURSAL) no recurso de ID 45803926.

Destaco.

 

III. MÉRITO

Conforme relatado, trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral proposta por ERNANI MARIO COELHO MELLO PREFEITO em face de PAULO ALFREDO POLIS PREFEITO ajuizada em decorrência de supostos abuso de poder político, econômico e realização de conduta vedada a agente público durante o período eleitoral.

Cumpre relacionar que a repressão ao abuso de poder político e econômico possui previsão constitucional insculpida no § 9º do art. 14 da Carta Magna. Vejamos:

Art. 14. […]

§ 9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Concretizando o comando constitucional, foi editada a Lei Complementar n. 64/90, que, visando a proteger a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência abusiva do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta, estabeleceu, em seus artigos 19 e 22, que as transgressões pertinentes seriam apuradas mediante investigação judicial. Vejamos:

Art. 19. As transgressões pertinentes à origem de valores pecuniários, abuso do poder econômico ou político, em detrimento da liberdade de voto, serão apuradas mediante investigações jurisdicionais realizadas pelo Corregedor-Geral e Corregedores Regionais Eleitorais.

Parágrafo único. A apuração e a punição das transgressões mencionadas no caput deste artigo terão o objetivo de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta, indireta e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

(...)

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(...)

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010.) (Grifei.)

Categorizados como condutas de conceito aberto, os atos abusivos são conceitualizados como aquele ato que extrapola o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e/ou do poder político, decorrente da função pública exercida, capaz de causar indevido desequilíbrio por tais condições na igualdade entre os concorrentes ao pleito.

Destaco excerto doutrinário de lavra de CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO e WALBER DE MOURA AGRA, que melhor exemplifica a conceitualização do que seria um ato abusivo na seara eleitoral:

"O abuso de poder econômico e político é de difícil conceituação e mais difícil ainda sua transplantação para a realidade fática. O primeiro é a exacerbação de recursos financeiros para cooptar votos para determinado(s) candidato(s), relegando a importância da mensagem política. Há uma exacerbação de meios materiais que apresentem conteúdo econômico para o voto de forma ilícita. O segundo configura-se na utilização das prerrogativas auferidas pelo exercício de uma função pública para a obtenção de votos, esquecendo-se do tratamento isonômico a que todos os cidadãos têm direito, geralmente com o emprego de desvio de finalidade." (Elementos de Direito Eleitoral, 5ª ed., 2016, p. 422.)

Importante destacar que tal conduta não necessita, necessariamente, ser gravosa a ponto de alterar o resultado das urnas, caso não ocorresse. Conforme dispõe o inciso XVI, do já citado art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, a quebra da normalidade do pleito, maculando-se a isonomia entre os candidatos, já requisito suficiente para classificar determinada prática como abusiva. In verbis:

Art. 22.

(…)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

Na mesma linha, o colendo Tribunal Superior Eleitoral, em consolidada jurisprudência, entende que, para a caracterização da abusividade faz-se necessária a comprovação da gravidade dos fatos, e sua potencialidade para influenciar a vontade livre do eleitor e desequilibrar a disputa entre os candidatos e deve ser amparada em prova robusta a demonstrar tal desvirtuamento.

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. Conforme a jurisprudência desta Corte, o ‘abuso de poder econômico configura–se por emprego desproporcional de recursos patrimoniais, públicos ou de fonte privada, vindo a comprometer valores essenciais a eleições democráticas e isentas’ (AgR–RO 8044–83, rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 5.4.2018). 2. [...]. 3. Conforme a jurisprudência desta Corte e nos termos do art. 22, XVI, da LC 64/90, para que fique configurada a prática de abuso de poder, é necessária a comprovação da gravidade dos fatos, e não sua potencialidade para alterar o resultado da eleição, isto é, deve–se levar em conta o critério qualitativo – a aptidão da conduta para influenciar a vontade livre do eleitor e desequilibrar –, e não o quantitativo, qual seja a eventual a disputa entre os candidatos diferença de votos entre o candidato eleito para determinado cargo e os não eleitos. 4. A cassação do registro ou diploma deve se basear em provas robustas, o que não se vislumbra elementos objetivamente demonstrados no decisum na espécie. Se há fundadas dúvidas acerca da gravidade da conduta, é recomendável dar prevalência à vontade popular exsurgente das urnas. Recurso especial provido. Ação cautelar julgada procedente. (Recurso Especial Eleitoral nº 114, Acórdão, Relator Min. Admar Gonzaga, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 39, Data 25/02/2019, Página 28/29).

Por seu turno, a legislação de regência concernente às condutas vedadas visa a tutelar o bem jurídico da isonomia entre os concorrentes ao pleito. Já há algum tempo, o Tribunal Superior Eleitoral tem como pacífico que as hipóteses relativas às condutas vedadas são objetivas, taxativas e de legalidade restrita, sendo que “a conduta deve corresponder ao tipo definido previamente” (Recurso Especial Eleitoral n. 24.795, Rel. Luiz Carlos Madeira, julgado em 26.10.2004).

No âmbito deste Tribunal Regional, igualmente já fora decidido que a vedação legislativa à prática das condutas vedadas tem como bem jurídico tutelado “(…) a igualdade de oportunidades entre os concorrentes ao pleito, sendo as hipóteses relativas às condutas vedadas taxativas e de legalidade restrita” (REl n. 29933, Rel. DESA. ELAINE HARZHEIM MACEDO, j. 12.12.2012, DEJERS - Tomo 244, Data 19.12.2012).

Dessa forma, diferentemente do que ocorre nas condutas enquadráveis como abusivas, a constatação da prática de conduta vedada exige apenas a consunção do fato prescrito na legislação que o tipifica, sem necessidade de análise subjetiva ou do efeito no resultado da competição eleitoral – dizendo de outro modo, a opção legislativa na tipificação de foi a de entender que a mera realização de determinadas práticas é, por si só, tendente a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos.

Estabelecidas as balizas legais, doutrinárias e jurisprudenciais de atos abusivos e de condutas vedadas a agentes públicos em campanha eleitoral, passo a analisar individualmente os recursos interpostos:

 

III.1 – DO RECURSO DE ERNANI MARIO COELHO MELLO

 

a) UTILIZAÇÃO INDEVIDA DA IMAGEM DO SLOGAN DE GESTÃO EM TODA CAMPANHA ELEITORAL “EU AMO ERECHIM”

O recorrente alega que o PAULO ALFREDO POLIS fez uso em sua propaganda eleitoral de símbolo alusivo ao Município, instalado no “Mirante Maurício Cardoso”, o que seria proibido por lei, a qual vedaria a sua utilização, nos termos do artigo 40 da Lei n. 9.504/97. Vejamos o que diz o referido artigo:

Art. 40. O uso, na propaganda eleitoral, de símbolos, frases ou imagens, associadas ou semelhantes às empregadas por órgão de governo, empresa pública ou sociedade de economia mista constitui crime, punível com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de dez mil a vinte mil UFIR.

O aludido artefato consiste em instalação com a “Eu Amo Erechim”, com a seguinte apresentação:

Uma imagem contendo ao ar livre, homem, edifício, frenteO conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.

Tenho que a sentença não merece reparo quanto ao ponto. Tal tipo de instalação, com o slogan genérico “eu amo Erechim” não pode ser considerado como símbolo, frase ou imagem que possa ser associado a órgão de governo ou à gestão específica, uma vez que é símbolo amplamente utilizado como forma de promoção turística, em centenas ou milhares de cidades.

Efetivamente, das imagens estampadas na moldura fática delineada no acórdão regional, extrai- se que o aludido símbolo fora esculpido em letreiro na cidade como mera promoção turística, comumente associado à expressão de afetividade junto ao nome da cidade, o que não se confunde com a marca de gestão municipal.

Nesse sentido, é a posição do Colendo Tribunal Superior Eleitoral (TSE):

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). PREFEITO. VICE-PREFEITO. ABUSO DO PODER POLÍTICO. ALEGADA UTILIZAÇÃO DE SÍMBOLO DA GESTÃO MUNICIPAL NA CAMPANHA ELEITORAL. IMPROCEDÊNCIA. EMBLEMA DE CORAÇÃO ESCULPIDO EM LETREIROS EM LOCAIS PÚBLICOS. MERA PROMOÇÃO TURÍSTICA COMUM EM DIVERSAS CIDADES DO PAÍS. DESPROVIMENTO. 1. O símbolo de coração de cor vermelha esculpido nos letreiros instalados na municipalidade, além de não se assemelhar ao utilizado pelos agravados na propaganda eleitoral, consoante fotografias estampadas no acórdão regional, tampouco é empregado como símbolo oficial da prefeitura, mas apenas como emblema universal, de domínio público, existente em diversos outros locais do país, comumente associado à expressão "AMO" junto ao nome da cidade, como forma de promoção turística. 2. Uma vez que não há confusão entre o símbolo empregado nos letreiros e aquele utilizado na campanha eleitoral, afasta-se a prática de abuso do poder político, cuja caracterização, por força do que dispõe o art. 22, XVI, da LC nº 64/90, não prescinde da demonstração do requisito da gravidade, ausente na espécie. 3. Agravo em recurso especial desprovido. (Agravo em Recurso Especial Eleitoral nº060096520, Acórdão, Min. Carlos Horbach, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 18/05/2023) Grifei.

 

b) ABUSO DE PODER ECONÔMICO. ULTRAPASSAGEM DO LIMITE DE GASTOS EM 37,72%.

Aqui, reporto-me à preliminar suscitada de ofício para não conhecer do tópico aventado no recurso, por se tratar de inovação recursal.

 

c) FÉRIAS E LICENÇAS CONCEDIDAS DURANTE A CAMPANHA

O representante argumentou que foram concedidas férias para 65 (sessenta e cinco) servidores comissionados justamente no período eleitoral, o que demonstraria que o ato de concessão do benefício teve finalidade eleitoreira, caracterizando assim o abuso de poder político e conduta vedada por parte do representado.

Com relação a essa questão, houve controvérsia quanto aos números alegados, uma vez que fora apresentado relatório produzido pela Prefeitura de Erechim – Setor de Administração de Pessoal em que fora demonstrado que se concedera férias para 38 (trinta e oito) servidores detentores de cargo em comissão durante o período (ID 45803841).

Em verdade, o art. 73, III da Lei n. 9.504/97 estabelece como conduta vedada a cessão de servidor público em favor de campanha eleitoral, salvo se estiver licenciado, ressalva que se estende ao gozo de férias, folgas, descansos etc., o que justamente é o caso dos autos.

Também, quanto à eventual categorização de abusividade do ato, fundamentalmente, não há prova da gravidade de tal fato para efetivamente interferir na legitimidade do pleito. Eventual irregularidade do ato administrativo deve ser demonstrada de plano pelo representante, dado o restrito âmbito cognitivo da representação, máxime porque a legalidade do ato administrativo é presumida. Nesse sentido, posiciona-se a jurisprudência, in verbis:

EMENTA - RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO E OU DE AUTORIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA COLIGAÇÃO ACOLHIDA. CONCESSÃO DE FÉRIAS ANTECIPADAS A SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. CONDUTA VEDADA. ART. 73, III, DA LEI Nº 9 .504/1997. NÃO CARACTERIZAÇÃO. UTILIZAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO EM CAMPANHA ELEITORAL. PROVA DE QUE O SERVIDOR ESTAVA EM GOZO DE FÉRIAS. PRESUNÇÃO DE VALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO, NO RESTRITO ÂMBITO COGNITIVO DA REPRESENTAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Não integram o polo passivo da AIJE a pessoa jurídica, bem como partido político ou coligação, por não se sujeitarem às sanções próprias da ação (inelegibilidade, cassação do registro ou do diploma do candidato). 2.Não há nulidade pela ausência de citação do servidor público que eventualmente tenha gozado de férias de forma ilícita, quando incluídos na lide o agente público responsável pela concessão das férias, que também é o candidato diretamente beneficiado com a eventual conduta vedada praticada, vez que é este quem sofre as sanções legais. 3.O art. 73, III da Lei nº 9.504/1997 veda a cessão do servidor público em favor de campanha eleitoral, salvo se estiver licenciado, ressalva que se estende ao gozo de férias, folgas, descansos etc. 4.O que a lei proíbe é a atividade de campanha política do servidor enquanto deva prestar serviço público para o qual é remunerado. 5. Demonstrado que o servidor se encontra em férias no período em que participou de atividades de campanha, resta afastada a hipótese de conduta vedada. 6.Eventual irregularidade do ato administrativo deve ser demonstrada de plano pelo representante, dado o restrito âmbito cognitivo da representação, máxime porque a legalidade do ato se presume. 7.Recurso conhecido e desprovido. (TRE-PR - RE: 0000173-12.2016 .6.16.0098 JURANDA - PR 17312, Relator.: Roberto Ribas Tavarnaro_4, Data de Julgamento: 15/05/2017, Data de Publicação: DJ-, data 19/05/2017)

Sem razão quanto ao ponto, portanto.

 

d) PROPAGANDA ELEITORAL EM BENS PÚBLICOS. IMAGENS DE ACESSO EXCLUSIVO AO CHEFE DO EXECUTIVO MUNICIPAL. (GINÁSIO, ESCOLAS, UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE, UPA, HOSPITAL).

De acordo com o recorrente, PAULO ALFREDO POLIS, abusando da sua posição de prefeito, gravou imagens no interior de escolas e unidades de saúde em funcionamento, apresentando profissionais em atendimento, alunos estudando, equipamentos trabalhando etc., benefício que não se estendeu aos outros candidatos envolvidos na campanha.

A parte adversa, por sua vez, em contrarrazões, contrapõe a acusação ao dizer que a utilização de imagens de bens públicos, ou mera veiculação de imagens não é vedada pela legislação de regência. A veiculação de imagens dos bens públicos só poderia ser considerada ilícita se obtida a partir de um banco restrito, o que, no caso, não ocorreu.

Para ilustrar a controvérsia, colaciono algumas imagens trazidas na exordial.

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Tela de computador com foto de homemO conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.

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A Magistrada a quo, reconhecendo a conduta dentre aquelas vedadas pelo artigo 73, inciso I, da Lei n. 9.504/97, assim sentenciou quanto ao ponto:

“(...)

Procedem, no ponto, em parte as alegações do representante. Examinando as provas juntadas aos autos, tais como vídeos de propaganda eleitoral do “Youtube” e frames dessas produções, é possível perceber que não foram meras gravações de bens e obras públicas, e que houve a intervenção na rotina de funcionamento das instituições, ou mesmo a participação combinada dos agentes e estudantes nas gravações, uniformizados, inclusive, uma posição privilegiada que somente o representado, como agente da administração, poderia gozar.

Alunos entrando na escola ou filmados uniformizados, até abraçando o candidato representado, bem como pacientes sendo atendidos por profissionais de saúde ou recebendo apoio da “Farmácia Móvel”, são condutas que extrapolam o mero registro de bens, obras e realizações para divulgação em campanha eleitoral. Houve, portanto, a prática de conduta vedada a agente público, prefeito do Município de Erechim/RS, que fez o uso de bens públicos em favor de sua própria campanha. Esses locais não eram, em tais condições, de livre acesso aos demais concorrentes, havendo quebra na isonomia e lesão ao bem jurídico protegido.

Incidiu o representado, portanto, na vedação contida no artigo 73, inciso I, da Lei nº 9.504/1997, que proíbe a cessão ou uso de bens públicos em benefício de candidatos e partidos políticos.

Esses fatos, porém, não caracterizam abuso de poder político e não se revestem da gravidade necessária para a cassação do registro de candidatura do representado ou a decretação de sua inelegibilidade, penas previstas pelos artigos 22, da XIV, da Lei Complementar nº 64/90, e 73, § 5º, da Lei nº 9.504/1997, sendo a punição justa e adequada ao comportamento a aplicação de multa, no patamar estabelecido pelo artigo 73, § 4º, da Lei nº 9.504/1997.”

Destaco, de antemão, que não vislumbro conduta abusiva com potencialidade para influenciar a vontade livre do eleitor ou desequilibrar a disputa entre os candidatos. Tenho que a controvérsia estabelecida, portanto, está em definir se as publicidades impugnadas configuram condutas vedadas descritas no art. 73, incisos I e III, da Lei n. 9.504/97, que assim dispõe:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

(...)

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

Enquanto a hipótese do inciso I se refere ao uso de bens móveis ou imóveis pertencentes à administração pública em benefício de candidato, partido ou coligação, o inciso III cuida da cessão de servidor ou empregado público, durante o horário de expediente, para o mesmo fim.

A jurisprudência entende que "o que o dispositivo legal acima citado veda é o uso efetivo, real, do aparato estatal em prol de campanha, e não a simples captação de imagens de bem público" (TRE/PR, RP 060053464, Rel. Des. Fernando Quadros da Silva, julgado em 08/04/2021). No tópico em análise, todavia, diferentemente do defendido pela parte representada, fica nítido que não se tratou de mera filmagem de espaço público (escola municipal e posto de saúde) para produção da propaganda eleitoral, havendo violação à norma proibitiva.

Há a filmagem de alunos entrando na escola, posando uniformizados para as imagens, bem como pacientes sendo atendidos por profissionais de saúde, em clara interferência ao funcionamento normal das unidades e à privacidade dos profissionais e cidadãos. Inclusive, destaco a imagem do candidato abraçando alunos uniformizados, o que comprova a extrapolação da impessoalidade e do distanciamento na captação das imagens:

Interface gráfica do usuário, SiteO conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.

Como bem referido na sentença, é nítido que houve a intervenção na rotina de funcionamento das instituições e a captação de imagens de servidores públicos e estudantes uniformizados - interferindo em suas atividades, assim como cidadãos que deveriam estar em atendimento reservado. Uma posição privilegiada que o representado, prefeito em exercício concorrente à reeleição, poderia gozar.

Tal conclusão está em linha com precedentes quanto a casos análogos, como se pode extrair da ementa que colaciono a título exemplificativo:

EMENTA - RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. LEI Nº 9.504/1997, ART. 73, I E III. GRAVAÇÃO DE PROGRAMA ELEITORAL NO INTERIOR DE SALA DE AULA DE ESCOLA PÚBLICA DURANTE O PERÍODO ELEITORAL. AUTORIZAÇÃO CONCEDIDA MEDIANTE SOLICITAÇÃO DO AGENTE PÚBLICO A FIM DE GRAVAR PROPAGANDA INSTITUCIONAL. QUEBRA DA ISONOMIA. CONDUTA VEDADA CONFIGURADA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Embora o art. 73, I da Lei das Eleições não impeça a utilização, na propaganda eleitoral, de imagens de bens públicos ou obras públicas, veda-se a divulgação de imagens que tenham sido obtidas mediante acesso privilegiado a bens públicos, franqueado por certas autoridades interessadas no pleito, violando-se a isonomia. 2. Quando o prefeito e candidato à reeleição vale-se de sua autoridade para obter acesso ao interior de sala de aula a fim de gravar propaganda eleitoral quebra o equilíbrio do pleito, configurando a conduta vedada. 3. A exploração de imagens de servidores públicos em atividade, interrompendo sua rotina de trabalho, caracteriza a conduta vedada trabalhada pelo art. 73, III da Lei 9.504/1997. 4. Não aplicação de multa, em razão da proibição de "reformatio in pejus". 5. Recurso conhecido e desprovido. (TRE/PR, Recurso Eleitoral nº 2058, Rel. Des. Roberto Ribas Tavarnaro, DJE 06/04/2017) Grifei.

Se por um lado, o § 5º, do art. 73, da Lei n. 9.504/97 não estabelece análise de potencialidade do ato para aplicação da sanção de cassação de registro ou diploma, sendo que a simples configuração da conduta atrai as sanções previstas, por outro lado, a norma não é taxativa acerca da necessária aplicação de todas as sanções previstas. No caso em apreço, adoto a mesma conclusão da Magistrada a quo, a entender que tais atos não se revestiram da gravidade necessária a ensejar cassação do diploma dos representados ou a decretação de inelegibilidade.

Diante disso, a jurisprudência capitaneada pelo colendo TSE, estabeleceu que para o estabelecimento da multa é necessário que a conduta do agente seja analisada levando-se em conta o princípio da proporcionalidade, a fim de se evitar a aplicação de sanção desproporcional à conduta apresentada. Vejamos:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO. GOVERNADOR. VICE-GOVERNADOR. CONDUTA VEDADA. ART. 73, INCISOS I E III, DA LEI Nº 9.504/1997. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. RECURSO DESPROVIDO.  (...) 3. Na fixação de penalidade em razão da prática de conduta vedada, "cabe ao Judiciário dosar a multa prevista no § 4º do mencionado art. 73, de acordo com a capacidade econômica do infrator, a gravidade da conduta e a repercussão que o fato atingiu" (Rp nº 2959-86/DF, rel. Min. Henrique Neves, julgada em 21.10 .2010). (...) Precedentes. 6. Agravo regimental desprovido. (TSE - RO: 137994 PORTO ALEGRE - RS, Relator.: GILMAR FERREIRA MENDES, Data de Julgamento: 28/11/2016, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 56, Data 22/03/2017, Página 99-100) Grifei.

Nesse sentido, entendo que a aplicação de sanção pecuniária imposta pelo Juízo de Primeiro Grau se mostra desproporcional ao ato praticado, sendo insuficiente a caracterizar exemplo apto a inibir condutas afins.

Considerando que as imagens foram veiculadas, ao menos, em sete programas de propaganda eleitoral, tenho que a reiteração da conduta se reveste de gravidade suficiente a ensejar o aumento da pena.

Quanto à repercussão da infração, entendo-a insuficiente a ensejar o aumento da multa por tal motivo. Isso porque, oportuno ressaltar, consultando-se os links trazidos na inicial, cada publicação obteve entre 29 e 50 visualizações até a presente data.

Desse modo, estabelecidas as premissas acima, considerando a gravidade dos fatos e a reiteração da conduta, pedindo vênia para divergir da conclusão da sempre diligente Procuradoria Regional Eleitoral, concluo por reformar parcialmente a sentença impugnada para, reconhecendo a realização de conduta vedada prevista no art. 73, incisos I e III, da Lei n. 9.504/97, majorar a multa cominada, fixando-a em 10.000 UFIR, valor que entendo suficiente a configurar reprimenda à conduta praticada.

 

e) USO DE IMAGEM DO ACERVO MUNICIPAL CUSTEADA COM DINHEIRO PÚBLICO NA CAMPANHA ELEITORAL DO RECORRIDO

Quanto ao tópico, o recorrente aduz que foram utilizadas imagens do acervo público municipal na propaganda eleitoral da campanha do recorrido, adquiridas com recursos públicos.

A sentença ora vergastada consignou que o recorrente não logrou êxito em demonstrar o uso, por parte do representado, de imagens captadas com o dinheiro público, em publicidade institucional, na campanha política do representado.

No caso, apesar de estarem encartados nos autos colagem de dois pares de imagens a demonstrar identidade entre trechos da publicidade institucional veiculada pela Prefeitura de Erechim e a propaganda eleitoral impugnada, a prova produzida se concentrou nos depoimentos prestados por testemunhas e informantes. Os depoimentos deixam qualquer juízo condenatório inviável, visto que todos são meramente opinativos quanto ao ponto, necessitando que tal demonstração se desse por outro tipo de prova, que não a oral.

Recordo, nas palavras da doutrina de ANNA PAULA OLIVEIRA MENDES, que a difícil análise acerca das circunstâncias dos fatos deve se dar, ademais de respaldada em prova contundente e robusta, de forma criteriosa, pois “a atuação da Justiça Eleitoral de desconstituir um mandato tem um caráter essencialmente contramajoritário, que apenas deve se dar quando for a única medida capaz de restabelecer a legitimidade do processo eleitoral (MENDES, Anna Paula Oliveira. O abuso do poder no Direito Eleitoral. Fórum, 2022. p. 27)”.

Ademais, ainda que imagens e fotografias que alimentam as redes sociais ou o banco de imagens da Prefeitura tenham sido produzidas por servidores públicos municipais ou por empresa contratada para tal finalidade, não há ilegalidade na sua utilização, pois, conforme já decidido pelo egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Paraná: “Imagens e fotografias que se encontram em domínio público podem ser utilizadas por qualquer pessoa, a favor ou contra candidatos ao pleito, não havendo restrição à isonomia da disputa” (RE 0600035-61.2020.6.16.0031. Rel. Dr. Roberto Ribas Tavarnaro. DJe 08/02/2021).

Portanto, sem reparos à sentença quanto ao ponto.

 

f) UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE “POLIS DISPARA NA PESQUISA” DIVULGAÇÃO DE FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO. INCIDÊNCIA DO ART. Art. 9º-C RESOLUÇÃO Nº 23.732/24 TSE

Aqui, não há reparos a fazer na sentença. O recorrente alega que PAULO ALFREDO POLIS veiculou publicação contendo o termo “POLIS DISPARA NA PESQUISA”, utilizando o mesmo percentual da divulgação de sete dias anteriores, ou seja, em 22.09.2024. Diz ser incontroverso que tal publicação causou danos ao equilíbrio do pleito, bem como a integridade do processo eleitoral, atraindo a incidência do art. 9-C da resolução n. 23.732/2024.

O aludido artigo encontra-se integrado à Resolução TSE n. 23.610/19, que assim dispõe:

Art. 9º-C É vedada a utilização, na propaganda eleitoral, qualquer que seja sua forma ou modalidade, de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

§ 1º É proibido o uso, para prejudicar ou para favorecer candidatura, de conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia (deep fake). (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

§ 2º O descumprimento do previsto no caput e no § 1º deste artigo configura abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação social, acarretando a cassação do registro ou do mandato, e impõe apuração das responsabilidades nos termos do § 1º do art. 323 do Código Eleitoral, sem prejuízo de aplicação de outras medidas cabíveis quanto à irregularidade da propaganda e à ilicitude do conteúdo. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

Sem razão o recorrente. Nos termos do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, as questões envolvendo licitude da pesquisa divulgada foram amplamente debatidas e decididas anteriormente no processo 0600708-10.2024.6.21.0020, que assentou a legalidade da pesquisa e, portanto, sendo autorizada sua divulgação.

Ademais, uso do verbo "disparar" mostrou-se apenas como elemento de adjetivação da retórica de campanha, mostrando relação com os dados da pesquisa oficial e, por fim, com a votação alcançada pelo candidato.

 

g) UTILIZAÇÃO DA MÁQUINA PÚBLICA PARA FINS ELEITOREIROS (ASFALTO – MÁQUINAS)

Nos termos da sentença, o recorrente alegou que houve, por parte do investigado, um aumento excessivo na pavimentação asfáltica do Município de Erechim/RS no período imediatamente anterior ao período eleitoral, mais exatamente a “triplicação do padrão normal de realização dessas obras”, o que demonstraria o uso da máquina pública com desvio de finalidade e em benefício da candidatura impugnada.

Aduz que, no final de 2023, foi adquirida a usina de asfalto a quente pela Prefeitura, e que tal aquisição fora utilizada como “marca” da campanha do então candidato à reeleição sob o anúncio da “conquista de mais de 1.000 ruas asfaltadas”.

A conduta abusiva estaria na concentração do asfaltamento das ruas em ano eleitoral, principalmente nos últimos três meses, uma vez que a usina de asfalto a quente restou adquirida tão somente no final de 2023, e que “funcionários e empresas terceirizadas na busca incessante e incontroversa de votos, trabalhou e trabalha nos sábados, domingos, e feriados” para alcançar a meta de asfaltamento.

Ainda, afirmou que máquinas pertencentes ao Município teriam permanecido estacionadas em frente a imóvel de propriedade de candidato a vereador, CARLOS LEMOS, durante o período eleitoral, consumando-se, assim, o abuso de poder político.

Como bem analisou o Juízo a quo não restaram comprovadas as conclusões do recorrente, sendo ônus probante que recai sobre o autor da demanda, que promoveu a alegação sem ter conseguido demonstrar que o alegado desvio de finalidade realmente aconteceu.

In casu, é fato inconteste que houve sim a execução das obras de asfaltagem no município. Entretanto, a execução em si desta pavimentação não configurou abuso de poder, na medida em que a parte ora recorrente não logrou êxito em comprovar que a execução desta pavimentação ocorreu com intuito meramente político-eleitoral, mesmo que sem a interferência direta do então candidato à reeleição.

A respeito, o c. TSE já decidiu que “o fato de ações governamentais se iniciarem em ano eleitoral não é motivo suficiente, por si só, para se concluir pela sua ilicitude e pela caracterização de abuso de poder político, caso contrário, impor-se-ia aos cidadãos o ônus de suportar, nesse período, uma administração pública omissa na consecução de obras previstas ou necessárias.” (AI - Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 56328 - GETÚLIO VARGAS – RS, Relator(a) Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 03/12/2018).

Da mesma forma, a publicização de feitos da Administração pelo candidato à reeleição é estratégia totalmente aceita e até esperada no certame, como podemos extrair da jurisprudência que colaciono:

RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. PROMOÇÃO DO CANDIDATO À REELEIÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS DURANTE A GESTÃO MUNICIPAL. ASFALTO. PÁGINA PESSOAL EM REDES SOCIAIS. ETAPAS REALIZADAS EM ANOS ANTERIORES. NÃO CONFIGURAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Não há vedação legal para que dos candidatos divulguem obras de sua gestão durante o período de campanha eleitoral em suas páginas pessoais nas redes sociais, descolados da estrutura pública, sendo aceitável estratégia dos políticos o enaltecimento de atos e programas executados em sua gestão. (...) (TRE-GO - RE: 06004728220206090036 CRISTALINA - GO 060047282, Relator.: Des. Márcio Antônio De Sousa Moraes Júnior, Data de Julgamento: 14/03/2022, Data de Publicação: 18/03/2022) Grifei.

Ainda, não foi possível verificar, de forma idêntica, a ocorrência de abuso de poder político e econômico ou de captação ilícita de sufrágio a partir da apresentação de fotos mostrando equipamentos públicos estacionados em local privado. Ainda que possa verificar na única prova apresentada pelo recorrente quanto ao ponto, aparentemente o brasão do Município nas máquinas estacionadas (ID 45803816, p. 2), a prova a prática do abuso de poder ou da captação do voto requerem, para a sua configuração, que os fatos sejam comprovados de maneira robusta e inconteste, e que não pairem dúvidas sobre a troca da benesse por apoio eleitoral, o que não ocorreu na instrução probatória.

Nesse sentido, destaco:

RECURSO ELEITORAL - INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - PREFEITO E VICE CANDIDATOS À REELEIÇÃO - ALEGAÇÃO DA PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA E ABUSO DE PODER - SUPOSTA UTILIZAÇÃO DE MÁQUINAS DA PREFEITURA EM TERRENOS PARTICULARES EM TROCA DE APOIO ELEITORAL - CONTRAPRESTAÇÃO E PREVISÃO LEGAL - POSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE PROVAS DO CARÁTER ELEITOREIRO - IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA - DESPROVIMENTO DO RECURSO. - A prática de conduta vedada e do abuso de poder requerem, para a sua configuração, que os fatos sejam comprovados de maneira robusta e inconteste, e que não pairem dúvidas sobre a troca da benesse por apoio eleitoral [Precedentes TRESC: Acórdãos n. 25.671, de 21 .3.2011, Relator Juiz Sérgio Torres Paladino; n. 28.045 e n. 28.142, de 22.4.2013, e n. 28.151, de 24.4.2013, Relator Juiz Luiz Cézar Medeiros; n. 27.905, de 11.12.2012, Relator Juiz Luiz Antônio Zanini Fornerolli; n. 25.469, de 10.11.2010, Relator Juiz Rafael de Assis Horn; n . 28.213, de 27.5.2013, e n. 28.193, de 15.5.2013, Relator Juiz Marcelo Ramos Peregrino Ferreira; e n. 28.024, Relatora Juíza Bárbara Lebarbenchon Moura Thomaselli]. (TRE-SC - RDJE: 20693 SC, Relator.: MARCELO RAMOS PEREGRINO FERREIRA, Data de Julgamento: 23/10/2013, Data de Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 208, Data 31/10/2013, Página 13-14) Grifei.

 

h) UTILIZAÇÃO DE BEM PÚBLICO PARA CAPTAÇÃO DE VOTOS. CONDUTA VEDADA

O último tópico do recurso ora em análise diz respeito ao fato de que o candidato representado compareceu a culto da “Igreja do Pastor Radeski” na data de 12.09.2024, tendo realizado ato típico de campanha.

Entendeu a julgadora a quo que a conduta, prevista no artigo 37, § 4º, da Lei n. 9.504/97, seria atípica, podendo vir a caracterizar propaganda eleitoral irregular e que deveria ter sido impugnada mediante representação específica perante o juízo da 148ª Zona Eleitoral do Rio Grande do Sul, responsável pela propaganda eleitoral de Erechim/RS, conforme designação específica do TRE-RS, e não em sede de ação de investigação judicial eleitoral.

Agrego à bem-lançada sentença a conclusão adicional de que a ante a fragilidade das provas apresentadas aos autos, não restou comprovada a destinação eleitoral ou caráter eleitoreiro do culto religioso em prol da candidatura PAULO ALFREDO POLIS, não obstante o candidato realmente estivesse presente ao culto. Repito, não há elementos de prova que comprovem que a celebração religiosa tenha sido condicionada ao voto ou apoio político ou que tenha ocorrido pedido de voto em prol do então candidato. Não há provas de violação da liberdade de votos dos fiéis ou mácula à legitimidade das eleições ou igualdade entre os candidatos.

Mantenho a compreensão segundo a qual o abuso de poder (entre eles o abuso de poder religioso) deve ser robustamente comprovado, porque a sanções decorrentes de sua caracterização são de enorme gravidade sob múltiplos aspectos.

Destaque-se, por fim, que conforme depoimento de EDGAR RADESKI, o mesmo exerce o cargo de Diretor AGER – Agência Reguladora de Erechim mediante indicação submetida à sabatina pelo Poder Legislativo, com mandato fixo de quatro anos e sem subordinação ao Prefeito Municipal; e que o recorrente ERNANI MARIO COELHO MELLO também teve acesso franqueado ao templo religioso em data diversa, não havendo falar-se em mácula à igualdade entre candidatos.

 

III.2 – DO RECURSO DE PAULO ALFREDO POLIS

O recurso de PAULO ALFREDO POLIS está fundamentado em dois tópicos: a) reconhecimento da não ocorrência de conduta vedada e o afastamento da multa imposta e b) requerimento de aplicação das penalidades do art. 25 da Lei Complementar n. 64/90 pelo fato do representante deduzir AIJE de forma temerária, com nítida má-fé.

Com relação ao primeiro ponto, a fim de se evitar desnecessária tautologia, me reportarei às razões de decidir do item “d” analisado no recurso de ERNANI MARIO COELHO MELLO que concluiu que nas filmagens de alunos entrando na escola, posando uniformizados para as imagens, bem como de pacientes sendo atendidos por profissionais de saúde, há clara interferência ao funcionamento normal das unidades e à privacidade dos profissionais e cidadãos, restando nítido que houve a intervenção na rotina de funcionamento das instituições.

Estando configurada a posição privilegiada que o representado, prefeito em exercício concorrente à reeleição, alterando, indevidamente, o equilíbrio de oportunidade entre os concorrentes, decidi por reformar parcialmente a sentença para, reconhecendo a realização de conduta vedada prevista no art. 73, incisos I e III, da Lei n. 9.504/97, majorar a multa para 10.000 UFIR.

Por fim, quanto à aplicação do disposto no art. 25 da Lei Complementar n. 64/90 consigno que a AIJE destina–se a resguardar a legitimidade e a normalidade das eleições, prevenindo ou punindo práticas abusivas que possam macular o pleito. Trata–se de procedimento de caráter jurisdicional, cuja propositura deve atender a requisitos gerais do Código de Processo Civil e, também, às especificidades da legislação eleitoral. Da conjugação desses elementos, tem–se que a viabilidade da AIJE depende de: a) ajuizamento por legitimado ativo, ou seja, por partido político, federação, coligação, candidato ou Ministério Público; b) interesse processual consubstanciado na apuração de conduta abusiva alegadamente praticada em benefício de determinada candidatura ou partido político; c) adequado preenchimento do polo passivo, com inclusão obrigatória dos candidatos ou chapas beneficiárias e, facultativamente, dos demais responsáveis. Aqui, tenho que o representante cumpriu todos os requisitos exigidos.

Na hipótese dos autos, não se vislumbra má-fé ou litigância temerária na propositura da demanda, na medida em que a narrativa trazida na petição inicial, apesar de não se confirmar, em sua maioria, na instrução do feito, em tese é passível de amoldar-se à figura típica do abuso, em suas variantes de poder e econômica ou das condutas vedadas aos agentes públicos no período eleitoral

Assim, considerando-se a teoria da asserção, tenho que o núcleo dos ilícitos em comento é satisfatoriamente preenchido pela narrativa da exordial.

Ressalto que a jurisprudência do TSE é no sentido de que “o ajuizamento de ação de investigação judicial eleitoral com base apenas em elementos indiciários ou prova pouca robusta não basta, por si só, para condenação por litigância de má–fé e/ou configuração do crime previsto no art. 25 da LC nº 64/1990, tendo em vista a necessária comprovação da intenção de alterar a verdade dos fatos, da deslealdade e do abuso de direito” (AIJE 0601779–05, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJE de 11/03/2021).

 

IV – CONCLUSÃO

Diante do exposto, VOTO por DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso interposto por ERNANI MARIO COELHO MELLO e reformar a sentença para, reconhecendo a realização da conduta vedada prevista no art. 73, incs. I e III, da Lei n. 9.504/97, majorar a multa cominada a PAULO ALFREDO POLIS para 10.000 UFIRs; e NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto por PAULO ALFREDO POLIS.