REl - 0600055-12.2024.6.21.0051 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/05/2025 às 14:00

VOTO

O recurso interposto é regular, adequado e tempestivo, e preenche todos os pressupostos recursais relativos à espécie, de modo que merece conhecimento. 

No mérito, HELIOMAR ATHAYDES FRANCO, candidato a prefeito de São Leopoldo nas Eleições 2024, e GABRIEL DIAS DA SILVA insurgem-se contra a sentença que julgou procedente a representação por propaganda eleitoral irregular ajuizada pela COLIGAÇÃO RECONSTRUIR E AVANÇAR SÃO LEOPOLDO e por NELSON SPOLAOR, por suposta propaganda eleitoral negativa, veiculada nas redes sociais Facebook e Instagram, no perfil dos representados.

A decisão atacada aplicou multa solidária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) aos recorrentes, ao entendimento de que as postagens apresentaram "ofensas e acusações depreciativas e desprovidas de prova da sua veracidade, que objetivavam atingir a candidatura adversária, indo além da crítica admitida pela liberdade de manifestação, tratando-se de apontamentos negativos que objetivavam levar ao eleitorado a ideia do não voto".

Os recorrentes, em síntese, defendem a licitude da propaganda, que teria sido realizada dentro das balizas da legislação de regência.

No campo normativo, a propaganda eleitoral está disciplinada na Lei n. 9.504/97, regulamentada pela Resolução TSE n. 23.610/19. Reproduzo as disposições pertinentes:

Art. 27. É permitida a propaganda eleitoral na internet a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 57- A) . ( Vide, para as Eleições de 2020, art. 11, inciso II, da Resolução nº 23.624/2020 )

§ 1º A livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

À análise.

O vídeo apresenta ato de campanha ao som de repetido jingle, com o seguinte conteúdo:

Se na tua rua tem buraco, Spolaor culpado!

Se na UPA é mal tratado, Spolaor culpado!

Corrupção pra todo lado, Spolaor culpado!

Cidadão sendo assaltado, Spolaor culpado!

Pra sair na rua só de barco, Spolaor culpado!

Chama o delegado.

Adianto que o recurso não merece provimento. O conteúdo veiculado é evidentemente ofensivo, desbordado da crítica comum e própria das campanhas eleitorais. Veja-se que há a imputação ao recorrido - o qual fora prefeito de Sapiranga por dois mandatos e Secretário Municipal de Habitação em Novo Hamburgo – a associação à corrupção, sem que os recorrentes tenham oferecido qualquer comprovação de tal prática por parte do recorrido.

Andavam bem os recorrentes no que diz respeito a apontamentos quanto a "buracos na rua", "UPA" e "para sair na rua só de barco"; contudo, a associação à prática da corrupção, somada à frase "chama o delegado", possui o intuito claro de imputar a prática de crimes - e remeter a pecha de criminoso, portanto, ao recorrido.  

Dessa forma, como observado na sentença, a letra constitui ofensas e acusações depreciativas e desprovidas de prova da sua veracidade, que objetivavam atingir a candidatura adversária, indo além da crítica admitida pela liberdade de manifestação. Sublinho que a atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático, nos termos do art. 38 da Resolução TSE n. 23.610/19; contudo, esta Especializada não pode se furtar de enfrentar os excessos realizados por candidatos ou apoiadores em nome da liberdade de expressão, entre eles, a propagação de mensagens difamatórias, caluniosas ou injuriosas, como no caso em tela.

Sobre a incidência de sanção pecuniária, defendem os recorrentes que a base legal indicada na sentença para aplicação da multa, art. 57-D, § 2º, da Lei n. 9.504/97, está limitada a infrações relacionadas à propaganda anônima, difusão de informações sem identificação ou que atinjam o direito de resposta - de modo que não seria aplicável ao caso em tela.

Sem razão. A interpretação dada pelo recorrente difere daquela pacificada nas decisões deste Tribunal, aliás, alinhada à posição do e. TSE, pela qual se admite aplicar a multa prevista no art. 57-D, § 2º, da Lei n. 9.504/97, na hipótese de abuso na liberdade de expressão realizada por meio de propaganda veiculada na internet. Exemplificativamente:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÃO 2024. RECURSO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. INTERNET. DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÃO SABIDAMENTE INVERÍDICA. INCIDÊNCIA DA MULTA. RECURSO DESPROVIDO.

I. CASO EM EXAME

1.1. Recurso interposto contra sentença que julgou parcialmente procedente representação por propaganda eleitoral irregular, condenando a recorrente ao pagamento de multa, com fundamento no art. 57-D, § 2º, da Lei n. 9.504/97, pela veiculação, em redes sociais, de propaganda contendo informações sabidamente inverídicas e descontextualizadas.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2.1. Determinar se a propaganda eleitoral veiculada configura desinformação ao sugerir, de forma inverídica, a existência de processos criminais em tramitação contra candidato.

2.2. Verificar a legitimidade da aplicação da multa prevista no art. 57-D, § 2º, da Lei n. 9.504/97, em casos de propaganda irregular na internet.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. A expressão constante da postagem impugnada faz referência a processos judiciais que realmente existiram, sugerindo que ainda estão em tramitação, quando, na verdade, estão extintos, sendo que o arquivamento desses processos é informação notória e devidamente comprovada.

3.2. A interpretação dada pelo TSE é no sentido de ser cabível aplicar-se a multa prevista no art. 57-D, § 2º, da Lei n. 9.504/97 na hipótese de abuso na liberdade de expressão ocorrida por meio de propaganda veiculada na internet, como no caso. Assim, legítima a aplicação de multa por disseminação de conteúdo sabidamente falso.

IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Recurso desprovido.

Teses de julgamento: “1. A veiculação de propaganda eleitoral na internet, com uso de informações sabidamente inverídicas, que sugiram falsamente a existência de processos judiciais extintos, caracteriza prática de desinformação e configura irregularidade, nos termos da legislação eleitoral. 2. É legítima a aplicação de multa pela realização de propaganda eleitoral veiculada na internet mediante disseminação de conteúdo sabidamente falso.”

Dispositivos relevantes citados: Lei n. 9.504/97, art. 57-D, § 2º; Resolução TSE n. 23.610/19, art. 9º-A.

Jurisprudência relevante citada: TSE, Rp: n. 060130762, Rel. Min. Maria Claudia Bucchianeri, DJE 14/10/2022. TSE, Rp: n. 060175450, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJE 28/03/2023. TSE, REC-Rp: n. 060100448, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJE 02/04/2024.

(TRE-RS - 0600425-26.2024.6.21.0007, Relator: Des. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Data de Julgamento: 28/11/2024, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 149) (Grifo nosso)

 

ELEIÇÕES 2022. RECURSO INOMINADO. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. INTERNET. DESINFORMAÇÃO. FATOS MANIFESTAMENTE INVERÍDICOS E DISCURSO DE ÓDIO. REMOÇÃO DAS PUBLICAÇÕES. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 57–D DA LEI 9.504/1997. POSSIBILIDADE. FIXAÇÃO EM PATAMAR MÁXIMO. ALCANCE DO CONTEÚDO VEICULADO. DESPROVIMENTO.

1. O art. 57–D da Lei 9.504/1997 não restringe, de forma expressa, qualquer interpretação no sentido de limitar sua incidência aos casos de anonimato, de forma que é possível ajustar a exegese à sua finalidade de preservar a higidez das informações divulgadas na propaganda eleitoral, ou seja, alcançando a tutela de manifestações abusivas por meio da internet – incluindo–se a disseminação de fake news tendentes a vulnerar a honra de candidato adversário – que, longe de se inserirem na livre manifestação de pensamento, constituem evidente transgressão à normalidade do processo eleitoral.

2. Descabe a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para diminuir o valor da penalidade aplicada, uma vez que o critério utilizado para a sua fixação foi o substancial alcance do conteúdo veiculado, o que potencializou sobremaneira o efeito nocivo da propagação da fake news.

3. Recurso Inominado desprovido.

(TSE – Rp: 06017545020226000000 BRASÍLIA - DF 060175450, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Data de Julgamento: 28/03/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 149) (Grifo nosso)

 

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO para negar provimento ao recurso.