RC - 2639 - Sessão: 03/12/2015 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em processo-crime eleitoral interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra decisão do Juízo da 155ª Zona, que julgou improcedente a denúncia oferecida contra JÂNIO IVAN ANDREATTA pela prática de corrupção eleitoral, prevista no art. 299 do Código Eleitoral, em razão da prática do seguinte fato, assim descrito na inicial (fl. 02v.):

Entre 06/06 e 04/10/2008, na Localidade de Assentamento Rondinha, comunidade/grupo 02, Município de Jóia, o denunciado Jânio Ivan Andreatta forneceu uma carga de areia para o eleitor Jairo José Leal da Silva (título eleitoral n. 065487270434) em troca de votos para si, no pleito eleitoral municipal de 2008.

Na ocasião, o denunciado Jânio Ivan Andreatta em campanha eleitoral na Localidade de Assentamento Rondinha, encontrou o eleitor Jairo José Leal da Silva e prometeu ajudá-lo com materiais de construção em geral em troca do voto do eleitor para sua candidatura.

Diante da promessa do denunciado JÂNIO, o eleitor retirou na empresa de Sérgio Marion Buena Alves 14 (quatorze) metros de areia, que foram entregues na propriedade do eleitor Jairo José Leal da Silva.

O eleitor Jairo José Leal da Silva aceitou a oferta, tendo recebido em sua casa 14 (quatorze) metros de areia.

O denunciado concorreu à majoritária pela Coligação Unidos por Jóia (PP, PMDB, PSDB e PTB), sob o n. 11, conforme certidão da fl. 118.

A denúncia foi recebida no dia 4 de novembro de 2014 (fl. 132), e continha mais três fatos, imputados a outros denunciados: Jairo José Leal da Silva, Daniela Zardin Hernandez e Sebastião Raife dos Santos Cardoso, mas o feito foi cindido em relação a eles, pois aceitaram proposta de suspensão condicional do processo (fls. 146, 150 e 151v), remanescendo nestes autos somente a imputação feita a Jânio Ivan Andreatta, que não preenchia as condições legais para o benefício.

Citado (fl. 138), o denunciado ofereceu resposta (fl. 162).

Foi realizada audiência de instrução, na qual foram ouvidas as testemunhas arroladas pelas partes (fl. 164). Em nova audiência, ouviu-se Jairo José Leal da Silva, referido nos depoimentos, e foi colhido o testemunho do acusado (fls. 168-170).

Encerrada a instrução, foram apresentadas alegações finais (fls. 174-177 e 178-182).

Na sentença (fls. 184-188), o juízo de primeiro grau ponderou que (1) Jairo, eleitor beneficiado, somente noticiou o fato delitivo, após quatro anos da sua ocorrência, porque o proprietário da loja de materiais de construção que lhe forneceu a areia estava cobrando pela carga entregue; (2) Jussara Bazzan, assistente social ao tempo dos fatos, afirmou não se recordar de Jairo e negou que houvesse alguma influência do prefeito no trabalho assistencial; (3) Sérgio Marion, proprietário da empresa responsável pela entrega da areia, afirmou que o material foi adquirido pelo próprio eleitor ou alguém de sua família, negando a entrega de produtos a mando do prefeito. Reconheceu a ilicitude da gravação ambiental, seguindo orientação do Tribunal Superior Eleitoral. Julgou improcedente a denúncia, com fundamento no artigo 386, VII, do CPP.

Em suas razões recursais (fls. 190-194v.), o Ministério Público Eleitoral argumenta estar demonstrada a autoria e materialidade do delito. Os testemunhos confirmam que os materiais de construção somente eram entregues por meio do serviço de assistência social, o qual não atendeu o eleitor. Referiu que Sérgio Marion possui ligação com o acusado, pois já ocupou cargo de tesoureiro do partido deste. Destaca ter o réu Jânio admitido a entrega de areia ao eleitor, para que este parasse de incomodá-lo. Insurge-se contra a ilicitude da gravação ambiental, pois o Supremo Tribunal Federal já reconheceu ser válida esta espécie de prova. Requer a reforma da sentença, a fim de condenar o acusado pela prática do delito de corrupção eleitoral.

Com as contrarrazões (fls. 197-202), nesta instância os autos foram em vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo provimento do recurso (fls. 206-211v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. O recorrente foi intimado da sentença no dia 29 de julho de 2015 (fl. 189) e interpôs o recurso no dia 6 de agosto, ou seja, dentro do prazo de 10 dias previsto no art. 362 do Código Eleitoral.

No mérito, imputa-se ao acusado, Jânio Ivan Andreatta, a prática de corrupção eleitoral, tipificada no art. 299 do Código Eleitoral:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita.

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Segundo narra a denúncia, Jânio teria oferecido ao eleitor Jairo uma carga de areia em troca de seu voto, material que foi encomendado na empresa de Sérgio Marion Alves e entregue na residência do eleitor.

O juízo de primeiro grau entendeu ser ilícita a gravação ambiental realizada por Jairo, concluindo pela fragilidade da prova produzida, pois os testemunhos não foram suficientes para demonstrar a prática do ilícito.

Quanto à gravação ambiental, é imperioso o reconhecimento da sua licitude.

A gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro é, de regra, lícita, e não depende de prévia autorização judicial. O próprio Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, enfrentou a matéria, reafirmando a licitude da prova:

Ação penal. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. "É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro.” (RE 583.937-QO-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 19.11.2009, Plenário, DJE de 18.12.2009.)

Merece transcrição, pela clareza da abordagem, o seguinte excerto do voto proferido pelo ministro Cezar Peluso no aludido julgamento:

Como longamente já sustentei alhures, não há ilicitude alguma no uso de gravação de conversação telefônica feita por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, com a intenção de produzir prova do intercurso, sobretudo para defesa própria em procedimento criminal, se não pese, contra tal divulgação, alguma específica razão jurídica de sigilo nem de reserva, como a que, por exemplo, decorra de relações profissionais ou materiais, de particular tutela da intimidade, ou doutro valor jurídico superior. A gravação aí é clandestina, mas não ilícita, nem ilícito é seu uso, em particular como meio de prova.

A matéria em nada se entende com o disposto no art. 5º, XII, da Constituição da República, o qual apenas protege o sigilo de comunicações telefônicas, na medida em que as põem a salvo da ciência não autorizada de terceiro, em relação ao qual se configura, por definição mesma, a interceptação ilícita.

[…]

talvez conviesse observar que tal reprovabilidade se prende, na origem, à vulnerabilidade material relativa de que se revestem os canais de comunicação mediata, como o telefone, o telégrafo e as correspondências, perante o caráter restrito ou reservado que, em tese, esses instrumentos tecnológicos propõem às expectativas dos usuários interlocutores. Há, em tais condutos comunicativos, certa promessa de privacidade das interlocuções, que o sistema jurídico tem de assegurar em respeito à intimidade (privacy) dos interlocutores. Noutras palavras, porque esses devem confiar em garantias jurídicas da reserva natural, mas não absoluta, esperada do uso desses meios de comunicação, é que de regra o ordenamento reprime a interceptação, enquanto ingerência indevida de terceiro que devassa situação comunicativa reservada, porque alheia.

Ora, quem revela conversa do qual foi partícipe, como emissor ou receptor , não intercepta, apenas dispõe do que também é seu e, portanto, não subtrai, como se fora terceiro, o sigilo da comunicação, a menos que esta seja recoberta por absoluta indisponibilidade legal proveniente de obrigação jurídica heterônoma, ditada pela particular natureza da relação pessoal vigente entre os interlocutores, ou por exigência de valores jurídicos transcendentes.

Embora seja, de regra, lícita, a gravação realizada por um dos interlocutores ainda fica submetida à proteção constitucional da intimidade. Esta intimidade, entretanto, recebe reduzida tutela, pois as palavras foram gravadas por quem era o seu destinatário, o qual poderia, em situações normais, reproduzir a terceiros o que ouviu, nada havendo que o impeça de “documentar” o conteúdo da conversa.

Não obstante, em casos excepcionais, é possível que a divulgação da gravação realizada por um dos interlocutores seja ilícita. Isso ocorre quando a propagação da própria conversa é igualmente ilícita. Estas hipóteses foram ventiladas no referido voto do ministro Peluso, quando considerou não haver ilicitude na gravação se não pese, contra tal divulgação, alguma específica razão jurídica de sigilo nem de reserva, como a que, por exemplo, decorra de relações profissionais ou ministeriais, de particular tutela da intimidade, ou doutro valor jurídico superior. Fora tais casos, é perfeitamente admitida a prova.

Este é o panorama estabelecido nas Cortes Superiores acerca das gravações ambientais e telefônicas.

Entretanto, o egrégio TSE tem concluído pela ilicitude das gravações ambientais realizadas por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, com a finalidade de preservar a intimidade e privacidade dos envolvidos (REspe n. 577-90, rel. Min. Henrique Neves, DJE de 7.8.2014; AgR-REspe n. 515-51, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE 15.4.2014; AgR-RO n. 2614-70, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 7.4.2014).

As decisões, entretanto, adotam tese já rechaçada pela Suprema Corte em regime de repercussão geral e invertem a regra da licitude da gravação, para apenas admiti-la excepcionalmente.

No caso concreto, não se verifica qualquer situação específica de intimidade ou privacidade que possa justificar a tutela jurídica do próprio conteúdo da conversa. Nada impede o eleitor de trazer a público detalhes da sua conversa com Jânio, pois a notícia da oferta de benesse em troca de seu voto não está protegida pelo direito à intimidade. Dessa forma, se o próprio conteúdo da conversa estabelecida entre o eleitor e o candidato pode ser revelado, nada impede a gravação e divulgação desse diálogo.

Portanto, é lícita a gravação ambiental realizada pelo eleitor, conforme vem decidindo esta Corte:

Recursos. Ação de investigação judicial eleitoral. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Abuso de poder econômico. Candidatos à majoritária. Procedência. Inelegibilidade. Multa. Eleições 2012.

Matéria preliminar afastada. 1. Nulidade do processo por ausência de litisconsórcio passivo necessário não configurada. A demanda proposta contra o agente público responsável pela prática de captação ilícita de sufrágio não impõe a obrigatoriedade de integração da lide por eventuais beneficiários. 2. Licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, já que o caso não inspira proteção constitucional da intimidade a justificar a restrição da prova. 3. Suposições genéricas sobre a atuação do magistrado no procedimento de audiência não suportam a alegada violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Ausência de ilegalidade processual. 4. Suposto comprometimento político das testemunhas, matéria vinculada à análise do mérito.

[...]

Provimento dos recursos. (TRE-RS, RE 884-79, Rel. Dr. Hamilton Langaro Dipp, Julg. 3.6.2014.)

Passando à análise dos fatos, segundo afirma o eleitor Jairo José Leal da Silva, o proprietário da loja de materiais, decorridos quase quatro anos do pleito eleitoral, passou a cobrá-lo pela carga de areia entregue em sua casa. O eleitor então procurou Jânio, para que o candidato falasse com Marion e resolvesse a situação. A conversa foi gravada pelo eleitor e sua degravação foi juntada na folha 39-v. dos autos, cuja íntegra passo a transcrever:

Jairo: Na correria agora esses dia.

Jairo: Viu seu Jânio queria sabe, eu precisava fala com o Marion, daquela areia que o senhor me deu.

Jânio: Uhum.

Jairo: Na política passada, e daí eu falei com a, com as guria ali e não tá pago nada ainda.

Jânio: Falo com as guria onde?

Jairo: Ali.

Jânio: Na assistência.

Jairo: É.

Jânio: Ta então tu vai lá e fala com o Raife, ele que tá cuidando disso aí.

Jairo: Uhum.

Jânio: Tá.

Jairo: Por que o Marion ia me bota na justiça, pra me cobra de mim a areia, daí eu disse mas como que eu vo, como é que eu vo paga se eu ganhei a areia.

Jânio: Quanto que é essa areia?

Jairo: É mil e cinquenta

Jânio: Tá. Então tu vai lá e fala com o Raife, eles tão cuidando desse negócio.

Jairo: Por que eu falei com a Jussara, a Jussara ficou me enrolando a semana passada, eu já vim não sei quantas vezes aqui atrás do senhor e naquela outra vez que eu falei com o senhor na, na estrada o senhor disse, não se eu não paga a areia o senhor pode me "caga de pau" não sei o que, eu disse mas ta loco, desse jeito aí já viu, como é que eu vo chega batendo nas pessoa, daí eu disse ma, daí, daí eu queria vê com o senhor como é que vai.

Jânio: Vê Lá co Raife e daí tu volta aqui.

Jairo: Se vai ter que pagar eu.

Jânio: Não, eu vo paga, isso aí qualquer coisa eu pago.

Jairo: Por que tá loco já é três ano e pouco.

Jânio: Uhum. Não tem condição

Jairo: Né, é quase quatro ano que o senhor me deu a areia né, e daí nas eleição passada, por que não, o senhor sabe como é que a minha casa tá lá.

Jânio: Uhum.

Jairo: Tá, tá por caí, e eu pedi pra assistência ir lá com, com engenheiro pra avalia minha casa, que, que tá condenada minha casa e até hoje ninguém apareceu nada, o senhor tinha me prometido que, fecha com nós o voto, vota em nós aí que eu vo ajuda com mais ainda, cimento e não sei o que e até hoje não ganhei nada e ainda a,a,a areia que eu ganhei ta ali, o, o Marion loco pra me bota na justiça, e ma como é que eu vo, e o Raife não vai deixa.

Jânio: Vai lá, vai lá, eles tão cuidando dessas coisa, tá , vai lá.

Jairo: Então tá.

Jairo: Tchau.

O teor da conversa gravada evidencia que o acusado Jânio Andreatta prometeu a Jairo um carregamento de areia, tanto que não se surpreendeu com a cobrança do eleitor e lhe garantiu o pagamento do material: Não, eu vo pagá, isso aí qualquer coisa eu pago.

Nada obstante, a gravação não se presta a comprovar que a entrega do material se deu com a finalidade específica de obter o voto do eleitor. O próprio Jairo é quem afirma que a areia foi entregue em troca de voto: o senhor tinha me prometido que, fecha com nós o voto, vota em nós aí que eu vo ajudá com mais ainda, cimento e não sei o que (...). O acusado nada fala a respeito do pedido de voto, limitando-se a concordar de forma reticente com seu interlocutor e pedir que ele falasse com Raife.

As demais testemunhas pouco ou nada auxiliam para o esclarecimento do fato imputado ao acusado.

Jussara, assistente social ao tempo do ocorrido, disse não lembrar de Jairo, arriscando asseverar que não o conhecia, verdadeiramente. Afirmou que a entrega de materiais de construção passava obrigatoriamente pela Assistência Social e sua aquisição era licitada. Marion, proprietário da loja responsável pela entrega do material, negou que Jairo possuísse dívidas no estabelecimento, confirmando a entrega da areia, mas afirmou que a encomenda foi realizada pelo próprio eleitor, e não pelo prefeito. Jânio também negou o fato, asseverando que Jairo foi muito insistente em relação ao pagamento da carga. Afirmou ter admitido pagar a areia, no intuito de não ser mais procurado pelo eleitor.

Ao ser ouvido, Jairo confirma a entrega da areia, mas não chega a confirmar o pedido de votos. Ao ser perguntado por que Jânio o ajudou, Jairo respondeu que foi auxiliado porque passava por necessidades, sem mencionar qualquer pedido de voto. Ao ser novamente indagado pela promotora, o eleitor afirma que a promessa se deu em troca do seu apoio na campanha eleitoral:

Promotora: “em troca do que ele iria te ajudar? Ele pediu alguma coisa em troca pra ele?

Jairo: Não.

Promotora: Pediu para ajudar ele na campanha, com voto, nada? Na eleição dele.

Jairo: Na verdade, ele pediu pra nós ajudar ele.

Promotora: Na campanha?

Jairo: É.

Promotora: Votando nele?

Jairo: É.

Promotora: Nós é quem, o senhor, sua esposa, família? É quem?

Jairo: Quem conseguisse, né.

O próprio eleitor, ao ser ouvido em juízo, não confirma de forma segura o pedido de voto, induzindo à conclusão de que a benesse foi entregue para garantir eventual empenho do eleitor na campanha do acusado.

É certo que o pedido de voto não precisa ser explícito, podendo ser feito de forma indireta, mas para se chegar a tal conclusão seriam necessários mais elementos sobre a primeira conversa entre Jairo e Jânio. Entretanto, os autos não trazem maiores detalhes sobre essa interlocução. O eleitor afirmou não lembrar dos acontecimentos, pois passados mais de 4 anos. À míngua de dados concretos sobre o fato, não é possível concluir pela efetiva existência da finalidade específica da conduta imputada a Jânio.

Alie-se a essa ausência de detalhes a circunstância de que, na gravação realizada por Jairo, somente o eleitor preocupou-se em reafirmar a ocorrência do pedido de voto em troca da benesse, não havendo qualquer assertiva do candidato nesse sentido. Tendo em vista esse contexto, nem mesmo a gravação ambiental pode ser considerada uma prova mais robusta a respeito do ilícito.

Destaque-se ainda que, na conversa gravada, o acusado orienta o eleitor a procurar a Assistência Social, e o próprio Jairo, o qual negou em juízo ter acertado qualquer detalhe com aquele órgão, respondeu ao candidato que tentou por diversas vezes solucionar a situação por meio da Assistência Social. Esse diálogo contraria a afirmação do eleitor, e torna ainda mais insegura a reconstrução do fato.

Sem prova segura a respeito da finalidade eleitoral, não é possível concluir pela prática de corrupção eleitoral. O tipo do art. 299 do Código Eleitoral exige, para sua incidência, que a dádiva seja entregue para obter o voto. Dessa forma, a finalidade específica da oferta deve ser demonstrada, tanto quanto a benesse. A respeito do tema, vale trazer à colação a doutrina de Leonardo Schmitt de Bem e Mariana Garcia Cunha:

O artigo exige o dolo, consistente na vontade livre e consciente de praticar um dos núcleos do tipo penal, e um elemento subjetivo especial, representado na atuação do agente objetivando obter ou dar o voto ou conseguir ou prometer a abstenção do eleitor.

Em outros termos, quem doa, oferece ou promete vantagem deve ter o propósito de obter voto ou conseguir que o eleitor não vote, para garantir que o adversário não receba a indicação eleitoral, ao passo que o eleitor que negocia o voto, recebendo ou solicitando benefício, tem a intenção de dar seu voto para o candidato ou não comparecer às urnas. Não havendo essas intenções por parte dos envolvidos, não há conduta delitiva (Direito Penal Eleitoral, 2. ed., 2011, p. 93).

Merece referência, também, a doutrina de Suzana de Camargo Gomes, segundo a qual o caráter negocial é indispensável para a caracterização do delito, ou seja, a vantagem, a promessa, o benefício deve visar à obtenção do voto (Crimes Eleitorais, 4. ed., 2010, p. 198).

A orientação doutrinária é observada pela jurisprudência, como se verifica pelas ementas que seguem:

HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. CRIME DE CORRUPÇÃO ELEITORAL. REALIZAÇÃO DE BINGOS COM FINALIDADE ELEITORAL. INADEQUAÇÃO AO TIPO PENAL DO ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO PARA JULGAR IMPROCEDENTE A AÇÃO PENAL. AGRAVOS REGIMENTAIS DESPROVIDOS. RECURSO ESPECIAL. FALTA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA N. 182/STJ. DESPROVIMENTO.

1. Há de se manter a decisão agravada cujos fundamentos não foram especificamente infirmados nas razões do agravo interno (Súmula n. 182/STJ). Precedentes.

2. A configuração do crime de corrupção eleitoral exige a presença do dolo específico, qual seja, obter ou dar voto, conseguir ou prometer abstenção, e que os eleitores corrompidos sejam identificados na denúncia. Precedentes.

3. A realização de bingos, com a distribuição de brindes e pedido de apoio político aos presentes, apesar de não ser conduta legalmente autorizada, não se adequa ao tipo do art. 299 do Código Eleitoral.

4. As testemunhas arroladas na denúncia, apesar de confirmarem a realização dos eventos dos quais participaram, não afirmaram durante a instrução penal terem aceito ou recebido proposta de doação de vantagem em troca dos seus votos, o que afasta o dolo específico.

5. Agravos regimentais desprovidos e ordem de habeas corpus concedida de ofício para julgar improcedente a ação penal.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 445395, Acórdão de 22.10.2013, Relator Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI, Publicação DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 228, Data 29.11.2013, Página 12.)

 

ELEIÇÕES 2008. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PENAL. IMPROCEDÊNCIA. CORRUPÇÃO ELEITORAL. DISTRIBUIÇÃO DE VALE-COMBUSTÍVEL EM TROCA DA AFIXAÇÃO DE ADESIVOS. DOLO ESPECÍFICO DE CAPTAR VOTOS. AUSÊNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PROVIMENTO.

1. Segundo a jurisprudência desta Corte, para a configuração do crime descrito no art. 299 do CE, é necessário o dolo específico que exige o tipo penal, isto é, a finalidade de "obter ou dar voto" e "conseguir ou prometer abstenção" (RHC n. 142354, Rel. Min. Laurita Vaz, DJE de 5.12.2013).

2. Na espécie, o recebimento da vantagem - materializada na distribuição de vale combustível, foi condicionado à fixação de adesivo de campanha em veículo e não à obtenção do voto. Desse modo, o reconhecimento da improcedência da ação penal é medida que se impõe.

3. Agravo regimental provido para conhecer e prover o recurso especial e julgar improcedente a ação penal, afastando a condenação do agravante pela prática do crime de corrupção eleitoral.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 291, Acórdão de 3.02.2015, Relatora Min. MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA, Relatora designada Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 42, Data 4.3.2015, Página 220.)

No caso, o conjunto probatório é insuficiente para demonstrar, de forma segura, o fato imputado ao acusado. As provas colhidas chegam a apontar para algum acerto entre o eleitor Jairo e o acusado Jânio, mas não comprovam a finalidade eleitoral específica da entrega do benefício, exigida para a caracterização do tipo penal.

Dessa forma, diante da insuficiência probatória, resta imperiosa a manutenção da sentença absolutória.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.