RE - 58587 - Sessão: 15/03/2016 às 17:00

 

RELATÓRIO

 

A COLIGAÇÃO UNIDOS PARA PANAMBI AVANÇAR (PRB-PDT-PT-PTB-PR-PSB) interpõe recurso contra a sentença de improcedência em representação proposta contra MIGUEL SCHIMITT-PRYM e JOSÉ LUIZ DE MELLO ALMEIDA.

Nos termos narrados na sentença recorrida (fls. 3005-3010), a COLIGAÇÃO UNIDOS PARA PANAMBI AVANÇAR ofereceu representação contra MIGUEL SCHIMITT-PRYM, JOSÉ LUIZ DE MELLO ALMEIDA e a COLIGAÇÃO O POVO EM PRIMEIRO LUGAR (PP-DEM-PSDB-PSD), requerendo a cassação dos diplomas do prefeito e vice-prefeito eleitos, pela prática de abuso de poder e condutas vedadas:

Alega, em síntese, que no período pré-eleitoral foram distribuídos medicamentos fora dos programas autorizados em lei, visando captação de apoio político e votos para o Prefeito e Vice-Prefeito candidatos; sendo que de 2010 a 2012 houve um aumento de mais de R$ 5.000.000,00 nos gastos com Saúde no Município de Panambi. Aduziram, ainda, que no ano eleitoral, foi criado programa de distribuição de auxílios, por meio da Lei Municipal nº 3452, que propõe um auxílio financeiro mensal de R$ 150,00 às pessoas em tratamento por insuficiência renal. Requereram a produção de provas e a procedência da representação, para o fim de cassar o diploma dos representados, atuais Prefeito e Vice-Prefeito Municipal (fls. 02/12). Juntaram documentos (fls. 13/64).

(...)

Os representados apresentaram defesa às fls. 72/93, arguindo, preliminarmente: a inépcia da inicial por haver confusão de pedidos e alegações, dificultando a defesa; e a ilegitimidade passiva da Coligação O povo em primeiro lugar. Quanto ao mérito, aduziram a ausência de potencialidade da conduta abusiva para desequilibrar o pleito (requisito do abuso do poder econômico e do abuso do poder político). Referiram que as alegações dos réus foram objeto de processo semelhante no ano de 2008, o qual foi julgado improcedente. Fizeram considerações acerca do atendimento na área de Saúde e da responsabilidade municipal; e da previsão orçamentária para a Secretaria de Saúde. Quanto ao Programa de distribuição de auxílio previsto na Lei Municipal nº 3.452/2012, sustentou que o auxílio já era prestado anteriormente, ante a necessidade de deslocamento dos pacientes à cidade de Ijuí, sendo que a o benefício já tinha previsão na Lei Orçamentária de 2011. Postulou a improcedência dos pedidos. Acostou documentos (fls. 94/194).

(...)

A preliminar de inépcia da inicial foi afastada e reconhecida a ilegitimidade passiva da coligação “O povo em primeiro lugar” (fl. 205). Ainda, foi designada audiência de instrução.

Realizada a audiência, foram inquiridas as testemunhas Marli Odete Munchen, Araci Érica Markus de Oliveira, Cássia Eloisa Reolon, Tathiana Hergemoller Martins, Pedro Ribeiro, Valdomiro Lopes Martins e Vera Maria Loguércio. A parte autora desistiu, ainda, da inquirição das testemunhas Ana Débora Marques e Araci Aparecida Freitas (fl. 213).

(...)

Foram juntadas as informações prestadas pela Prefeitura Municipal (fls. 229/236), com documentos (fls. 237/442).

Na ocasião foram juntadas 10 caixas de arquivo contendo documentos, sendo determinado o seu depósito em cartório, para análise das partes (fl. 443).

(…)

Após nova manifestação das partes, foi encerrada a instrução do feito e aberto o prazo para apresentação de memoriais (fl. 498), que foram apresentados às fls. 500/515 e 517/541.

(...)

O Ministério Público apresentou memoriais opinando pela improcedência da representação (fls. 2982/2992), acompanhado de Parecer Técnico da Unidade de Assessoramento Contábil do Ministério Público (fls. 2993/3003).

O juízo de origem entendeu que os elementos probatórios trazidos aos autos se mostraram insuficientes para demonstrar a prática de abuso de poder, condutas vedadas ou captação ilícita de sufrágio pelos representados (fls. 3005-3010).

A representante recorre ao argumento central da necessidade de reapreciação do contexto probatório, por entender a presença nos autos de elementos que dão suporte a um juízo de procedência da representação (fls. 3012-3029).

Em contrarrazões, os recorridos postulam a improcedência da representação (fls. 3036-3063).

Neste grau de jurisdição, a Procuradoria Regional Eleitoral emitiu parecer pelo desprovimento do recurso (fls. 3067-3076).

Vieram os autos a mim conclusos.

É o relatório.

 

 

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo. Presentes os demais pressupostos, deve ser conhecido.

Consigno que as preliminares de inépcia da inicial e ilegitimidade passiva da COLIGAÇÃO O POVO EM PRIMEIRO LUGAR (PP-DEM-PSDB-PSD) já foram enfrentadas na decisão da fl. 205, restando afastada a inépcia da exordial e acolhida a ilegitimidade passiva da referida coligação, motivo pelo qual constam apenas os representados MIGUEL SCHIMITT-PRYM e JOSÉ LUIZ DE MELLO ALMEIDA como legitimados passivos, tendo a decisão de improcedência apenas sobres estes se manifestado.

Mérito

A irresignação se circunscreve à questão do sopesamento da prova. A Coligação recorrente entende que os fatos são graves e que restaram suficientemente provados nos autos.

Segundo a recorrente, os candidatos a prefeito e vice-prefeito do município de Panambi teriam distribuído indiscriminadamente medicamentos, produtos e serviços de saúde no período pré-eleitoral, sendo que de 2011 a 2012 as despesas municipais com saúde teriam aumentado em cerca de cinco milhões de reais. Alegam que o uso da máquina pública se deu com o objetivo de captar apoio político e votos.

Contudo, esta não foi a conclusão da magistrada de origem, cujo entendimento foi pela improcedência da representação.

Entendo que a sentença de primeiro grau não merece reparos, pois da prova colacionada aos autos não é possível extrair a pretensão alegada pela autora.

A Lei n. 9.504/97 traz capítulo específico sobre as condutas vedadas aos agentes públicos durante a campanha eleitoral, na formulação dos arts. 73 a 78.

A recorrente alega que os fatos por ela descritos se enquadrariam no § 10 do art. 73:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…)

§ 10 No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

O bem jurídico tutelado pela norma é a isonomia entre os concorrentes, motivo pelo qual se mostra irrelevante verificar se a conduta teve potencialidade de afetar o pleito.

Os recorrentes também sustentam ter havido abuso de poder econômico, cujo conceito extraio da doutrina de JAIRO GOMES (Direito Eleitoral. Del Rey, Belo Horizonte. 5ª Edição, 2010, p. 167):

Por abuso de poder compreende-se a realização de ações exorbitantes da normalidade, denotando mau uso de recursos detidos ou controlados pelo beneficiário e a ele disponibilizados, sempre com vistas a exercer influência em disputa eleitoral futura ou já em curso. As eleições em que ele se instala resultam indelevelmente maculadas, gerando representação política mendaz, ilegítima, já que destoante da autêntica vontade popular.

Ainda, conforme dispõe o inciso XVI do art. 22 da LC n. 64/90, com a redação dada pela LC n. 135/10, para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

Diante dessas considerações, passo ao exame da prova.

O conjunto probatório consiste em extensa documentação, pareceres ministeriais e na oitiva de testemunhas.

A prova testemunhal, como veremos a seguir, não foi suficiente para demonstrar as alegações da recorrente de que os representados teriam se aproveitado da máquina pública municipal para obter vantagem eleitoral, afetando o equilíbrio do pleito de 2012. Extraio da sentença o exame dos testemunhos feitos pela douta magistrada de origem.

Testemunha Marli Odete Munchem (fl. 3009):

A testemunha Marli Odete Munchem (fl. 214) referiu que trabalha na Farmácia Municipal desde outubro de 2011, sendo que a demanda aumenta cada vez mais. Afirmou que o medicamento é entregue para quem apresenta receita médica; que quando o medicamento não está na lista de dispensação básica, se houver autorização do Prefeito ou Secretário de Saúde, era feita a cotação para sua compra.

Testemunha Araci Érica Markus de Oliveira (fl. 3009):

A testemunha Araci Érica Markus de Oliveira (fl. 214), que também trabalhou na Farmácia Municipal, relatou que eram atendidas em torno de 450 senhas por dia, mas que chegaram a atender 600 pessoas. Referiu que quando não havia o medicamento, era comum as pessoas dizerem que falariam com o Prefeito. Se houvesse autorização, era realizada cotação com as farmácias da cidade e adquirido o medicamento de menor valor. Afirmou que também eram fornecidos medicamentos fora do RENAME, com autorização do Prefeito.

Testemunha Tathiana Hergemöller Martins (fl. 3009):

A testemunha Tathiana Hergemöller Martins (fl. 214), farmacêutica da Farmácia Municipal, afirmou que o Prefeito Miguel, ora representado, não negava medicação para a população e que na época da eleição havia um aumento de pedidos. Disse que as medicações dos grupos continuavam sendo distribuídas nos Postos de Saúde e que a lista de dispensação básica de Panambi é maior do que a dos outros municípios.A auxiliar de farmácia Cássia Eloisa Reolon (fl. 214) também confirmou o aumento crescente da demanda por medicamentos.

Testemunha Cássia Eloisa Reolon (fl. 3009):

A auxiliar de farmácia Cássia Eloisa Reolon (fl. 214) também confirmou o aumento crescente da demanda por medicamentos.

Testemunhas Pedro Ribeiro e Valdomiro Lopes Martins (fl. 3009):

As testemunhas Pedro Ribeiro e Valdomiro Lopes Martins (fl. 214), são usuários da Farmácia Municipal e relataram como recebem a medicação. Referiram que nunca foram procurados por partido e que precisavam apresentar receita para receber a medicação.

Testemunha Vera Maria Loguercio (fl. 3009):

A farmacêutica Vera Maria Loguercio (fl. 214) explicitou o procedimento da dispensação de medicamentos, referindo que é feita a cotação nas farmácias locais e que não houve um aumento significativo dos atendimentos no ano da eleição. Afirmou que os representados não estiveram na Farmácia Municipal durante a campanha eleitoral.

Portanto, compartilho do entendimento da magistrada de piso, segundo o qual: a prova testemunhal não indica qualquer abuso por parte dos representados no fornecimento de medicamentos e serviços de saúde no período anterior ou durante a campanha eleitoral. Destaco que é público e notório que os representados sempre enfatizaram o bom atendimento de saúde nos seus governos, sendo este, inclusive, uma promessa de campanha. Por outro lado, é evidente que na qualidade de gestores municipais durante a campanha eleitoral, precisavam assistir os munícipes com a dispensação de medicamentos e atendimento de saúde. No entanto, a partir da prova existente nos autos – testemunhal e documental – não se observa qualquer evento extraordinário na prestação de serviço de saúde pelo Município, que demonstre cabalmente que os representados obtiveram vantagem eleitoral, a ponto de desequilibrar a disputa (verso da fl. 3009).

Em relação ao testemunho de Araci de Oliveira (fl. 214), afirmando que com a autorização do Prefeito também eram fornecidos remédios fora da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), cumpre registrar que tal listagem estabelece os medicamentos básicos que devem ser obrigatoriamente distribuídos à população, não havendo vedação legal para que se forneçam outros remédios além daqueles constantes na referida relação.

Desse modo, tal como constou na sentença (verso da fl. 3009 e fl. 3010), sendo a medicação necessária – o que é aferido com a apresentação de receita médica – pode o Município entregar gratuitamente o remédio, sem que isso configure distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios indevida. Não incide no caso em tela, portanto, o art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97.

Quanto à evolução na oferta de medicamentos à população, é de conhecimento público que os governos, em todos os níveis (federal, estadual e municipal), têm investido na distribuição gratuita de remédios com o objetivo de melhorar a saúde pública de forma preventiva e diminuir o número de internações hospitalares.

Em publicação no “Portal Brasil”, site do governo federal, intitulada “Brasileiros têm acesso a remédios gratuitos”, datada de agosto do ano de 2012 (mesmo ano no qual ocorreu a eleição referente ao recurso sob análise), foi noticiado que o programa “Saúde não tem preço” beneficiou 10,9 milhões de pessoas até o mês de agosto daquele ano. A publicação informa que uma pesquisa do Ministério da Saúde revela que do total de pacientes já atendidos pelo programa, cerca de 10,7 milhões se referem a pacientes com diabetes e hipertensão. O total mensal de atendimentos passou de 853 mil, em janeiro de 2011, para 4,1 milhões, em agosto em 2012, representando aumento de 383%.

Noticia também que em junho daquele ano com intuito de aumentar o acesso e diminuir o número de internações por asma, também foram inclusos três medicamentos para a doença, beneficiando 204 mil pessoas em três meses, o que representa 111% de aumento. No total, são 17 medicamentos gratuitos para diabetes, hipertensão e asma.

Informa, ainda, que o programa Farmácia Popular do Brasil oferta medicamentos gratuitos ou com até 90% de desconto. No último ano, o programa registrou um crescimento de 269% no número de pessoas beneficiadas, saltando de 1,2 milhão em janeiro de 2011 para 4,8 milhões em julho de 2012. Além dos cerca de 810 tipos de medicamentos oferecidos gratuitamente nas mais de 38 mil unidades públicas de saúde localizadas em todos os municípios do País, o programa Farmácia Popular disponibiliza, na rede própria, 113 itens. São ofertados 25 itens. São medicamentos para hipertensão, diabetes, asma, colesterol, glaucoma, rinite, osteoporose, doença de Parkinson, dislipidemia e anticoncepção (Fonte: http://www.brasil.gov.br/saude/2012/09/brasileiros-de-baixa-renda-tem-acesso-a-medicamentos-gratuitos).

Nota-se, portanto, ter havido um aumento significativo na oferta de remédios, redundando em consequente crescimento do número de pessoas beneficiadas pelos programas de distribuição de medicamentos.

Infere-se, de igual modo, ser habitual o aumento na procura e distribuição de remédios nos meses de junho e julho, com a chegada do inverno, em virtude do agravamento de doenças respiratórias como a asma, por exemplo, corroborando as informações coligidas aos autos, em especial o parecer técnico realizado pela Unidade de Assessoramento Contábil do Ministério Público, no qual consta a conclusão de que: Observando-se as despesas com medicamentos no exercício 2012 constata-se que os picos ocorreram nos meses de janeiro, julho e junho /2012 (fl. 2996).

Registra-se que tal parecer ainda traz a informação da regularidade da evolução dos valores aplicados pelo Município na saúde nos exercícios de 2010, 2011 e 2012, afirmando estarem de acordo com o Sistema de Informações para Auditoria e Prestação de Contas do Tribunal de Contas do Estado (SIAPC).

Constata-se, do referido parecer, a regularidade na evolução dos gastos com saúde realizados pelo Município de Panambi, ressaltando que o relatório não aponta aumento desproporcional das despesas sob esta rubrica.

Assim, não há como acolher a irresignação da representante, no sentido de que a Prefeitura Municipal de Panambi proporcionou um aumento vertiginoso nos gastos com a saúde objetivando angariar vantagens eleitorais.

Cabe aqui ainda ponderar que se o intuito da distribuição de medicamentos fosse unicamente eleitoreiro, melhor seria intensificá-la no mês de setembro, às vésperas do pleito, e não nos meses de janeiro, junho e julho, tal como restou registrado nos autos.

Ressalto, ainda, como o fez a douta magistrada sentenciante, que parte dos gastos do Município com saúde decorrem do cumprimento de decisões judiciais de fornecimento de medicação e tratamento médico, o que merece ser considerado.

Por outro lado, quanto às alegações da recorrente de que o prefeito e vice criaram, por meio da edição da Lei Municipal n. 3.452, de 22 de junho de 2012, um programa de auxílio financeiro, no valor de R$ 150,00 (cento e cinquenta reais), às pessoas submetidas a tratamento por insuficiência renal, ressalte-se que, conforme bem demonstrado pelo ilustre Promotor Eleitoral de Panambi, em excerto do parecer no verso da fl. 2991, o conteúdo da referida lei trata-se de complemento financeiro para programa de atendimento a pessoas transplantadas mantido no município pelo Sistema Único de Saúde e já existente (...).

Consequentemente, por enquadrar-se a referida legislação nas exceções previstas no §10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97, não há irregularidade a ser reconhecida quanto a sua edição, ainda que em período eleitoral.

Por fim, do conjunto probatório reunido aos autos não se verifica igualmente a ocorrência de captação ilícita de sufrágio, pois não há provas de que os representados tenham doado, oferecido, prometido ou entregado a eleitor bens ou vantagens de qualquer natureza com o objetivo de angariar voto (art. 41-A da Lei n. 9.504/97).

Diante do exposto, VOTO por negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença pelos seus próprios fundamentos.

É como voto, senhor Presidente.