REl - 0600597-94.2024.6.21.0062 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/05/2025 00:00 a 09/05/2025 23:59

VOTO

 

ADMISSIBILIDADE

Antes de adentrar no mérito do recurso, sublinho que não se está diante de perda superveniente do objeto da demanda em razão do transcurso das eleições. No caso, não há que se falar em perda do objeto quando subsiste a possibilidade de aplicação de multa, caso constatada alguma irregularidade na propaganda eleitoral. Nesse sentido, destaco os seguintes julgados, a evidenciar tal posicionamento na jurisprudência. Vejamos:

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. AUSÊNCIA DE PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MULTA . PROPAGANDA IRREGULAR. COMITÊ CENTRAL. APOSIÇÃO DE PLACA CONTENDO FOTOGRAFIA DOS CANDIDATOS. POSSIBILIDADE . EFEITO VISUAL DE OUTDOOR. NÃO CARACTERIZAÇÃO. CONHECIMENTO E PROVIMENTO. 1 . Não há que se falar em perda superveniente do objeto decorrente do término das eleições quando subsiste a possibilidade de ser aplicada multa, caso constatada alguma irregularidade. 2. Configura propaganda irregular o uso de artefatos que, dadas as suas características, causam impacto visual de outdoor. Precedentes . 3. Para a configuração do efeito outdoor, basta que o engenho, o equipamento ou o artefato publicitário, tomado em conjunto ou não, equipare-se a outdoor, dado o seu impacto visual. (Vide: AI nº 768451/RJ, Rel. Min . Luiz Fux, DJe de 05.10.2016)" (AgR-REspe 0600888-69/RO, Rel. Min . Edson Fachin, DJE de 9/9/2019). 4. Inexiste vedação legal à aposição de placa nos comitês centrais com fotografias dos então concorrentes ao pleito, desde que não produza efeito visual assemelhado a outdoor. 5 . Conhecimento e provimento do recurso. (TRE-SE – RE: 060072844 ILHA DAS FLORES – SE, Relator.: RAYMUNDO ALMEIDA NETO, Data de Julgamento: 28.01.2021, Data de Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 21, Data 04.02.2021, Página 4-5.)

 

RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. ELEIÇÕES 2020. PRELIMINAR. PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO DA DEMANDA. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. EFEITO OUTDOOR. PRELIMINAR AFASTADA. SENTENÇA CASSADA. MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL. MANIFESTAÇÃO. REQUER RETORNO DOS AUTOS PARA REGULAR JULGAMENTO. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. 1. Conforme já relatado, a sentença combatida extinguiu o feito sem julgamento sob o fundamento de perda superveniente do objeto da demanda em razão do término do pleito eleitoral 2. O recorrente, preliminarmente, requer o afastamento da perda superveniente do objeto da demanda, e aduz que a matéria discutida nos autos, propaganda eleitoral irregular (efeito outdoor), não está adstrita sua análise e aplicação de multa ao período do pleito, visto que, liminarmente, mesmo tendo ocorrido a remoção da propaganda irregular subsiste a possibilidade de aplicação da multa prevista no art. 39, § 8º da Lei 9.504/97. 3. Razão assiste ao recorrente e afasto a preliminar de perda superveniente do objeto da demanda em razão do término do pleito eleitoral. Precedentes. 4. Razão assiste ao Ministério Público, conforme determina a norma legal, e para que não haja supressão de instância prevista no ordenamento jurídico e em respeito ao princípio do "devido processo legal" inserto na Magna Carta, acolho a manifestação da douta Procuradoria Regional Eleitoral para que a sentença seja anulada e haja o consequente retorno dos autos ao Juízo da 29ª Zona Eleitoral para a análise do mérito. 5. Recurso parcialmente provido. (TRE-TO – REl: 06013961620206270029 PALMAS – TO 060139616, Relator.: Des. Rodrigo De Meneses Dos Santos, Data de Julgamento: 24.03.2022, Data de Publicação: 25.03.2022.)

Outrossim, o recurso em apreço é tempestivo, estando presentes os demais requisitos válidos à tramitação processual.

Com tais considerações, passo ao exame de mérito.

 

MÉRITO

De início, é necessário destacar que a liberdade de pensamento é valor albergado pela Constituição Federal, a qual, vedando o anonimato, o elenca na condição de direito fundamental previsto em seu art. 5º, inc. IV, para tanto dispondo que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, prevendo também o texto constitucional no mesmo art. 5º, inc. V, que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

No âmbito do Direito Eleitoral, igualmente projeta-se a garantia à liberdade de expressão e de pensamento, vedado o anonimato, assegurando a legislação eleitoral o exercício à livre manifestação do pensamento, estatuindo, no entanto, balizas e penalidades a fim de coibir eventuais desvirtuamentos e abusos à sua prática no curso de campanhas eleitorais.

Neste sentido, colhe-se a previsão insculpida no art. 57-D, da Lei n. 9.504/97 – Lei das Eleições:

Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3o do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 1o  (VETADO) (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2o A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais).  (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

Outrossim, no que concerne à matéria em apreço, impende também trazer a lume dispositivos da Resolução n. 23.610/19, do Tribunal Superior Eleitoral, que dispõe sobre propaganda eleitoral.

Em tal sentido, desse normativo do TSE, transcrevo estes preceptivos referentes à desinformação na propaganda eleitoral, à publicação e à remoção de conteúdos na internet:

Art. 9º-C É vedada a utilização, na propaganda eleitoral, qualquer que seja sua forma ou modalidade, de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

§ 1º É proibido o uso, para prejudicar ou para favorecer candidatura, de conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia (deep fake). (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

§ 2º O descumprimento do previsto no caput e no § 1º deste artigo configura abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação social, acarretando a cassação do registro ou do mandato, e impõe apuração das responsabilidades nos termos do § 1º do art. 323 do Código Eleitoral, sem prejuízo de aplicação de outras medidas cabíveis quanto à irregularidade da propaganda e à ilicitude do conteúdo. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

[…]

Art. 27. É permitida a propaganda eleitoral na internet a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 57-A). (Vide, para as Eleições de 2020, art. 11, inciso II, da Resolução nº 23.624/2020)

§ 1º A livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

[…]

Art. 30. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da internet, assegurado o direito de resposta, nos termos dos arts. 58, § 3º, IV, alíneas a, b e c, e 58-A da Lei nº 9.504/1997, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica e mensagem instantânea (Lei nº 9.504/1997, art. 57-D, caput).

§ 1º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 57-D, § 2º).

§ 1º-A A multa prevista no § 1º deste artigo não poderá ser aplicada ao provedor de aplicação de internet. (Incluído pela Resolução nº 23.671/2021)

§ 2º Sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis à(ao) responsável, a Justiça Eleitoral poderá determinar, por solicitação da(o) ofendida(o), a retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatas e candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais (Lei nº 9.504/1997, art. 57-D, § 3º).

[…]

Art. 38. A atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático (Lei nº 9.504/1997, art. 57-J).

§ 1º Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, as ordens judiciais de remoção de conteúdo divulgado na internet serão limitadas às hipóteses em que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral.

§ 2º A ausência de identificação imediata da usuária ou do usuário responsável pela divulgação do conteúdo não constitui circunstância suficiente para o deferimento do pedido de remoção de conteúdo da internet.

§ 3º A publicação somente será considerada anônima caso não seja possível a identificação das usuárias ou dos usuários após a adoção das providências previstas no art. 40 desta Resolução.

[…]

Portanto, consoante se depreende de todo o conjunto normativo supratranscrito, é assegurada a liberdade de manifestação e expressão do pensamento, sendo vedados o anonimato e a divulgação de notícias inverídicas e de ofensas à honra e a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral.

Observe-se, na publicação não há anonimato. Não restam dúvidas sobre a identificação da eleitora na postagem inquinada, tanto assim que figura nominalmente como ré na representação eleitoral contra ela ajuizada pela recorrente.

Ainda, a publicação veiculada na rede social da recorrida não veiculou fato sabidamente inverídico com relação à recorrente

Ao contrário, o vídeo objeto da representação, embora possa conter conteúdo considerado impreciso ou até mesmo controverso, insere-se nos limites da crítica permitida no ambiente eleitoral, não sendo possível extrair dali intenção deliberada de desinformar ou prejudicar de forma grave o equilíbrio do pleito.

Conforme bem pontuado pelo Parquet, “o vídeo impugnado (ID 45767241) não preenche os requisitos para a configuração da irregularidade, pois consiste apenas em trechos de documentos e áudios extraídos de operação policial amplamente divulgada na mídia”.

Com efeito, no vídeo em foco não há imputação direta de prática de crime à recorrente, mas sim vinculação indireta por declarações de terceiro, o então Prefeito, envolvido na investigação policial, de que NAURA contribuiu para sua gestão.

No ponto, da jurisprudência firmada deste Eleitoral, colaciono o seguinte precedente:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. INTERNET. FATOS INVERÍDICOS. CONTEÚDO OFENSIVO. IMPROCEDÊNCIA. EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO. PERMISSIVO LEGAL. ART. 27, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.610/19. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO. 1. Insurgência contra decisão que julgou improcedente representação eleitoral por propaganda irregular (imputação de fatos inverídicos e ofensivos acerca das possíveis consequências decorrentes de ação judicial em andamento). 2. O art. 57-D da Lei n. 9.504/97, c/c os arts. 10 e 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19 assegura o exercício da liberdade de expressão na propaganda eleitoral por meio da internet, regulamentando o afastamento dos excessos. 3. Não vislumbrada a extrapolação do regular exercício da liberdade de expressão. As manifestações contrárias a ideologias ou gestões administrativas, bem como a reprodução de notícias que constaram em páginas de jornais, órgãos públicos e outras fontes de informação, não constituem, em si mesmas, propaganda eleitoral negativa, incluindo-se no permissivo legal do art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19. A jurisprudência desta Corte Eleitoral firmou-se no sentido de que posicionamentos pessoais, ainda que contundentes, desde que não importem ofensa à honra pessoal, fazem parte do jogo político. 4. Não caracterizada veiculação de informação sabidamente falsa envolvendo candidatos no pleito em disputa no município em questão, tampouco que ofenda à honra ou à imagem. Manutenção da sentença. 5. Desprovimento. (TRE-RS – REL: 060025752 SANTA VITÓRIA DO PALMAR – RS, Relator.: DES. FEDERAL CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, Data de Julgamento: 16/12/2020, Data de Publicação: MURAL – Publicado no Mural, Data 18/12/2020)

Ademais, importante lembrar que a Magistrada a quo deferiu medida liminar no sentido de determinar a imediata remoção das postagens levadas a efeito pela recorrida, que deveria abster-se de veicular outras informações e/ou publicações que contivessem o mesmo teor.

Em tal senda, tão logo citada para retirar as postagens, a parte ora recorrida imediatamente procedeu a exclusão da publicação, não reincidindo em sua conduta, cumprindo a decisão liminar e não há notícia de novas publicações neste sentido.

De tal modo, tenho que a livre circulação de ideias, pensamentos, opiniões e críticas resultantes do direito à liberdade de expressão e comunicação é essencial para a configuração do debate público para a democracia e a discussão na seara política, sendo direito de todos os cidadãos e cidadãs receber todas as informações – positivas ou negativas – acerca do candidato, de sorte que possam formular juízo seguro a respeito de sua pessoa, das ideias, dos projetos e do programa que representa.

Claro é que a liberdade de expressão não é dotada de caráter absoluto, mas sua restrição só é concebível em casos de inequívoco e evidente abuso. Deve haver sempre a ponderação dos interesses e valores em jogo, sendo que no caso concreto, a postagem realizada pela recorrida não possui conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito, razão pela qual, a mesma não deverá ser penalizada com a aplicação de multa.

Diante do exposto, VOTO por NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto por NAURA BORDIGNON.