REl - 0600469-94.2024.6.21.0023 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/05/2025 00:00 a 09/05/2025 23:59

VOTO

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

No mérito, CLARICE OTTONELLI recorre contra a sentença que desaprovou a prestação de contas referente ao cargo de vereadora no Município de Ajuricaba. A decisão hostilizada aplicou multa equivalente a 100% (cem por cento) do excesso praticado em autofinanciamento.

Destaco que o limite de gastos para o cargo de vereador no Município de Ajuricaba, nas Eleições 2024, foi de R$15.985,08, teto informado pelo Tribunal Superior Eleitoral no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, o que impunha à candidata a obediência ao limite equivalente a 10% deste valor ao utilizar recursos próprios, ou seja, R$ 1.598,51. A recorrente teria realizado autofinanciamento no valor de R$ 3.865,10 (três mil oitocentos e sessenta e cinco reais e dez centavos), em excesso de R$ 2.266,59.

A prestadora não refuta a utilização de recursos próprios acima do patamar legal, mas alega que a irregularidade apontada decorreu de equívoco cometido pela parte contábil ao interpretar a legislação de regência.

Tal argumento não afasta a irregularidade.

Note-se que o art. 27, § 1º, da legislação de regência trata do autofinanciamento de campanha, a limitar ao candidato o emprego de 10% do limite previsto para gastos atinentes ao cargo em que concorrer.

No entanto, o gasto com serviços contábeis deve ser desconsiderado na aferição do limite legal de autofinanciamento – no presente feito, o valor encontra-se englobado em tal espécie de despesa, situação que clama por reparo.

Com efeito, originariamente, este Tribunal adotava posicionamento no qual os gastos com serviços contábeis (e advocatícios) eram considerados na aferição do limite legal de autofinanciamento; contudo, mais recentemente vem, forma pacífica, alinhada ao e. TSE, para julgar que as referidas despesas devem ser excluídas do limite de recursos próprios a ser utilizado pelo candidato, observada a interpretação sistêmica do art. 23, § 2º-A, da Lei das Eleições. Vide trecho do voto do Min. Ricardo Lewandowski, acolhido à unanimidade pelos pares:

Não verifico que há ofensa ao art. 23, § 2º-A e § 3º, da Lei 9.504/1997 e do art. 27, § 1º e § 4º, da Res.-TSE 23.607/2019, na medida em que, embora tenha ocorrido a extrapolação do limite de autofinanciamento previsto nos dispositivos apontados pelo agravante, o Tribunal de origem consignou que houve o pagamento de R$ 26.200,00 (vinte e seis mil e duzentos reais) relativo a honorários advocatícios.

Como bem pontuado no acórdão, embora as despesas com honorários advocatícios e de contabilidade sejam eleitorais, elas são excluídas do limite de gastos de campanha, nos termos dos arts. 18-A, parágrafo único; 26, § 4º; 27, § 1º; e 100-A, § 6º, todos da Lei 9.504/1997.

Dessa forma, a Corte Regional agiu corretamente ao conferir interpretação sistemática ao art. 23, § 2º-A, da Lei das Eleições, promovendo eficácia aos dispositivos legais, no sentido de que o percentual de 10% para o autofinanciamento de campanha aplica-se ao limite previsto para gastos de campanha no cargo em que o candidato concorre, excetuadas as despesas com honorários advocatícios e contábeis pagas pelo candidato.

Esse mesmo entendimento foi perfilhado pela Procuradoria-Geral Eleitoral, como é possível depreender da seguinte passagem do seu parecer:

“Embora o limite para gastos com recursos próprios (autofinanciamento) não esteja contemplado expressamente nesta norma permissiva [art. 18-A, parágrafo único, da Lei 9.504/1997], a interpretação analógica de sua parte final conduz à compreensão de que o limite para autofinanciamento poderá ser afastado sempre que a causa do excesso for a contratação de serviços advocatícios ou contábeis. Assim, a norma resulta de ponderação feita pelo próprio legislador entre direito à ampla defesa e a igualdade entre os candidatos na disputa eleitoral, que optou pela prevalência daquela sobre esta a fim de permitir que o candidato contrate o profissional que lhe pareça mais conveniente, levando em consideração a natureza intuitu personae destes contratos. A propósito, os valores despendidos com advogado e contador não têm o potencial de gerar desequilíbrio no certame eleitoral, já que não são capazes de incrementar atos de campanha.” (ID 157711037).

 

O paradigmático precedente restou, assim, ementado:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. APROVAÇÃO. CÁLCULO DO LIMITE PARA O AUTOFINANCIAMENTO. GASTOS COM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO ART. 23, § 2º-A DA LEI 9.504/1997. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Infirmados os fundamentos da decisão de inadmissibilidade, é de se prover o agravo para julgamento do recurso especial.

2. Hipótese em que o candidato ultrapassou o limite de uso de recursos próprios para quitar despesas com serviços advocatícios.

3. Nos termos dos arts. 18-A, parágrafo único; 26, § 4º; 27, § 1º; e 100-A, § 6º, todos da Lei 9.504/1997, os honorários advocatícios são despesas eleitorais que não compõem o teto global de gastos de campanha.

4. A interpretação sistemática do art. 23, § 2º-A da Lei das Eleições exclui os honorários advocatícios e contábeis pagos pelo candidato do cálculo do limite de 10% para o autofinanciamento de campanha.

5. Recurso especial a que se nega provimento.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Agravo Em Recurso Especial Eleitoral 060043041/SC, Relator(a) Min. Ricardo Lewandowski, Acórdão de 29/09/2022, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 217, data 27/10/2022

 

Esse o posicionamento deste Tribunal, e entendo ser essa a solução a ser conferida ao caso posto.

Verifica-se nos autos o Documento Auxiliar da Nota Fiscal de Serviço Eletrônica nº 202400000000347, de R$ 850,00, emitido por Bonmann Contabilidade e Despachante, e o respectivo comprovante bancário de pagamento em favor do emitente (ID 45824415). O pagamento ao credor declarado pode ser confirmado por meio do extrato bancário disponibilizado no DivulgaCandContas.

Ou seja, as despesas sujeitas ao limite de autofinanciamento restaram computadas em R$ 3.015,10 (R$ 3.865,10 – R$ 850,00), e o excesso ao limite prescrito (R$ 1.598,51) em R$ 1.416,59.

Igualmente, e por aplicação do postulado da proporcionalidade, merece parcial provimento o recurso também para reduzir o percentual da multa, pois R$ 1.416,59 equivale à transgressão da ordem de 88,5% do teto referido, R$ 1.598,51.

A multa deverá, então, ser equivalente a 88,5% do excesso de R$ 1.416,59, qual seja, o valor de R$ 1.253,68 (mil duzentos e cinquenta e três reais e sessenta e oito centavos).

No relativo ao pedido de aprovação das contas, sublinho que a irregularidade alcança 36,65% do total de receitas da campanha e, nominalmente, constitui quantia superior a R$ 1.064,10, valor admitido pela jurisprudência como “balizador, para as prestações de contas de candidatos”, e “como espécie de tarifação do princípio da insignificância” (AgR–REspe n. 0601473–67, de relatoria do Ministro Edson Fachin, de 05.11.2019), inadmitindo aprovação com ressalvas e impondo a manutenção da sentença no ponto em que desaprovou as contas.

Diante do exposto, VOTO para dar parcial provimento ao recurso de CLARICE OTTONELLI, apenas para reduzir o recolhimento a R$ 1.253,68, e manter a desaprovação das contas, nos termos da fundamentação.