PET - 14543 - Sessão: 17/12/2015 às 17:00

RELATÓRIO

PET 145-43

Trata-se de ação declaratória de justa causa para desfiliação partidária, nos termos da Resolução TSE n. 23.610/07, proposta por Eduardo Peliciolli contra o Partido Socialista Brasileiro – PSB de Passo Fundo.

Informa o autor que é vereador no Município de Passo Fundo, eleito pelo PSB no último pleito; que em fevereiro e abril do presente ano foi notificado para apresentar defesa em denúncias nas quais era acusado, por filiados da agremiação, de contrariar as decisões partidárias.

Aduz que, embora tenha respondido às denúncias em tempo hábil, teve cerceado o seu direito à ampla defesa e ao contraditório, vez que na primeira denúncia não teve acesso a documentos de cuja existência apenas tomou conhecimento quando da leitura do relatório de julgamento, bem como não pôde acompanhar os depoimentos colhidos pela comissão de ética.

Alega ter protocolado ofícios na sede do diretório requerendo cópia de atas das sessões, estes recebidos pelo presidente e vice-presidente do partido, sem êxito.

Com relação à primeira denúncia, foi condenado por infidelidade partidária e recebeu as penas de advertência e suspensão do direito de voto nas reuniões do partido, com base nos arts. 26, “a”, e 28, “b”, do Código de Ética; quanto à segunda denúncia, foi determinada sua expulsão por infidelidade partidária, com base no art. 26, “g”, do referido código, e art. 9º, “g”, do Estatuto do PSB.

Sustenta que recorreu tempestivamente das duas decisões, mas os recursos não haviam sido pautados para julgamento até o presente momento, em afronta aos prazos previstos nos arts. 38 e 39 do Código de Ética.

Alega haver justa causa para a desfiliação, pois além de não ser mais ouvido nem chamado às reuniões, tem sofrido retaliações do partido por manter posições contrárias ao governo municipal. Ainda, que foi humilhado publicamente pelo líder da bancada, Padre Wilson, que o chamou de mentiroso em programa de rádio.

A ação foi ajuizada com pedido de antecipação de tutela a fim de que, no início da lide, fosse deferida a desfiliação partidária do requerente sem a perda do cargo de vereador, pedido que restou indeferido, com a determinação de citação do partido para resposta (fl. 187-188v.).

Citado, o Diretório do Partido Socialista Brasileiro de Passo Fundo ofereceu resposta sustentando a inexistência de justa causa para a desfiliação, com o argumento de que o processo ético disciplinar oportunizou ao requerente o exercício do contraditório e ampla defesa. Assevera ter restado provada a infidelidade partidária do requerente, o qual teria adotado posições contrárias aos interesses da sigla. Requereu a improcedência da ação e juntou documentos (fls. 208-376).

Os autos foram remetidos ao Ministério Público Eleitoral, que se manifestou pelo prosseguimento do feito, com a instrução probatória (fls. 378-379).

Por despacho, foi determinada a oitiva de testemunhas mediante delegação ao Juízo da 33ª Zona Eleitoral de Passo Fundo (fl. 381), audiência na qual foram ouvidas sete testemunhas (fls. 427-429).

Encerrada a instrução, as partes ofereceram alegações finais (fls. 471-485 e 487-492).

O Ministério Público Eleitoral manifestou-se, preliminarmente, pela reunião dos processos n. 145-43 e n. 169-71, requerendo nova vista dos autos e, no mérito, pela procedência do pedido (fls. 494-502).

O requerimento de reunião dos processos foi acolhido e os autos foram encaminhados à Procuradoria Regional Eleitoral, a qual ratificou o parecer anterior pela procedência da ação (fls. 507-521).

PET 169-71

O Partido Socialista Brasileiro – PSB, na ação de perda de cargo eletivo por desfiliação partidária (PET n. 169-71), sustenta a inexistência de justa causa para a desfiliação partidária. Diz que o primeiro requerido deixou de seguir as orientações do partido quando este passou a apoiar o poder executivo e, depois, a participar do governo. Diz ter sido o governo municipal que foi ao encontro do partido, e não o contrário.

Alega que os procedimentos ético-disciplinares se deram com observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Sustenta que, ante a iminência de ser expulso da sigla, o parlamentar buscou justificar a desfiliação em suposta grave discriminação pessoal a fim de garantir a permanência no cargo.

Ao final, requereu conexão dos autos com a PET n. 145-43 e, no mérito, a procedência do pedido. Juntou documentos (fls. 02-29).

Citados por meio de carta de ordem, o Partido da República e Eduardo Peliciolli apresentaram respostas e documentos requerendo a reunião do presente feito com a PET n. 145-43. O partido suscita preliminar de ilegitimidade para figurar no polo passivo da ação.

Quanto ao mérito, aduz ter restado provada, nos autos da PET n. 145-43, a grave discriminação pessoal perpetrada pelo requerente em face do requerido, o que configuraria a justa causa para a desfiliação. Diz não ter sido observado o contraditório e a ampla defesa nos processos ético-disciplinares que culminaram com a expulsão do requerido, o qual teria, ainda, sofrido grave discriminação pessoal na Câmara Municipal.

Requereu a extinção do feito sem julgamento do mérito e, alternativamente, a improcedência do pedido (fls. 46-55).

Eduardo Peliciolli, por sua vez, respondeu dizendo sofrer grave discriminação pessoal e cerceamento de defesa nos autos que resultaram na sua expulsão, fato reconhecido nos autos do MS n. 021/1.15.0006642-9, em trâmite na Comarca de Passo Fundo. Sustenta não lhe ter sido oportunizado o acompanhamento da instrução dos procedimentos disciplinares, e que inclusive um dos denunciantes, Vitor, registrou indignação semelhante pois não foi chamado a acompanhar a oitiva das testemunhas.

Afirma que o partido nem sequer provou a existência de orientações, muito menos que teriam sido descumpridas. Sustenta que a agremiação mudou o conteúdo programático e passou a isolar o requerido, não o ouvindo nem o convidando para reuniões, desde que votou contrário a um projeto de lei do executivo, que retirava direitos adquiridos dos servidores municipais. Diz que a maior prova de discriminação partidária sofrida seria a fala do líder da bancada do governo, Vereador Padre Wilson, afirmando que o demandado teria usurpado um espaço que não lhe cabia, referindo-se ao plenário da Câmara, bem como Eduardo era livre para filiar-se a qualquer agremiação, não possuindo legitimidade para usar da tribuna contra o governo.

Requereu a improcedência da demanda e, em consequência, a procedência da ação declaratória de justa causa para desfiliação partidária. Juntou documentos (fls. 57-70).

Os autos foram reunidos em conexão (fl. 72) e encaminhados com vista ao Ministério Público, o qual se manifestou pela rejeição da preliminar arguida pelo Partido da República e, no mérito, pela improcedência da ação (fls. 75-84v.).

É o relatório das ações conexas.

 

VOTO

Da preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pelo Partido da República.

O art. 4º da Resolução 22.610/07 do TSE dispõe:

Art. 4º - O mandatário que se desfiliou e o eventual partido em que esteja inscrito serão citados para responder no prazo de 5 (cinco) dias, contados do ato da citação.

Como bem observado pelo Excelentíssimo Des. Paulo Afonso Vaz, nos autos da PET n. 130-74, levada a julgamento em 01.10.2015, o Tribunal Superior Eleitoral, que antes entendia pela necessidade de litisconsórcio passivo necessário entre o mandatário que se desfiliou e o novo partido, mudou a orientação, acolhendo, por maioria, o voto divergente do Ministro Marco Aurélio, conforme se observa da ementa a seguir transcrita:

LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO - FIDELIDADE PARTIDÁRIA - NOVA LEGENDA. O partido para o qual migrou o parlamentar não é litisconsorte necessário, presente a ação formalizada tendo em conta a infidelidade partidária. Inteligência dos arts. 47 e 50 do Código de Processo Civil.

(ED-AgR-Rp n. 1698-52/CE , Rel. Min. Luciana Lóssio, Rel. desig. Min. Marco Aurélio, julgado em 11.2.2014).

(Grifei.)

Entretanto, o requerente, com esteio no princípio da demanda, elegeu as partes a serem processadas e, mesmo com a mudança jurisprudencial, não há falar em ilegitimidade passiva do partido para o qual o pretenso infiel migrou. Com efeito, a nova orientação da Corte superior é no sentido de afastar a obrigatoriedade do litisconsórcio, o que nem por isso torna o partido parte ilegítima.

Afasto, pois, a preliminar e, por consequência, mantenho o Partido da República de Passo Fundo no feito.

Mérito

A matéria de mérito de ambas as ações – de justificação de desfiliação e de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária – (PETs n. 145-43 e n. 169-71) está circunscrita à configuração ou não da justa causa motivadora da saída de Eduardo Peliciolli do partido pelo qual se elegeu no último pleito municipal, sem a perda de mandato.

No caso, necessário comprovar se, efetivamente, houve a alegada grave discriminação pessoal prevista no art. 1º, § 1º, IV, da Resolução do TSE n. 22.610/07.

A mencionada resolução, ao disciplinar o processo de perda de cargo e de justificação de desfiliação partidária, assim dispôs:

Art. 1º O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação sem justa causa.

§ 1º Considera-se justa causa:

[…]

III – mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

IV – grave discriminação pessoal.

§ 3º O mandatário que se desfiliou ou pretenda desfiliar-se pode pedir a declaração da existência de justa causa, fazendo citar o partido, na forma da Resolução.

O Vereador Eduardo Peliciolli aponta como justa causa para a sua desfiliação o fato de ter sido, supostamente, alvo de grave discriminação pessoal pelo partido, informando fatos que justificariam o seu ingresso em outra sigla partidária sem perder o mandato, em especial, o fato de ter respondido procedimento ético disciplinar sem observância do contraditório e da ampla defesa, o qual culminou com a sua expulsão dos quadros do partido.

Diz que o partido requerido passou a apoiar e a integrar o governo municipal e a discriminação iniciou depois que ele – requerido – votou contrariamente aos interesses do governo em projeto de lei que retirava direito dos servidores relativos a auxílio-alimentação.

O PSB, por sua vez, entende pela infidelidade partidária de Eduardo, o qual teria se desviado das orientações partidárias, defendendo a legitimidade do procedimento que resultou na sua expulsão.

Consta na segunda denúncia, formulada por Fernando Muller, membro do diretório estadual e da comissão executiva municipal do PSB de Passo Fundo, que inicialmente o partido fazia oposição ao governo municipal. Depois, a partir da movimentação do partido na esfera nacional, em especial dos debates acerca de possível fusão com o PPS, o prefeito de Passo Fundo, escolhido por essa sigla, em face de participação em inúmeras reuniões com lideranças do PSB, acabou se aproximando do partido.

Tal aproximação acarretou na mudança de posição do partido, que passou a apoiar o governo municipal, o que teria contado com a participação e apoio dos dois vereadores eleitos pela sigla, Padre Wilson e Eduardo, este último autor da ação declaratória de justa causa para desfiliação (PET n. 145-43).

Diz a denúncia, ainda, que em determinado momento Eduardo rompeu com as decisões emanadas do partido e adotou postura de oposição ao governo (fl. 108).

Na primeira denúncia, formulada por Vitor Paulo Ribeiro Machado (fls. 52-54), Eduardo foi penalizado com advertência e suspensão do direito de voto nas reuniões do partido e, na segunda, expulsão (fls. 43-48 e 99-103).

Como bem observado no parecer ministerial, não compete à Justiça Eleitoral apreciar o mérito da expulsão de Eduardo dos quadros do Partido Socialista Brasileiro, faculdade essa restrita à Justiça comum, cabendo análise, entretanto, quanto à obediência aos princípios do devido processo legal.

Para evitar tautologia, transcrevo parte do parecer no ponto em que analisa a tramitação dos processos ético-disciplinares n. 002/2015 e n. 001/2015, instaurados pelo Partido Socialista Brasileiro em face de Eduardo (grifos originais):

a.1) Processo Ético-Disciplinar n. 002/2015

No caso concreto dos autos, compulsando a cópia do processo n. 002/2015, instaurado perante a Comissão de Ética Municipal do PSB de Passo Fundo e que culminou com a expulsão de EDUARDO (fls. 218-276 e 277-322), verifica-se que o Partido observou as normas estabelecidas em seu Código de Ética (fls. 182-185) referentes a ampla defesa e contraditório.

Para tanto, o partido, após receber requisição de abertura de procedimento investigatório perante a comissão, nos termos do art. 16 do Código de Ética - CE (fls. 246-251), notificou o parlamentar para apresentar defesa no prazo de dez dias (art. 14, I, do CE), conforme aviso de recebimento datado de 25.3.2015 (fl. 244). EDUARDO apresentou defesa (fls. 240-242). Ainda, nos termos da ata juntada às fls. 266-270, foi proporcionado ao filiado o tempo de 15 minutos para defesa oral durante a sessão de julgamento, conforme preceitua o art. 23 do CE.

EDUARDO alega que teve seu direito à defesa cerceado, haja vista que lhe teria sido negado o acesso a determinados documentos para oferecer sua defesa prévia. Porém, o filiado não indica prova a corroborar sua afirmação, bem como não junta protocolos dos pedidos que teriam sido desatendidos pelo partido.

Ainda, depreende-se do relatório de atividades, juntado à fl. 226, que no referido processo não ocorreu oitiva de testemunhas.

a.2) Processo Ético-Disciplinar n. 001/2015

Contudo, em relação ao processo 001/2015 (fls. 323-376), a conclusão deste parquet é diversa. Compulsando os autos verifica-se que o partido não garantiu satisfatoriamente o direito à ampla defesa ao seu filiado. Nesse ponto, é necessário chamar a atenção para o dispositivo constante do art. 14, III, do Código de Ética do PSB:

Art. 14. Compete ao relator providenciar o andamento e a instrução do processo, como se segue:

I – recebida a denúncia, o Presidente notificará através de correspondência com aviso de recebimento, o denunciado para apresentar defesa no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de serem consideradas verdadeiras as denúncias recebidas;

II – o denunciado ou seu representante legal, no prazo fixado neste artigo, apresentará a defesa escrita, instruída com os documentos que entender necessários;

III – o Conselho poderá instruir o processo com o testemunho de pessoas que possam esclarecer os fatos arguidos, antes que o denunciado apresente a defesa escrita;

IV – o relator remeterá o processo ao Presidente do Conselho de Ética, com seu relatório e parecer conclusivo;

V – recebido o processo devidamente instruído, o Presidente convocará os membros do Conselho de Ética para apreciar a matéria, fixando local, dia e hora para a reunião.

Depreende-se do Relatório de atividades da Comissão de Ética, juntado à fl. 332 dos autos, que referido colegiado colheu a oitiva de testemunhas após a apresentação de defesa escrita por parte de EDUARDO. O vereador apresentou defesa escrita em 03.02.2015 (fls. 350) e as testemunhas foram ouvidas em 11.02.2015 (fls. 372) e 12.02.2015 (fls. 373). Tal conduta contraria o disposto no artigo acima.

Além disso, EDUARDO não teve oportunidade de questionar as testemunhas arroladas no procedimento disciplinar, o que viola frontalmente os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Ainda, o filiado alega que não lhe foi possibilitada a vista dos documentos que instruíram o procedimento disciplinar a fim de que oferecesse sua defesa. De fato, a prova destes autos não permite concluir que o partido tenha fornecido cópia dos documentos que instruíram a denúncia, haja vista que o ofício de notificação (fls. 217) endereçado ao Edil nada fala a respeito, bem como o aviso de recebimento não discrimina o conteúdo recebido (fls. 376).

Nesse sentido foram, também, as conclusões do magistrado que deferiu a liminar no mandado de segurança impetrado pelo autor:

Vistos. Recebo parcialmente a inicial apenas no que tange ao pedido de manutenção da filiação partidária do impetrante, pois o objeto de demanda desta natureza é restrita à análise de eventual afronta às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório – direito líquido e certo –, segundo o impetrante, não observados no procedimento administrativo de instauração do Comitê de Ética do Diretório Municipal do PSB (Processos n. 001/2015 e n. 002/2015).

Com efeito, como bem frisado na decisão do MMº Juiz Eleitoral (fl. 171), a questão atinente à perda do mandato refoge aos limites da competência desta Justiça Comum, importando matéria a ser objeto da via própria perante a Justiça Eleitoral, observada a Resolução n. 22.610 do TSE. O fundamento no presente "mandamus" está no cerceamento de defesa do impetrante em sede de procedimento administrativo de expulsão do partido com base em denúncias de infidelidade partidária (fls. 37-44 e 100-106). O direito líquido e certo, in casu, decorre da boa-fé do impetrante ao alegar a inobservância das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º inc. LV da Constituição Federal), corroborados pelos documentos das fls. 96-98, datados de 06.01.2015, consistentes nos requerimentos do impetrante dirigidos ao Presidente do Partido, solicitando documentos e cópia redigida e legível do processo administrativo de instauração do Comitê de Ética no qual o impetrante figura como réu, não atendidos (fls. 92-93), prejudicando, desse modo, sua defesa no prazo legal. O “periculum in mora” está justamente no impedimento do exercício das prerrogativas inerentes à filiação partidária, envolvendo questões de participação interna corporis, como em ação futura, visando a perda do mandato do impetrante em decorrência da decisão firmada em procedimento atacado. Destarte, estando presentes o “fumus boni iuris” e o “periculum in mora”, caracterizados pela infringência, em tese, às garantias constitucionais atinentes ao devido processo legal que culminou no ato da autoridade coatora (fls. 102-106 e 114), impõe-se a concessão da medida liminar, forte no art. 5º, incs. LXIX e LV da Constituição Federal de 1988 c/c o art. 7º, II, da Lei n. 1.533/51.

Ante o exposto, defiro a segurança para manter a filiação partidária do impetrante até o julgamento final. Notifique-se a autoridade coatora para que se abstenha de atos em cumprimento à decisão atacada e preste as informações que entender pertinentes, no prazo de dez dias. Intime-se o impetrante para atribuir valor à causa, bem como para recolhimento das custas, no prazo de dez (10) dias, pena de revogação desta decisão e cancelamento da distribuição.

Decorrido o prazo, vista ao Ministério Público.

Logo, na esteira da jurisprudência, haja vista que não foi proporcionada a adequada defesa ao filiado, resta configurada a justa causa para a desfiliação de EDUARDO PELICIOLLI, mormente pelo fato de que a pena aplicada nesse procedimento repercutiu, expressamente, na grave sanção de expulsão do filiado do partido, nos termos do parecer da Comissão de Ética no processo n. 002/2015: “Frente à procedência da denúncia de infidelidade partidária, esta comissão de ética, […] e ainda, tendo presente as medidas disciplinares sugeridas em processo anterior, sugere a aplicação da medida disciplinar de expulsão da sigla”.

Como se observa, o procedimento ético-disciplinar n. 001/2015 – que culminou com a expulsão de Eduardo do quadro de filiados do Partido Socialista Brasileiro de Passo Fundo – não obedeceu ao princípio do devido processo legal, pois deixou de cumprir o rito previsto no Código de Ética do partido, segundo o qual as testemunhas devem ser ouvidas antes da apresentação da defesa pelo denunciado.

Não bastasse isso, não foi oportunizado a Eduardo o questionamento das testemunhas arroladas no procedimento, em afronta aos princípios do contraditório e ampla defesa. Não menos grave foi o fato de o então denunciado, Eduardo, não ter tido acesso aos documentos que instruíram o procedimento disciplinar, o que nem sequer foi negado na defesa do partido.

Tais fatos, por si só, já seriam suficientes para caracterizar justa causa para a desfiliação partidária de Eduardo, nos termos da jurisprudência (sem grifo no original).

Ação de perda de cargo eletivo por desfiliação partidária. Pretensão de reaver cargo de vereador que se desligou da agremiação de origem para filiar-se a outro partido.

Preliminar afastada. Legitimidade do primeiro suplente para ingressar com a demanda, mormente diante da inércia do partido político. Inteligência do § 2º do art. 1º da Resolução TSE n. 22.610/07.

Caracterizada a grave discriminação pessoal contra o requerido. Conflito instaurado com base em procedimento sumário de expulsão do filiado, sem a necessária observância das garantias relacionadas ao contraditório. Ato repudiado pelo próprio Diretório Estadual da agremiação, que acolheu apelo do mandatário e desconstituiu a decisão anterior.

Evidenciada a segregação pessoal e política contra o filiado, tornando insustentável sua permanência nos quadros partidários. Circunstância que autoriza a migração partidária sem as consequências previstas na legislação de regência.

Improcedência.

(Petição n. 30862, Acórdão de 8.5.2012, Relator DR. ARTUR DOS SANTOS E ALMEIDA, Publicação DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 78, Data 10.5.2012, Página 04).

Além da ofensa à garantia constitucional, as provas produzidas judicialmente demonstram que a grave discriminação pessoal perpetrada pelo PSB de Passo Fundo em face do então filiado Eduardo ultrapassou a esfera procedimental, isto é, foi além do descumprimento de princípios e regras processuais.

Vejamos o que disseram as testemunhas a respeito:

Testemunha: José Carlos Raya Nedel – arrolado pelo autor, informa que é servidor da Câmara Municipal. Afirma: que foi filiado ao PSB até 2013/2014, logo após o PSB migrar para a situação; que não era do agrado do vereador fazer parte do governo, pois ele possuía uma postura de oposição combativa na Câmara; que o vereador teria sido perseguido após ter votado contra o governo municipal numa questão que envolvia auxílio alimentação; que EDUARDO teria sido vítima de deboches; que o regimento interno da Câmara prevê que cada vereador possui o tempo para discurso de três minutos a cada três sessões; que o partido, além do tempo destinado aos seus vereadores, dispõe de cinco minutos em cada sessão; que o PSB vetou a utilização desse tempo pelo autor; que quem dispõe do tempo é o líder da bancada; que o líder da bancada do PSB é o Padre Wilson; que a bancada do PSB é composta de 2 vereadores; que antes o tempo era dividido entre eles; que a bancada do Partido dos Trabalhadores possui quatro vereadores e o tempo do partido é dividido entre eles; que esse fato causou prejuízo à atuação parlamentar do autor; que o vereador Padre Wilson chamou EDUARDO de mentiroso em programa de rádio; que instalou-se um clima pejorativo e agressivo na Câmara; que acompanha as sessões plenárias; que Padre Wilson fez piadas nas entrelinhas de discursos; que tratou o vereador como moleque, jovem inconsequente; que as orientações do partido costumam constar em ata; que ouviu um “burburinho de corredor” no sentido de que EDUARDO não seria mais vereador; que teria ouvido discriminação no sentido de que o EDUARDO somente estaria na Câmara em razão de seu Partido, sem o qual não teria valor algum.

Testemunha – Maria de Fátima Ferreira: arrolada pelo autor – relata: que é líder comunitária do Loteamento Santo Antônio da Pedreira; que o autor sofre discriminação desde a votação referente aos tickets de alimentação; que desde então a vida de EDUARDO se tornou um terror; que os colegas passam rindo e debochando na frente do gabinete de EDUARDO; que EDUARDO foi padrinho da Pastoral da Criança; que o vereador Padre Wilson não apoia a Pastoral.

Testemunha – Tiago Bittelo: arrolado pelo autor – relata: que foi filiado ao PT e hoje é filiado ao PR; que a votação do auxílio alimentação dos servidores causou desgaste ao vereador EDUARDO; que o líder da bancada fazia declarações contra EDUARDO; que o chamava de “guri mimado”; que as declarações ofensivas de Padre Wilson durante o pronunciamento realizado no tempo destinado ao Partido causavam risos no plenário; que o líder da bancada chamou EDUARDO em programa de rádio de mentiroso e isso seria grave; que entende que houve discriminação por parte de seus colegas; que o contexto ficou muito feio, ao chamar de mentiroso, sofreu pressão ao adotar posição contrária; que atualmente EDUARDO está filiado ao PR.

PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL NO RIO GRANDE DO SUL

Informante – Fernando Muller Pires: arrolado pela defesa – não compromissado, pois participou do processo que culminou na expulsão de EDUARDO. Relata: que foi ele quem filiou EDUARDO no partido e que tinham uma relação muito próxima; que EDUARDO teria votado para o partido ser base do governo; que o vereador começou a votar contra as deliberações do partido; que o procedimento ético-disciplinar foi motivado em razão de divergências partidárias; que foi oferecida defesa e que o vereador teria, inclusive, recorrido; que o vereador fazia ataques sistemáticos na tribuna e votava contra a orientação do partido que era repassada pelo vereador Padre Wilson; que as posições do partido eram deliberadas internamente; que as atas solicitadas pelo vereador foram perdidas em um incêndio; que a relação de EDUARDO com o vereador Padre Wilson pode ser dividida em dois momentos; que antes dos episódios era boa, mas depois ficou atritada; que pelo que sabe as atas posteriores ao incêndio foram alcançadas ao vereador.

Informante – Alexandre Luiz Rodrigues: arrolado pela defesa – não compromissado, pois preside o PSB de Passo Fundo. Relata: que a expulsão decorreu de equívocos que EDUARDO teria cometido; que tais equívocos consistiriam em contrariar as orientações do partidos; que as orientações eram construídas por meio de discussões internas; que o vereador era convidado a participar das reuniões; que foi garantida a defesa do filiado durante o procedimento disciplinar que tramitou perante a comissão de ética; que o vereador teria iniciado o conflito; que o vereador eventualmente pode discordar da posição do partido, porém EDUARDO teria assumido uma posição de votar contra todas as determinações do partido o que caracterizaria violação ao estatuto partidário; que EDUARDO não foi tratado como ex-vereador pelo partido, inclusive pelo fato de que ainda pende recurso na instância estadual; que não houve linha definida pelo partido no que concerne à votação do auxílio alimentação; que o vereador não teria respeitado acordo relativo a troca do líder da bancada.

Informante – Júlio César de Medeiro: arrolado pela defesa – não compromissado, pois presidiu o conselho de ética no processo que culminou na expulsão de EDUARDO. Informa: que não observou perseguição a EDUARDO, embora a defesa tenha aventado tal fato; que foi apurada apenas a violação a disposições estatutárias.

Veja-se que, conforme testemunhado por José Carlos Raya Nedel, Eduardo foi alvo de deboche depois de ter votado contra projeto de lei do executivo pertinente ao auxílio-alimentação dos servidores, tendo sido chamado de “moleque” e “mentiroso” pelo líder da bancada do PSB, vereador Padre Wilson. Ainda, que o tempo destinado ao PSB nas sessões da Câmara era dividido entre os dois vereadores, como é praxe em outros partidos, mas o PSB vetou a Eduardo o uso do tempo que lhe caberia, o qual passou a ser utilizado unicamente pelo líder da bancada.

Indubitável que a supressão do tempo que caberia ao parlamentar para fazer uso da palavra nas sessões da Câmara caracteriza grave discriminação. Com efeito, além de retirar importante “instrumento” de trabalho, qual seja, o uso da tribuna, expõe o vereador a constrangimento diante da comunidade e dos seus pares.

Já de acordo com a testemunha Tiago Bittelo, o líder da bancada do PSB, Padre Wilson, chamava Eduardo de “guri mimado” e utilizava discurso ofensivo a ponto de causar risos no plenário.

Não bastasse esse tratamento vexatório conferido ao parlamentar no âmbito da casa legislativa, o líder da bancada interveio em entrevista que estava sendo concedida ao vivo por Eduardo, a emissora de rádio local, para chamá-lo de “mentiroso.”

Na entrevista, Eduardo manifestava o seu descontentamento em relação à supressão do seu tempo na tribuna, dizendo é um absurdo um partido que se diz democrático querer censurar o seu vereador e não possibilitar que ele utilize o seu tempo regimental. Nesse instante, o apresentador do programa interrompe a entrevista para informar ter recebido ligação do Vereador Padre Wilson, perguntando ao entrevistado se ele aceita conversar com ele, no que obteve a concordância de Eduardo.

A fala do Vereador Padre Wilson foi nesses termos (CD à fl. 147):

Na verdade o que o vereador está colocando não é verdade. Em primeiro lugar o partido, ele fez uma discussão e nos dois primeiros anos de mesa foi definido que um dos dois vereadores iria pra mesa e o outro iria assumir a liderança […], aí o vereador Peliccioli escolheu ir pra mesa e ipso fato fiquei na liderança, aí depois desse processo, vencidos os dois anos, aí no processo de composição da nova mesa, à revelia do partido, o vereador foi e organizou […] e participou do processo que resultou na composição desta mesa. E dizer que o partido está cerceando ele. Primeiro lugar foi propalado em alto e bom tom que o cargo que ele ocupa na mesa é do PSB. Ele falou que eu fui pedir na presidência pra tirar o espaço dele, isso é mentira da mais deslavada possível e imaginável. […] Nós só questionamos a presidência é […] se regimentalmente estava correta, só! só… só…só! Ponto final.

Mais ao final da entrevista Padre Wilson interrompe a fala de Eduardo e diz: vereador, mais uma vez, mais uma vez vereador, você está mentindo deslavadamente que é algo vergonhoso [...].

Assim, pelos mais diferentes ângulos de análise, entendo configurada a grave discriminação imposta pelo PSB a Eduardo, discriminação essa ensejadora de justa causa para a desfiliação partidária.

Nesse sentido, a jurisprudência:

Pedido de perda de cargo eletivo. Justa causa. Grave discriminação pessoal.

– Os fatos vivenciados pelo parlamentar comprovam ter sido ele discriminado pela agremiação a qual se elegeu, vindo a sofrer as respectivas consequências, tais como a falta de espaço e representatividade a ele imposta na legenda, o que enseja a justa causa para a desfiliação.

Pedido improcedente.

(Petição n. 2759, Acórdão de 10.3.2009, Relator Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 24.4.2009, Página 28).

 

EMENTA: PEDIDO DE DECRETAÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO – DESFILIAÇÃO – GRAVE DISCRIMINAÇÃO PESSOAL – JUSTA CAUSA – ART. 1º, § 1º, INC. VI, DA RESOLUÇÃO TSE 22.610/07 – PEDIDO IMPROCEDENTE.

O comportamento descortês, hostil e por vezes antissocial caracterizado pelas ofensas inclusive de caráter pessoal, evidenciando o clima de animosidade, configura grave discriminação pessoal a caracterizar a justa causa para a desfiliação partidária nos termos do art. 1º, § 1º, inc. VI, da Resolução TSE 22.610/07.

(PROCESSO n. 96542, Acórdão n. 42229 de 23.4.2012, Relator ROGÉRIO COELHO, Publicação DJ - Diário de Justiça, Data 27.4.2012 ).

Diante das provas constituídas nos autos, presentes as causas justificadoras da desfiliação partidária, resta julgar procedente a ação de justificação proposta por EDUARDO PELICIOLLI (PET n. 145-43) e, por consequência, improcedente o pedido de decretação de perda de cargo eletivo n. 169-71, proposta pelo Partido Socialista Brasileiro de Passo Fundo, devendo o parlamentar ser mantido no cargo eletivo, mesmo tendo migrado para o Partido da República.

Por todo o exposto voto no sentido de a) declarar a justa causa da desfiliação de Eduardo Peliciolli do Partido Socialista Brasileiro – PSB de Passo Fundo, nos termos do requerido nos autos da PET n. 145-43; b) rejeitar a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelo Partido da República nos autos da PET n. 169-71 e, no mérito, julgar improcedente o pedido de decretação de perda do cargo de Eduardo Peliciolli proposta pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB de Passo Fundo.