RC - 13074 - Sessão: 14/06/2016 às 17:00

RELATÓRIO

VANDRO DA SILVA recorre da decisão proferida pelo Juízo da 55ª Zona Eleitoral – Taquara – que julgou procedente ação penal condenando-o pela prática dos fatos delituosos a seguir descritos, conforme consta na denúncia (fls. 02-05):

1º FATO

No dia 02 de setembro de 2012, às 11h17min, o denunciado VANDRO DA SILVA ofereceu e prometeu entregar vantagem econômica, consistente em 02 (duas) cargas de aterro, à pessoa de Moises de Oliveira da Silva, para obter votos em favor de sua candidatura à vereador do Município de Parobé/RS.

Na ocasião, durante ligação telefônica, a obtenção de votos foi negociada da seguinte forma:

Interlocutor (9685.6099) reclama que VANDRO não atende telefone e que tinha arrumado um negócio, 'que nem o dos guri', barbada … o cara com quatro votos na casa era leva duas cargas de aterro e bota placa na casa. VANDRO diz que o cunhado dele quebrou as coisas dentro de casa, que teve que levar a irmã dele para Sapiranga e que não pode surrar o cunhado por que era época de campanha, ainda teve que dar razão. Interlocutor diz que o Magrão mora lá na esquina onde a irmã tem a firma e que o IKA tinha prometido duas carguinhas de aterro, por quatro votinho. Interlocutor diz que o guri falou que se der o aterro segunda-feira, vamos colocar a placa agora do vereador e do prefeito que tu quiser. VANDRO e o interlocutor ficam de se encontrar.

2º FATO

No dia 03 de setembro de 2012, às 10h38min05s, o denunciado VANDRO DA SILVA ofereceu e prometeu entregar dinheiro ou outra vantagem econômica, à pessoa de Terezinha Moreira da Silva, para obter votos entre 10 (dez) e 15 (quinze) votos em favor de sua candidatura à vereador do Município de Parobé/RS.

Na ocasião, durante ligação telefônica, a obtenção de votos foi negociada da seguinte forma:

DUTRA (51-9888.0066), do Pinhal, pergunta para VANDRO o que é que ele ganha se ele botar dez, quinze votos confirmadinhos...confirmado nas urnas. VANDRO diz : a gente tem que sentar e conversar. VANDRO diz que só de noite, que agora está participando de uma gincana e que está enrolado. Interlocutor pergunta se VANDRO sabe onde é o mercado da (…) do Paraguai. VANDRO diz que sabe. INTERLOCUTOR diz que mora ao lado. VANDRO diz que vai lá à noite.

3º FATO

No dia 05 de setembro de 2012, às 21h13min34s, o denunciado VANDRO DA SILVA ofereceu e prometeu entregar dádiva, consistente em materiais de limpeza, à pessoa de Carla Josiane da Silva, para obter votos em favor de sua candidatura à vereador do Município de Parobé/RS.

Na ocasião, durante ligação telefônica, a obtenção de votos foi negociada da seguinte forma:

Interlocutor (51-9643.9689), diz ser sobrinho do JAO, dos trilhos, conversa com VANDRO e pergunta se o mesmo conseguiria material de limpeza, visto estar fazendo uma mudança. VANDRO diz que consegue. Interlocutor afirma que serão dois votos.

4º FATO

No dia 03 de setembro de 2012, às 09h05min18s, o denunciado VANDRO DA SILVA ofereceu e prometeu entregar dádiva, consistente em passagem intermunicipal de transporte público, à uma terceira pessoa, para obter votos em favor de sua candidatura à vereador do Município de Parobé/RS.
Na ocasião, durante ligação telefônica, a obtenção de votos foi negociada da seguinte forma:

LUIS (51-9758.1805) liga para VANDRO para informar que um vizinho seu queria ir para Palmeira e, portanto, precisaria arrumar uma passagem, solicitando o auxílio de VANDRO. Na continuação, após VANDRO confirmar que atenderia ao pedido, LUIS solicitou para que VANDRO levasse pessoalmente a passagem para seu vizinho.

5º FATO

No dia 10 de setembro de 2012, às 11h11min06s, o denunciado VANDRO DA SILVA ofereceu e prometeu entregar quantia em dinheiro à pessoa de Alana Schapach, 'Lana', para obter votos em favor de sua candidatura à vereador do Município de Parobé/RS.

Na ocasião, durante ligação telefônica, a obtenção de votos foi negociada da seguinte forma:

Interlocutora (LANA) diz que tentou conversar com VANDRO em outra oportunidade sem sucesso e queria ver se ele poderia ajudá-la. LANA afirma que teria falado com outro vereador e este não pode ajudá-la. LANA diz que tem uma empresa pequena no bairro Paraíso e divulgaria o nome de VANDRO para clientes, porém queria uma quantia insignificante, em dinheiro. VANDRO pergunta onde seria. LANA diz que é no salão de beleza. VANDRO adenda encontro na manhã seguinte.

6º FATO

No dia 12 de setembro de 2012, às 08h53min05s, o denunciado VANDRO DA SILVA ofereceu e prometeu entregar vantagem econômica, para obter votos em favor da sua candidatura à vereador do Município de Parobé/RS.

Na ocasião, durante ligação telefônica, a obtenção de votos foi negociada da seguinte forma:

Interlocutor LOENI- professora, irmã do ISAIAS, ligada para VANDRO, e pergunta se ele vai conseguir o que ela pediu senão vai procurar outro. VANDRO diz que irá conseguir e agendam encontro.

7º FATO

No dia 13 de setembro de 2012, às 11h21min11s, o denunciado VANDRO DA SILVA ofereceu e prometeu entregar vantagem econômica, consistente em ordens de combustível, à terceira pessoa, para obter votos em favor de sua candidatura à vereador do Município de Parobé/RS.

Na ocasião, durante ligação telefônica, a obtenção de votos foi negociada da seguinte forma:

Interlocutor Daniel, da lancheria 'Come-Come', liga para VANDRO e pede combustível e diz que conseguiria muitos votos.

8º FATO

No dia 29 de setembro de 2012, às 18h21min48s, o denunciado VANDRO DA SILVA ofereceu e prometeu entregar vantagem econômica, consistente em passagem intermunicipal de transporte público, à pessoa de Cleci Castro Schwieder, para obter votos em favor de sua candidatura à vereador do Município de Parobé/RS.

Na ocasião, durante ligação telefônica, a obtenção de votos foi negociada da seguinte forma:

Interlocutora, sobrinha da Loreni, refere para VANDRO que este teria ficado de dar uma passagem para a mãe dela vir de fora. Interlocutora ainda esclarece que a mãe teria uma consulta e teria que votar. VANDRO fica de retornar e diz que verá isto.

9º FATO

Em diversas datas, no mês de setembro de 2012 até a data do pleito eleitoral em 07 de outubro de 2012, o denunciado VANDRO DA SILVA ofereceu, prometeu e entregou dádivas, consistentes em, pelo menos, 444 (quatrocentos e quarenta e quatro) vale-combustíveis, utilizados para a obtenção de votos em favor de sua candidatura à vereador do Município de Parobé/RS.
Durante o período eleitoral, o denunciado VANDRO DA SILVA utilizou-se de parentes e parceiros de negócios, interessados na sua eleição, para movimentar dinheiro e levantar créditos, adquirindo vale-combustíveis, que eram distribuídos aos eleitores em troca de votos e apoio político.

A sentença constante dos autos entendeu como configurada a prática do crime de corrupção eleitoral (art. 299 do CE), de forma continuada (nove vezes), mediante o oferecimento de vantagens a eleitores em troca de voto, tais como combustíveis, passagens de ônibus intermunicipais, material de limpeza, quantias em dinheiro ou vantagens econômicas (fls. 592-598).

Em suas razões (fls. 607-616), a defesa de Vandro da Silva sustenta não terem sido provados os fatos que lhe foram imputados, pois não haveria negociação de sufrágio nas conversas interceptadas. Alega que o recorrente não ligou para quem quer que fosse oferecendo vantagem econômica ou dádivas em troca de voto. Assevera que as testemunhas não ratificaram em juízo o que teriam afirmado no inquérito sob pressão psicológica do representante do Ministério Público Eleitoral.

Contesta todos os fatos, nos seguintes termos.

Em relação ao 1º fato, aduz que Moisés de Oliveira da Silva teria ligado para o recorrente solicitando duas cargas de aterro, mas tal material não teria sido doado. Salienta que o solicitante não fez campanha, não colocou placas e não votou no recorrente.

Quanto ao 2º fato, assegura que não ofereceu vantagem alguma à Terezinha Moreira da Silva. Questiona como poderia ter obtido apenas um voto no distrito de Pinhal, pois, segundo consta na denúncia, Terezinha garantiria de 10 a 15 votos em troca de dinheiro ou vantagem econômica.

No que diz respeito ao 3º fato, alega que foi a mãe do recorrente quem teria entregue uma garrafa de água sanitária a Jordan – sobrinho de Carla Josiane da Silva. Além disso, refere que Jordan é conhecido do apelante desde criança e que sequer seria eleitor do Município de Parobé, pois teria domicílio eleitoral no litoral, motivo pelo qual o voto deste não teria serventia para o réu.

Relativamente ao 4º fato, assevera que alguém de nome Luis teria ligado para o recorrente solicitando uma passagem de ônibus intermunicipal para Palmeira, em nome de terceira pessoa, vizinho deste. Todavia, informa que não falou com o vizinho de Luis, não sabendo sequer de quem se trata, e que não teria doado a passagem que lhe havia sido solicitada.

No que concerne ao 5º fato, nega o oferecimento de vantagem econômica à Alana Schapach em troca de voto. Refere que Alana (Lana) já teria tentado, em outra oportunidade, solicitar ao recorrente uma quantia insignificante de dinheiro para divulgar sua candidatura. No entanto, o réu alega que em momento algum ofereceu qualquer vantagem econômica a Alana em troca de voto.

Com relação ao 6º fato, assevera que a peça acusatória é extremamente genérica, restando impossibilitada a identificação e qualificação da conduta delituosa, não sendo possível comprovar que o recorrente tenha prometido algum tipo de vantagem econômica e auferido algum benefício eleitoral em troca desta.

Sobre o 7º fato, afirma que ao recorrente foi solicitado pelo senhor Daniel da lancheria “Come-Come” ajuda de combustível em troca de muitos votos. Porém, sustenta que, conforme teria restado provado no curso da demanda, não houve compra de gasolina pelo réu.

Quanto ao 8º fato, alega tratar-se de mais uma conduta descrita genericamente. Sustenta que o recorrente não prometeu entregar passagem intermunicipal em troca de voto, assim como aduz não ser possível identificar o suposto donatário de tal benesse.

Por fim, em relação ao 9º fato, assevera que todas as tentativas de compra de vales-combustível restaram frustradas, sendo que o recorrente abastecia seu próprio carro mediante pagamento à vista porque não tinha crédito na praça. Refere que, quando oficiados, os postos de combustíveis de Parobé foram categóricos em afirmar que o recorrente nunca havia comprado combustível em suas unidades, motivo pelo qual não haviam emitido vales-combustível em seu nome. Informa que quem tinha conta no posto de combustíveis, há muito tempo, era o irmão do recorrente, não caracterizando, tal fato, nenhum tipo de crime. Quanto à carreata, aduz que era de responsabilidade da majoritária, sendo o respectivo combustível pago pelo Partido da República, situação que teria sido devidamente contabilizada na prestação de contas da agremiação. Por fim, faz questão de frisar que o recorrente, em sua campanha para vereador, não fez nenhuma carreata no município de Parobé.

Com contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 623-627). Em sessão, sustentou que: "a materialidade e a autoria estão devidamente comprovadas através de degravações das conversas telefônicas, dos termos de declarações, dos depoimentos judicializados das testemunhas. O juízo condenou o réu pela prática de corrupção, nove vezes, pena substituída por duas restritivas de direito. A sanção foi aplicada dentro dos parâmetros legais e o MP está opinando pelo desprovimento do recurso, mas também já entendendo que, caso seja confirmada esta sentença no juízo monocrático, deve ocorrer a execução provisória da condenação, como já entendeu o Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus 126.292. Esse julgamento já foi reproduzido por duas outras vezes: no Habeas Corpus 133.679, segunda turma, relator Ministro Gilmar Mendes, agora, dia 18 de maio de 2016, e também no recurso em Habeas Corpus 133.483, também relatado pelo Ministro Gilmar Mendes. Ou seja, o STF tem entendido por manter esta jurisprudência em relação à execução provisória da condenação. O STJ também já firmou posição a esse respeito. Aqui, trago duas decisões, uma do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, que determinou a execução provisória da sentença condenatória, RE n. 34-53, em que os juízes entenderam da expedição da carta de guia, nos termos do voto do relator, e também os Embargos de Declaração n. 85-15, julgados pelo TRE de São Paulo, em 7 de abri de 2016, onde estão dando guarida a essa decisão do STF. Gostaria de tecer breves comentários sobre alguns argumentos que já foram externados por esta Corte. O primeiro é em relação ao número de votos que foram decisivos no julgamento dessa matéria, sete a quatro, e a possibilidade de que isso possa ser modificado. Mas essa ponderação não tem legitimidade jurídica, pois a decisão, se fosse por número diverso, geraria também efeitos para todas as Cortes. Segundo, é que a questão da estatística que o Ministério Público tem trazido em relação ao número de provimentos no STF é produzida pelo próprio Supremo Tribunal Federal, onde os recursos providos da defesa são em número igual ou inferior a um por cento. Esses são os números obtidos junto ao próprio STF. Outro argumento utilizado é o de que existe uma tradição no TSE de serem reformadas as decisões. Não. A tradição que existe no TSE, lamentavelmente, é a de não serem julgados os processos. Vamos exemplificar com o processo do vereador Cássio Trogildo, do município de Porto Alegre. Ele foi cassado em 2013 e hoje é presidente da Câmara de Vereadores, porque a liminar subsiste no TSE. Esta é a tradição do TSE, não é reformar, é não julgar os processos, mantendo liminares. E o último argumento, de que este seria um processo isolado, um Habeas Corpus que seria analisado sob a égide da fiscalização concreta, eu diria que não. Hoje, o processo de objetivação do controle de constitucionalidade que existe no STF permite que um processo julgado no controle difuso estenda seus efeitos para os demais processos. Seria incoerente o STF modificar seu posicionamento a cada julgamento que enfrenta sobre o mesmo tema. O caso aqui nem diz respeito a uma questão do caso concreto, diz, sim, respeito à Lei. Ora, se os recursos extraordinários e os recursos especiais não admitem o reexame das provas, o que impede de serem executadas as penas, já que foram determinadas por juizes monocráticos e por tribunais compostos por juízes preparados e experientes? Por que não executar provisoriamente a condenação, caso ocorra neste processo, neste caso concreto? Este é o posicionamento do MP."

É o relatório.

 

VOTOS

Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja (relatora):

Inicialmente, colegas, eu gostaria de dizer que as alegações ora apresentadas da tribuna, e que estão nos memoriais da defesa, não foram invocadas nas razões de recurso. Por isso, não constam do corpo do voto. Nem essas questões de inépcia da inicial, nulidade da degravação ou não existência de degravação, nulidade da sentença e etc. De qualquer sorte, examinei agora, e entendo que a denúncia não é inepta. Ela atende os requisitos legais, o tipo penal está bem descrito, inclusive com menção das pessoas que teriam sido beneficiadas com o crime, sejam elas testemunhas ou possíveis réus. De outra banda, a sentença está bem fundamentada, o magistrado analisou toda a prova, tanto documental quanto testemunhal, e não vislumbro nenhuma questão que possa ser reconhecida como nulidade e inépcia da inicial.

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do prazo de dez dias previsto no art. 362 do Código Eleitoral.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, conheço do apelo.

Mérito

O apelante busca a reforma da decisão em que restou condenado pela prática do crime de corrupção, tipificado no art. 299 do Código Eleitoral:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita.

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Tal preceito normativo tutela o livre exercício do sufrágio, tendo como objetivo reprimir o comércio de votos, o conhecido toma-lá-dá-cá, a troca de favores entre candidatos e eleitores.

Trata-se de crime formal, pois sua consumação independe da ocorrência do resultado pretendido pelo agente.

É tipo penal que se reveste de extrema gravidade, pois sua consumação pode vir a alterar os resultados das eleições, ferindo, sobremaneira, o Estado Democrático de Direito.

Sabe-se que todo delito, para produzir efeitos processuais penais, deve ter a sua existência demonstrada. Alguns deixam vestígios, rastros visíveis de sua ocorrência, enquanto outros, não.

O crime do art. 299 do Código Eleitoral, por sua vez, é um dos exemplos de tipo penal cujos vestígios são de difícil constatação. Muitas vezes, são promessas feitas de forma oral, restando apenas os respectivos interlocutores como testemunhas do crime. São comuns, por exemplo, o adiantamento de valores, as ofertas de empregos, de cargos públicos, das mais diversas benesses, tais como combustível, cestas básicas, materiais de construção, pagamento de contas de energia elétrica, água, influência política para obter acesso facilitado programas governamentais de saúde, educação e moradia.

Portanto, por ser a corrupção eleitoral um delito cujos vestígios são de difícil constatação, no caso em exame ganha especial relevância a circunstância de que as promessas de benesses restaram evidenciadas por meio das interceptações telefônicas judicialmente autorizadas, as quais conduzem à comprovação da autoria e materialidade do crime.

Quanto às referidas gravações telefônicas, esclareço que a persecutio criminis teve início com o compartilhamento – deferido pelo Tribunal de Justiça nos autos da APAN n. 70048794556 – de provas produzidas na investigação criminal denominada “Operação Guarujá II”, na qual vieram à tona os fatos objetos da presente ação penal.

Por meio da referida operação, o Ministério Público deste Estado vinha investigando inúmeros ilícitos cometidos na Comarca de Parobé. Várias pessoas da cidade e da região foram objeto de interceptações telefônicas, incluindo agentes políticos e alguns candidatos a vereador no pleito eleitoral de 2012.

Atendendo a requerimento ministerial, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em decisão da lavra do Des. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, deferiu o compartilhamento das provas obtidas na mencionada investigação criminal (fls. 08 e v.).

Portanto, a denúncia baseia-se em relatórios finais de interceptações telefônicas dos números (51) 9519-6367 e (51) 3523-1572, utilizados pelo recorrente Vandro da Silva. São diálogos que revelam, na ótica do Ministério Público, a prática do delito de corrupção eleitoral (art. 299 do CE), realizado de forma continuada (nove são os fatos apontados na peça acusatória).

O procedimento das escutas foi rigorosamente o estabelecido pelo Estado de Direito.

A prova emprestada foi ratificada judicialmente, quando o recorrente teve oportunidade de expor seus argumentos dentro do contraditório e respaldado pela ampla defesa.

Além disso, embora reconhecida a independência entre as searas cível e criminal, é oportuno registrar que, com base nos mesmos fatos, contra o réu foi julgada procedente representação por captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei 9.504/97), na qual teve seu diploma cassado, foi condenado à multa de R$ 3.000,00 e decretada sua inelegibilidade por 8 anos. Naquela oportunidade, o representado recorreu a este Tribunal, sendo mantida a condenação e concedido parcial provimento ao apelo apenas para afastar a inelegibilidade, pois esta não é sanção decorrente do reconhecimento da captação ilícita de sufrágio. O acórdão restou assim ementado:

Recurso. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Oferecimento de vantagens em troca de voto: gasolina para transporte de eleitores, passagem e material de limpeza. Eleições 2012.

Representação julgada procedente pelo magistrado de origem. Cassação do diploma, condenação ao pagamento de multa e declaração de inelegibilidade.

Alegada ilicitude de prova, sob o fundamento de ter sido produzida de forma unilateral pelo Ministério Público Eleitoral. Prova ratificada judicialmente. O recorrente teve oportunidade de expor seus argumentos e apresentar suas provas. Não reconhecimento da ilicitude. Afastada a prefacial de nulidade do processo.

A norma do art. 41-A da Lei das Eleições veda doar, oferecer, prometer ou entregar vantagem a eleitores em troca de voto. Presença de todos os elementos necessários à caracterização da conduta ilícita.

Desnecessidade de demonstração da potencialidade lesiva, pois o bem jurídico tutelado pela norma é a vontade do eleitor.

Nulidade dos votos auferidos pelo candidato. Votos não aproveitados pela legenda, sob pena de legitimar-se resultado de processo viciado. Recálculo dos quocientes eleitoral e partidário determinado de ofício.

Afastada a decretação de inelegibilidade. Consequência não contemplada pelo dispositivo infringido.

Provimento parcial.

(TRE/RS - RE 1128-76, Rel. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, julgado na sessão de 18.07.2013)

Pois bem, após essas considerações, dou seguimento à análise das irresignações do recorrente.

Em relação ao 1º, 3º, 7º, 8º e 9º fatos, tenho que as interceptações telefônicas e o conjunto de provas coligido aos autos demonstram, de modo inequívoco, a promessa de benesses em troca de voto realizada pelo apelante.

Quanto ao 1º fato, a denúncia narra que o recorrente teria prometido vantagem econômica consistente na entrega de duas cargas de aterro à pessoa de Moisés de Oliveira da Silva, em troca de quatro votos e instalação de placa de campanha na residência deste. Vandro combina de se encontrar com o interlocutor, conforme se depreende do relatório da gravação (fl. 02 da inicial e relatório de interceptação telefônica, fl. 118):

Interlocutor (9685.6099) reclama que VANDRO não atende telefone e que tinha arrumado um negócio 'que nem o dos guris', barbada... o cara com quatro votos na casa era leva duas cargas de aterro e bota placa na casa... (...) Interlocutor diz que o Magrão mora lá na esquina onde a irmã tem a firma e que o IKA tinha prometido duas carguinhas de aterro, por quatro votinho. Interlocutor diz que o guri falou que se der o aterro segunda-feira, vamos colocar a placa agora do vereador e do prefeito que tu quiser. VANDRO e o interlocutor ficam de se encontrar.

Por sua vez, o apelante alega que não doou o material solicitado, enfatizando que Moisés não fez campanha, não colocou placas e sequer votou no recorrente.

Sem razão a defesa.

Da oitiva de Moisés de Oliveira da Silva, arrolado como testemunha, percebe-se que ele era o tal interlocutor, o qual confirma ter pedido ao recorrente as cargas de aterro em favor de uma ex-vizinha. Disse, ainda, que ao solicitar o material o recorrente teria respondido que não estava dando nada para ninguém. Todavia, o relatório da conversa telefônica revela o cometimento do delito.

Além disso, em declaração ao Ministério Publico Eleitoral (fl. 80), Moisés afirmou que “depois desta ligação Vandro encontrou pessoalmente o declarante e afirmou que conseguiria as duas cargas de aterro em troca da colocação de placa de propaganda e de quatro votos”. “Vandro prometeu, por intermédio do declarante, que levaria, numa determinada sexta-feira, as duas cargas de aterro, o que não foi cumprido”. Referiu, ainda, que “não faria mais campanha e deixaria de passar vergonha, pois Vandro promete e não cumpre”.

O que vemos, desse modo, é um lamentável jogo de troca de favores. Prática ilegal e responsável direta pela situação política vivenciada por nosso País.

Infelizmente, o eleitor, em raciocínio extremamente distorcido, alega que deixou de apoiar Vandro porque este não teria cumprido as promessas de benesses em troca de votos. Por outro lado, o candidato mostra – o que resta evidenciado pelo conjunto de gravações corroboradas com declarações junto ao Ministério Publico Eleitoral e testemunhos prestados em sede judicial – ter realizado as propostas, configurando a tipificação criminal do art. 299 do Código Eleitoral, que, diga-se, não exige o cumprimento destas para o delito se perfectibilizar.

Relativamente ao 3º fato, este consiste no oferecimento e promessa de entrega de materiais de limpeza à pessoa de Jordan, sobrinho de Carla Josiane da Silva (proprietária do número telefônico interceptado), em troca de dois votos. Carla afirmou que o telefone é de uso exclusivo de Jordan (fl. 87).

A conversa telefônica entre Jordan e Vandro se deu nos seguintes termos:

Interlocutor (51-9643.9689), diz ser sobrinho do JAO, dos trilhos, conversa com VANDRO e pergunta se o mesmo conseguiria material de limpeza, visto estar fazendo uma mudança. VANDRO diz que consegue. Interlocutor afirma que serão dois votos.

O diálogo revela a negociação do fornecimento de material de limpeza em troca de dois votos, o que torna despiciendo tecer maiores comentários.

De qualquer modo, corroborando o nítido caráter da gravação, temos a declaração de Carla Josiane junto ao Ministério Público Eleitoral (fl. 87), na qual afirmou que “ouviu comentários de Jordan sobre o pedido feito por ele a Vandro”. E que “Jordan relatou à declarante que recebeu tal auxílio (produtos de limpeza) de Vandro”.

Portanto, configurada a conduta tipificada no art. 299 do Código Eleitoral.

No mesmo sentido é a minha compreensão quanto ao 7º fato. Narra a inicial que, no dia 13 de setembro de 2012, às 11h21min11s, o denunciado VANDRO DA SILVA ofereceu e prometeu entregar vantagem econômica, consistente em ordens de combustível, a terceira pessoa, para obter votos em favor de sua candidatura a vereador do Município de Parobé/RS.

Na ocasião, durante ligação telefônica, a obtenção de votos foi negociada da seguinte forma:

Interlocutor Daniel, da lancheria 'Come-Come', liga para VANDRO e pede combustível e diz que conseguiria muitos votos.

O diálogo também foi corroborado pelas declarações de Daniel Batista da Rosa junto ao Ministério Público (fl. 85). Era ele o interlocutor da ligação interceptada.

Alegou que “trabalha na Lancheria Come-Come” e “fez campanha com seus familiares, em troca de gasolina”. Informou que “Vandro prometeu que daria uma mão, pagando o combustível”. Referiu que “a promessa também não foi cumprida, não tendo alcançado nenhum valor do combustível”. Disse que “a gasolina não seria para ressarcimento pelo apoio buscado ou para fazer campanha, sendo somente uma ajuda para sei transporte diário”.

Aqui, mais uma vez o exemplo de pensamento desvirtuado que infelizmente vigora na mente do eleitorado: “o candidato me dá uma mão e eu voto nele”. É o toma-lá-dá-cá a que já fiz referência anteriormente. Candidato e eleitor estabelecendo um “contrato” onde eles ganham, mas perde o interesse público, a sociedade como um todo.

Configurada, pois, a conduta delituosa.

No que concerne ao 8º fato, aqui analisa-se a promessa de uma passagem intermunicipal em troca de voto. A exordial ministerial relata que no dia 29 de setembro de 2012, às 18h21min48s, o denunciado VANDRO DA SILVA ofereceu, e prometeu entregar, vantagem econômica consistente em passagem intermunicipal de transporte público à pessoa de Cleci Castro Schwieder, para obter votos em favor de sua candidatura. A negociação foi nos seguintes termos:

Interlocutora, sobrinha da Loreni, refere para VANDRO que este teria ficado de dar uma passagem para a mãe dela vir de fora. Interlocutora ainda esclarece que a mãe teria uma consulta e teria que votar. VANDRO fica de retornar e diz que verá isto.

Nota-se que Vandro promete a benesse ao afirmar que “verá isto”.

Consequentemente, também aqui temos a promessa de benefício em troca de voto.

Por fim, em relação ao 9º fato, o órgão ministerial narra que consistiu num forte esquema de distribuição de combustível, no período compreendido entre setembro de 2012 até a data do pleito, atingindo a quantidade de 444 vale-combustíveis que foram distribuídos em troca de votos:

9º FATO

Em diversas datas, no mês de setembro de 2012 até a data do pleito eleitoral em 07 de outubro de 2012, o denunciado VANDRO DA SILVA ofereceu, prometeu e entregou dádivas, consistentes em, pelo menos, 444 (quatrocentos e quarenta e quatro) vale-combustíveis, utilizados para a obtenção de votos em favor de sua candidatura à vereador do Município de Parobé/RS.

Durante o período eleitoral, o denunciado VANDRO DA SILVA utilizou-se de parentes e parceiros de negócios, interessados na sua eleição, para movimentar dinheiro e levantar créditos, adquirindo vale-combustíveis, que eram distribuídos aos eleitores em troca de votos e apoio político.

O delito está comprovado tanto por conversas telefônicas, quanto por mensagens SMS. Vejamos.

No dia 05.9.2012, Vandro recebe mensagem do telefone (51) 9758-6696 em que lhe foi perguntado “quanto d gasolina tu tá dando por carro” (sic), sendo respondido com a mensagem “dez litros” (fls. 122-123).

Dia 13.9.2012, Vandro é questionado por representante do posto Viaduto sobre aumento do valor das ordens de combustível, tendo respondido que algumas foram aumentadas “pois o cara iria viajar”. Acrescenta que está no controle e que teria um “x” de ordens, e agendado uma conversa particular (fls. 126-127).

O diálogo mais revelador ocorreu no dia 29.09.2012, no qual Vandro pergunta para Cleia porque Marcinho não pegou combustível, ao que Cleia respondeu, conforme consta no relatório à fl. 128, que “teriam chegado com mais 12 nomes”, tendo sido corrigida por Vandro, que afirma ter sido 14. Cleia diz que “não tem mais gasolina” e que no total foram 444 carros.

A defesa, ao negar a entrega de vales-combustível, tenta dissuadir o juízo ao dizer, em sede de recurso, que a mensagem fazia referência à existência de 444 carros na carreata, ressaltando que essa teria sido custeada pelo Partido da República (fl. 613). Sem êxito. O conteúdo da mensagem demonstra de forma cristalina que foram atendidos 444 carros com o fornecimento de combustível.

Somado a isso, cumpre trazer o testemunho de Charles, gerente de posto de gasolina, que referiu que Gilmar, irmão de Vandro, adquiriu R$ 1.350,00 em vales de combustível, o que corrobora a prova dos autos, em específico as escutas telefônicas, no sentido de que o recorrente distribuía gasolina em troca de votos.

Portanto, da análise das conversas telefônicas e mensagens trocadas entre Vandro e terceiros, conclui-se pela ocorrência dos delitos imputados ao recorrente, o qual prometeu e entregou, em troca do voto, bens consistentes em passagens de ônibus, material de limpeza, aterro, gasolina. Mais do que isso, o teor das conversas demonstra que era de conhecimento dos eleitores que o candidato Vandro estava comprando voto, pois recorriam a ele diretamente ou por intermédio de terceiros com a maior naturalidade, inclusive citando que procuraram outros antes, sem êxito, num visível esquema de compra e venda do voto como se produto fosse.

Foram inúmeras as ligações telefônicas em que, solicitado algo e mencionada a palavra “voto”, Vandro marcou encontro com o interlocutor.

Ora, não se mostraria crível o recorrente dar-se ao trabalho de encontrar pessoalmente alguém para responder que não alcançaria a dádiva solicitada.

É certo que as testemunhas ouvidas em juízo pouco acrescentaram, mas as gravações das conversas telefônicas – autorizadas judicialmente – revelam, à exaustão, um forte esquema de negociação do voto em troca de vantagens materiais.

As conversas telefônicas interceptadas por ordem judicial evidenciam o agir ilícito de Vandro da Silva, com a promessa de bem ou vantagem pessoal a eleitor, com o fim exclusivo de corromper o voto.

Assim, estou convencida do cometimento, pelo recorrente, dos ilícitos narrados no 1º, 3º, 7º, 8º e 9º fatos, motivo pelo qual voto por manter íntegra a sentença condenatória quanto a esses.

Por outro lado, quanto ao 2º, 4º, 5º e 6º fatos, tenho que a sentença de primeiro grau merece reforma.

Em relação ao 2º fato, conforme consta na denúncia, com lastro na ligação telefônica do dia 03 de setembro de 2012, às 10h38min05s, Vandro da Silva teria prometido entregar dinheiro ou outra vantagem econômica à pessoa de Terezinha Moreira da Silva em troca da obtenção de 10 a 15 votos.

O relatório da interceptação telefônica está descrito nos seguintes termos:

DUTRA (51-9888.0066), do Pinhal, pergunta para VANDRO o que é que ele ganha se ele botar dez, quinze votos confirmadinhos...confirmado nas urnas. VANDRO diz : a gente tem que sentar e conversar. VANDRO diz que só de noite, que agora está participando de uma gincana e que está enrolado. Interlocutor pergunta se VANDRO sabe onde é o mercado da (…) do Paraguai. VANDRO diz que sabe. INTERLOCUTOR diz que mora ao lado. VANDRO diz que vai lá à noite.

Como se observa, houve tratativas de compra de voto. Vandro ficou de se encontrar com o interlocutor, Dutra, para acertar o que daria em troca dos votos que seriam captados em seu favor.

Todavia, a denúncia não foi apta a identificar quem seria DUTRA. O órgão ministerial alega que a negociação teria sido realizada entre Vandro e Terezinha Moreira da Silva, mas não logrou êxito em comprovar tal situação. O que temos, efetivamente, é o diálogo interceptado onde figuram DUTRA e Vandro, restando a pessoa de Terezinha desconectada da narrativa.

Em virtude disso, não se mostra possível atestar a configuração da tipicidade em relação a esse fato.

Da mesma forma entendo quanto ao 4º fato, segundo o qual Vandro teria prometido doar uma passagem intermunicipal para um vizinho do interlocutor Luis:

LUIS (51-9758.1805) liga para VANDRO para informar que um vizinho seu queria ir para Palmeira e, portanto, precisaria arrumar uma passagem, solicitando o auxílio de VANDRO. Na continuação, após VANDRO confirmar que atenderia ao pedido, LUIS solicitou para que VANDRO levasse pessoalmente a passagem para seu vizinho.

Da simples leitura da descrição dos fatos na denúncia, é possível verificar que não há referência a qual eleitor teria sido corrompido, elemento imprescindível para a própria tipicidade do art. 299 do Código Eleitoral.

É sabido que, para configuração do crime de compra de votos, além do dolo específico, é imprescindível que a conduta seja direcionada a eleitores identificados ou identificáveis e que o corruptor passivo seja pessoa apta a votar.

Nesse sentido a jurisprudência do TSE e deste TRE/RS:

HABEAS CORPUS. CRIME DE CORRUPÇÃO ELEITORAL. ELEIÇÕES DE 2004. PREFEITO. DISTRIBUIÇÃO DE CARTÕES-SAÚDE E ITENS ESCOLARES. AUSÊNCIA. INDIVIDUALIZAÇÃO. ELEITOR. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO. DOLO

ESPECÍFICO. INEXISTÊNCIA. JUSTA CAUSA.TRANCAMENTO. AÇÃO PENAL. ORDEM CONCEDIDA.

1.Para a configuração do crime de corrupção eleitoral, além de ser necessária a ocorrência de dolo específico, qual seja, obter ou dar voto, conseguir ou prometer abstenção, é necessário que a conduta seja direcionada a eleitores identificados ou identificáveis e que o corruptor eleitoral passivo seja pessoa apta a votar. Precedentes.

2.Na espécie, os supostos corruptores passivos nem mesmo seriam identificáveis, porquanto a distribuição de itens escolares e cartões-saúde - decorrentes de programas sociais custeados pela Prefeitura, então chefiada pelo ora impetrante - teria alcançado mais da metade da população, consoante se extrai dos termos da denúncia, o que afasta o dolo específico.

3.Ordem concedida para trancar a ação penal.

(HC 693-58.2012.6.00.0000 – Rel. Ministro Dias Toffoli, julgado em 11/06/2013)

 

[ ... ] na corrupção eleitoral, crime formal, o eleitor deve ser identificado ou identificável, inexigindo-se, todavia, o resultado pretendido pelo agente para sua consumação"

(HC no 572/PA, DJ de 16.6.2008, Rel. Min. Joaquim Barbosa).

 

Recurso Criminal. Corrupção eleitoral. Oferecimento de vantagens a eleitores em troca do voto. Art. 299 do Código Eleitoral. Eleições 2012.

Para a configuração do crime de corrupção eleitoral, além de ser necessária a ocorrência de dolo específico, qual seja, obter ou dar voto, conseguir ou prometer abstenção, a conduta deve ser direcionada a eleitores identificados ou identificáveis. Caso concreto em que não houve a indicação de nenhum eleitor beneficiado com doação de combustível.

Conjunto probatório insuficiente para aferir certeza sobre os fatos alegados. Provimento negado.

(TRE/RS - RC 353-86.2012.6.21.0079, Rel. Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja, julgado na sessão de 16/06/2015).

Desse modo, tendo em vista que não foi possível identificar a qual eleitor foi prometida a benesse, impraticável é proceder-se à denúncia também quanto a este fato.

No que concerne ao 5º fato, a denúncia traz à tona tratativas entre Vandro e Alana Schapach – proprietária de uma pequena empresa no bairro Paraíso –, a qual, em troca de ajuda financeira, divulgaria a candidatura de Vandro aos seus clientes:

Interlocutora (LANA) diz que tentou conversar com VANDRO em outra oportunidade sem sucesso e queria ver se ele poderia ajudá-la. LANA afirma que teria falado com outro vereador e este não pode ajudá-la. LANA diz que tem uma empresa pequena no bairro Paraíso e divulgaria o nome de VANDRO para clientes, porém queria uma quantia insignificante, em dinheiro. VANDRO pergunta onde seria. LANA diz que é no salão de beleza. VANDRO adenda encontro na manhã seguinte.

Contudo, do teor da conversa não se vislumbra a compra de votos, mas a obtenção de apoio de Alana na divulgação da candidatura do recorrente aos clientes do seu estabelecimento comercial, mediante compensação pecuniária. Ou seja, os serviços ofertados por Alana a Vandro, que agenda encontro para a manhã seguinte para tratar do assunto, mais se caracterizam como de cabo eleitoral, sendo, portanto, fato atípico.

É cediço que a condenação lastreada no art. 299 do Código Eleitoral requer a comprovação do dolo específico, consistente em dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção.

No diálogo transcrito, não se verifica negociação para obtenção de voto, mas apenas e tão somente agendamento de um encontro para tratar de ajuda financeira a ser alcançada pelo candidato a Alana em troca da divulgação da candidatura daquele.

Quanto a esse ponto, colaciono jurisprudência do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, e da nossa Corte, nas quais resta pacificado que o compromisso genérico de apoio político e divulgação de candidatura não configuram o dolo específico exigido para a configuração do delito de corrupção eleitoral (art. 299 do CE):

RECURSO CRIMINAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL ATIVA. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA POR AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO. ART. 323 DO CÓDIGO ELEITORAL. FALTA DE PROVAS DA DIVULGAÇÃO DE INVERACIDADE. ART. 146 DO CÓDIGO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DIVERGÊNCIA DE DEPOIMENTOS. DÚVIDA QUANTO À OCORRÊNCIA DOS FATOS. ABSOLVIÇÃO DECRETADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

1. O compromisso genérico de apoio político e a divulgação de candidatura não configuram o dolo específico, exigido pelo art. 299 do Código Eleitoral. Precedentes do C. TSE (RCH nº 43, Min. Rel. Luiz Carlos Madeira, 05/03/2002)

2. Ausente a prova da divulgação de fatos inverídicos, não se caracteriza o delito previsto no art. 323 do Código Eleitoral.

3. Presente a fragilidade da prova testemunhal quanto ao alegado constrangimento ilegal, impõe-se a absolvição em face do princípio do in dubio pro reo.

(PROCESSO nº 218, Acórdão nº 38.725 de 29/06/2010, Relator(a) LUIZ FERNANDO TOMASI KEPPEN, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 05/07/2010). (grifei)

 

Recurso Criminal. Difamação e Calúnia. Artigos 325 e 324 do Código Eleitoral.

1. Difamação: demonstradas a autoria e materialidade do delito narrado na inicial, consistente em gravação e distribuição de mensagem atentatória à honra da vítima, às vésperas da eleição, com clara intenção de influenciar o eleitorado. Conjunto probatório coerente e seguro, apto a ensejar o juízo de manutenção da sentença condenatória imposta ao recorrente, nesse ponto.

2. Calúnia: para sua configuração é necessário que ocorra a subsunção do fato imputado à vítima ao tipo penal e que tal fato seja certo e determinado. A negociação de vantagens em troca de apoio político dos próprios companheiros para disputar uma eleição não caracteriza o tipo do art. 299 do Código Eleitoral, mas, sim, eventual ilícito cível eleitoral relativo ao abuso de poder. Atipicidade da conduta.

Readequação, de ofício, da pena definitiva.

Provimento parcial.

(Recurso Criminal nº 1551, Acórdão de 17/06/2015, Relator(a) DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 108, Data 19/06/2015, Página 3). (grifei)

Ausente, pois, a tipicidade do delito em relação ao quinto fato.

Por fim, em relação ao 6º fato, a defesa, diga-se, com razão, afirma ser inepta a denúncia.

Efetivamente, a peça acusatória não possibilita verificar com exatidão qual foi a conduta criminosa pretensamente executada pelo acusado. Confira-se:

No dia 12 de setembro de 2012, às 08h53min05s, o denunciado VANDRO DA SILVA ofereceu e prometeu entregar vantagem econômica, para obter votos em favor da sua candidatura à vereador do Município de Parobé/RS.

Na ocasião, durante ligação telefônica, a obtenção de votos foi negociada da seguinte forma:

Interlocutor LOENI- professora, irmã do ISAIAS, liga para VANDRO, e pergunta se ele vai conseguir o que ela pediu senão vai procurar outro. VANDRO diz que irá conseguir e agendam encontro.

Como se observa, não se sabe qual teria sido o pedido de Loeni, não se podendo afirmar que se trata de vantagem econômica, tampouco que tenha sido em troca de voto.

Cumpre registrar que inexiste outra prova nos autos a corroborar tal assertiva acusatória, motivo pelo qual entendo que o recurso deva ser provido também quanto a este fato.

Portanto, em relação ao 2º, 4º, 5º e 6º fatos, tenho que a sentença de primeiro grau merece reforma, devendo ser provido, quanto a esses, o recurso do réu.

Passo, então, a analisar o apelo no que diz respeito à aplicação da pena em seu patamar mínimo.

O Juiz Eleitoral a quo condenou o réu nas penas do artigo 299 do Código Eleitoral combinadas com o artigo 71 do Código Penal, dada a continuidade delitiva, da seguinte forma:

Considerando as circunstâncias judiciais analisadas, fixo a pena-base em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, a torno provisória em razão da ausência de circunstâncias atenuantes ou agravantes. Presente a causa geral de aumento de pena prevista no art. 71, caput, do CP, aumentando a sanção imposta em 1/2 (um meio), considerando o número de infrações praticadas, alcançando definitivamente o total de 3 (três) anos e 9 (nove) meses reclusão. Ausentes outras modificadoras, torno o réu definitivamente condenado à pena privativa de liberdade de 3 (três) anos e 9 (nove) meses reclusão, o que tenho como necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

O regime inicial para o cumprimento da sanção imposta é o semiaberto, a teor do art. 33, §§ 2º, alínea “c”, e 3º, e art. 59, inciso III, ambos do CP.
Presentes os requisitos legais, substituo a pena aplicada por 2 (duas) penas restritivas de direito, consistentes em prestação pecuniária do valor equivalente a 20 (vinte) salários mínimos nacionais, vigente na data do pagamento, mediante depósito na “Conta de Penas Alternativas - Forum de Taquara”, n.º 0321233606, da agência 0940 (Taquara) do Banrisul (art. 45, § 1º, do CP), e em prestação de serviços à comunidade (art. 46 do CP), à razão de 1 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho, a ser determinada pelo juízo de execução da pena, nos termos do artigo 44 do CP.

O magistrado analisou de modo individualizado todas as circunstâncias para fixação da pena do art. 59 (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos, circunstâncias, consequências do crime e comportamento da vítima) e os critérios para o seu cálculo, previstos no art. 68, ambos do Código Penal, restando plenamente atendida a garantia prevista no art. 5º, inc. XLVI, da Constituição Federal.

Assim, entendo pelo acerto da decisão singular ao fixar a pena-base em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão.

Contudo, em virtude do parcial provimento do apelo, absolvendo o réu das condutas delitivas referentes ao 2º, 4º, 5º e 6º fatos, merece revisão a sentença apenas quanto ao aumento do art. 71, caput, do Código Penal, decorrente da continuidade delitiva.

Nesse sentido, considerando que dos nove fatos que nortearam a decisão, quatro restaram excluídos, entendo razoável reduzir o aumento de pena de 1/2 para 1/4.

Assim, a pena definitiva antes fixada em 3 (três) anos e 09 (nove) meses de reclusão, resta agora arbitrada em 3 (três) anos e 1 (um) mês de reclusão.

Preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos do art. 44, o magistrado substituiu a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, consistentes em (1) prestação pecuniária de 20 (vinte) salários-mínimos e (2) prestação de serviços à comunidade, à razão de uma hora de serviço por dia de condenação.

Em virtude da alteração da pena definitiva, tenho por reduzir a prestação pecuniária para 16 (dezesseis) salários-mínimos.

Por fim, em relação à pena de multa, antes fixada em cinco dias-multa, cada um à razão de um salário-mínimo, voto por mantê-la – visto ser a sanção mínima aplicada para o tipo penal – reduzindo, porém, o valor para 4/5 do salário-mínimo.

Quanto ao requerimento do Ministério Público de execução provisória da condenação, considero que a questão diz respeito ao princípio constitucional que assegura ao réu o direito de recorrer em liberdade. Examinei a decisão do STF, e ressalto que a mesma se deu em habeas corpus de uma condenação por delito de roubo, um delito de alta criminalidade. Entendo que não é o caso aqui. Assim, voto pelo direito do réu de recorrer em liberdade.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso para o fim de absolver o reú VANDRO DA SILVA das acusações relativas ao 2º, 4º, 5º e 6º fatos aduzidos na denúncia, reduzindo a pena de reclusão para 3 (três) anos e 01 (um) mês e a de multa para cinco dias-multa, cada um à razão de 4/5 do salário-mínimo; a pena de reclusão vai substituída por duas restritivas de direito, consistentes em prestação pecuniária de 16 (dezesseis) salários-mínimos e prestação de serviços à comunidade, à razão de uma hora de serviço por dia de condenação.

É como voto, Senhora Presidente.

 

Dra. Maria de Lourdes Braccini de Gonzales:

Acompanho a relatora.

 

 

Des. Paulo Afonso Brum Vaz (manifestação de voto):

Sra. Presidente, eu também vou acompanhar.

A prova foi muito bem examinada, as evidências são fartas, a prova é farta. A interceptação telefônica mostrou com requintes de detalhe as tratativas no sentido da consumação da corrupção eleitoral. Então, estou acompanhando. Inclusive, com relação à possibilidade de o condenado recorrer sem ter que dar início ao cumprimento provisório da pena aplicada por esta segunda instância. Eu também considero que devemos levar em conta o princípio da não culpabilidade, princípio de natureza constitucional, e que a relativização desse princípio, cotejado com o da liberdade, somente seria autorizada em hipóteses excepcionais. Na minha compreensão, entendo possível, em algumas situações, deflagrar-se a execução penal a partir da condenação em segundo grau. Mas, no caso presente, em que o acusado responde o processo em liberdade, não vejo razoabilidade. Do ponto de vista de um juízo de proporcionalidade, não há necessidade desse recolhimento. A medida se revelaria extremada e desnecessária. Ademais, sabe-se que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal, examinando uma reclamação acerca do suposto descumprimento desse preceito, na reclamação julgada pelo Min. Facchin, assentou a ausência do efeito vinculante. Mas, sobretudo porque, não fechando as portas para a tese da possibilidade de se executar provisoriamente uma sentença condenatória de segundo grau, entendo que, na situação concreta, seria desnecessária e, portanto, violaria o princípio da razoabilidade. No mais, estou acompanhando integralmente, Sra. Presidente.

 

 

 

Dr. Jamil Andraus Hanna Banura:

Estou acompanhando a eminente relatora.

 

Des. Carlos Cini Marchionatti (manifestação de voto):

Presidente, integrantes do Tribunal, eu gostaria de fazer algumas ponderações. Em primeiro lugar, reconhecer a bela sustentação oral feita pelo advogado. E parece-me que mencionou que o seu constituinte está aí? É o senhor Vandro que está ali? Então é bom também que o senhor Vandro ouça o que o Tribunal está observando. Eu vejo, doutor, que o senhor não fez as razões finais. As razões finais limitaram-se à questão da prova, nada mais. Não houve arguição de nulidade, que o senhor fez agora, mas ainda que houvesse, doutor, não haveria nulidade. A denúncia não é inepta, propiciou a defesa amplamente. Entre os fatos que o senhor menciona que não estão descritos na denúncia, em alguns deles está ocorrendo absolvição. Essa questão também fica superada. A sentença está fundamentada. Não como o senhor gostaria que estivesse, mas está fundamentada. Quando o senhor menciona que não foi feita a transcrição integral, na verdade isso é uma alegação genérica. O senhor poderia reclamar se indicasse especificamente que na transcrição está a prova da absolvição, mas não há essa a indicação. Ao contrário, a escuta telefônica feita com autorização judicial e aliada às outras provas, demonstra a acusação, nos termos do voto da relatora, que eu estou acompanhando também. Mas eu gostaria de fazer mais uma observação. O senhor veja a situação em que o senhor, uzando uma expressão vulgar, se meteu. A lei é rigorosa.  Talvez o advogado do senhor esteja com o sentimento de injustiça, mas e os outros que cometeram irregularidades durante o procedimento eleitoral? Todos nós sabemos que há outras situações. Mas há uma situação a qual não podemos esquecer: o erro dos outros não justifica os nossos erros. E nós temos que proceder bem, em qualquer situação. Como o senhor já teve o seu mandato cassado e agora está respondendo processo, e que não vai acontecer algo de mais grave no sentido de ser preso, não, ninguém quer isso. A prova demonstra uma situação que não é favorável ao senhor e os juízes têm que cumprir a lei, aplicá-la com todo o seu rigor. Eu até gostaria de não aplicar a pena que está sendo aplicada ou substituída, da prestação de serviço à comunidade, que vai exigir algum tempo. Eu gostaria de aplicar uma pena de multa bem aplicada, mas não é o que a lei diz. Esse é meu sentimento como juiz, tenho que cumprir a lei. A medida encontrada pela relatora está perfeita, o senhor não vai preso, felizmente, mas terá que pagar uma multa e prestar serviço à comunidade. E se posso ainda fazer uma sugestão, cumpra a pena e vire a página, resolva esse assunto, assim como está. É o que a lei determina, e é o que a justiça Eleitoral está procedendo. Apesar, doutor, da sua bela sustentação oral, não há outra solução. Então, estou acompanhando integralmente o voto da relatora.

É o meu voto, Presidente.

 

Dr. Leonardo Tricot Saldanha (manifestação de voto):

Em relação à preliminar arguida pelo defensor da tribuna, no sentido de que a falta de transcrição integral das conversas telefônicas acarretaria a nulidade do processo, verifiquei que não há previsão legal estabelecendo a exigência de degravação completa, situação que não torna inválida a prova. Às vezes, as transcrições são muito longas e apenas o que é necessário ao julgamento é transcrito, exatamente como entendeu o Des. Marchionatti. Seria caso de a defesa identificar algum ponto da interceptação que mostrasse a inocência e que não tivesse sido transcrito.
Não é o que acontece e, portanto, o Tribunal Superior Eleitoral já decidiu, no julgamento do REspe n. 67077, e o STF também já decidiu, nos autos do HC n. 118371, que a transcrição integral é prescindível, não sendo obrigatória. Então, acompanho a relatora quanto ao afastamento da preliminar. 

Quanto ao pedido de execução provisória da pena, trazida pelo Procurador Regional Eleitoral, acompanho as razões lançadas pelo Des. Federal Paulo, que enfrentou a questão com muita clareza. E eu chamo apenas atenção a isso, Dr. Marcelo: existe uma abstratização do controle de constitucionalidade, mas isso não faz com que todos os HC´s se tornem vinculantes. O próprio Min. Facchin já referiu que o exame deve ser realizado diante do caso concreto. Efeito vinculante automático têm ADI, ADC, ADPF e súmula vinculante. O resto há de se discutir bastante.

E acho que os argumentos que esta Corte apresentou são suficientes, merecendo lembrar que recentemente a questão foi analizada nos autos dos embargos de declaração no RC n. 5-79 (julgado em 31.5.2016), no qual este Tribunal concluiu pela não utilização desse precedente do STF na Corte Eleitoral gaúcha, ao menos.

Com esses fundamentos, acompanho o voto da relatora.