MS - 14713 - Sessão: 07/10/2015 às 17:00

RELATÓRIO

De modo a evitar tautologia, reproduzo o relatório da fl. 30, da lavra da Desa. Liselena Schifino Robles Ribeiro, por ocasião da análise do pleito liminar:

Vistos, etc.

JOÃO DOS SANTOS, por seu procurador constituído, impetra mandado de segurança em face do Juiz Eleitoral da 33ª Zona – Passo Fundo, tendo em vista apontamento de inelegibilidade constante de certidão expedida pelo cartório sob sua jurisdição, por meio do comando do ASE 540, circunstância que obstou a declaração de sua quitação eleitoral, por ele requerida. Invoca ter sido declarada em seu favor, pelo Juiz da Fazenda Pública, onde tramitou processo por ato de improbidade no qual condenado o impetrante (n. 021/1.05.0005809-6), o decurso do prazo de perda de seus direitos políticos.

Sustentou que o Juiz Eleitoral comandou a anotação do referido ASE no cadastro do eleitor em 06.06.2014, mas a decisão que lhe deu causa transitou em julgado em 07.02.2006, data a partir da qual passaria a ser contado o prazo de oito anos de suspensão dos direitos políticos. Tal prazo teria transcorrido em 07.02.2014.

Assim, entende que o ato judicial combatido fere direito seu, líquido e certo, pelo que postula, em caráter liminar, a expedição da pretendida certidão de quitação eleitoral, bem como seja retificada, no Sistema ELO, a data da ocorrência do código ASE 540 para 07.02.2006, com a cessação da restrição (fls. 02-9). Junta documentos (fls. 11-28).

Prossigo.

O pleito liminar foi indeferido, vez que não demonstrado o requisito da urgência (fls. 30-31).

A autoridade tida por coatora prestou informações (fls. 37-45).

Os autos foram com vista ao Ministério Público Eleitoral atuante perante esta Corte, o qual opinou pela concessão da segurança (fls. 47-50).

É o relatório.

 

VOTO

Cuida-se de mandado de segurança impetrado por JOÃO DOS SANTOS em face de ato do juiz eleitoral da 33ª ZE/Passo Fundo, visando à expedição de certidão de quitação eleitoral e à consequente exclusão no sistema ELO do código ASE 540 –, tendo em vista a cessação do motivo da restrição anteriormente imposta, pelo decurso do prazo de perda dos direitos políticos por improbidade administrativa (decretada no processo n. 021/1.05.0005809-6, junto à 1ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública de Passo Fundo/RS, transitada em julgado em 07.02.2006).

Aduziu o impetrante que a pretensão não foi acolhida pela autoridade coatora, a qual, reportando-se à decisão sua anterior pelo lançamento de inelegibilidade por oito anos a contar do cumprimento da pena (nos termos do art. 1º, I, “l”, da LC 64/90), ensejou a expedição de certidão positiva pela serventia cartorária. Sustentou que tem direito líquido e certo à obtenção da certidão de quitação, assim como à depuração da situação cadastral, haja vista o decurso do período referente ao cumprimento da pena impingida.

Tenho que razão lhe assiste.

O caput do art. 20 da Lei n. 8.429/1992, utilizado como lastro para a suspensão dos direitos políticos do impetrante, estabelece, de modo inequívoco, como marco a partir do qual a restrição deve ser levada em conta, o trânsito em julgado do decreto condenatório:

Lei n. 8.429/1992:

Art. 20 A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Como no caso o trânsito em julgado da condenação correlata (de 8 anos) ocorreu em 07.02.2006, resulta que a cessação dos efeitos da condenação imposta, quanto à suspensão dos direitos políticos, ocorreu em 07.02.2014.

Nesse cenário, não me parece plausível considerar o impetrante, de plano, inelegível até 07.02.2022, o que equivaleria à continuação da suspensão dos seus direitos políticos por mais 8 anos, num total final de 16 anos. Vale dizer que, se é certo que o lançamento da restrição no sistema eleitoral para as devidas providências de suspensão dos direitos políticos efetivamente assegura que o condenado não exerça tais direitos, igualmente pode-se dizer que é medida administrativa relativa à efetivação da decisão que não condiciona a fluência do prazo de suspensão.

Assim o seguinte aresto desta Corte:

Recurso eleitoral e mandado de segurança. Reunião para decisão conjunta, haja vista o tema abordado.

Requerimento de correção cadastral no sistema ELO, atinente à data de início do período de suspensão dos direitos políticos do recorrente, em virtude condenação, por quatro anos, nos autos de ação civil pública por improbidade administrativa.

O marco inicial do período de suspensão é o do trânsito em julgado do processo em que condenado - 24.10.2006 -, à luz do disposto no caput do art. 20 da Lei n. 8.429/1992, e não a data do lançamento pela serventia cartorária - 16.11.2010 -, tal como determinado pela autoridade apontada como coatora.

Restabelecimento dos direitos políticos do apelante, vez que transcorrido o prazo correspondente à restrição.

Provimento do recurso.

(TRE/RS – RE 3060 – Rel. DESA. ELAINE HARZHEIM MACEDO – DEJERS de 22.08.2012.)

A razão desse raciocínio encontra suporte no entendimento jurisprudencial de que as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade são aferidas no momento do registro de candidatura (TSE: AgR-REspe 31330, Rel. Min. Felix Fischer, PSESS 19/11/2008 / AgR-REspe 29.951, Rel. Min. Arnaldo Versiani, PSESS 23.10.2008 / AgR-REspe 30.332, Rel. Min. Eliana Calmon, PSESS 23.10.2008), no qual seja garantido o exercício do contraditório e da ampla defesa.

Nesse sentido, tem razão o Procurador Regional Eleitoral ao frisar no seu parecer que, para incidência da causa de inelegibilidade prevista na alínea “l” do inc. I do art. 1º da LC 64/90, exige-se que o ato doloso de improbidade administrativa importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, de forma concomitante e cumulativa – o que somente pode ser aferido por meio do devido processo legal, notadamente no contexto do aludido procedimento de registro de candidatura (fls. 47-50). Ora, como visto, na espécie, o lançamento do gravame da inelegibilidade tem como origem comando judicial proferido sem atenção aos princípios do contraditório e da ampla defesa – ocorreu por meio de despacho –, em inobservância aos ditames em evidência, de matriz constitucional.

A não ser assim, além de se antecipar juízo de valor reservado à cognição ampla no âmbito de requerimento de registro de candidatura, estar-se-ia tolhendo o inquestionável direito do impetrante de exercer, a qualquer tempo, determinados atos da vida civil que exigem a apresentação da certidão de quitação eleitoral.

Com essa mesma conclusão, o acórdão desta Casa, da lavra do Dr. Hamilton Langaro Dipp, no RE 26-43, julgado na sessão do dia 03.9.2015:

Recurso. Restabelecimento dos direitos políticos. Anotação de inelegibilidade no cadastro eleitoral.

[...]

A inelegibilidade, como efeito de decisão condenatória, deve ser aferida em eventual registro de candidatura. Sua anotação no cadastro do eleitor, como ato reflexo da condenação, impede a obtenção da certidão de quitação eleitoral e restringe o exercício de determinados atos da vida civil.

Provimento.

Quanto mais não fosse, nessa mesma linha, recente decisão de cunho administrativo do TSE dá conta, em suma, da desvinculação da inelegibilidade oriunda do código de ASE 540 do instituto da quitação eleitoral:

PROCESSO ADMINISTRATIVO. QUESTIONAMENTOS. APLICABILIDADE. LEI COMPLEMENTAR N° 64, de 1990. ANOTAÇÃO. CÓDIGO DE ASE. CONTAGEM. PRAZO. INELEGIBILIDADE. CADASTRO ELEITORAL. DECISÃO. ÓRGÃO COLEGIADO. ANTERIORIDADE. VIGÉNCIA. LEI COMPLEMENTAR N° 135, de 2010. IMPEDIMENTO. QUITAÇÃO ELEITORAL. EXTRAPOLAÇÃO. EFEITOS. CONDENAÇÃO CRIMINAL. EXTINÇÃO DA PENA. REGISTRO. SUBSÍDIO. EXAME. PEDIDO DE REGISTRO. CANDIDATO.

1. A Lei Complementar n° 135, de 2010, que modificou a Lei Complementar n° 64, de 1990, ao aumentar o rol de crimes geradores de inelegibilidade e o período da referida restrição, trouxe diversos reflexos no âmbito desta Justiça especializada, particularmente no funcionamento do cadastro eleitoral, cujos gerenciamento, fiscalização e regulamentação estão confiados à Corregedoria-Geral.

2. A inelegibilidade atinge somente um dos núcleos da capacidade eleitoral do cidadão - o passivo (jus honorum), tendo em vista sua função constitucional precípua de proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício de cargos eletivos.

3. Consoante a reiterada jurisprudência deste Tribunal, as causas de inelegibilidade são aferidas apenas no exame de pedido de registro de candidatura pela autoridade judiciária eleitoral competente.

4. O impedimento à quitação eleitoral daqueles que tenham somente registro de inelegibilidade em seu histórico no cadastro de eleitores consiste em indevida extrapolação dos efeitos da condenação criminal, ultrapassada a extinção da pena.

5. A inelegibilidade não deve ser considerada causa restritiva à quitação eleitoral, servindo o eventual registro da circunstância apenas como subsídio para o exame do pedido do registro de candidatura, a título de "ocorrência de inelegibilidade".

6. Considerada a momentânea desatualização do cadastro eleitoral, necessária a expedição de ofício aos tribunais do País para que comuniquem a esta Justiça especializada as condenações proferidas relativamente aos crimes previstos na alínea e do inciso 1 do art. 1° da Lei Complementar n° 64, de 1990, bem como a realização de estudos para que as instruções sobre o registro de candidaturas passem também a exigir a apresentação de certidões de tribunais.

7. Necessidade de promoção no cadastro eleitoral, sob a supervisão da Corregedoria-Geral, das alterações deliberadas, com a expedição das orientações necessárias às corregedorias regionais eleitorais.

(TSE – Processo Administrativo n. 313-98.2013.6.00.0000 – Classe 26 – Rel. Min. João Otávio de Noronha – J. Sessão de 06.08.2015 – DJE de 29.09.2015.)

Logo, por não vislumbrar amparo legal na decisão proferida pelo magistrado de primeiro grau ao determinar anotação de inelegibilidade, inviabilizando a expedição de certidão de quitação eleitoral, direito líquido e certo do impetrante, a concessão da segurança é medida que se impõe.

E, por fim, consigno que não há, no cadastro eleitoral, até a presente data, qualquer outro registro que possa ensejar a suspensão, ou a permanência da suspensão, dos direitos políticos do impetrante por motivo que não corresponda à condenação por improbidade administrativa ora em destaque.

Diante do exposto, VOTO pela concessão da segurança, para determinar ao juízo da 33ª ZE - Passo Fundo a expedição de certidão de quitação eleitoral em favor de JOÃO DOS SANTOS, modo circunstanciado, bem como, em ato contínuo, por meio do procedimento administrativo concernente, a exclusão da anotação de inelegibilidade do seu histórico cadastral (sob o código ASE 540, com data de ocorrência 07.02.2014 e complemento PROC 021/1.05.0005809-6 1V.CIVEL PASSO FUNDO/RS).