MS - 14458 - Sessão: 03/11/2015 às 17:00

RELATÓRIO

A UNIÃO, por meio da Procuradoria Regional da União da 4ª Região, impetrou o presente mandado de segurança, com pedido liminar, contra ato do Juiz da 60ª Zona Eleitoral – Pelotas.

O ato impugnado diz respeito à determinação da Superintendência Regional do Trabalho no Rio Grande do Sul para que atendesse, no prazo de 48 horas, a requisição de servidor dos quadros do Ministério Público do Trabalho em Pelotas para atuar naquela jurisdição eleitoral. Ainda teria a autoridade dita coatora imposto o cumprimento, sob pena de encaminhamento do expediente ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal para a apuração da incidência do disposto no art. 347 do Código Eleitoral, que tipifica como crime a recusa ao cumprimento de ordens da Justiça Eleitoral.

Sustenta  a impetrante ser o ato ilegal e abusivo, havendo justo receio de direito líquido e certo do órgão do Poder Executivo da União ser violado.

Aduz que o acolhimento do pedido de requisição tornaria inviável o funcionamento da unidade do Ministério Público do Trabalho e Emprego (MTE) em Pelotas e, por outro lado, não haveria necessidade imperiosa para o Cartório da 60ª Zona Eleitoral da força de trabalho requisitada.

Alega que a requisição eleitoral, com sua aparente e especial característica de irrecusabilidade, não deve se distanciar de sua finalidade de garantir o atendimento de situações excepcionais e transitórias inerentes ao processo eleitoral, o que não estaria comprovado nos autos.

Assevera que atualmente apenas dois servidores efetivos encontram-se em exercício na unidade do MTE em Pelotas (pois dos cinco servidores lotados naquele órgão, três estariam em licença-saúde). Assim, sustenta que dois servidores e quatro estagiários, estes com jornada de quatro horas, são responsáveis por uma média diária de 120 atendimentos ao público, além das demais funções inerentes à gerência, como a confecção de CTPS, homologação de rescisões de contrato de trabalho, mediação entre entidades sindicais e empresas, análise de recursos de seguro-desemprego e apoio às ações fiscalizadoras do Ministério do Trabalho.

Relata que a falta de pessoal naquela gerência regional e os atrasos dela decorrentes são objeto de ação do Ministério Público Federal, que requisitou esclarecimentos quanto à prestação do serviço público.

Em virtude do exposto, a União entende estar demonstrada nos autos a ilegalidade do ato, pois incompatível com a nova ordem constitucional, bem como a abusividade da ordem do Juízo Eleitoral que determinou o imediato cumprimento da requisição sem que tenha sido demonstrada a necessidade premente do serviço.

Aponta a existência de evidente e grave prejuízo à União, consubstanciado na possibilidade de seus agentes sofrerem persecução criminal em caso de descumprimento da ordem, bem como na total paralisação da Gerência Regional do Trabalho e Emprego em Pelotas, caso a requisição seja atendida.

Faz ainda um contraponto, indicando o volume de serviço e recursos humanos já disponíveis no Cartório Eleitoral de Pelotas: seis pessoas para a média de 50 atendimentos diários e 20 processos em tramitação.

Requer seja concedida liminar para determinar a suspensão imediata da decisão do Juiz da 60ª Zona Eleitoral, que ordenou o cumprimento da requisição no prazo de até 48 horas.

No mérito, requer, em definitivo, a cassação da referida decisão, eximindo a Superintendência Regional do Trabalho no Rio Grande do Sul de cumprir a requisição.

O pedido liminar foi por mim indeferido (fls. 114-115).

Notificados para que prestassem informações, a Presidência desta Casa e o Juízo da 60ª Zona Eleitoral manifestaram-se, respectivamente, às fls. 127-131 e 134-142.

A União peticionou requerendo reconsideração da decisão que indeferiu o pedido liminar (fls. 122-123).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pela confirmação do indeferimento da liminar e, no mérito, pela denegação da ordem (fls. 144-146).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

 

VOTO

Eminentes colegas:

Preliminarmente, tal como já registrei na decisão liminar (fls. 114-115), conforme o art. 13 da Resolução TSE n. 20.753/00, é da competência dos Tribunais Regionais Eleitorais requisitar servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos territórios, dos municípios e das autarquias.

Consequentemente, a autoridade coatora do ato de requisição seria o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul.

Desse modo, nos termos do art. 31, inciso I, alínea “h” do Regimento Interno desta Casa, firma-se a competência de caber ao próprio Tribunal julgar os mandados de segurança contra seus atos. Vejamos:

Art. 31. Compete ao Tribunal:

I - processar e julgar, originariamente:

(…)

h) os mandados de segurança contra os atos seus, do Presidente e seus outros membros, dos juízes eleitorais e dos órgãos do Ministério Público Eleitoral de primeiro grau; (Grifei.)

Portanto, esta Corte é competente para o julgamento do presente mandamus, motivo pelo qual passo ao exame do mérito.

Quanto ao mérito, tal como já havia adiantado ao indeferir o pedido liminar, mantenho o entendimento de que não vislumbro a ilegalidade ou abusividade afirmada pelo impetrante, pois o procedimento de requisição realizado pelo Juiz da 60ª Zona Eleitoral encontra amparo na Lei n. 6.999/82 e nas Resoluções TSE n. 23.255/10 e TRE-RS n. 241/13, e foi regularmente autorizado por este Tribunal na sessão ocorrida em 03.07.2014.

Conforme se depreende das informações juntadas aos autos pela Coordenadoria Técnica da Secretaria de Gestão de Pessoas deste Tribunal (fls. 127-130), a pedido da Presidência desta Corte, o ato requisitório foi regular, tendo sido satisfeitos todos os pressupostos legais para a requisição. Vejamos:

1. Da regularidade do ato.

De início, convém salientar, conforme informação da Coordenadoria Técnica deste Tribunal, que foram supridas todas as exigências previstas na Lei n. 6.999/1982, na Resolução TSE n. 23.255/2010 e na Resolução TRE-RS n. 241/2013 para o deferimento do pedido de requisição de servidor do Ministério do Trabalho e Emprego, conforme solicitação do Exmo. Juiz Eleitoral da 60ª Zona Eleitoral, sediada em Pelotas.

A fim de reiterar a regularidade do procedimento, passemos à análise dos requisitos fixados na legislação que rege a matéria.

a) Órgão de origem.

O instituto da requisição à Justiça Eleitoral é aplicável em todas as esferas da Administração Pública direta e autarquias, conforme regulado no artigo 1º da Lei n. 6.999/1982, e no art. 1º da Resolução TSE n. 23.255/2010. Dessa forma, estão satisfeitos os requisitos previstos, uma vez que o pedido visa requisitar servidora da administração direta federal, oriunda do Ministério do Trabalho e Emprego.

b) Lotação do servidor.

Quanto aos servidores a serem requisitados, a Lei n. 6.999/1982 estabelece que as requisições para os Cartórios Eleitorais deverão recair em servidor lotado na área de jurisdição do respectivo Juízo Eleitoral.

Pode-se, desde logo, reafirmar que esse requisito está satisfeito, por pertencer o município de lotação – Pelotas – ao Juízo Eleitoral que encaminhou a requisição.

c) Cargo técnico.

A legislação impõe restrições quanto à natureza do cargo ocupado pelo servidor a ser requisitado, conforme se lê no artigo 8º da Lei n. 6.999/1982:

“Art. 8º Salvo nas hipóteses de nomeação para cargo em comissão, não serão requisitados ocupantes de cargos isolados, de cargos ou empregos técnicos ou científicos, e de quaisquer cargos ou empregos do magistério federal, estadual ou municipal.” (grifamos)

O Ofício-Circular n. 7/90 da extinta Secretaria da Administração Federal (aplicado por esta Corte) define, em seu item III, cargo técnico ou científico como aquele para cujo exercício seja indispensável e predominante a aplicação de conhecimento científico ou artístico obtidos em nível superior de ensino.

No tocante a este requisito legal reiteramos a inexistência de qualquer óbice, pois o cargo indicado exige a conclusão do ensino médio ou de curso técnico equivalente, como requisito de ingresso. Nada obsta, nesse particular, o cumprimento da ordem de requisição, uma vez que o cargo não exige a aplicação de conhecimento científico ou artístico.

d) Vedações.

Reiteramos que a servidora inicialmente indicada pela 60ª Zona Eleitoral não responde a processo administrativo disciplinar ou sindicância e já concluiu o estágio probatório, além de não estar filiada a partido político e de encontrar-se quite com a Justiça Eleitoral, restando supridas, portanto, as exigências constantes do art. 4º da Res. TSE n. 23.255/2010 e do art. 366 do Código Eleitoral.

e) Das recomendações oriundas do Tribunal de Contas da União.

O Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, considerando as recomendações do Tribunal de Contas da União contidas no Acórdão n. 1.551/2012 - Plenário, tratou de editar a Resolução TRE-RS n. 241/2013, com o intuito de regulamentar os procedimentos de requisição de servidores para as Zonas Eleitorais.

Nesse particular, foi juntada cópia de portaria da nomeação da servidora indicada, a fim de demonstrar o vínculo com o respectivo órgão de origem, em cumprimento ao disposto no inciso I do art. 3º da Resolução TRE-RS n. 241/2013.

Prosseguindo, considerando as disposições contidas no § 1º do art. 3º do normativo supracitado, reafirmamos que foram apresentadas as justificativas acerca das necessidades enfrentadas pelo cartório, relacionadas com o quadro defasado de servidores e com a possibilidade de incremento da força de trabalho para os pleitos vindouros.

Também restou demonstrada a correlação entre as atividades desenvolvidas pelos ocupantes do cargo de Agente Administrativo no órgão de origem e aquelas a serem desenvolvidas no serviço eleitoral, com base na descrição das atribuições do referido cargo.

Por fim, foi atendida a prescrição do § 2º do art. 3º da Resolução TRE/RS n. 241/2013, uma vez que foram referidas pelo Exmo. Juiz Eleitoral as atividades que serão desempenhadas pela servidora requisitada, tais como o atendimento aos eleitores, partidos políticos e público em geral, bem como auxílio às atividades cartorárias, através da utilização dos sistemas da Justiça Eleitoral. Trabalhará, ainda, com a expedição e recebimento de correspondências, organização de arquivos e documentos administrativos, realização de diligências e auxílio na organização dos pleitos eleitorais.

f) Do limite quantitativo.

A Lei n. 6.999/1982 e a Resolução TSE n. 23.255/2010 estabelecem limites quantitativos para o exercício da requisição, a saber:

Lei n. 6.999/1982

Art. 2º (...)

§ 1º - As requisições serão feitas pelo prazo de 1(um) ano, prorrogável, e não excederão a 1 (um) servidor por 10.000 (dez mil) ou fração superior a 5.000 (cinco mil) eleitores inscritos na Zona Eleitoral.

§ 2º - Independentemente da proporção prevista no parágrafo anterior, admitir-se-á requisição de 1 (um) servidor.

Resolução TSE n. 23.255/2010

Art. 6º (…)

§ 3º As requisições não podem exceder a um servidor por dez mil ou fração superior a cinco mil eleitores inscritos na zona eleitoral.

§ 4º Nas zonas eleitorais com até dez mil eleitores inscritos, admite-se a requisição de apenas um servidor.

Assim, ratificamos os termos da Informação COTEC n. 96/2014, no sentido de que a requisição em apreço não importará em extrapolação dos limites fixados na legislação que rege a matéria, levando-se em consideração, ainda, o montante de servidores requisitados lotados nas demais Zonas Eleitorais e na Central de Atendimento ao Eleitor de Pelotas.

No mesmo sentido é o entendimento da Procuradoria Regional Eleitoral, que igualmente manifestou-se pela legalidade do ato em seu parecer juntado às fls. 144-146:

Analisando-se os autos, verifica-se que o suposto ato coator proferido pelo Juiz da 60ª Zona Eleitoral de Pelotas encontra-se revestido de legalidade, haja vista que a requisição de servidor para suprir a necessidade do serviço eleitoral daquela zona foi devidamente autorizada em regular procedimento prévio deste E. Tribunal Regional Eleitoral, na sessão de julgamento de 03 de julho de 2014 (fl. 127).

Todavia, alega a União possuir direito líquido e certo para recusar requisições da Justiça Eleitoral quando a cessão de servidor público puder ocasionar prejuízos ao funcionamento e à continuidade do serviço público prestado pelo órgão requisitado. Além disso, a carência de servidores no Ministério do Trabalho e Emprego de Pelotas estaria sendo alvo de investigação pelo Ministério Público Federal (fls. 69-78).

No entanto, no que diz respeito à continuidade do serviço público, tal ponderação deve ser vista sob o prisma do contido no artigo 365 do Código Eleitoral, que diz expressamente que “o serviço eleitoral prefere a qualquer outro, é obrigatório e não interrompe o interstício de promoção dos funcionários para ele requisitados”.

(…)

Conclui-se, portanto, que a União não possui direito líquido e certo para recusar requisições da Justiça Eleitoral, em razão da obrigatoriedade e unilateralidade do ato requisitório, aplicável a todas as esferas da administração.

Ressalto que não desconheço as dificuldades de pessoal vivenciadas pela Gerência Regional do Trabalho e Emprego de Pelotas, as quais foram minudentemente narradas pela Advocacia da União. Todavia, é necessário avaliarmos a situação sob o enfoque do art. 365 do Código Eleitoral, o qual prevê que o serviço eleitoral prefere a qualquer outro, é obrigatório e não interrompe o interstício de promoção dos funcionários para ele requisitados, norma que tem por finalidade garantir a cooperação entre os entes administrativos em benefício da democracia e da cidadania.

E sob esse prisma, é forçoso reconhecer que não vislumbro abusividade na ordem judicial, pois a necessidade premente de serviço no Cartório da 60ª Zona Eleitoral, a qual a impetrante alega inexistir, já foi devidamente analisada em procedimento prévio ao ato autorizativo emanado por este Tribunal.

Portanto, não vislumbro ilegalidade ou abusividade na determinação judicial impetrada, motivo pelo qual, acolhendo as informações da Coordenadoria Técnica da Secretaria de Gestão de Pessoas deste Tribunal como razões de decidir, confirmo a decisão que indeferiu a liminar e VOTO pela denegação da ordem.

É como voto, Senhor Presidente.