AP - 45070 - Sessão: 03/09/2015 às 17:00

Eminentes Colegas:

Como afirmei por ocasião da sessão de julgamento de 06 de agosto último, pedi vista dos autos para melhor examiná-los, visto que a ilustre relatora chegou à conclusão de improcedência da ação penal, pois o conjunto probatório deixaria dúvidas sobre a ocorrência do ilícito.

Essa dúvida basicamente seria saber se o dinheiro recebido por Fabiele Schuquel de Oliveira (R$ 1.050,00) teria sido em troca de votos ou por prestação de serviços como cabo eleitoral.

Primeiramente, acompanho integralmente a relatora quanto às preliminares.

No que refere à licitude da gravação ambiental, em que pese o TSE tenha recentemente firmado posição contrária, o fato é que a Suprema Corte decidiu a matéria em regime de repercussão geral, asseverando ser válida e lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores:

AÇÃO PENAL. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário provido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.

(RE 583937 QO-RG, Relator: Min. CEZAR PELUSO, julgado em 19.11.2009, REPERCUSSÃO GERAL-MÉRITO DJe-237 DIVULG 17.12.2009 PUBLIC 18.12.2009 EMENT VOL-02387-10 PP-01741 RTJ VOL-00220- PP-00589 RJSP v. 58, n. 393, 2010, pp. 181-194.)

Passo ao exame de mérito.

 

Mérito

Os fatos objeto de exame nesta Ação Penal, já incluído o aditamento, são esses:

1º FATO

Entre o final do mês de julho e a primeira quinzena do mês de agosto do corrente ano, aproximadamente, nesta 52ª Zona Eleitoral, inicialmente em domicílio de Luiz Carlos Garcia de Oliveira, na localidade de Nova Florida, interior de Dezesseis de Novembro, via telefone e, depois, presencialmente, em endereço de um dos acusados, em Dezesseis de Novembro/RS, os denunciados ADEMIR GONZATO, ADÃO DE ALMEIDA DE BARROS e OILSON DE MATOS ALBRING, agindo em comunhão de vontades e conjunção de esforços, ofereceram e, depois, deram a quantia de R$ 1.050,00 (hum mil e cinqüenta reais) à eleitora FABIELE SCHUQUEL DE OLIVEIRA, para obter o voto desta e de seus pais nas eleições de 07 de outubro de 2012, em que os dois primeiros são candidatos, respectivamente a Prefeito e Vice-Prefeito de Dezesseis de Novembro e o terceiro, por sua vez, integra a equipe de coordenação de campanha eleitoral da mesma Coligação Partidária.

Inicialmente, o acusado ADÃO ALMEIDA DE BARROS procurou o pai da eleitora a ser corrompida, em domicílio, para saber se a jovem necessitava de dinheiro para confecção da CNH, ao que obteve resposta positiva, no sentido de que Fabiele Schuquel de Oliveira não teria os recursos disponíveis para o encaminhamento da documentação e o custeio das horas-aula teóricas e práticas exigidas em Lei. Assim, ato contínuo, o mesmo denunciado disse ao pai da eleitora que esta poderia ir buscar o dinheiro correspondente ao valor da CNH diretamente em casa do codenunciado OILSON DE MATOS ALBRING, visto que este é o responsável financeiro pela campanha eleitoral da Coligação Dezesseis de Novembro Para Todos.

Passados alguns poucos dias, a eleitora foi até o endereço do codenunciado OILSON DE MATOS ALBRING, para receber, então, a quantia prometida, quando, então, receando que algo em seu prejuízo ou risco pudesse ocorrer, optou por ativar o modo de gravação de áudio de seu aparelho de telefone celular e, então, captou a conversa mantida com o mesmo, confirmando-se a proposta de entrega do numerário à eleitora, desde que esta e seus pais votassem com os ora acusados.

O conluio no agir dos denunciados é evidente, na medida em que o primeiro, ADEMIR, é cabeça de chapa da Coligação à Eleição Majoritária, beneficiário direto da corrupção eleitoral, estando no domínio intelectual e financeiro das ações, ao passo que o codenunciado ADÃO, seu Vice-Prefeito, foi a campo, sondar as necessidades dos eleitores, para acenar-lhes com alternativa rápida e fácil de solução, e o terceiro codenunciado, OILSON, é integrante do comitê de campanha da Coligação Dezesseis de Novembro Para Todos, ao qual cumpria efetivar o pagamento e colher o compromisso moral da eleitora, de depositar, em 07 de outubro vindouro, seu voto, bem como o de seus familiares, em favor do primeiro acusado, restando, assim, comum o dolo, entre todos eles, na prática do ilícito.

Nas mesmas circunstâncias antes descritas no primeiro fato, o acusado LUIZ CARLOS GARCIA DE OLIVEIRA solicitou aos outros codenunciados, em benefício de sua filha e também acusada Fabiele Schuquel de Oliveira, a importância equivalente ao custo do encaminhamento de uma CNH, em troca do voto dele próprio e da mesma descendente à coligação Dezesseis de Novembro Para Todos, para a eleição majoritária, de 07 de outubro de 2012.

Como se percebe, os ilícitos narrados na denúncia reportam-se à prática conhecida popularmente como “compra de votos”, prevista na legislação eleitoral no art. 299 do Código Eleitoral:

Art. 299 – Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita.

Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.

Como dito por Rodrigo López Zilio (in Crimes Eleitorais, Ed. Juspodivm, 2014, pp. 102-103), a corrupção eleitoral é uma das figuras penais mais relevantes do direito penal eleitoral – seja pela reprovabilidade de sua conduta, seja pela reiterada incidência no cotidiano das campanhas. É regra que tutela o livre exercício da liberdade de voto.

A corrupção eleitoral é punida tanto na esfera penal (art. 299 CE) como na esfera cível (art.41-A da Lei n. 9.504/97). Diferentemente do Código Penal, o art. 299 abrange, em um único preceito, tanto a forma ativa como a passiva.

A controvérsia estabelecida nesta ação penal diz com o elemento subjetivo específico ou finalidade específica: o fim de obter o voto.

Os três primeiros réus - ADEMIR GONZATO, ADÃO DE ALMEIDA DE BARROS e OILSON DE MATOS ALBRING foram denunciados por corrupção ativa.

Já o quarto réu, LUIZ CARLOS GARCIA DE OLIVEIRA, por corrupção passiva.

Passo a analisar o 1º fato, envolvendo ADEMIR GONZATO, ADÃO DE ALMEIDA DE BARROS e OILSON DE MATOS ALBRING.

A douta relatora entendeu remanescerem dúvidas quanto à finalidade das condutas, pois o pagamento poderia ter sido para compra de votos ou por retribuição de trabalho como cabo eleitoral de Fabiele Schuquel de Oliveira.

Entretanto, examinando os autos, tenho que restou estreme de dúvidas a corrupção eleitoral imputada. O especial fim de agir destinado a angariar votos ilicitamente está demonstrado.

Em que pese a defesa tenha alegado que os denunciados deram a quantia de R$ 1.050,00 a título de pagamento por serviços prestados à campanha, a prova dos autos indica que Fabiele nunca trabalhou para os réus e que o contrato de trabalho foi assinado apenas para aparentar legalidade ao ato de corrupção.

Transcrevo trecho do conteúdo da conversa entre Oilson e Fabiele (fls. 16 e 17), com grifos meus:

OILSON: esse é um negócio da confiança de nós aqui, eu confiar em ti, tu vai ter que confiar em mim também, né! Tá!

OILSON: a proposta é o seguinte, eu falei com o ADÃO, tu vai, tu esquece a carteira, tu parcela a carteira em 5 (cinco) cinco vezes, você paga a entrada, paga o mês que vem, eu ganho a “eleição” e deixa o dinheiro com ela que ela recebe (…) eu dá um voto de confiança (…) ganhando a eleição tu vai ter que votar em nós, tu, tua mãe e tudo, né?

FABIELE: sim!

OILSON: entendeu? Tudo!

(…)

OILSON: não, não, eu não quero (…) só o que vai acontecer é da cabeça de vocês, vocês é quem sabe né, tu vai ter que ter a obrigação de votar pra nós e tu vai também, e somam mais um voto (…) tá na tuas mãos, eu vou confiar em ti, que vão votar os três pra nós.

(…)

OILSON: tu vai te que arrumar voto pra nós né, assim a garantia que eu vou ter é que tu vai arrumar voto da tua mãe, né!

FABIELE: não, da mãe certo só que tem que ser meio

(…)

OILSON: mais um que tu poder arrumar pra (…) tá bem, cada voto que tu arrumar pra nós vai ser uma garantia mais pra ti.

Essa afirmação de Oilson tá na tuas mãos, eu vou confiar em ti, que vão votar os três pra nós não deixa dúvida que o agir do denunciado tem uma finalidade específica e única: obter ilicitamente o voto de Fabiele e de seus pais.

A defesa alegou ter contratado Fabiele para laborar na campanha de Ademir e Adão, justificando, assim, a entrega da quantia de R$ 1.050,00, a título de adiantamento salarial. Com o intuito de corroborar a assertiva, juntaram contrato de prestação de serviços, cópia de recibo e do cheque que teria sido entregue à eleitora Fabiele.

Todavia, apesar de ter sido afirmado pelos denunciados que efetuaram “adiantamento” de R$ 1.050,00 à eleitora, o contrato de prestação de serviços é datado de 07.08.2012 (fls. 59-60), sendo que o cheque da fl. 66 foi firmado em 28.09.2012. Além disso, o recibo da fl. 63 possui data de 10.08.2012. Dessa forma, pouco crível a versão defensiva.

Há outro elemento que fragiliza a versão da defesa, qual seja, o fato de Fabiele trabalhar em município diverso, em São Luiz Gonzaga, quando da ocorrência dos fatos, sendo que quando foi procurada pelo cabo eleitoral Oilson para assinar o verso do cheque, este encontro se deu em São Luiz Gonzaga, circunstância que inviabiliza a tese defensiva de que Fabiele estaria a laborar em Dezesseis de Novembro.

Outra circunstância que causa estranheza diz com o valor do suposto adiantamento salarial – R$ 1.050,00 -, pois no contrato que Fabiele assinou consta salário de R$ 622,00 mensais.

Quer dizer, esse o cenário; de um lado, a tese da defesa: os denunciados afirmam ter contratado pessoa de um município para trabalhar em outro, adiantado quase 2 meses de salário e tal “adiantamento” teria sido dado 1 mês e 21 dias depois do contrato.

De outro, há conteúdo de diálogo juntado pela própria defesa, no qual Oilson conversa com Fabiele a respeito da assinatura do contrato de prestação de serviços, com o intuito de aparentar licitude à negociação escusa de voto (fls. 68-70):

OILSON: o seguinte, negócio da da... fala aquele negócio contigo né, vamo fazê uma proposta assim pra ti. Tu qué a carteira então né, qué fazê a carteira pra ti, nos vamo faze, óh tu trabalha para nós na campanha, fizemos um contrato pra ti, te pagamo aí tu paga a carteira pra ti, e aí tu faz campanha.

FABIELE: (inaudível)

OILSON: faz campanha pra nós, pessoal que tu conhece o pessoal, de vez em quando no comitê, pegar material, e distribui por lá, assim que tu sabe, tá junto com o Alberi, né, já que ele trabalha pra nós, né.

FABIELE: (inaudível)

OILSON: fazemos um contrato, tu vai trabalha pra nós na campanha né, tu faz o que quisé, tu qué fazê a carteira faz, qué fica com dinheiro pra ti, vamo te paga certinho, na campanha tu trabalha pra nós.

FABIELE: tá, no caso tu paga quanto, a carteira no caso?

OILSON: não, vamo dá pra ti o dinheiro, tu faz o que quisé, vamo te paga o salário no caso.

FABIELE: o salário é quanto?

OILSON: seiscentos e vinte e dois.

FABIELE: mas o Lebrão não ia me dá.

OILSON: tá, mas eu te faço pra ti, eu te pago aqui, eu pago pra ele, tu faz campanha pra ele, vota para ele, pra nós.

MAURO: faz parte, né. Faz parte do salário desse que nós falemo, é eu que vou te dá.

OILSON tu trabalha pra ele também.

MAURO: a majoritária é isso aí que ele tá te oferecendo, daí vai fecha o valor.

OILSON: tu trabalha pra nós e pra ele no caso, mas tu vai trabalhá....

FABIELE: mas esse tu dá hoje.

OILSON: pode dá um adiantamento, não sei, né. Mas tu vai te um contrato de trabalho com nós, né, vai trabalhá certinho na campanha pra nós, vai ser uma contratada.

FABIELE: mas não dá nenhum mê mais, daí eu pego, no caso só seiscentos e vinte e dois, só?

OILSON: não, vai da mais.

MAURO: vai da um cheio.

OILSON: vai daí mais que um mês.

MAURO: vai da mil e cinquenta. Vai dá o que falemos.

FABIELE: tá, não me dão hoje esse dinheiro, daí?

OILSON: não mas...

MAURO: eu até... ia este fim de semana fala com o Branco, não pude fala com o Branco...

FABIELE: daí vou fazê o que?

OILSON: tu arruma voto pra nós lá. Tu vai, tá, trabalhando pra nós, tu vai se uma contratada nossa no caso, né. Te trouxe o contrato de trabalho aqui, tu assina, fizemos o contrato, e pronto, vamo recolher o INSS também para ti, bem certinho, né, não tem... tu faz o que quisé, se tu quisé faze tua carteira tu faz, tu vai se, nos vamo te paga pra ti trabalha pra nós, não tem... não muda nada.

FABIELE: deixa eu vê isso aqui (pega o contrato) tá, isso aqui no caso é igual carteira assinada, contrato de trabalho,...

OILSON: é, é... nós só vamos recolher INSS pra ti.

MAURO: tu assina um contrato numa empresa é três meses, só que esse é um contrato de um mês e pouco...

OILSON: tamo fazendo pra todo mundo que trabalha na campanha, tamo fazendo certinho, assim, né, pra não te problema nenhum, né?

FABIELE: e dá pra faze isso?

OILSON: dá, isso é legal, pra todo mundo...

FABIELE: (inaudível)

OILSON: mais nada, não tem problema nenhum, não tem nada errado, tudo certinho, tudo dentro da lei, tudo...

FABIELE: tá e voceis vão me dá o dinheiro agora já ou não.

OILSON: assim, seria no final de cada mês, mas te adiantamo então, tu faz o recibo pra nós, te pagamo este valor, não tem problema nenhum... te adianto este valor.

FABIELE: eu não venho mais aqui, eu acho.

OILSON: não, assina o recibo que vamo te adianta esse valor, seria cada final de mês, no caso... se tu que faze tua carteira, tu pega, nós te adiantamos o pagamento pra ti, tu vai faze o contrato com nós, tu vai trabalha certo.

FABIELE: tá e eu posso tira um xerox disso aí?

OILSON: pode.

MAURO: tem que faze reconhecimento de firma?

OILSON: não, não precisa.

FABIELE: mas é certo que cada final de mês vocês me dá?

OILSON: claro, isso é contrato certo, vai te, todo mundo, tamo fazendo também, tamo fazendo pros piá, com o Alberi também, tudo certinho.

FABIELE: não, se eu leva o dinheiro hoje, esse com... como é que... o falou que me dá, daí tudo bem.

MAURO: não é que vamo te dá.

OILSON: nós vamo te contrata.

FABIELE: pois é... que vão me adiantá, no caso.

MAURO: vamo te adiantá este valor que nóis falemo. Só que tu vai assinar o recibo e tudo e esse papel aí, o contrato, nada a vê.

OILSON: tem identidade aí?

FABIELE: mas eu vo lá busca.

OILSON: preenchemos depois tu da identidade, tu assina pra nós aqui... vai lá e pega então, esperamos aqui então.

FABIELE: pede mais alguma coisa?

OILSON: identidade e … CPF.

Contudo, a própria Fabiele negou ter trabalhado na campanha dos denunciados (fl. 184v.). O informante Daion à fl. 183v. também confirma que Fabiele não laborou para a campanha, inclusive referindo que ela morava em São Luiz (São Luiz Gonzaga), nos seguintes termos: Não trabalhou na campanha, ela não morava lá inclusive, mora aqui em São Luiz. O Ministério Público perguntou: O contrato era só pra fazer uma simulação? Ao que Daion respondeu: Exatamente.

A testemunha Alex Ferraz, que morava em Dezesseis de Novembro, em seu depoimento afirmou categoricamente que não viu Fabiele trabalhando na campanha, testemunho prestado sob compromisso legal.

Por derradeiro, o pai de Fabiele, Luiz Carlos Garcia de Oliveira, em seu interrogatório (fl. 277), ao ser perguntado se sua filha teria trabalhado na campanha de Ademir e Adão respondeu: NÃO.

Então, Fabiele, seu pai, o informante Daion e a testemunha Alex confirmam que a primeira não trabalhou na campanha dos denunciados.

Além disso, os denunciados foram condenados nas sanções do art. 41-A da Lei n.9.504/97, versão cível da “compra de votos”.

De fato, a circunstância de ter havido condenação em representação baseada em captação ilícita de sufrágio não induz, necessariamente, à procedência da ação criminal.

Não desconheço a independência das instâncias cível e criminal; todavia, não se pode ignorar a situação de que esses mesmos fatos já obtiveram apreciação judicial, ainda que sob a ótica de diversa jurisdição.

Trata-se do RE n. 449-85.2012.6.21.0052, julgado em 1º de agosto de 2013, da relatoria da Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, cuja cópia foi juntada integralmente a essa ação penal e admitida como prova emprestada, ementado nos seguintes termos:

Recursos. Captação ilícita de sufrágio. Artigo 41-A da Lei n. 9.504/97. Eleições 2012. Prefeito e vice. Entrega de dinheiro em troca do voto. Representação julgada parcialmente procedente no juízo originário, penalizando os demandados, solidariamente, ao pagamento de multa. Não conhecimento do apelo interposto na condição de assistente simples. Não vislumbrado o benefício direto ao segundo colocado no pleito, já que eventual cassação dos representados redundaria na realização de nova eleição. Manifesta a ilegitimidade recursal. Preliminar rejeitada. Licitude da prova obtida mediante a gravação ambiental, por um dos interlocutores, de conversa não protegida por sigilo legal.

Acervo probatório suficiente a corroborar os termos da exordial. Entrega de dinheiro a eleitora, por cabo eleitoral, em nome dos candidatos à majoritária, com o propósito de obtenção do seu voto e de sua família. A tese defensiva não encontra amparo no conjunto probatório, restando evidente que os representados praticaram captação ilícita de sufrágio dissimulada por contrato de prestação de serviços, firmado com o único intuito de justificar a entrega de dinheiro à eleitora. Gravações ambientais formando um conjunto harmônico no sentido de confirmar a ocorrência da compra de voto. Pacífico o entendimento no sentido de que basta a anuência na conduta para restar tipificado o ilícito e a consequente responsabilização. Caracterizada a compra de votos, resta impositiva a aplicação conjunta das penalidades de multa e cassação do diploma. Redimensionamento da sanção pecuniária, fixada em patamar exacerbado pela decisão de primeiro grau. Aplicável à espécie o disposto no artigo 224 do Código Eleitoral, implicando na realização de nova eleição majoritária no município.

Provimento parcial ao recurso dos representados.

Provimento da irresignação ministerial. (Grifei.)

Ainda que tenha sido reconhecida como ilícita pelo TSE a gravação ambiental, o fato é que a matéria está pendente de exame pela Suprema Corte que, como asseverado ao início desse voto, tem posição no sentido de considerá-la válida.

Destarte, diversamente do consignado pela relatora, não vislumbro receio de que, mesmo que o STF conclua pela invalidade da prova, ocorram diferentes decisões; na esfera cível-eleitoral, absolvição, na esfera penal, condenação.

Primeiro, porque as jurisdições são absolutamente distintas.

Segundo, porque a posição jurisprudencial do STF considera válida a gravação ambiental.

Terceiro, porque mesmo se afastada mencionada prova, não resta invalidada a veracidade do que nela está contida.

Assim, após exame do amplo acervo probatório, tenho que o dolo específico de agir ficou demonstrado, sempre visando à obtenção ilícita de votos.

Note-se que em delitos como o presente, que na sua maioria se consumam às escuras, a exigência de prova documental é, no mais das vezes, prova impossível, à medida que inexiste recibo de compra ilícita de votos.

O crime do art. 299 do Código Eleitoral é um dos exemplos de tipo penal cujos vestígios são de difícil constatação. Muitas vezes são promessas feitas de forma oral, verbal, restando apenas os respectivos interlocutores como testemunhas do crime. São comuns, por exemplo, o adiantamento de valores, as ofertas de empregos, de cargos públicos, a influência política. Portanto, por ser a corrupção eleitoral um delito cujos vestígios são de difícil constatação, a prova testemunhal ganha relevância para a comprovação de sua materialidade.

Porém, no caso, não só a prova oral dá sustentáculo ao juízo condenatório, como também a gravação ambiental e a prévia condenação dos réus no ilícito cível-eleitoral previsto no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, conhecido popularmente como compra de votos.

Dessa forma, forçosa a procedência da ação, na linha dos precedentes desta Corte e do c. TSE:

Recurso criminal. Corrupção eleitoral. Art. 299 da Lei n. 4.737/65. Eleições 2008. Denúncia julgada procedente pelo julgador originário. Comete corrupção eleitoral aquele que dá, oferece, promete, solicita ou recebe, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita. Prova harmônica que demonstra a solicitação e o recebimento de dinheiro, sob o pano de fundo da obtenção ilícita de votos. Demonstrado o especial fim de agir, assim como a autoria e a materialidade, imperiosa a confirmação do decreto condenatório. Provimento negado.

(RC 4529-38.2010.6.21.0028 - PROCEDÊNCIA: LAGOA VERMELHA RECORRENTES: ADILSON PEREIRA GOMES E PAULO SÉRGIO PEREIRA DUARTE RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL – Relatora: Desa. Elaine Harzheim Macedo.)

 

RECURSO ESPECIAL ELEITROAL. ELEIÇÕES 2008. PREFEITO. CRIME. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL.CORRUPÇÃO ELEITORAL. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. COMPROVAÇÃO. CONDUTA TÍPICA.

1. O crime de corrupção eleitoral ativa (art. 299 do CE consuma-se com a promessa, doação ou oferecimento de bem, dinheiro ou qualquer outra vantagem com o propósito de obter voto ou conseguir abstenção.

2. No caso, o candidato a prefeito realizou aproximadamente doze bingos em diversos bairros do Município de Pedro Canário, distribuindo gratuitamente as cartelas e premiando os contemplados com bicicletas, televisões e aparelhos de DVD.

3. Ficou comprovado nas instâncias ordinárias que os eventos foram realizados pelo recorrente com o dolo específico de obter votos. No caso, essa intenção ficou ainda mais evidente por ter o recorrente discursado durante os bingos, fazendo referência direta à candidatura e pedindo votos aos presentes.

4. Recurso especial desprovido.

(RESPE 4454-80.2009.6.08.0000 – Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 07 de junho de 2011.)

Quanto à autoria, consigno que, em relação a Oilson, sua atuação foi direta, sendo o responsável pela realização material do fato típico, em favor dos candidatos Adão e Ademir.

Já no que diz respeito a Ademir, candidato a prefeito, entretanto, tenho que o contexto probatório é frágil para um juízo condenatório.

Com efeito, a mera assinatura do cheque e do contrato de prestação de serviços não são suficientes a concluir que era sabedor da finalidade ilícita contida nestes documentos.

Não é possível afirmar que a destinação era o agir criminoso de comprar votos, não há demonstração do especial dolo na conduta.

À míngua de outros elementos, impõe-se a absolvição.

O mesmo não se pode afirmar em relação a Adão, candidato a vice-prefeito, pois a prova logrou comprovar que ele foi o que saiu a campo para “sondar” as necessidades dos eleitores. Ele teve participação direta e ativa no delito.

Ele, Adão, foi quem ofereceu ao pai de Fabiele, Luiz Carlos Garcia de Oliveira, o pagamento da CNH.

Fabiele, ao prestar depoimento, após ser lida a denúncia, asseverou (fl. 184v.)

Ministério Público: A Senhora confirma o que a Juíza leu agora, esses fatos aí?

Informante: Sim.

Ministério Público: Todos eles?

Informante: Não, todos não.

Ministério Público: Quais não?

Informante: No caso foi o Adão que procurou o meu pai, só que daí eu liguei pro Adão pra ver…daí eu liguei pra ver se era verdade, daí eu falei com o Adão e daí ele mandou eu falar com o Oilson que era o Oilson que cuidava da parte do dinheiro, daí liguei pro Oilson e perguntei, daí ele falou que sim, que podia lá pegar o dinheiro com ele.

Mais adiante, à fl. 186, Fabiele reforça que Adão foi quem ofereceu o pagamento da CNH.

O pai de Fabiele, Luiz Carlos Garcia de Oliveira, refere igualmente que a oferta foi feita por Adão (fl. 276 e v.):

Juíza: Quanto a essa acusação aqui de ter solicitado um benefício, uma CNH, o custo de uma CNH, em prol de sua filha nas eleições em troca do seu voto nos candidatos da majoritária, é verdadeira ou falsa?

Representado: Como a senhora disse, me perguntou?

Juíza: O senhor pediu que pagasse uma CNH para sua filha, pro senhor votar neles?

Representado: Não, eu não pedi e nem… Quem me ofereceu foi o Adão, ele que falou que eles davam, nós vinha de umas carreiras lá de Roque Gonzales, daí ele falou. Daí que eu disse que a Fabiele queria uma carteira, disse que eles davam.

Juíza: Então é verdade ou não o que tá dito aqui na denúncia?

Representado: É verdade.

Juíza: Que o senhor solicitou?

Representado: Sim, mas quem falou foi ele né, primeiro. Ele que falou na carteira.

Juíza: Não foi o senhor que falou primeiro, ele falou primeiro?

Representado: Sim.

Juíza: Aí, depois o senhor aceitou, é isso?

Representado: É.

Então, manifesta a autoria do réu Adão, que inicialmente ofereceu ao pai de Fabiele o pagamento da CNH em troca de voto. Tal proposta foi repassada à eleitora que, ato contínuo, manteve contato com Adão, momento em que este a orientou a procurar o réu Oilson, responsável pela parte financeira da campanha.

Cumpre, agora, examinar o fato imputado ao réu Luiz Carlos Garcia de Oliveira, descrito nos seguintes termos:

Nas mesmas circunstâncias antes descritas no primeiro fato, o acusado LUIZ CARLOS GARCIA DE OLIVEIRA solicitou aos outros codenunciados, em benefício de sua filha e também acusada Fabiele Schuquel de Oliveira, a importância equivalente ao custo do encaminhamento de uma CNH, em troca do voto dele próprio e da mesma descendente à coligação Dezesseis de Novembro Para Todos, para a eleição majoritária, de 07 de outubro de 2012.

No que respeita a esse fato, acompanho a ilustre relatora no sentido de que não ficou provada a corrupção passiva, ou seja, não restou evidenciada a solicitação do benefício em favor da filha, em troca de voto.

Ao contrário, o que ficou evidenciado é que a oferta foi feita pelo réu Adão a Luiz Carlos.

Do exposto, voto no sentido de julgar:

a) procedente a pretensão estatal acusatória, para condenar ADÃO DE ALMEIDA DE BARROS e OILSON DE MATOS ALBRING nas sanções do art. 299 do Código Eleitoral, quanto ao 1º fato;

b) improcedente a pretensão acusatória, para absolver ADEMIR JOSÉ ANDRIOLI GONZATO e LUIZ CARLOS GARCIA DE OLIVEIRA da imputação do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral.

 

INDIVIDUALIZAÇÃO DAS PENAS:

O crime cometido pelos réus está previsto no art. 299 do Código Eleitoral, que estabelece:

Art. 299 – Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita.

Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.

Por força do que dispõe o art. 284 do Código Eleitoral, o mínimo da pena é de 1 ano de reclusão.

Logo, a pena em abstrato prevista para o cometimento do crime tipificado no art. 299 do Código Eleitoral é de 1 a 4 anos de reclusão e multa de 5 a 15 dias-multa.

1) Réu ADÃO DE ALMEIDA DE BARROS:

Circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal (1ª fase):

Culpabilidade: a reprovabilidade da conduta do réu é consentânea com o tipo penal, tendo evidenciado conhecimento do ilícito praticado.

Antecedentes: o réu não registra maus antecedentes (fl. 365).

Não há anotações desabonatórias à sua conduta social.

Personalidade: não há registros para avaliar essa circunstância como negativa.

Os motivos do crime, relacionados à obtenção ilícita de votos, são ínsitos ao tipo penal.

As circunstâncias do delito são comuns à espécie.

As consequências do crime desbordam da normalidade. Consequência é o mal causado pelo crime, que transcende o resultado típico. Consequência imediata do delito em questão é a descrença na liberdade de sufrágio, na emissão do voto legítimo.

No caso analisado, o êxito do réu na obtenção do mandato eletivo para o cargo de vice-prefeito é consequência não integrante do tipo, que afeta sobremaneira a legitimidade do processo eleitoral.

Assim, tenho como negativo esse vetor.

A vítima é o próprio Estado, não havendo que se falar em sua colaboração para o crime.

Tendo em conta as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal e considerando-se negativo o vetor consequências do crime, a pena-base deve ser fixada em 1 ano e 3 meses de reclusão.

Não havendo circunstâncias atenuantes ou agravantes (2ª fase), nem causas de aumento ou de diminuição (3ª fase) torno-a definitiva neste patamar, ou seja, 1 ano e 3 meses de reclusão, em regime inicial aberto.

Cumulativamente, aplico a pena de multa correspondente a 5 (cinco) dias-multa, sendo que o valor do dia-multa corresponderá a 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato.

O réu preenche os requisitos para substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública e na prestação pecuniária a entidade pública ou privada com destinação social, no valor de 2 salários mínimos, ambas as entidades a serem definidas pelo juízo da execução.

2) Réu OILSON DE MATOS ALBRING:

Circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal (1ª fase):

Culpabilidade: a reprovabilidade da conduta do réu é consentânea ao tipo penal, tendo evidenciado conhecimento do ilícito praticado.

Antecedentes: o réu registra maus antecedentes (certidão das fls. 366-370).

Conforme orientação atual do STJ, a súmula 444 veda a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.

Assim, apenas sentenças condenatórias com trânsito em julgado podem ser valoradas como antecedentes.

O réu registra sentença condenatória com trânsito em julgado em 20/11/2013, processo n. 021/2.06.0000269-3, CNJ: 0002692-40.2006.8.21.0021, 2ª Vara Criminal da Comarca de Passo Fundo (fl. 366), pelos crimes de formação de quadrilha (art. 288 do Código Penal) e falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal).

Não há anotações desabonatórias à sua conduta social.

Personalidade: não há registros para avaliar essa circunstância como negativa.

Os motivos do crime, relacionados à obtenção ilícita de votos, são ínsitos ao tipo penal.

As circunstâncias do delito são comuns à espécie.

As consequências do crime desbordam da normalidade. Consequência é o mal causado pelo crime, que transcende o resultado típico. Consequência imediata do delito em questão é a descrença na liberdade de sufrágio, na emissão do voto legítimo.

No caso analisado, o êxito dos réus Ademir e Adão na obtenção do mandato eletivo para os cargos de prefeito e vice-prefeito, respectivamente, é consequência não integrante do tipo, que afeta sobremaneira a legitimidade do processo eleitoral.

Tenho, pois, como negativo esse vetor.

A vítima é o próprio Estado, não havendo que se falar em sua colaboração para o crime.

Tendo em conta as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal e considerando-se negativos os vetores antecedentes e as consequências do crime, a pena-base deve ser fixada em 1 ano e 6 meses de reclusão.

Circunstâncias atenuantes ou agravantes (2ª fase):

O réu Oilson ostenta a condição de reincidente, circunstância agravante prevista no art. 61, I, do Código Penal.

Conforme certificado à fl. 368, o réu possui sentença condenatória com data de extinção ou cumprimento da pena em 02.09.2010, processo n. 043/2.05.0000783-2, CNJ: 0007832-23.2005.8.21.0043, Vara Judicial de Cerro Largo, pelo crime de receptação (art. 180 do Código Penal).

Dessa forma, aumento a pena privativa de liberdade para 1 ano e 9 meses de reclusão.

Não havendo outras circunstâncias agravantes ou atenuantes, nem mesmo causas de aumento ou diminuição, torno definitiva a pena neste patamar, 1 ano e 9 meses de reclusão.

Analisando as circunstâncias do art. 59, determino o regime aberto como o inicial de cumprimento da pena.

Cumulativamente, aplico a pena de multa correspondente a 5 (cinco) dias-multa, sendo que o valor do dia-multa corresponderá a 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato.

Apesar de reincidente em crime doloso, consoante prevê o § 3º do art. 44 do Código Penal, tenho ser socialmente recomendável a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública e na prestação pecuniária à entidade pública ou privada com destinação social, no valor de 2 salários mínimos, ambas as entidades a serem definidas pelo juízo da execução.

Diante do exposto, voto no sentido de julgar parcialmente procedente a ação penal ajuizada, nos seguintes termos:

a) Condenar ADÃO ALMEIDA DE BARROS, como incurso nas sanções do art. 299 do Código Eleitoral, à pena de 1 ano e 3 meses de reclusão, em regime inicial aberto, cumulada com 5 dias-multa, sendo o valor do dia-multa correspondente a 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato, autorizada a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, nos termos da fundamentação;

b) Condenar OILSON DE MATOS ALBRING, como incurso nas sanções do art. 299 do Código Eleitoral, à pena de 1 ano e 9 meses de reclusão, em regime inicial aberto, cumulada com 5 dias-multa, sendo o valor do dia-multa correspondente a 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato, autorizada a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, nos termos da fundamentação;

c) Absolver LUIZ CARLOS GARCIA DE OLIVEIRA e ADEMIR JOSÉ ANDRIOLI GONZATO, da imputação do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral, com fulcro no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.

É o voto.

 

Desa. Liselena Schifino Robles Ribeiro: Com a vênia da relatora, eu estou acompanhando a divergência parcial.

Dr. Hamilton Langaro Dipp: Senhor Presidente, eu também estou acompanhando a divergência.

Dr. Leonardo Tricot Saldanha: Eu voto com a relatora.

Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez: Eu também acompanho a relatora.

Des. Luiz Felipe Brasil Santos: Peço vista dos autos para proferir o voto de desempate.