RE - 46429 - Sessão: 17/09/2015 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por MOACIR VOLPATO e ANTONIO VALDECIR LUZ FÁVARO (candidatos, respectivamente, aos cargos de prefeito e de vice-prefeito, não eleitos, do Município de Lagoa Vermelha, no pleito ocorrido no ano de 2012) contra a sentença das fls. 1.327-1.374, que, julgando parcialmente procedente a AIJE n. 464-29.2012.6.21.0028, condenou-os à inelegibilidade pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes à eleição municipal de 2012, pela prática de abuso do poder econômico, além de multa no valor de 20.000 (vinte mil) UFIR, cominada pela prática de captação ilícita de sufrágio.

Em suas razões, asseveram, preliminarmente, a irregularidade processual consistente na juntada de prova emprestada oriunda de feito criminal, em momento posterior ao encerramento da instrução, o que teria ferido as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Requerem, por conseguinte, a desconsideração desta prova pelo Juízo recursal. No mérito, aduzem não haver elementos probatórios suficientes à prolação do juízo condenatório.

Foram apresentadas contrarrazões às fls. 1.413-1.455, em que suscitou-se prefacial de inovação recursal.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral pronunciou-se pelo afastamento da preliminar e pela integral manutenção da sentença (fls. 1.489-1.512).

É o relatório.

 

 

 

VOTOS

Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz:

O recurso é tempestivo, porquanto interposto em 31.7.2014, logo, dentro do prazo de 3 (três) dias, previsto pela legislação de regência. Preenche, outrossim, os demais pressupostos de admissibilidade, de forma a merecer conhecimento.

Das preliminares

a) Ilicitude da prova

É incontroversa a juntada da prova oriunda do Processo-Criminal n. 461-74.2012.6.21.0028 (que tramitou também nesta Justiça Especializada) ter se operado posteriormente à confecção das outras provas. Tal circunstância é, inclusive, pontuada na sentença.

Pois bem. De início, saliento a possibilidade de utilização de prova emprestada, conforme precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, sobretudo em se tratando de matéria fática congênere, como é, desde já sublinho, o caso posto em julgamento. Com efeito, é lícito o aproveitamento da interceptação telefônica, prova obtida nos autos de investigação criminal, autorizada judicialmente, que tenha pertinência com o fato objeto da representação eleitoral (TRE-RS. RE n. 545-94. Rel. Dr. Ingo W. Sarlet. Publicado em 30.01.2014, DEJERS, p. 2).

Ademais, a jurisprudência do Pretório Excelso orienta-se pela admissibilidade da utilização de prova emprestada inclusive em feitos de natureza criminal, sabidamente aqueles que impõem as sanções mais gravosas do ordenamento jurídico:

HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO. DESDOBRAMENTO DAS INVESTIGAÇÕES. IDENTIFICAÇÃO, NO CURSO DAS DILIGÊNCIAS, DE POLICIAL MILITAR COMO SUPOSTO AUTOR DO DELITO APURADO. DESLOCAMENTO DA PERSECUÇÃO PARA A JUSTIÇA MILITAR. VALIDADE DA INTERCEPTAÇÃO DEFERIDA PELO JUÍZO ESTADUAL COMUM. ORDEM DENEGADA. 1. Não é ilícita a prova obtida mediante interceptação telefônica autorizada por Juízo competente. O posterior reconhecimento da incompetência do Juízo que deferiu a diligência não implica, necessariamente, a invalidação da prova legalmente produzida. A não ser que “o motivo da incompetência declarada [fosse] contemporâneo da decisão judicial de que se cuida” (HC 81.260, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence). 2. Não há por que impedir que o resultado das diligências encetadas por autoridade judiciária até então competente seja utilizado para auxiliar nas apurações que se destinam a cumprir um poder-dever que decola diretamente da Constituição Federal (incisos XXXIX, LIII e LIV do art. 5º, inciso I do art. 129 e art. 144 da CF). Isso, é claro, com as ressalvas da jurisprudência do STF quanto aos limites da chamada prova emprestada 3. Os elementos informativos de uma investigação criminal, ou as provas colhidas no bojo de instrução processual penal, desde que obtidos mediante interceptação telefônica devidamente autorizada por Juízo competente, admitem compartilhamento para fins de instruir procedimento criminal ou mesmo procedimento administrativo disciplinar contra os investigados. Possibilidade jurisprudencial que foi ampliada, na Segunda Questão de Ordem no Inquérito 2.424 (da relatoria do ministro Cezar Peluso), para também autorizar o uso dessas mesmas informações contra outros agentes. 4. Habeas corpus denegado.

(HC 102293/RS. Rel. Min. AYRES BRITTO. 2ª Turma. Julgamento: 24.5.2011. Publicação DJE 19.12.2011.)

Retornando à análise do caso concreto, cumpre observar que os fatos objeto destes autos guardam pertinência com o processo do qual se origina a prova emprestada, conforme, aliás, percucientemente assentado pelo Juízo a quo ao enfrentar, na sentença, a insurgência da parte contra a juntada da prova emprestada (fl. 1.338):

[…] Além disso, o processo n. 461-74.2012.6.21.0028, de natureza criminal, tem pertinência fática com os fatos relatados na inicial da presente demanda, mormente no que se refere à captação ilícita de votos. Portanto, os fatos já estão mencionados na inicial, correspondente à compra de votos mediante a entrega de vale-combustível, vale-gás, alimentos, roupas, dinheiro e promessa de emprego. Aliás, na decisão judicial que deferiu a interceptação telefônica (fl. 203/204), foi registrado que "a soma desses elementos constitui-se em sólida base da existência da captação ilícita de sufrágio de forma continuada por pessoas ligadas às candidaturas Coligação Lagoa Pode Mais, justificando plenamente o requerimento do Ministério Público para interceptação telefônica de alguns suspeitos com o intuito de dar continuidade às investigações". Cuida-se, assim, de juntada de documentos pertinentes para o julgamento da causa, em relação aos quais foi dada oportunidade aos demandados para se manifestarem por ocasião dos memoriais.

No tocante ao argumento de que não teria sido, neste processo, oferecida oportunidade de manifestação sobre a vinda da prova emprestada aos autos, igualmente improcede. A esse respeito, reproduzo, uma vez mais, excerto da decisão de primeira instância, que bem apreciou a quaestio (fl. 1.338):

[...] Portanto, considerando que a motivação que levou a cabo o deferimento da interceptação telefônica diz respeito exatamente a descortinar a captação ilícita de sufrágio, fato este relevante e de pertinência com a presente ação, não há que se falar em nulidade, mormente considerando que a interceptação telefônica ocorreu mediante decisão da autoridade eleitoral competente.

Quanto à observância do princípio do contraditório, registro que os demandados tiveram, sim, oportunidade de se manifestar sobre todos os documentos juntados por ocasião do oferecimento das alegações finais, tendo, inclusive, se insurgido quanto ao conteúdo de tais documentos (fls. 1316/1318).

Nota-se, portanto, que, tanto foi assegurada a manifestação dos recorrentes acerca da prova emprestada que, em suas alegações finais, teceram uma série de considerações sobre ela (até mesmo a suposta nulidade de sua utilização).

Não há falar, dessa forma, em não oportunização do contraditório e da ampla defesa e, em consequência, malferimento do princípio do devido processo legal.

O que embasa a preliminar arguida, ao que parece, é a irresignação dos recorrentes com a reconsideração procedida pelo magistrado de origem, para admitir a prova emprestada. Reconsideração esta, sublinho, juridicamente legítima, sobremodo se considerados os argumentos trazidos, na ocasião, pelo Ministério Público Eleitoral (que neste feito atua como custos legis), e a oportunização de manifestação dos réus.

Não é demais registrar, ainda, o caráter de ordem pública das ações de investigação judicial eleitoral, bem espelhado no art. 23 da Lei Complementar n. 64/90: O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral.

Afastada, pois, a preliminar.

b) Inovação recursal

A Coligação UNIÃO POPULAR TRABALHISTA, recorrida, invoca a preliminar de ocorrência de inovação recursal, ao argumento de que a defesa dos recorrentes teria, na contestação, negado a existência de entrega de vale-combustível e, por ocasião das razões recursais, afirmado que não se negava a existência de tais benefícios.

Igualmente, não procede a prefacial.

A propósito, como bem observado no parecer do douto Procurador Regional Eleitoral, houve menção aos vales (combustível e gás) pelos recorrentes, quando da apresentação da defesa, sendo que tal argumentação deu-se no sentido de que não era possível vincular os réus à distribuição desses benefícios aos eleitores (fl. 138). No recurso houve pequena modificação, é verdade, mas que não pode ser considerada inovação. Apenas afirmou-se que a existência dos vales não é negada, afastando-se, na realidade, a distribuição ao eleitorado (fl. 1.386).

Mérito

A Coligação UNIÃO POPULAR TRABALHISTA ajuizou a presente AIJE imputando a MOACIR VOLPATO e ANTONIO VALDECIR LUZ FÁVARO (candidatos, respectivamente, aos cargos de prefeito e de vice-prefeito, não eleitos, do Município de Lagoa Vermelha, no pleito ocorrido no ano de 2012), em linhas gerais, um total de 13 (treze) fatos, todos, em tese, caracterizadores de abuso de poder econômico e/ou captação ilícita de sufrágio.

O Juízo a quo entendeu não caracterizados os ilícitos relativamente aos 12 (doze) primeiros fatos (não havendo irresignação sobre eles), concluindo pela condenação dos réus unicamente quanto ao 13° (pertinente à entrega de vale-combustível, vale-gás, alimentos, roupas, dinheiro e promessa de emprego em troca de votos), assim constando do dispositivo sentencial:

Posto isso: A) reconheço, de ofício, para ambos os processos, a ilegitimidade passiva da Coligação Lagoa Pode Mais; B) JULGO IMPROCEDENTE a representação oferecida no PROCESSO Nº 452-15.2012.6.21.0028 (e 12º FATO imputado no Processo 464-29.2012.6.21.0028); C) JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a representação oferecida no PROCESSO Nº 464-29.2012.6.21.0028 para: C.1) reconhecer a prática do abuso de poder econômico, nos termos do artigo 22, XIV, da Lei Complementar n. 64/90 (primeiro ilícito/vale-combustível), e aplicar aos representados MOACIR VOLPATO e ANTÔNIO VALDECIR LUZ FÁVARO a sanção de inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos oito anos subsequentes ao pleito municipal de 2012; C.2) reconhecer a prática da captação ilícita de sufrágio, nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 (segundo ilícito/vale-gás e dinheiro), e condenar os representados MOACIR VOLPATO e ANTÔNIO VALDECIR LUZ FÁVARO, cada qual, ao pagamento de multa no valor correspondente a 20.000 (vinte mil) UFIR.

Importa destacar que o 13° fato foi subdividido, em primeira instância, em quatro ilícitos (fls. 1.352-1.374), a saber: 1º- entrega de vale-combustível para compra de votos, pelo menos em dois postos de combustíveis da cidade de Lagoa Vermelha; 2º- entrega de vale-gás e dinheiro para a compra de votos; 3º- entrega de sacolões e outros bens e serviços para compra de votos; 4º- promessa de pagamento de R$ 200,00 (duzentos reais) a funcionários de diversas fábricas instaladas no aludido município. A condenação, todavia, deu-se, especificamente, quanto ao 1º e 2º ilícitos, tanto por captação ilícita de sufrágio, quanto por abuso do poder econômico (fl. 1.373). Vejamos, então, separadamente, as circunstâncias fáticas específicas de cada uma destas figuras ilícitas.

a) Abuso de poder econômico

O ato considerado abusivo consistiria, em síntese, na compra de 5.000 litros de combustível, em dois postos de gasolina de Lagoa Vermelha, distribuídos mediante vales à população em geral, tendo como contraprestação o voto em favor dos recorrentes no pleito municipal de 2012.

Compulsando-se os autos, verifica-se que ficou efetivamente demonstrada a compra de significativa quantidade de combustível, o que pode ser constatado por meio das notas fiscais acostadas às fls. 169 e 170 (a da fl. 169 consigna a aquisição de 2.794,322 litros e a da fl. 170, 1.385,042, totalizando 4.179,364 litros).

Diversamente do afirmado na sentença, tenho que este fato (a compra de combustível), de per si, não configura ato abusivo, pois, em se tratando de campanha para eleição majoritária em município com mais de 20 mil eleitores, é razoável admitir que sua destinação seria abastecer os veículos que trabalhavam na campanha.

Nenhum ilícito caracterizado até o momento.

Apenas se demonstrada a distribuição do combustível, de modo a corromper a vontade do eleitor e macular a legitimidade do pleito, é que o fato poderá ser tido como abuso do poder econômico. E afigura-se-me que tal prova não veio aos autos.

A sentença examinou os detalhes da negociação, assentando que a transação foi agenciada pelo tesoureiro e coordenador da campanha, Valdemiro Volpato, irmão do candidato Moacir Volpato. Também consta dos autos que foram confeccionados vales, cada um equivalente a aproximadamente 10 litros de gasolina.

Contudo, em relação à finalidade dessa aquisição e aos favorecidos com os vales, nada - ou muito pouco - ficou esclarecido. Vejamos.

Atente-se aos depoimentos prestados em sede policial e em Juízo pelo Sr. Éder Dalmolin (proprietário do posto de combustível com nome de fantasia Posto Santo Antônio) sobre a negociação (fls. 1.327 a 1.374):

[...] Eram populares que iam abastecer com os vales, "quem chegasse com os vales abasteciam", eis que nada foi combinado, não sabendo se as pessoas que abasteciam os vales eram ligados ao partido ou não. […] Aduz que esses vales eram também usados por pessoas da coligação.

[...] que não sabe o objetivo dos vales-combustível adquiridos e usados como forma de pagamento de abastecimentos de veículos em seu estabelecimento, não podendo afirmar que eles foram utilizados como vantagens para obtenção de votos, apesar de que qualquer do povo que apresentasse o vale-combustível tinha seu veículo abastecido, eis que valia como forma de pagamento do abastecimento em seu carro. (fl. 1.353 - Depoimento prestado perante a autoridade policial).

Juiz: E essa questão dos vales, o que o senhor tem a dizer. Esse combustível foi comprado e depois foi utilizado mediante entrega de vales por pessoas, é isso? Testemunha: Os vales foi uma forma de, eles pagaram o combustível antecipadamente, como uma forma de comprovante de retirada. Juiz: Quem compareceu no posto com esses vales abasteciam? Testemunha: É, era o pessoal do partido que abastecia, mas eu não controlava, não tenho controle. Juiz: Quem que controlava? Testemunha: Não, não tinha controle. Juiz: Consta aqui tua declaração: da posse desses vales, ambos os postos Santo Antônio efetuavam abastecimento dos veículos das pessoas que o apresentassem. Confirma isso? Testemunha: Sim. Juiz: O senhor referiu também agora, diferente do que mencionou há pouco que referiu na Delegacia: que eram populares que iam abastecer com os vales, quem chegasse com os vales abasteciam, eis que nada foi combinado não sabendo se as pessoas que abasteciam com os vales eram ligados ao partido ou não. O senhor confirma isso? Testemunha: Eu não tinha controle de quem abastecia lá. Juiz: Mas o senhor afirmou que eram populares quem iam lá abastecer. Quem chegasse lá abastecia. Testemunha: É, um vale carimbado pelo posto se uma pessoa achasse na rua por exemplo era como se fosse dinheiro né, qualquer uma pode abastecer. Não exigia nenhum documento pra abastecer né. [...] Juiz: É uma questão específica, a minha pergunta não é essa, a minha pergunta é vai lá alguém, uma pessoa conhecida, acredito aqui do senhor e compra três mil vales e é combinado que quem chegasse com os vales lá abastecia. Testemunha: Sim. Juiz: O Posto faz isso? Testemunha: Faz. Juiz: Quem vocês nem conhecem quem são? Testemunha: Eu vendo pra pessoa que eu conheço, mas quem vai abastecer eu não conheço. A pessoa que comprou é quem determina quem vai abastecer. Juiz: Nesse caso não houve determinação? Testemunha: Não. Juiz: Quem iria abastecer? Testemunha: Não. Juiz: O senhor disse que não sabe, não acompanhou quem abasteceu com os vales, é isso? Testemunha: Não. Juiz: Então o senhor não tem condições de afirmar que somente as pessoas do partido ou da coligação abasteceram com os vales? Testemunha: Eu trabalhava no escritório né, então quem recebia os vales era o frentista mas eles estavam autorizados a receber de qualquer pessoa. Mesmo assim eu vendi combustíveis pra outra coligação, de outro município e também eram os mesmo vales. [….] Juiz: Na época o senhor era filiado a algum partido político? Testemunha: Não. Juiz: Mesmo assim fazia propaganda para algum partido, ajudava na campanha de algum partido? Testemunha: Não, sempre fui neutro. Juiz: Não trabalhou pra nenhum candidato? Testemunha: Não. (fls. 1.353 e 1.354 - Depoimento prestado judicialmente.) (Grifei.)

Em resumo, o depoente, tanto na polícia quanto em Juízo, asseverou não ter ciência de quem abastecia os veículos, bem como que a única exigência para o abastecimento era a entrega do vale. Referiu, também, ter vendido gasolina para a coligação adversária e que sempre foi neutro nas campanhas, não sendo filiado a qualquer partido político, o que empresta maior credibilidade ao seu testemunho.

O irmão e sócio dessa testemunha, Fábio Dalmolin, por sua vez, prestou depoimento nos seguintes termos (fl. 1.354 - leia-se Valdemiro Volpato):

O irmão e sócio dessa testemunha, FABIO DALMOLIN, também prestou declarações perante a autoridade policial e declarou que: “É sócio dos Postos Santo Antônio desta cidade, um é localizado na Avenida Presidente Vargas e outro na BR 285...Cerca de 30 dias antes das eleições o declarante telefonou para VALDOMIRO VOLPATO, oferecendo-lhe para a venda combustível, o qual pediu que confeccionasse vales de gasolina de cerca de 3 mil litros de combustíveis distribuídos em 10 litros cada vale. Dessa forma, providenciou na confecção dos vales, sendo que o próprio declarante os assinou e entregou para OBERDAN PINTO, que trabalhava no comitê de Volpato, o qual foi até o estabelecimento comercial do declarante pegar todos os vales-combustível, sendo o combinado de quem chegasse no Posto e apresentasse o vale teria direito a abastecer efetuando o pagamento somente mediante a entrega do vale-gasolina. Pelo que pode observar os veículos que lá chegavam para abastecer com esse vale fazia uso do adesivo ou da bandeira da coligação do candidato Volpato [...] Diz não saber se esses vales-combustível tinham por objetivo comprar votos. Os vales eram numerados para controle do estabelecimento do depoente, sendo a primeira vez negociado 3 mil litros e em outra oportunidade aproximadamente 2 mil litros, sendo todos os vales entregues a OBERDAN PINTO, os quais foram providenciados pelo declarante a pedido de VALDOMIRO VOLPATO. […] que VALDOMIRO VOLPATO não falou o objetivo destes vales quando negociaram, ou seja, não disse quem faria uso desses vales-gasolina” (fls. 388-389). (Grifei.)

Pelo cotejo dos depoimentos é possível afirmar que, para o abastecimento, era necessário somente apresentar o vale. Concluir, todavia, que aqueles que fizeram uso dos vales seriam eleitores e que os receberem em troca de voto é mera suposição, sem nenhum respaldo probatório.

Prosseguindo, verifica-se que restou confirmado que os vales foram entregues ao Sr. Oderban Pinto, pessoa que trabalhava no comitê de campanha, sendo ele o encarregado do controle do consumo de combustível. Ainda, o douto magistrado pontuou as conclusões da diligência realizada por servidores do Ministério Público que, de posse de um vale-combustível apreendido pela Justiça Eleitoral, dirigiram-se ao Posto Santo Antônio para investigar as circunstâncias em que foram entregues:

Ainda na valoração da prova quanto à distribuição de vales-combustível, durante a investigação policial, foi postulado pelo Ministério Público autorização judicial para a realização de escutas ambientais com o objetivo de comprovar a distribuição de benefícios/brindes para fins eleitorais, sendo deferido pelo juízo (fl. 248).

Para tanto, de posse de vale-combustível apreendido, os servidores do Ministério Público Gunther Albert Rech Chaves e Gabriela Martins Neumann dirigiram-se ao Posto Santo Antonio, na BR 285, cuja diligência restou retratada no documento de fl. 464: “...fomos atendidos pelo frentista “Euclides” e, de posse do vale acostado aos autos, abastecemos o veículo no qual estávamos, por volta das 19:20, sendo colocados 10 litros de gasolina comum, sem que fosse necessário efetuar qualquer forma de pagamento. Perguntado ao frentista como se faria para obter outro vale, este afirmou que bastaria solicitar no “Volpato”, acrescentando que seria no comitê eleitoral deste ou, ainda, do “Pepe”. O frentista afirmou ainda que foram abastecidos, somente hoje, mais de duzentos veículos mediante o uso deste vale, sendo que o Comitê haveria comprado mais de 4.000 (quatro mil) litros de combustível para tal destinação. Informamos, por fim, que foi realizada a gravação ambiente, com o gravador do telefone de plantão.” (fl. 464).

E a degravação do áudio consta às fls. 467/469, da seguinte forma: GUNTHER: Opa! Tudo bem? É aqui esta promoção?

Euclides: É aqui.

GUNTHER: Anh?

Euclides: É.

GUNTHER: É aqui?

Euclides: É aqui.

GUNTHER: Dez litros?

Euclides: Dez litros.

GABRIELA: É válida até quando a promoção?

Euclides: Válida até o dia dez.

GABRIELA: Ah, tá! Então estamos dentro.

GUNTHER: Então... dez litros, então.

GABRIELA: que bom, né?

GUNTHER: Sim! (…)

GABRIELA: Uhum. Tá certo este (ininteligível)?

GUNTHER: tá certinho (com este...)

GABRIELA: Ué, mas só fiquei com (ininteligível).

GUNTHER:Não, ele está abastecendo o outro.

Euclides: Tudo feito!

GUNTHER: Ei, moço! Opa! Me diz uma coisa: pra ganhar um outro destes o que tem que fazer?

Euclides: Só ir lá no Volpato.

GABRIELA: Na loja?

Euclides: Eu acho que no...no...

GUNTHER: No comitê deles? Então tá!

Euclides: (Me deram aqui) (ininteligível)

GUNTHER: Então tá.

GABRIELA: Ah, tá eles ali do comitê?

Euclides: É.

GUNTHER: Tá certo. (….)

Em continuidade a esta diligência, os servidores dirigiram-se até o Comitê do candidato Moacir Volpato, na rua Protásio Alves, nesta cidade, sendo certificado nos seguintes termos: “Chegando ao local, fui informada de que deveria ir até o 2º piso do Comitê e conversar com “Ribeiro”. Assim, disse a esta pessoa de que no Posto Santo Antonio, teria sido informada por um frentista de que poderia conseguir um vale-gasolina no comitê e questionei o que poderia fazer para obtê-lo. Tal pessoa questionou meu nome, onde eu trabalhava, se eu era afiliada ao partido, bem como se possuía veículo. Outrossim, informou que, para conseguir o tal vale, seria necessário colocar um adesivo do candidato Volpato no meu carro e que este adesivo seria fornecido pelo próprio Comitê. (fl. 466) (Grifei.)

Deflui da prova oral produzida, pois, que os servidores do Ministério Público não lograram êxito na obtenção do vale, sendo-lhes exigido, previamente ao abastecimento, a adesivação do automóvel.

Ademais, ainda que tal diligência tenha demonstrado que o abastecimento de combustível não era exclusivo de veículos que trabalhavam para a coligação, não menos correto afirmar a inexistência de contraprestação do voto. A este respeito, a apuração levada a efeito reforça o argumento dos recorrentes no sentido de que, para que alguém fosse beneficiado com o vale, haveria a necessidade de que trabalhasse para a campanha ou adesivasse o carro, circunstância esta que, no máximo, poderia atentar contra a espontaneidade e gratuidade da veiculação de propaganda, mas não, em absoluto, a mercancia do voto.

Outrossim, ad argumentandum tantum, ainda que tivessem, os servidores, recebido o vale, a prova seria inidônea, pois a situação se assemelha ao flagrante preparado, igualmente rechaçado na seara cível, consoante reiterada jurisprudência:

 ELEIÇÕES 2012 - RECURSO - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - ALEGADA CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO – SUPOSTA PRÁTICA DO ART. 41-A DA LEI N. 9.504/1997 - ABUSO DO PODER ECONÔMICO [...]

 SITUAÇÃO EM QUE A PROVA (GRAVAÇÃO DE ENTREGA DE VALE-COMBUSTÍVEL) FOI OBTIDA POR MEIO SEMELHANTE AO FLAGRANTE PREPARADO - ANALOGIA COM O DIREITO PROCESSUAL PENAL - CARACTERIZAÇÃO - INEXISTÊNCIA DE ILÍCITO - SEMELHANÇA AO ENTENDIMENTO SUMULADO PELO STF - AUSÊNCIA DE CONSUMAÇÃO DO FATO TIPÍCO EM RAZÃO DA INSTIGAÇÃO PRETÉRITA DO AGENTE - ILÍCITO IMPOSSÍVEL - VÍCIO DE VONTADE QUE MACULA A CONFIGURAÇÃO DO TIPO.

(Acórdão TRESC n. 27.906, RE n. 677-14, de 11.12.2012, Relator: Dr. LUIZ ANTÔNIO  ZANINI FORNEROLLI.) (Grifei.)

A douta sentença, ademais, considerou demonstrada a entrega de vale-combustível como contraprestação de voto com base no depoimento prestado por ARLEI FELISBERTO BARRETO NUNES. Veja-se o teor da decisão condenatória no tópico:

Disse essa testemunha que: “Durante a última campanha eleitoral a prefeito municipal o declarante ficou sabendo por populares, cujo nome não sabe, por comentários ocorridos no interior de um bar de que nos comitês do candidato a Prefeito Moacir VOLPATO estavam distribuindo vales-combustível. Dessa forma, foi até lá pra ver se recebia. Chegando na frente do comitê do Volpato, localizado na Av. Afonso Pena, ao lado do Banco Santander desta cidade, viu que lá tinha um acúmulo de pessoas. Assim, se aproximou de uma moça loira que possuía vários vales-gasolina nas mãos e falou “preciso de um combustível, dizem que se adesiva a alto vocês conseguem” (sic), ao que a moça respondeu que não tinha problema algum, desde que o declarante se comprometesse a votar no candidato MOACIR VOLPATO e colocar adesivo no carro, o que respondeu que sim, ou seja, efetuou a promessa de votar no candidato. De posse do único Vale-Abastecimento do Posto Santo Antonio, dando direito a abastecer 10 litros de combustível o declarante achando 'errado essa compra de votos entreguei o vale para o CASSIANO' (sic), o qual tomou as providências cabíveis, sendo que no dia posterior, atendendo a um chamado da mocinha da promotoria para prestar depoimento, lá o depoente esteve narrando o fato [...] durante o tempo em que esteve no comitê do Volpato não presenciou a entrega de outros vales-combustível dos Postos Santo Antônio desta cidade. Que não é filiado a nenhum partido político, sendo que não trabalhou para nenhum candidato nas últimas eleições municipais” (fl. 395).

Perante o Ministério Público, ARLEI FELISBERTO BARRETO NUNES prestou idêntico depoimento, registrando que “...recebeu vale-combustível conforme cópia da fl. 06 no dia 23 de setembro (domingo), à tarde, de uma moça loira, que estava na frente do comitê ao lado do Banco Santander, que este comitê é do candidato a prefeito Volpato. Que junto com o vale-combustível também recebeu um adesivo para o carro do candidato Volpato. Esta moça estava junto ao Comitê, distribuindo vale-combustível e possuía vários vales- combustível do Posto Santo Antonio....Diz que não possui filiação partidária, não está trabalhando nas eleições municipais para qualquer partido, coligação ou candidato...” (fl. 310).

Tais declarações, contudo, foram colhidas junto à autoridade policial e ao Ministério Público, ou seja, não foram judicializadas, de forma que não submetidas ao contraditório. Por esta razão, carecem de valor probante, conforme pacífica jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CONDUTA VEDADA AOS AGENTES PÚBLICOS. ART. 73, § 10, DA LEI 9.504/97. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. ART. 22 DA LC 64/90. PROPORCIONALIDADE. FALTA DE GRAVIDADE. PROVIMENTO.

1. Os recorrentes foram condenados pela Corte Regional com fundamento na execução de programa social de distribuição de cestas básicas (arts. 73, § 10, da Lei 9.504/97 e 22 da LC 64/90) e na distribuição de combustível a eleitores na véspera e no dia do pleito (art. 22 da LC 64/90).

2. No tocante à primeira conduta, é incontroverso que o programa social estava previsto em lei municipal e em execução desde 2010, tendo ocorrido somente a majoração dos recursos financeiros empregados para 2012. Ademais, o fato de as cestas básicas terem sido distribuídas por pessoa estranha à administração municipal e a quem não se enquadrava nos requisitos legais não revela, por si só, a existência de ilícito eleitoral, sendo necessários outros elementos de prova que corroborem as assertivas da inicial.

3. Quanto à segunda conduta, as únicas provas que ensejaram a condenação consistiram em depoimento extrajudicial - sem valor probante, a teor da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral - e em requisições de combustível apreendidas pela polícia e desacompanhadas de quaisquer outras circunstâncias que atestem o ilícito.

4. Não se admite condenação a partir de meras presunções e ilações, sob pena de responsabilização objetiva. Precedente.

5. Incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e do art. 22, XVI, da LC 64/90, nos termos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral.

6. Recurso especial eleitoral de Nadir José de Paiva e de Joaquim Machado Sobrinho parcialmente provido, mantendo-se somente a multa pecuniária decorrente da prática da conduta vedada do art. 73, § 10, da Lei 9.504/97.

(RESPE 1323-32.2012.6.09.011, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Sessão de 17.3.2015.) (Grifei.)

Foram invocadas pelo douto sentenciante, também, duas ligações telefônicas interceptadas por ordem judicial (fl. 1.358):

Primeiro, referente ao celular n. 54-99789450, de Cristiano Bueno Fasoli, filho do representado Moacir Volpato e um dos coordenadores da campanha dos representados, consta a seguinte ligação interceptada em 08.10.2012, às 08h52min49seg: “Cristiano conversa com Ribeiro sobre a derrota na eleição. Ribeiro comenta sobre a falsidade das pessoas, pois viu nas fotos do site da Lagoa FM pessoas que pediram gasolina para a coligação de Volpato e estavam na carreata do Getúlio, inclusive com bandeiras. Ainda, falou sobre um vizinho que soltou foguetes e que queria dinheiro, imaginando que ele tenha votado para o Getúlio. Por fim, Cristiano convida Ribeiro para uma reunião que será realizada com todos que trabalharam na campanha, a fim de organizar a estrutura e não deixar nada pendente” (fl. 1.163).

Segundo, referente ao celular n. 54-99789450, de Cristiano Bueno Fasoli, filho do representado Moacir Volpato e um dos coordenadores da campanha dos representados, consta a seguinte ligação interceptada em 18.10.2012, às 14h31min54seg: “Cristiano Boeno Fasoli conversa com o interlocutor sobre os gastos junto ao Posto Ponteio, inclusive sugere que seja feito um parcelamento do valor a ser pago. O interlocutor pede se pode tirar nota fiscal como se fosse óleo diesel. Nesse diálogo conversam, ainda, sobre vales de despesas realizadas junto ao Restaurante Acepipe referente a refeições, mencionando o nome da candidata Cacilda”.

Pois bem. Examinando-se atentamente tais colóquios, três observações merecem destaque: 1- ambas as ligações foram interceptadas posteriormente ao pleito de 2012; 2- a primeira conversa de Cristiano Fasoli (filho do recorrente Moacir Volpato) restringe-se à avaliação das eleições; e 3- a segunda, faz referência a despesas junto ao Posto Ponteio a serem pagas. Ou seja, uma vez mais, nada relevante e que tenha relação com o imputado abuso do poder. Aliás, o Posto Ponteio é estranho àquele em que houve a compra de gasolina (Posto Santo Antônio).

Derradeiramente, a decisão a quo reporta-se à quantidade de votos que teriam sido comprados com 500 vales, procedendo a cálculos hipotéticos acerca do percentual do eleitorado atingido pelo abuso, concluindo pela gravidade da conduta. Concessa maxima venia, tal ilação teria cabimento somente se efetivamente provadas as condutas tidas por abusivas, o que não ocorreu.

Assim, em relação ao abuso de poder econômico, tenho que os elementos de prova carreados aos autos (interceptações telefônicas, diligências, buscas e testemunhos) não lograram minimamente demonstrar a utilização dos vales-combustível como objeto de barganha em troca de votos, merecendo integralmente reforma a sentença para absolver os recorrentes da condenação por abuso do poder econômico.

 

2 - Captação ilícita de sufrágio

O fundamento legal do ilícito em comento encontra-se no artigo 41-A da Lei n. 9.504/97. A norma veda doar, oferecer, prometer ou entregar vantagem pessoal de qualquer natureza. O destinatário é o eleitor. O período de restrição é claro: desde o registro da candidatura até, inclusive, o dia das eleições. A intenção que move a conduta é única: obtenção de votos. Não é preciso que o candidato tenha, pessoalmente, agido, bastando que se denote sua anuência ou concordância com os atos ilegais.

Na particular situação dos autos, o fato descrito como captação ilícita de sufrágio consistiu na entrega de dinheiro (R$ 50,00) e vale-gás a ILDA SALETE PEREIRA DE MATOS em troca de voto nos recorrentes no pleito municipal de 2012.

Importante, desde já, delimitar que a análise da prova se circunscreverá a esse fato, em que pese a douta sentença tenha feito afirmações de que houve a captação ilícita de votos pela entrega de vale-gás e dinheiro aos eleitores e à população em geral. Faz-se tal ressalva, pois é assente que, à configuração da captação ilícita, é indispensável que a vantagem ou benefício de qualquer espécie seja específica, concreta, e se destine a eleitor determinado ou determinável; é necessário que a doação, o oferecimento ou a promessa de bens ou outros benefícios particularizados seja feita pelo candidato ou por terceiros em seu nome; que o oferecimento ou a promessa de vantagem ao eleitor seja praticado com o fim de obter-lhe o voto. Com efeito, para a configuração do ilícito a conduta deve ser dirigida a eleitor determinado ou determinável. Neste passo, é necessário traçar o elemento distintivo entre a captação ilícita de sufrágio - que é vedada - e a promessa de campanha – que, em princípio, é permitida. Quando a conduta é dirigida a pessoa determinada e é condicionada a uma vantagem, em uma negociação personalizada em troca do voto, caracteriza-se a captação ilícita de sufrágio. Diversa é a hipótese de uma promessa de campanha, que é genericamente dirigida a uma coletividade, mas sem uma proposta em concreto como condicionante do voto. (ZILIO, Rodrigo Lópes. Direito Eleitoral. 3. Ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 491).

Dessa forma, passa-se ao exame da suposta captação ilícita do voto de ILDA SALETE PEREIRA DE MATOS, que, ouvida em Juízo como informante, declarou às fls. 1.360 e 1.361:

Procurador: Vou contraditar a testemunha.

Juiz: Passo a palavra.

Procurador: A testemunha, os dois filhos da testemunha trabalharam na campanha pela Coligação Representante e um deles hoje é cargo de confiança da Representante.

Juiz: Nome deles Doutor.

Procurador: É o Elvison Pereira de Matos e o César Antônio de Matos.

Juiz: São seus filhos?

Testemunha: O Paulo César só.

Juiz: E o Elvison?

Testemunha: Não, mas esse não está metido em nada.

Juiz: Mas ele é seu filho?

Testemunha: É filho.

Juiz: Eles trabalharam nas eleições pra uma alguma coligação, partido político, a senhora lembra?

Testemunha: Eu acho que sim né, porque eles são senhor de (…) moram junto comigo, eu acho que sim.

Juiz: Eles trabalharam pra coligação esta que venceu as eleições do Getúlio Cerioli?

Testemunha: É.

Juiz: E um dos seus filhos trabalha agora lá na prefeitura?

Testemunha: De certo trabalha né.

Juiz: A senhora não sabe? Não é seu filho?

Testemunha: Mas eu, ele convive em outro bairro e eu no outro lá eu não sei, não.

Juiz: A senhora não sabe nada sobre a vida dele?

Testemunha: Não.

Juiz: Nada? É seu filho e a senhora não sabe nada?

Testemunha: Ele tá dizendo que trabalha, de certo é porque trabalha né.

Juiz: Eu pergunto pra senhora mais uma vez, a senhora se comprometeu a dizer a verdade. Ele trabalha na Prefeitura, qual é o cargo dele lá.

Testemunha: Mas eu não sei, estou falando que eu não sei qual é o cargo dele.

Juiz: A senhora confirma que eles trabalharam na coligação que venceu a eleição é isso?

Testemunha: Trabalharam, de certo trabalharam né porque umas noite eles saíram fazer segurança.

Juiz: Tendo em vista os fatos informados pelo representado a testemunha não presta compromisso.

Como se percebe, os dois filhos da depoente trabalharam na campanha da coligação adversária, coincidentemente, a demandante do feito. Um deles, inclusive, exercia cargo de confiança na prefeitura, administrada pela representante, vencedora no pleito de 2012. É de rigor, portanto, muita reserva em relação ao depoimento de Ilda.

Acrescente-se a isso uma série de contradições e fragilidades em suas declarações. Quando ouvida pela autoridade policial, disse que a entrega do dinheiro e do vale-gás ocorreu na presença de seu filho (Paulo César Pereira de Matos), que gravou o áudio do ato, posteriormente por ela repassado à Justiça Eleitoral (fl. 1.360). Em Juízo, diversamente, relatou estar sozinha no aludido encontro de entrega da vantagem e não ter ciência de seu filho haver efetuado a gravação da transação (fl. 1.361).

Além disso, o magistrado de primeiro grau concluiu que corroboraria a existência de oferta do vale-gás o depoimento de EVERSON JULIANO REGINATO VOLPATO prestado perante a autoridade policial, uma vez que teria confirmado que efetivamente visitou ILDA. Primeiro, tal declaração foi prestada junto ao órgão policial, sem o crivo do contraditório. Segundo, o fato de o depoente admitir ter comparecido à residência de ILDA não conduz, forçosamente, à conclusão de que até lá tivesse se dirigido para "comprar" voto. Cuida-se de mera ilação, presunção. Ademais, o depoente negou ter entregue o indigitado vale-gás a Ilda, asseverando que essa vantagem era concedida aos funcionários de sua empresa, denominada Physical.

A sentença condenatória também referiu o testemunho de ELUIR PAULO GARBIN, proprietário de empresa que fazia a venda de gás para Physical (de propriedade de Juliano Volpato), como elemento de prova da captação (fl. 1.364):

Assim, como se observa, a empresa de ELUIR efetuou a entrega de pelo menos 70 vales para a empresa de Juliano, sendo, pois, um número considerável de vales, na medida em que não se sabe quantos funcionários trabalhavam na empresa de Juliano. Mesmo assim, registre-se novamente que não há nenhuma prova a comprovar que efetivamente os vales foram entregues por Juliano aos seus funcionários, o que acaba por aumentar a credibilidade dos depoimentos, coerentes e seguros, da testemunha ILDA. Além do que, chama a atenção a declaração da testemunha ELUIR de que cinco dias antes da eleição efetuou a entrega de mais 30 vales para Juliano. Ou seja, considerando que, no mês de setembro, Juliano já havia recebido 40 vales, supondo que tenham sido entregues aos seus funcionários, não há como compreender que já no início de outubro tenha adquirido mais 30 vales com o mesmo objetivo, pois possivelmente os funcionários ainda não teriam usufruído do gás anteriormente adquirido.

Pode ter restado sem explicação razoável a destinação dos vales, mas afirmar que foram usados para mercancia do sufrágio constitui, novamente, suposição.

Quanto ao resultado da busca e apreensão, que resultou na arrecadação de caderno de anotações (fl. 177) no qual constaria que no dia 25.9 fora adquirido vales-gás com numeração de n. 6.621 a 6.660, e que justamente o de n. 6.627 teria sido o que Ilda reconheceu como entregue a ela para a compra de voto, é possível constatar que Ilda, em juízo, não reconheceu o vale como sendo aquele que lhe foi entregue (fl. 1.362):

Juiz: Pela representante Perguntas, Doutor?

Procurador: Só se ela reconhece o vale de folhas cento e doze, se é o que foi entregue a ela.

Juiz: A senhora me diz se lembra se era esse vale que lhe entregaram ou a senhora não lembra. É parecido, não é parecido. Não é esse.

Testemunha: É, não sei, eu sei que ele me representa que ele tinha falado que era lá do Garbin, mas tá escrito aqui não sei porque eu pouco enxergo.

Juiz: A senhora não sabe informar então com certeza se era esse vale?

Testemunha: Não, mas eu sei que eu entreguei o vale do bujão. (Grifei.)

Nessa perspectiva, a reflexão sobre o cenário posto nos autos revela, quando muito, a existência de meros indícios, que, a toda evidência, não são assaz numerosos ou consideráveis para amparar o juízo condenatório. Ainda que o artigo 131 do Código de Processo Civil preconize a livre apreciação da prova, esta prova deve constar dos autos. Ademais, doutrina e jurisprudência são pacíficas ao reclamar, para a caracterização da captação ilícita de sufrágio, a demonstração cabal, robusta e incontroversa da ocorrência do especial fim de agir destinado à compra do voto. Nesse sentido, colaciono precedentes dessa Corte e do TSE:

Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Suposta captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico. Eleições 2012. Alegada distribuição ilícita de combustíveis. Improcedência da demanda no juízo originário.

Acervo probatório insuficiente a corroborar a distribuição ilícita de combustível. Demonstrado que a entrega de combustível foi para cabos eleitorais e simpatizantes dos candidatos representados - situação que afasta a caracterização da captação ilícita de sufrágio.

Não comprovada a compra ou negociação de votos - elemento imprescindível para a caracterização do ilícito.

Inexistência de elementos que indiquem a distribuição de combustível de forma a configurar o alegado abuso de poder econômico.

Circunstâncias não revestidas de gravidade suficiente para afetar o equilíbrio entre os candidatos e a normalidade do pleito.

Provimento negado.

(TER-RS, RE 297-67.2012.6.21.0042, Relator Dr. LEONARDO TRICOT SALDANHA, julgado em 01 de agosto de 2013.) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2006. DEPUTADO ESTADUAL. REPRESENTAÇÃO. ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/97. PROCEDÊNCIA. CASSAÇÃO. MANDATO. AUSÊNCIA DE PROVA CABAL. CONDENAÇÃO AFASTADA. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Para a configuração da captação de sufrágio, malgrado não se exija a comprovação da potencialidade lesiva, é necessário que exista prova cabal da conduta ilícita, o que, no caso em exame, não ocorre.

2. Na linha dos precedentes desta Corte Superior, não são admitidos como prova depoimentos colhidos em inquérito policial sem observância do contraditório e da ampla defesa.

3. O conteúdo probatório dos autos é insuficiente para comprovar a captação ilícita de sufrágio.

4. Recurso ordinário provido para afastar a condenação imposta ao recorrente. Agravo regimental desprovido.

(TSE - Agravo Regimental no Recurso Ordinário N. 3293824-94.2006.6.06.0000 – Classe 37 – Fortaleza – Ceará - Relator: Ministro Marcelo Ribeiro – Acórdão de 24 de abril de 2012, Agravante: Ministério Público Eleitoral Agravado: Francisco Leite Guimarães Nunes.) (Grifei.)

 

RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. ELEIÇÕES 2006. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/97. DESCARACTERIZAÇÃO. DEPUTADO FEDERAL. CANDIDATO. OFERECIMENTO DE CHURRASCO E BEBIDA NÃO CONDICIONADO À OBTENÇÃO DO VOTO.

1. Para a caracterização da captação ilícita de sufrágio, é necessário que o oferecimento de bens ou vantagens seja condicionado à obtenção do voto, o que não ficou comprovado nos autos.

2. Não obstante seja vedada a realização de propaganda eleitoral por meio de oferecimento de dádiva ou vantagem de qualquer natureza (art. 243 do CE), é de se concluir que a realização de churrasco, com fornecimento de comida e bebida de forma gratuita, acompanhada de discurso do candidato, não se amolda ao tipo do art. 41-A da Lei nº 9.504/97.

3. Recurso contra expedição de diploma desprovido.

(Recurso Contra Expedição de Diploma n. 766, Acórdão de 18.3.2010, Relator Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 10.05.2010, Página 20.) (Grifei.)

Por outro lado, como restou examinado quanto ao abuso do poder econômico, por meio de distribuição de combustível em troca de voto, não há prova que vincule dita distribuição a pedido expresso ou implícito de votos. No caso dos autos, a prova sequer dimensiona exatamente a quantia de combustível distribuída, com que finalidade teriam sido entregues os vales, tampouco para quem (se para cabos eleitorais ou eleitores e mesmo sob qual pretexto), o que inviabiliza a análise da conduta sob o viés do abuso do poder econômico.

Trago, por fim, precedente recente do TSE, que bem sintetiza a matéria altercada no presente caso:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. VEREADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E ABUSO DO PODER ECONÔMICO. DESPROVIMENTO.

1. Consoante a atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a licitude da prova colhida mediante interceptação ou gravação ambiental pressupõe a existência de prévia autorização judicial e sua utilização como prova em processo penal.

2. A prova testemunhal também é inviável para a condenação no caso dos autos, tendo em vista que as testemunhas foram cooptadas pelos adversários políticos dos agravados para prestarem depoimentos desfavoráveis.

3. As fotografias de fachadas das residências colacionadas aos autos constituem documentos que, isoladamente, são somente indiciários e não possuem a robustez necessária para comprovar os ilícitos.

4. A condenação pela prática de captação ilícita de sufrágio ou de abuso do poder econômico requer provas robustas e incontestes, não podendo se fundar em meras presunções. Precedentes.

5. Agravo regimental desprovido. (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 92440, Acórdão de 02.10.2014, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 198, Data 21.10.2014, Página 74.) (Grifei.)

Assim, à míngua de acervo probatório contundente, VOTO pelo provimento do recurso de MOACIR VOLPATO e ANTONIO VALDECIR LUZ FÁVARO, a fim de julgar improcedente a ação de investigação judicial eleitoral, absolvendo-os da condenação por prática de abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio, bem como das respectivas sanções a que foram condenados.

 

Dr. Leonardo Tricot Saldanha:

Solicito vista dos autos, Senhor Presidente.

 

(Os demais membros aguardam o voto-vista.)