RC - 287 - Sessão: 04/11/2015 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em processo-crime eleitoral interposto por RENATO INDART RAMOS contra decisão do Juiz Eleitoral da 44ª Zona, que julgou procedente a denúncia oferecida contra o recorrente pelos delitos de inscrição fraudulenta de eleitor, previsto no art. 289 do Código Eleitoral, uso de documento falso, tipificado no art. 304 do Código Penal, e fraude de lei sobre estrangeiro, previsto no art. 309 do Código Penal, para condenar o recorrente pela prática dos seguintes fatos, assim descritos na denúncia:

1° fato:

Na data de 07 de janeiro de 2010, em hora ainda não determinada, mas durante o horário de expediente do Cartório Eleitoral da 44ª Zona Eleitoral, situado na Rua Pinheiro Machado, n° 2382, Centro, neste Município, o denunciado RENATO INDART RAMOS inscreveu-se fraudulentamente eleitor, junto ao Cartório da 44ª Zona Eleitoral, em Santiago/RS, obtendo o título eleitoral n° 104732880418.

Na ocasião, o denunciado, fazendo uso de uma certidão de nascimento falsificada em nome de Paulo Roberto Moyses Alvarez, com data de nascimento de 11/05/1953, inscreveu-se eleitor junto ao Cartório Eleitoral de Santiago, tendo firmado requerimento de alistamento eleitoral, consoante cadastro constante na fl. 42 dos autos.

Posteriormente, no dia 29 de março de 2011, o denunciado obteve a segunda via do título eleitoral em nome de Paulo Roberto Moyses Alvarez, conforme cópia da fl. 43 dos autos.

2° fato:

Na data de 20 de março de 2011, por volta de 00h10min, na Delegacia de Polícia em Santiago, situada na Rua Barão do Ladário, n° 1476, Centro, neste Município, o denunciado RENATO INDART RAMOS fez uso de documentos públicos falsificados, em nome de Paulo Roberto Moyses Alvarez quando de sua apresentação na Delegacia de Polícia para confecção do TC 118/2011/152308-B.

Na ocasião, o denunciado foi preso em flagrante por posse de drogas e apresentou documentação em nome de Paulo Roberto Moyses Alvarez.

Foram apreendidos com o denunciado a certidão de nascimento n° 16.977, da Comarca de Santana do Livramento, com data de nascimento de 11.05.1953 (fl. 24); o título eleitoral n° 104732880418; dois comprovantes de votações, de primeiro e segundo turno do ano de 2010; certificado de alistamento eleitoral e CPF n° 032.990.270-93, documentos estes em nome de Paulo Roberto Moyses Alvarez, consoante Auto de Apreensão de fl. 22 dos autos.

Ao realizar-se consulta de indivíduo junto ao Sistema de Consultas Integradas, da SSP-RS, verificou-se que a data de nascimento de Paulo Roberto Moyses Alvarez consta como sendo 11/05/1983 (fl. 25).

A pessoa indicada como mãe de Paulo Roberto Moyses Alvarez na certidão de nascimento, Roselaine Ramos Moyses, quando ouvida na Delegacia de Polícia, declarou não possuir filho algum com o nome de Paulo Roberto Moyses Alvarez. Afirmou, ainda, que não conhecer Valdir Alvarez, o qual consta como pai de Paulo Roberto (fl. 60).

Consoante a certidão de nascimento da fl. 57, Paulo Roberto Moyses Alvarez, nascido em 11/05/1953, é filho de Roselaine Ramos Moyses, o que é impossível, pois, além, da negativa de Roselaine, há o fato de ela ter nascido em 10/08/1966 ( cópia do R na fl. 61).

O denunciado utilizou-se da certidão de nascimento falsificada (2ª via na fl. 57) para falsificar e fazer uso dos outros documentos, tais como CPF, RG e título eleitoral.

3° Fato:

Desde a data ainda não precisada, provavelmente 19 de setembro de 2008, até o momento, o denunciado RENATO INDART RAMOS, estrangeiro, usa, para permanecer no território nacional, nome que não é seu.

O denunciado, que é uruguaio, permanece no território nacional usando o nome de Paulo Roberto Moysez Alvarez, consoante já narrado nos dois primeiros fatos delituosos, sendo que, como Paulo Roberto, inclusive, já restou recolhido ao presídio local.

A denúncia foi recebida no dia 14 de janeiro de 2013 (fl. 145) e o denunciado foi citado e apresentou defesa prévia por meio de defensor nomeado pelo juízo (fls. 153 e 163-169).

Realizada a instrução (fls. 203-204, 241-242 e 247), as partes apresentaram alegações finais.

Na sentença (fls. 266-281 v.), o juízo considerou comprovada a inscrição fraudulenta como eleitor, pois o acusado utilizou-se de certidão de nascimento de terceira pessoa para obter seu registro eleitoral. Consignou estar demonstrado também o uso de documento falso pelo réu quando foi detido por policiais civis, estando de posse, ainda, de diversos documentos em nome de Paulo Roberto Moyses Alvarez. Entendeu estar caracterizado também o delito de fraude de lei sobre estrangeiro, tendo em vista que o réu se valeu de nome falso para permanecer no território nacional. Em razão do concurso material entre os três delitos, condenou o acusado à pena de 07 anos e 03 meses de reclusão, a ser inicialmente cumprida em regime semiaberto, e a 30 dias-multa, à razão de 1/30 do salário-mínimo vigente ao tempo dos fatos.

Em suas razões recursais, RENATO INDART RAMOS (fls. 294-298) afirmou ser inadequado o concurso material de crimes, devendo incidir sobre o caso a figura do crime continuado. Alegou não ter praticado os fatos que lhe são imputados. Argumentou ter havido erro por parte do serviço eleitoral, o qual não adotou as cautelas mínimas para evitar a emissão indevida de documento. Aduziu não ter fraudado a eleição, tendo solicitado o título eleitoral com a única finalidade de permanecer em território nacional. Alegou desconhecer as leis brasileiras. Requereu a incidência do crime continuado ou a absorção de todos os delitos pelo tipo do art. 289 do Código Eleitoral. Subsidiariamente, requereu que o cumprimento da pena se dê no regime inicial aberto.

Com as contrarrazões (fls. 300-306v.), nesta instância os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pela incompetência da Justiça Eleitoral para o julgamento dos crimes comuns e a condenação do recorrente nas penas do crime eleitoral (fls. 310-317v.).

É o breve relatório.

 

 

VOTO

1. Tempestividade

O recurso é tempestivo. O recorrente foi intimado da sentença em 26 de maio de 2015 (fl. 282) e o recurso foi interposto no dia 03 de junho (fl. 293), dentro, portanto, do prazo de dez dias estatuído no artigo 362 do Código Eleitoral.

2. Preliminar

Preliminarmente, há uma questão atinente à competência da Justiça Eleitoral a ser analisada.

O recorrente foi processado e julgado pela prática, em concurso material, de três fatos delituosos: (a) inscrever-se fraudulentamente como eleitor, na data de 07 de janeiro de 2010, mediante a obtenção de registro com nome de Paulo Roberto Moyses Alvarez, conduta tipificada no artigo 289 do Código Eleitoral; (b) fazer uso de documento falso, na data de 20 de março de 2011, mediante a apreensão de documentação variada, também em nome de Paulo Roberto Alvarez, conduta prevista no artigo 304 do Código Penal e; (c) fraude de lei sobre estrangeiro, pois desde 2008 o acusado, uruguaio, usa nome que não é seu para garantir sua permanência no Brasil, comportamento tipificado no art. 309 do Código Penal.

Dentre os crimes que lhe foram imputados, apenas o primeiro, inscrição fraudulenta como eleitor, possui natureza eleitoral, pois o bem jurídico tutelado, a regularidade do cadastro eleitoral, é de interesse direto da Justiça Eleitoral e está previsto no Código Eleitoral.

Os demais crimes imputados ao recorrente somente serão da competência desta Justiça especializada quando conexos com o delito eleitoral, por força do artigo 78, IV, do Código de Processo Penal:

Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras:

IV - no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta.

As hipóteses de conexão, por sua vez, estão previstas no art. 76 do mesmo diploma legal:

Art. 76. A competência será determinada pela conexão:

I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;

II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;

III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

O deslocamento da competência por força da conexão, como reconhecem a doutrina e a jurisprudência, possui a finalidade de assegurar um julgamento uniforme de fatos vinculados, como se extrai da lição de Fernando da Costa Tourinho Filho:

A conexão existe quando duas ou mais infrações estiverem entrelaçadas por um vínculo que aconselha a junção dos processos, propiciando, assim, ao julgador perfeita visão do quadro probatório e, de consequência, melhor esclarecimento dos fatos, de todos os fatos, de molde a poder entregar a prestação jurisdicional com firmeza e justiça (Processo Penal. Volume 2 - 35ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013)

Também nesse sentido é a lição de Eugênio Pacelli e Douglas Fischer:

Em relação a fatos conexos, ela [reunião dos processos] se justifica para o fim de aproveitar-se, senão as provas dos fatos em apuração, mas, quando nada, de circunstâncias, motivações, e outros elementos, objetivos e subjetivos, que permitam uma visualização mais ampla da materialidade e das respectivas autorias dos delitos (Comentários ao Código de Processo Penal, 5ª ed., 2013, p. 175)

Como provocam, entretanto, a alteração do juiz natural, as hipóteses de modificação da competência devem ser interpretadas de forma restritiva, admitindo-se o processamento e julgamento conjunto de delitos distintos apenas quando as infrações tiverem um mesmo nexo fático e as provas estiverem intimamente ligadas, a ponto de ser imprescindível a apreciação conjunta dos fatos para assegurar a uniformidade das decisões.

É o que se extrai dos seguintes julgados:

HABEAS CORPUS. ART. 180 DO CÓDIGO PENAL E ART. 28 DA LEI N.° 11.343106. CONEXÃO PROBATÓRIA OU INSTRUMENTAL. INOCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. O Paciente foi preso em flagrante conduzindo uma motocicleta produto de furto, ocasião em que foi localizada e apreendida consigo uma trouxinha de cocaína. 2. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça entende que, verificada a inexistência do vínculo jurídico entre os dois crimes, apta a determinar a reunião dos processos, a mera ocorrência, em uma mesma circunstância, de tais delitos não configura hipótese de conexão, pois, na espécie dos autos, um crime ou sua prova não é elementar do outro, não se vislumbrando a existência da relação de dependência entre os delitos. 3. Outrossim, não há falar em conexão, porquanto as circunstâncias fáticas e probatórias da primeira conduta descrita não influem no julgamento da segunda, sendo inaplicável o disposto no art. 76, inciso III, do Código Penal. 4. Ordem concedida para declarar o Juízo de Direito da 1. 1 Vara Criminal da Circunscrição Judiciária de Brasília/DF como o competente para processar e julgar a ação penal relativa ao crime disposto no art. 180 do Código Penal, bem como uma das Varas do Juizado Especial Criminal do Distrito Federal para conhecer do crime previsto no art. 28 da Lei n.° 11.343106.

(STJ, HC 168.317/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 18.10.2010.)

 

PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO, QUADRILHA, DESOBEDIÊNCIA E MOEDA FALSA. CONEXÃO. NÃO OCORRÊNCIA. DESMEMBRAMENTO DO FEITO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA APRECIAÇÃO APENAS DO DELITO DE MOEDA FALSA. 1. A conexão ocorre quando a situação fática se enquadrar em alguma das hipóteses previstas no art. 76 do Código de Processo Penal. 2. Inexiste a conexão quando as condutas são absolutamente distintas, não havendo nenhuma relação de dependência probatória, ainda que o autor dos delitos seja a mesma pessoa ou tenham sido descobertos na mesma circunstância temporal. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da Vara e Juizado Especial de Joaçaba - SJ/SC, ora suscitado, p ra processar e julgar apenas o crime de moeda falsa. (STJ, CC 107.606/SC, 3 a Seção, Rel. Mm. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 7.5.2010.)

Na hipótese dos autos, não se verificam justificativas para a conexão dos três delitos imputados ao acusado, pois as circunstâncias que aproximam os fatos criminosos são meramente acidentais, periféricas, sendo desnecessário o seu julgamento conjunto.

Note-se que os delitos imputados ao recorrente foram praticados em circunstâncias de tempo absolutamente distintas: a única infração da competência desta Justiça especializada, a inscrição fraudulenta como eleitor, foi cometida em janeiro de 2010. Por sua vez, o uso de documento falso foi perpetrado em março de 2011 e a fraude de lei sobre estrangeiro já vinha sendo praticada desde 2008, conforme a denúncia.

Ademais, ao descrever o uso de documento falso, a denúncia afirmou que o acusado portava uma série de documentos falsificados, além do título de eleitor. Diante dessa evidência, o documento eleitoral sequer pode ser tido como essencial ou imprescindível para a prática dos demais delitos a ele imputados, pois era apenas mais uma ferramenta, entre outras, para esconder a real identidade do agente.

Os fatos, portanto, foram praticados em circunstâncias de tempo e modo absolutamente distintas, não estando caracterizada a conexão entre os crimes comuns e a infração eleitoral, motivo pelo qual deve ser reconhecida a nulidade da sentença quanto ao julgamento dos crimes dos artigos 304 e 309 do Código Penal. Não havendo conexão com o crime eleitoral, deve-se encaminhar cópia dos autos ao juízo federal com jurisdição sobre o município de Santiago, por ser de sua competência o julgamento da fraude de lei sobre estrangeiro, conforme pacífica jurisprudência:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. ARTIGOS 309, CAPUT, 304 E 299 DO CÓDIGO PENAL. INÉPCIA DA EXORDIAL. PRESCRIÇÃO PARCIAL DA PRETENSÃO PUNITIVA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO CONFIGURADO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE. EMENDATIO LIBELLI. CONDENAÇÃO MANTIDA. 1. Declarada a inépcia da denúncia em relação à conduta do artigo 299 do Código Penal, a acusada resta absolvida do referido delito. 2. Prescrição dos fatos ocorridos antes de 18-8-2001, tendo em vista que o acréscimo decorrente da continuidade delitiva não pode ser considerado para fins de cálculo do prazo prescricional, nos termos Súmula 497 do Supremo Tribunal Federal. 3. Inexistem nos autos quaisquer elementos tendentes a comprovar a tese de que teria a apelante praticado os delitos para preservar sua vida, razão pela qual deve ser rejeitada a alegação. 4. O uso de identificação falsa é conduta gravosa, que coloca em risco a fé pública nacional. 5. O artigo 2º do Código de Processo Penal estabelece a aplicabilidade imediata da lei processual penal, de modo que a efetivação da emendatio libelli não viola o princípio da irretroatividade da lei penal.

(TRF4, ACR 2005.71.10.003392-3, Oitava Turma, Relator Gilson Luiz Inácio, D.E. 10.01.2013.)

 

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. INQUÉRITO. DELITO EM TESE DE FRAUDE DE LEI SOBRE ESTRANGEIRO E USO DE DOCUMENTO FALSO EM CONTINUIDADE DELITIVA.COMPETÊNCIA FIRMADA PELA PREVENÇÃO. 1. Uma vez que se admita que o fato ocorrido em Foz do Iguaçu se amoldaria ao disposto no artigo 309 do Código Penal, a competência para processo e julgamento dos crimes em comento é do MM. Juízo Federal do Recife/PE, por força da regra descrita no artigo 78, II, "a", do Código de Processo Penal, pois a pena cominada para o crime tipificado no artigo 304 c/c o artigo 297 do Código Penal é mais severa do que aquela cominada para o delito do art. 309 do CP. 2. No entanto, caso se entenda que a conduta se subsume ao crime descrito no artigo 304 c/c o artigo 297 do Código Penal, a competência ainda pertence ao MM. Juízo Federal do Recife/PE em decorrência da aplicação do disposto no artigo 78, inciso II, "c", do CPP porquanto a prevenção daquele MM. Juízo Federal é inequívoca, eis que o Juízo suscitante somente veio a conhecer dos fatos em razão do recebimento destes autos e seus apensos. 3. Conflito conhecido para determinar competente o suscitado, Juízo Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de Pernambuco.

(STJ, CC 89296, Rel. Min. Og Fernandes, DJ: 18.12.2008.)

A remessa de cópias deve se dar, inclusive, para o juízo federal avaliar eventual conexão entre as condutas tipificadas nos artigos 304 e 309 do Código Penal que justifique o julgamento conjunto das duas imputações por aquele juízo.

3. Mérito

No mérito, resta o julgamento da inscrição fraudulenta como eleitor pelo acusado, conduta tipificada no art. 289 do Código Eleitoral:

Art. 289. Inscrever-se fraudulentamente eleitor.

Pena - Reclusão até cinco anos e pagamento de cinco a 15 dias-multa.

Está demonstrado que o réu Renato Indart Ramos utilizou-se de certidão de nascimento falsa para alistar-se com o nome de Paulo Roberto Moyses Alvarez. Tanto os documentos apreendidos em posse do acusado na data de 20 de março de 2011 (fl. 47), quanto o requerimento de alistamento eleitoral (fl. 68) em nome de terceira pessoa evidenciam a tipicidade de sua conduta.

Ademais, a falsidade se mostra evidente também porque consta na certidão de nascimento apresentada pelo acusado a data de nascimento de 11.5.1953 (fl. 49), mas a pessoa indicada no referido documento como sendo sua genitora nasceu em 10.8.1966 (fl. 61), e consulta ao banco de dados da Secretaria de Segurança aponta o verdadeiro Paulo Roberto Alvarez como nascido em 11.5.1983 (fl. 50).

Os fatos, inclusive, foram admitidos pelo réu em seu interrogatório, tal como descrito na sentença (fl. 267v.):

O réu RENATO INDART RAMOS, em Juízo, referiu que a certidão de nascimento é verdadeira e que pertence a um primo do declarante, o qual reside na Comarca de Santana do Livramento. Relatou que quando decidiu residir em Santiago, ficou temeroso que lhe mandassem retornar para seu país de origem. Disse que era muito maltratado pelos pais do declarante. Que sua avó forneceu a certidão de nascimento de seu primo, o qual era deficiente. Acrescentou que trouxe o documento e que começou a providenciar a documentação brasileira. Disse que foi até o Cartório Eleitoral, apresentou a certidão de nascimento e conseguiu a confecção do titulo de eleitor. Afirmou que estava “até hoje com esses documentos”. Disse que os documentos são todos verdadeiros. Mencionou que não conhecia as leis brasileiras. Referiu que tudo o que fez foi em razão de ter sido influenciado pela sua ex-companheira, a qual queria que o declarante permanecesse no Brasil. Por fim, disse que desde o ano de 2004 estava no Brasil, usando os documentos do primo do declarante e apresentava como sendo Paulo Roberto Moyses Alvarez (fl. 205).

Portanto, a materialidade e autoria do delito estão devidamente demonstradas.

O recorrente, em sua irresignação, alega que jamais teve o intuito de fraudar o processo eleitoral, obtendo o documento com o único propósito de atender exigências de emprego.

As alegações não merecem prosperar, pois, dentre os documentos apreendidos, foram recolhidos dois comprovantes de votações, primeiro e segundo turno do ano de 2010, em nome de Paulo Roberto Moyses Alvarez (fl. 47), evidenciando que a identidade falsa foi empregada também para participar da eleição. Esta circunstância deixa claro que a inscrição fraudulenta teve efetiva repercussão na esfera eleitoral, afastando a alegação defensiva.

Alega o recorrente, ainda, o desconhecimento das leis vigentes no país, por ser uruguaio. Não prospera o argumento, pois as circunstâncias demonstram que o acusado tinha pleno conhecimento do caráter ilícito de sua conduta, apresentando documento adulterado para obter inscrição eleitoral evidentemente falsa, em nome de terceira pessoa. Mesmo o acusado sendo estrangeiro, tinha pleno conhecimento da ilicitude de sua conduta, não podendo alegar o desconhecimento da lei para furtar-se de seu cumprimento, nos expressos termos do art. 21 do Código Penal.

Argumenta também ter havido culpa concorrente do Estado, por ter conferido título eleitoral ao acusado como se brasileiro fosse quando é evidente a sua origem uruguaia. Não prospera a alegação recursal, pois inúmeros motivos poderiam induzir um nacional a ter dificuldades com a língua pátria, tal como residir, desde criança, em outro país. Ademais, tão logo foi evidenciada a fraude, o Estado adotou providências para fazer cessar a conduta do acusado.

Dessa forma, caracterizadas materialidade e autoria, e afastadas quaisquer hipóteses de exclusão da ilicitude e da culpabilidade, correta a imposição ao acusado das sanções previstas no artigo 289 do Código Eleitoral.

Ocorre que o juízo sentenciante, na dosimetria da pena, reconheceu a presença de uma única circunstância judicial – maus antecedentes –, mas aplicou ao recorrente a pena máxima prevista para o tipo, 05 anos de reclusão, em evidente afronta à proporcionalidade da sanção penal.

Dessa forma, sendo desfavorável ao réu apenas uma circunstância judicial, do artigo 59 do Código Penal, a pena-base deve ser fixada em 1 ano e 3 meses de reclusão em regime aberto. Como o acusado admitiu, em seu interrogatório, ter realizado a inscrição eleitoral em nome de terceira pessoa, a pena intermediária deve ser reduzida para o mínimo legal, de 1 ano, por força da incidência da atenuante da confissão (art. 65, III, 'd', do CP), tornando-se definitiva por inexistirem causas de aumento e diminuição da pena.

Da mesma forma, a pena de multa deve ser fixada em seu mínimo legal, 05 dias-multa, tendo em vista que as circunstâncias não justificam sua majoração.

A pena privativa de liberdade é substituída por restritiva de direitos, nos termos do art. 44 do Código Penal, consistente na prestação de serviços à comunidade em instituição a ser definida pelo juízo da execução.

Por todo o exposto, VOTO, preliminarmente, por declarar a nulidade da sentença quanto ao julgamento dos fatos 02 e 03 da denúncia e, no mérito, pelo parcial provimento do recurso, para condenar o acusado à pena de 1 ano de reclusão, e 5 dias-multa, à razão de 1/30 do salário-mínimo, substituindo-se a pena privativa por restritiva de direitos, nos termos do voto.

Encaminhem-se cópias dos autos ao Juízo Federal com competência sobre o Município de Santiago, para julgamento do fato 03 descrito na denúncia e análise de sua eventual conexão com o delito descrito no fato 02 da mesma peça.

 

Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz: Entendo que possa ser caso de conexão objetiva teleológica. Todavia, com essa ressalva, acompanho o voto do relator.