RP - 12552 - Sessão: 19/10/2015 às 17:00

RELATÓRIO

O Ministério Público Eleitoral ofereceu representação em face do PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO – PSB, por veicular sua propaganda partidária, no primeiro semestre de 2015, sem destinar o tempo mínimo para a promoção da participação feminina na política, consoante determina o art. 45, IV, da Lei n. 9.096/95 (fls. 02-09v.). O órgão ministerial também juntou documentos às fls. 10-29.

Notificado, o partido apresentou defesa (fls. 37-44). Em preliminar, arguiu a ilegitimidade ativa do Ministério Público Eleitoral. Quanto ao mérito, aduziu que cumpriu integralmente a determinação da lei, tendo em vista a necessidade de ser computada no tempo da propaganda da Deputada Liziane Bayer a reprise da frase Essa é a cara do novo Brasil, cuja duração de 3 (três) segundos, multiplicada pelo número de vezes em que a mesma peça foi ao ar, a saber, 8 (oito) vezes, completa o percentual determinado em lei.

Encerrada a instrução, as partes foram intimadas para apresentarem alegações finais, ocasião em que o MPE defendeu a sua legitimidade para a propositura da ação e, quanto ao mérito, combateu a tese da defesa, aduzindo que a fala Essa é a cara do novo Brasil aparece em todas as propagandas, independentemente do gênero do candidato (fls. 51-56). Já o representado contra-argumentou que o fato de a referida frase ser utilizada em outras peças publicitárias não a exclui do filme analisado (fls. 58-60).

É o relatório.

 

 

 

VOTO

Preliminar de ilegitimidade ativa

O partido representado invocou a ilegitimidade ativa para a causa do Ministério Público Eleitoral, sob o fundamento de que o teor do art. 45, § 3º, da Lei n. 9.096/95 determina que a representação em foco somente poderá ser oferecida por partido político.

Com efeito, o teor da referida Lei, cuja redação foi alterada pela Lei n. 12.034/09, assim diz:

§ 3º A representação, que somente poderá ser oferecida por partido político, será julgada pelo Tribunal Superior Eleitoral quando se tratar de programa em bloco ou inserções nacionais e pelos Tribunais Regionais Eleitorais quando se tratar de programas em bloco ou inserções transmitidos nos Estados correspondentes.

Contudo, o texto legal acima transcrito foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n. 4617), cuja decisão do STF resultou no emprego da interpretação conforme a Constituição Federal, para o fim de atribuir legitimidade concorrente aos partidos políticos e ao MPE para a propositura da ação em caso:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO ELEITORAL. PROPAGANDA PARTIDÁRIA IRREGULAR. REPRESENTAÇÃO. LEGITIMIDADE. ART. 45, § 3º, DA LEI Nº 9.096/95. DIREITO DE ANTENA. ART. 17, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO. ESTREITA CONEXÃO COM PRINCÍPIOS DEMOCRÁTICOS. MORALIDADE ELEITORAL. IGUALDADE DE CHANCES ENTRE OS PARTIDOS POLÍTICOS (CHANCENGLEICHHEIT DER PARTEIEN). DEFESA DAS MINORIAS. LEGITIMIDADE INAFASTÁVEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A DEFESA DA ORDEM JURÍDICA, DO REGIME DEMOCRÁTICO E DOS INTERESSES SOCIAIS INDISPONÍVEIS. ARTIGOS 127 E 129 DA CONSTITUIÇÃO. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.

(...)

5. A legitimidade do Ministério Público para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais indisponíveis, não pode ser verberada, máxime diante da normativa constitucional insculpida nos artigos 127 e 129 da Constituição.

6. O dispositivo que restringe a legitimidade para a propositura de representação por propaganda partidária irregular afronta múltiplos preceitos constitucionais, todos essencialmente vinculados ao regime democrático. Doutrina (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 324; CÂNDIDO, Joel. Direito Eleitoral brasileiro. 14ª ed. Bauru: Edipro, 2010. p. 71).

7. A representação de que trata o art. 45, § 3º, da Lei nº 9.096/95 pode ser ajuizada por partido político ou pelo Ministério Público, mercê da incidência do art. 22, caput, da Lei Complementar nº 64/90, verbis: “Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar (…) utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político”. Exclui-se, nessas hipóteses, a legitimidade de candidatos e coligações, porquanto a propaganda partidária é realizada fora do período eleitoral.

8. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 45, § 3º, da Lei nº 9.096/95, estabelecendo a legitimidade concorrente dos partidos políticos e do Ministério Público Eleitoral para a propositura da reclamação de que trata o dispositivo.

(STF – ADI 4617 – Relator Min. LUIZ FUX – Órgão Julgador: Tribunal Pleno – DJe-029 DIVULG 11.02.2014 PUBLIC 12.02.2014.)

Com esses fundamentos, afasto a prejudicial suscitada.

Mérito

No Processo PP 3-73, julgado por este Tribunal em 16.12.2014, foi concedido ao PSB o tempo de 20 (vinte) minutos para veicular, no primeiro semestre de 2015, sua propaganda partidária gratuita em rádio, e igual tempo para a veiculação na televisão.

O art. 45, IV, da Lei n. 9.096/95 determina:

Art. 45. a propaganda partidária gratuita, gravada ou ao vivo, efetuada mediante transmissão por rádio e televisão será realizada entre as dezenove horas e trinta minutos e as vinte e duas horas para, com exclusividade:

(…)

IV – promover e difundir a participação política feminina, dedicando às mulheres o tempo que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 10% (dez por cento).

(Grifei.)

Assim, o representado deveria ter destinado 2 (dois) minutos de seu tempo total, em cada veículo, para o atendimento do dispositivo supracitado.

Consoante demonstrado na Tabela de Inserções Estaduais – Propaganda Partidária 2015 (fl. 14) e no Plano de Mídia (fl. 16), o tempo total destinado a cada meio de comunicação – 20 (vinte) minutos, ou 1.200 (mil e duzentos) segundos – foi distribuído em quatro datas (13, 15, 17 e 20 de abril do corrente ano), com duração diária total de 5 (cinco) minutos – 300 (trezentos) segundos. Esse tempo diário, por sua vez, foi dividido em dez inserções de 30 (trinta) segundos, cada.

Para a propaganda partidária de televisão, foram produzidos cinco vídeos, os quais, portanto, foram retransmitidos duas vezes em cada um dos quatro dias, totalizando oito veiculações distintas do mesmo comercial.

Já para a propaganda partidária de rádio, foram produzidos cinco spots, igualmente retransmitidos duas vezes em cada uma das datas acima elencadas, totalizando, assim, oito veiculações distintas para cada uma das peças radiofônicas de publicidade.

Importa, aqui, analisar o conteúdo das mídias inquinadas de mácula. Para tanto, valho-me da transcrição das inserções acostadas pelo representante nas fls. 10 a 13, bem como das mídias acostadas na fl. 29.

Dentre os vídeos, apenas um dos comerciais, intitulado “Recursos e Mulher”, trata do tema feminino. Nessa peça, após a fala do Deputado Federal José Stédile sobre a concentração de recursos pelo governo federal, a Deputada Estadual Liziane Bayer fala:

O PSB defende o mínimo de 30% de mulheres em cargos públicos. Precisamos vencer o preconceito e contribuir para uma nova política. Essa é a cara do novo Brasil.

Encerra o VT com a repetição da última frase como slogan da propaganda partidária, mediante a superposição das vozes de diversos narradores a dizerem: Essa é a cara do novo Brasil. A imagem que acompanha essa parte do áudio é a da logomarca do partido, no centro da tela, e, logo abaixo dela, a frase em questão, ao mesmo tempo em que é narrada, vai sendo escrita.

Quanto aos spots, é a peça identificada como “psb _stedile_e_liziane.mp3” que alude ao tema, reproduzindo, com as adaptações necessárias ao diferente meio de comunicação, o teor do comercial de vídeo. Assim, após a fala do Deputado Federal Stédile, ouve-se a voz da Deputada, dizendo:

Sou a Deputada Estadual Liziane Bayer, do PSB. O nosso partido defende o mínimo de 30% de mulheres em cargos públicos. Mais mulheres na política. Essa é a cara do novo Brasil.

Encerra a peça de áudio a fala de um só locutor, dizendo, em altura destacada: PSB.

Na sequência, em tom mais baixo, entra a narração de diversos locutores: Essa é a cara do novo Brasil.

É precisamente nessa última frase, proferida por vozes simultâneas, que reside o cerne da celeuma contida nestes autos.

Ocorre que sem o cômputo dessa frase, o percentual preconizado pela lei (10%), em outras palavras, os 120 (cento e vinte) segundos que deveriam ser usados na promoção da participação feminina na política, não é atingido. A fala da deputada, repetida por oito vezes em cada meio de comunicação (duas vezes por dia, em quatro dias, tanto no rádio quanto na televisão), possui a duração de 12 (doze) segundos, o que totalizaria 96 (noventa e seis) segundos em cada veículo. Somente com a contabilização da narração da frase de encerramento – a qual dura três segundos – é que se atinge o tempo determinado em lei, pois assim se completam 15 (quinze) segundos, os quais, repetidos por oito vezes, somam 120 (cento e vinte) segundos – ou dois minutos.

Alegou o MPE que a frase de encerramento não deve ser computada, pois nada diz com o tema a que se deve destinar o uso do tempo determinado pelo art. 45, IV, da Lei n. 9.096/95. Ademais, afirmou que a frase é utilizada em todas as peças publicitárias, o que evidencia não ter por objeto o assunto determinado na lei.

Já o PSB afirmou que o fato de a frase ser repetida não a exclui da peça em análise e que ela apenas reforça os dizeres da Deputada Estadual Liziane Bayer, estando, portanto, atrelada àquela fala, razão pela qual entende ter cumprido a obrigação legal.

Tenho que razão assiste ao representante.

A fala da deputada, em sua totalidade, não faz referência direta à promoção da participação das mulheres na política. Porém, em vista de defender o espaço feminino e de ter a apresentação dessa ideia feita por uma mulher detentora de cargo eletivo, pode ser aceita como uma forma de incentivo ao sentido resguardado pela legislação, atendendo implicitamente, portanto, ao comando em caso. Entretanto, tal fala está restrita ao tempo de 12 segundos, o que não atinge o tempo mínimo legal. Já a frase de encerramento, proferida pelos narradores, por outro lado, não atende sequer implicitamente ao disposto na Lei.

A frase, em si, não se vincula nem à participação da mulher na política nem a nenhum dos temas apresentados na propaganda partidária em análise. Na verdade, ela constitui o slogan da propaganda do PSB, estando presente no encerramento de todas as peças publicitárias criadas para a grei representada. Seu propósito geral fica claro tanto no vídeo, pois vem acompanhado da logomarca do partido, quanto no áudio, ocasião em que é separada da fala da deputada para ser colada na narração marcante do nome da agremiação, constituindo, ambas as narrações – a da frase e a do nome do partido – um só enunciado: PSB, essa é a cara do novo Brasil.

Sobre o ponto, trago o conceito referido pelo prof. Breno Brito acerca dos elementos de um anúncio publicitário:

Slogan: Frase concisa que caracteriza um produto ou campanha. É curta e marcante. Tem como característica ser fácil de entender e de fixar na mente do consumidor. Tem que ser direto, sem rodeios, e capaz de fazer com que o leitor se recorde da marca, do produto, ou da campanha que ele representa. Exemplos clássicos de slogans são os da Nike (Just do it), Bayer (Se é Bayer, é bom), C&A (Abuse e use, C&A), Skol (A cerveja que desce redondo). (Grifei.)

(In:http://www.brenobrito.com/files/dir_arte-apostila06__elementos_do_anuncio.pdf)

Assim, não há como ser contabilizada a frase slogan da campanha, que nada diz com relação ao tema reclamado pela legislação, na integralização do tempo destinado à promoção e à difusão da participação política feminina, razão pela qual a propaganda em caso deve ser considerada irregular.

Desse modo, assente que a grei descumpriu o preceito instituído no art. 45, IV, da Lei n. 9.096/95, tenho que deve a ela ser aplicada a penalidade insculpida no § 2º, II, do mencionado dispositivo, no semestre seguinte, consoante os termos estritos da lei:

§ 2o O partido que contrariar o disposto neste artigo será punido:

I - (…)

II - quando a infração ocorrer nas transmissões em inserções, com a cassação de tempo equivalente a 5 (cinco) vezes ao da inserção ilícita, no semestre seguinte. (Grifei.)

Nesse sentido, é a jurisprudência:

Representação. Irregularidade na propaganda partidária veiculada em inserções estaduais.

Ausente promoção da participação da mulher na política em descumprimento à regra do art. 45, IV, da Lei n. 9.096/95. Cassação do tempo a que faz jus o partido, no semestre seguinte, equivalente a cinco vezes o da veiculação ilícita.

Julgaram procedente a representação.

(RP n. 1214-47.2014.6.21.0000, Relator Des. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, p. DJE n. 185 pg. 02, de 14.10.2014.)

No caso, o PSB fez jus ao tempo de 20 (vinte) minutos de propaganda partidária no rádio e igual tempo na televisão (fl. 19v.). Assim, deveria ter destinado 02 (dois) minutos de sua propaganda, em cada veículo de comunicação, para a promoção da participação feminina na política. Aplicando-se o teor do § 2º supramencionado, a agremiação deve perder, no semestre seguinte ao trânsito em julgado desta decisão (TRE/RS – RP 124-67 – Rel. DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ – J. Sessão de 04.8.2015), tanto nas propagandas partidárias veiculadas em rádio quanto nas veiculadas em televisão, 10 (dez) minutos do tempo a que fará jus em cada um desses meios de comunicação.

Diante do exposto, afastada a prefacial de mérito, VOTO pela procedência da representação com a consequente perda de 10 (dez) minutos do tempo destinado às inserções estaduais de propaganda partidária em rádio e 10 (dez) minutos do tempo destinado às inserções estaduais de propaganda partidária em televisão a que fará jus o Partido Socialista Brasileiro – PSB no semestre seguinte ao trânsito em julgado desta decisão.