INQ - 6868 - Sessão: 02/12/2015 às 17:00

RELATÓRIO

A PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL requer o arquivamento do presente inquérito policial, instaurado pela Polícia Federal para apurar a suposta prática dos delitos tipificados nos arts. 299, 300 e 348 do Código Eleitoral por GETÚLIO CERIOLI, Prefeito de Lagoa Vermelha, o que atraiu a competência deste Tribunal, nos termos do art. 29, inc. X, da CF c/c o art. 84 do CPP e o enunciado da Súmula n. 702 do STF.

O inquérito foi concluído e relatado sem indiciamento (fls. 146-147).

Em cumprimento à diligência complementar solicitada pela Procuradoria Regional Eleitoral (fl. 149), foi colhido o depoimento de testemunha (fl. 153), seguindo-se a promoção de arquivamento do feito, fundada na ausência de provas, com a ressalva do disposto no art. 18 do CPP e no enunciado da Súmula n. 524 do STF (fls. 156-158).

É o relatório.

 

VOTO

O presente inquérito policial foi instaurado a partir de termos de declaração remetidos pela Promotoria de Justiça de Lagoa Vermelha à Procuradoria Regional Eleitoral, dando origem à notícia de fato n. 1.04.100.000029/2014-72, posteriormente encaminhada a este Tribunal, que determinou a instauração de inquérito policial em face de Getúlio Cerioli, Prefeito do referido município, para a apuração da possível prática dos crimes descritos nos arts. 299, 300 e 348 do Código Eleitoral durante as eleições de 2012 (fl. 22v).

Com relação ao primeiro fato, que, em princípio, configuraria o tipo do art. 300 do Código Eleitoral (“Valer-se o servidor público da sua autoridade para coagir alguém a votar ou não votar em determinado candidato ou partido”), consta do depoimento de Fábio Mezzomo – a partir do qual as investigações foram iniciadas – que ele e seu irmão, Fernando Mezzomo, teriam sido coagidos a fazer campanha para Getúlio Cerioli, candidato à reeleição ao cargo de prefeito no pleito de 2012. Fernando teria sido, inclusive, exonerado de cargo em comissão da prefeitura de Lagoa Vermelha em novembro do mesmo ano, por recusar-se a fazê-lo (fls. 11-13).

Fernando Mezzomo depôs no mesmo sentido, narrando que participou da campanha uma única vez, vindo a ser posteriormente exonerado do cargo em virtude da sua recusa em prosseguir atuando na campanha. Referiu que todos os servidores municipais exercentes de cargos em comissão ou funções comissionadas eram obrigados a fazer campanha para Getúlio Cerioli, indicando Anama Durante Reche como servidora que poderia confirmar seu depoimento (fls. 19-20).

Contudo, Anama Durante Reche, coordenadora de vigilância de saúde à época do fato, não ratificou o depoimento de Fernando. Contrariamente, disse desconhecer a ocorrência de irregularidades durante o pleito de 2012 e ter sido exonerada em novembro desse ano, em virtude de reestruturação administrativa (fl. 41).

Getúlio Cerioli, por sua vez, negou o fato, dizendo que as exonerações foram motivadas pela nova composição administrativa e pela necessidade de contenção de despesas, mencionando que Fernando Mezzomo foi atingido pelas medidas adotadas pela prefeitura mesmo sendo filiado ao seu partido, o Partido Democrático Trabalhista – PDT (fl. 39).

No termo de declarações de Jean Bitencourt, procurador do município de Lagoa Vermelha, não há referência à alegada coação de servidores públicos (fl. 48).

Portanto, os depoimentos de Fábio e Fernando Mezzomo não foram corroborados pelas demais testemunhas ouvidas durante as investigações. Ainda, é relevante ponderar que os depoentes são irmãos de Marcelo Mezzomo, o qual foi assessor jurídico de Moacir Volpado, adversário político de Getúlio Cerioli nas eleições de 2012 (fl. 108), circunstância que impede que as declarações de Fábio e Fernando sejam consideradas isentas e imparciais com relação aos interesses típicos da disputa eleitoral.

Assim, como sustenta a Procuradoria Regional Eleitoral, os depoimentos colhidos na fase investigativa não indicam que Getúlio Cerioli tenha se valido da sua condição de autoridade para coagir servidores públicos para nele votar na eleição municipal majoritária de 2012. E, uma vez inexistente indício mínimo da ocorrência de coação, que é elemento nuclear do tipo do art. 300 do Código Eleitoral, torna-se inviável o oferecimento de denúncia criminal sob esse fundamento.

No que pertine ao segundo fato, embora pudesse ensejar, conforme entendimento da Procuradoria Regional Eleitoral, a incidência dos arts. 299 e 348 do Código Eleitoral – os quais tipificam, respectivamente, os crimes de compra de votos e de falsificação total ou parcial de documento público, ou alteração de documento público verdadeiro, para fins eleitorais –, também não há prova suficiente da autoria e materialidade dos delitos.

Fábio Mezzomo narrou que Sirlei Savicki, assistente social do município, teria sido obrigada por Morgana Barreto a adulterar pareceres sociais, com o intuito de ampliar a liberação de exames médicos durante o período eleitoral e, com isso, obter votos para Getúlio Cerioli (fls. 19-20).

Durante o inquérito policial, foram ouvidas as assistentes sociais Sirlei Savicki (fl. 37) e Elici Vendramin (fl. 153). A primeira afirmou ter recebido ordens de Jean Bitencourt (procurador do município) para emitir pareceres sociais favoráveis à autorização de exames médicos durante o período eleitoral e, ao resistir em proceder dessa forma, Jean determinou que ingressasse em férias, sendo, então, substituída por Elici Vendramin. Mas Elici não confirmou o fato, dizendo não recordar ter sofrido pressão de seus superiores quanto à emissão dos pareceres.

Além disso, a documentação juntada nas fls. 50-145 é decisiva para o arquivamento do inquérito quanto ao segundo fato, pois demonstra que o acréscimo do número de autorizações de exames médicos (especialmente tomografias e ressonâncias magnéticas) e de pareceres sociais favoráveis à concessão desses exames não foi decorrente de atos abusivos ou ilegais praticados pelo investigado com fins eleitorais durante o pleito de 2012.

Segundo o juiz eleitoral da 28ª Zona de Lagoa Vermelha, ao julgar improcedente a RP n. 439-16, ajuizada pela Coligação Lagoa Pode Mais, adversária de Getúlio Cerioli, o aumento de exames e pareceres sociais teve como causas as condições climáticas e surto da gripe A no estado, bem como o termo de ajustamento de conduta, firmado entre a prefeitura e o Ministério Público em 20.6.2012 (fls. 55-58), com o objetivo de cessar prática corrente de encaminhamento dos usuários dos serviços públicos de saúde a estabelecimentos privados para a realização de exames, procedimentos ou consultas particulares com descontos, assim como o rateio de despesas médicas com esses usuários (fls. 65-81).

Esta Corte confirmou a sentença de improcedência da ação ao julgar o RE n. 439-16, em 22.5.2014, afastando a prática de conduta vedada ou abuso de poder político por Getúlio Cerioli e demais representados (fls. 96-104), encontrando-se os autos, atualmente, no TSE para apreciação de agravo interposto contra decisão que inadmitiu recurso especial, de acordo com consulta realizada ao Sistema de Acompanhamento de Documentos e Processos (SADP) em 28.8.2015.

Em seus depoimentos, Getúlio Cerioli (fl. 39) e Jean Bitencourt (fl. 48) mencionaram o termo de ajustamento de conduta, relatando os fatos e expondo justificativas de forma coerente entre si.

Assim, a prova coletada é frágil e não se mostra suficiente para embasar a propositura de ação penal contra Getúlio Cerioli pelo cometimento dos delitos previstos nos arts. 299, 300 e 348 do Código Eleitoral, impondo-se, via de consequência, o arquivamento do feito.

DIANTE DO EXPOSTO, acolho a promoção da Procuradoria Regional Eleitoral e determino o arquivamento do inquérito policial, ressalvados os termos do art. 18 do CPP e do enunciado da Súmula n. 524 do STF.