RE - 29242 - Sessão: 25/02/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (fls. 824-842) contra a decisão do Juízo Eleitoral da 140ª Zona – Coronel Bicaco, que julgou improcedente representação por ele ajuizada contra ELAINE DE ALMEIDA SILVA, FLÁVIO ANTÔNIO DA SILVA, JOÃO PEDRO FAREZIN, ÉLSON BUENO MARTINS, ROBERTO ZANELA, JOÃO CARLOS CARVALHO DA COSTA, JURANDIR DA SILVA e COLIGAÇÃO FRENTE POPULAR MUNICIPALISTA (PDT/PT/PMDB/PPS/PSB/PCdoB), por ofensa ao art. 73, § 10º, da Lei n. 9.504/97.

Na sentença (fls. 809-814), o juízo de primeiro grau julgou improcedente a representação, ao argumento de caracterizada a exceção prevista no § 10º do art. 73 da Lei n. 9.504/97, que autoriza a distribuição gratuita de bens quando o programa social estiver autorizado em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

Em suas razões recursais, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (fls. 824-842) sustenta que ficou demonstrada a configuração da conduta vedada e que não se perfectibilizou a exceção disposta no § 10º do art. 73 da Lei das Eleições, pois não restou provado que o programa social estava em execução orçamentária no exercício anterior ao ano da eleição.

Com as contrarrazões, foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral que opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

Saliento que os representados Jurandir da Silva e a Coligação Frente Popular Municipalista não apresentaram contestação, entretanto, sabido que o efeito material da revelia não se verifica, pois a matéria posta versa sobre direitos indisponíveis (art. 320, II, CPC). Nesse sentido, a RP n. 4221-71, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 3.11.2011.

Ao mérito propriamente dito.

Os autos versam sobre o cometimento da conduta vedada prevista no art. 73, § 10º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

§ 10º No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Grifei.)

Como se percebe da dicção legal, é proibido à Administração Pública distribuir gratuitamente bens, valores ou benefícios em ano eleitoral, salvo em três hipóteses: a) calamidade pública; b) estado de emergência; c) programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

De outro vértice, a distribuição vedada independe de se revestir de caráter promocional de candidatura. Ou seja, o legislador estabeleceu uma presunção objetiva de quebra da paridade entre os candidatos, fundamentalmente porque é regra da experiência comum que a retribuição do favor recebido – seja através de bem, valor ou benefício – é concretizada através do voto destinado a quem proporcionou a distribuição ou outrem por ele indicado. Conforme o TSE, a conduta vedada do art. 73, § 10º, da LE resta configurada ainda que a distribuição de bens não tenha caráter eleitoreiro (Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 12.165 – Rel. Arnaldo Versiani – j. 19.8.2010). (ZÍLIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 4.ed., p. 589-590).

Então, à caracterização da conduta vedada é dispensável a prova de ter ou não havido promoção de candidatura.

Quanto a programas sociais, como decorre do texto legal, apenas se inserem na exceção aqueles que estejam previstos em lei e em execução orçamentária desde o exercício anterior ao ano eleitoral.

Traçadas essas considerações, passa-se ao caso sob análise.

A inicial aduz que ROBERTO ZANELA, FLÁVIO ANTÔNIO DA SILVA e JOÃO CARLOS CARVALHO DA COSTA (na época, Prefeito de Coronel Bicaco, Secretário Municipal de Assistência Social e Secretário Municipal de Obras, respectivamente) distribuíram, com fins eleitorais, madeiras beneficiadas extraídas do corte de eucaliptos da Barragem João Sampaio Amado, localizada no Distrito Campo Santo, a várias pessoas carentes do município, durante o ano das eleições municipais de 2012, para favorecer as candidaturas de JURANDIR DA SILVA e JOÃO PEDRO FAREZIN, que concorriam aos cargos de prefeito e vice-prefeito, e as candidaturas ao cargo de vereador de ELAINE DE ALMEIDA SILVA e ÉLSON BUENO MARTINS, todas vinculadas à COLIGAÇÃO FRENTE POPULAR MUNICIPALISTA.

O ponto controvertido é estabelecer se o programa social que previa a distribuição de madeiras estava em execução orçamentária no exercício anterior ao ano eleitoral, pois a efetiva distribuição das madeiras a inúmeras pessoas e a autorização em lei do programa social são questões incontroversas.

Com efeito, as Leis Municipais n. 1782/06 e 1932/07 e Decretos n. 038/06 e 039/06 (fls. 35-49), que instituíram a Política Municipal de Assistência Social, estabeleceram a possibilidade de ser concedido, às pessoas necessitadas, material para construção, reforma ou recuperação de moradia própria (art. 5º, I, da Lei 1.782/06).

Em 25 de abril de 2011, o Município de Coronel Bicaco firmou convênio com a CEEE, visando à revitalização de área junto à Barragem João Amado, com o objetivo de implementar Plano de Manejo e Construção de Cercas, mediante permuta por eucaliptos. Ou seja, as madeiras retiradas passaram a integrar o patrimônio da Municipalidade, para serem aproveitadas na construção e recuperação de casas populares de pessoas de baixa renda (fls. 21-25)

Em 29 de junho de 2012, o município obteve a licença ambiental para proceder à retirada de 570 exemplares de eucaliptos (fl. 26), seguindo-se a contratação da empresa Osmar Dal Mulin para realizar o serviço de corte, transporte e beneficiamento da madeira, em 23 de julho de 2012 (fls. 364-365).

Desde então, como muito bem pontuado pelo parecer ministerial, os serviços entraram em execução, consoante se depreende das informações emitidas pela Secretaria Municipal da Agricultura às fls. 349 e 354. Nesses documentos, a Secretaria Municipal de Agricultura informa que, ao fazer o acompanhamento do manejo da derrubada das espécies, constatou que, em 15.8.2012, aproximadamente 15% das árvores já haviam sido derrubadas (fl. 349), e que, em 25.9.2012, todas as árvores de porte de tora já haviam sido retiradas do local da barragem, enquanto diversos metros cúbicos de lenha e galhos ainda permaneciam espalhados por todo o terreno (fl. 354).

Ao analisar a documentação juntada aos autos, verifiquei que, durante todo o ano de 2011 (fls. 567-625 e 633-662), a municipalidade havia doado cerca de 85 dúzias de madeira de eucalipto e 3 “corte de casa”, além de tábuas, ripas, matajuntas e caibros. No auge do período eleitoral, em especial no mês de agosto, entretanto, os recorridos doaram cerca de 31 dúzias de tábuas de madeira além de 8 “corte de casa 5x6”.

A propósito, chama a atenção os documentos das fls. 50 a 71, todos contendo concessões de madeiras no mês de agosto de 2012.

Ficou também comprovado que a distribuição desses bens não foi precedida de vistoria nas residências, conforme determina o § 2º do art. 5º da Lei n. 1.782/06, que estabelece a política municipal de assistência social (fl. 72).

Essas questões, ainda que indiciárias, revelam que os recorridos desprezaram o regramento legal, tudo na ânsia pela obtenção de dividendos eleitorais aos candidatos que apoiavam.

De qualquer sorte, o que importa no presente feito é examinar se o programa social, além de previsto em lei, estava em execução orçamentária no exercício anterior ao ano eleitoral. Somente a perfectibilização desse binômio torna a conduta lícita.

Nesse tópico, o douto magistrado a quo entendeu que os documentos das fls. 385-662 e o depoimento testemunhal da assistente social do município comprovariam que o programa estava em execução orçamentária antes de 2012, a despeito de não ter sido comprovada a reserva de recursos na lei orçamentária anual, que deixou de ser acostada aos autos.

Divirjo do entendimento.

Sabido que a matéria concernente à execução orçamentária é pautada pelo princípio da legalidade, ínsito no art. 167, I, da Constituição Federal, que veda o início de qualquer programa ou projeto não incluído na lei orçamentária. Execução orçamentária é o processo que consiste em programar e realizar despesas, levando-se em conta a disponibilidade financeira da Administração e o cumprimento das exigências legais.

Na espécie, em se tratando de programa social que deveria estar em execução orçamentária em 2011, por óbvio, a lei contendo a previsão orçamentária deveria ter sido editada em 2010, que não veio ao processo, aliás, em nenhum momento sequer é mencionado qual seria a legislação pertinente.

Os documentos das fls. 385 a 662, constituídos por notas fiscais, notas de empenho, requerimentos dos benefícios, não satisfazem o requisito de lei orçamentária específica, muito menos o depoimento da aludida assistente social.

Veja-se que as ressalvas postas no § 10º do art. 73 da Lei n. 9.504/97 devem ser interpretadas restritivamente, já que a regra é a vedação de distribuição de bens em ano eleitoral, justamente com o intuito de restringir a participação dos agentes públicos no processo eleitoral.

Como muito bem pontuou o ilustre procurador eleitoral, a configuração da exceção prevista não dispensa a inequívoca demonstração da previsão orçamentária específica no ano eleitoral, sendo que os autos carecem dessa prova, não havendo sequer notícias do quantum reservado em lei para atendimento do programa.

A jurisprudência do TSE é firme nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONDUTA VEDADA. DISTRIBUIÇÃO DE BENS, VALORES E BENEFÍCIOS EM PERÍODO VEDADO. RESSALVA DO ART. 73, § 10º, DA LEI Nº 9.504/97. AUTORIZAÇÃO EM LEI E EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA NO EXERCÍCIO ANTERIOR. REQUISITOS. MULTA. RAZOABILIDADE. AGRAVOS PARCIALMENTE PROVIDOS.

1. A instituição de programa social mediante decreto ou por meio de lei, mas sem execução orçamentária no ano anterior ao ano eleitoral não atende à ressalva prevista no art. 73, § 10º, da Lei nº 9.504/97.

2. Para a configuração da conduta vedada do art. 73, § 10º, da Lei n 9.504/97 não é preciso demonstrar caráter eleitoreiro ou promoção pessoal do agente público, bastando a prática do ato ilícito. Precedente.

3. Em atenção ao princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, deve ser reduzido o quantum da multa aplicada.

4. Agravos regimentais parcialmente providos apenas para reduzir o valor da multa de cem mil para dez mil UFIRs.

(Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 36.026 (42072-81.2009.6.00.0000, Rel. Ministro Aldir Passarinho Júnior, julgado em 31 de março de 2011). (Grifei.)

Resta caracterizada, portanto, a conduta vedada prevista no art. 73, § 10º, da Lei n. 9.504/97.

Cumpre analisar a responsabilidade de cada um dos recorridos, ou seja, ROBERTO ZANELA, que era o Prefeito de Coronel Bicaco, FLÁVIO ANTÔNIO DA SILVA, Secretário Municipal de Assistência Social, JOÃO CARLOS CARVALHO DA COSTA, Secretário Municipal de Obras, todos esses na condição de agentes públicos que administravam e “liberavam” as madeiras aos munícipes, assim como a participação dos candidatos JURANDIR DA SILVA e JOÃO PEDRO FAREZIN aos cargos da eleição majoritária e ÉLSON BUENO MARTINS e ELAINE DE ALMEIDA SILVA aos cargos da eleição proporcional, todos pela COLIGAÇÃO FRENTE POPULAR MUNICIPALISTA, que representava a continuidade da Administração Municipal.

No ponto, a fim de evitar desnecessária tautologia, colho no bem lançado parecer ministerial, as razões de decidir quanto à responsabilidade dos demandados, ora recorridos:

No que tange à responsabilidade, ficou comprovado que os representados ROBERTO ZANELA, FLÁVIO DA SILVA e JOÃO CARLOS DA COSTA utilizaram-se de seus cargos, para efetuar a distribuição gratuita dos materiais, em período eleitoral, com o intuito de beneficiar as referidas candidaturas. Vejamos:

Infere-se que o Prefeito e os Secretários tiveram participação direta nos fatos, aquele autorizando as doações e estes executando-as, em período eleitoral, o que foi comprovado pelo acervo documental anexado aos autos, assim como corroborado pelas testemunhas.

Nesse aspecto, cumpre fazer remissão aos documentos das fls. 380-662 e aos depoimentos das testemunhas/informantes Pedro Jesus Miranda de Oliveira (fls. 246-252), Maria Sinelei de Almeida (fls. 256-260), Getúlio Cortes Bueno (fls. 211v.-214v.), Elissandro Delfino Briato (fls. 260-265v.), Silvane Busato Lima (fls. 219v.-222v.) e Cibele Cristiane Santos Guerra (fls. 271v.-218), especialmente aos trechos transcritos no recurso do MPE.

Quanto à prova documental, as diversas “ordens” de doação dadas no ano eleitoral partiam predominantemente do Prefeito, autorizando a distribuição das tábuas; passavam, após, pelo Secretário de Ação Social, junto ao qual as “ordens” eram escrituradas; e, por fim, pelo Secretário de Obras, que liberava a saída das madeiras do estoque da Secretaria Municipal de Obras para os beneficiários.

O mesmo vem corroborado pelo conteúdo dos testemunhos. Com relação aos depoimentos, observa-se que a testemunha Pedro Jesus Miranda de Oliveira (fls. 246-252) referiu que, em agosto de 2012 – ou seja, durante o período da campanha eleitoral –, soube que a Prefeitura de Coronel Bicaco estava distribuindo madeiras beneficiadas à população. Tendo interesse em receber os materiais para construir um “galpãozinho” em sua propriedade, procurou o Prefeito ROBERTO ZANELA, que se pôs de acordo com a doação e o orientou a fazer um cadastro na Assistência Social, o qual, de fato, realizou. Disse que na Pasta da Assistência Social, que já estava ciente da prévia “autorização” do Prefeito, o Secretário FLÁVIO DA SILVA destinou a doação de 4 (quatro) dúzias de tábuas beneficiadas ao depoente. Tal “ordem” foi entregue à Secretaria de Obras, de responsabilidade do representado JOÃO CARLOS DA COSTA, sendo, então, entregues os materiais à testemunha.

A testemunha Maria Sinelei de Almeida (fls. 256-260) asseverou que seu companheiro, Sebastião de Lima, pediu as madeiras para o Prefeito ROBERTO ZANELA, que lhe autorizou a concessão, via cadastro junto à Assistência Social. Confirmou tê-las recebido em agosto de 2012, sem que ninguém da Prefeitura aferisse a necessidade e a posterior aplicação dos materiais, por meio de vistoria em sua residência.

O depoente Getúlio Cortes Bueno (fls. 211v.-214v.), funcionário na Secretaria de Obras na época dos fatos, confirmou a distribuição das madeiras à população carente do município durante o período eleitoral de 2012, bem como que as “ordens”, autorizando a Secretaria de Obras a efetuar as entregas, vinham do Prefeito, por meio da Secretaria de Assistência Social.

O depoente Elissandro Delfino Briato (fls. 260-265v.), autor da notícia-crime apresentada à Promotoria de Justiça Eleitoral, esclareceu em Juízo que, no ano de 2012, era fato conhecido entre os eleitores que a Administração Municipal, com o auxílio das Secretarias Municipais de Assistência Social e de Obras, estava distribuindo madeiras beneficiadas à população, com intuito eleitoral.

A assistente social Silvane Busato Lima (fls. 219v.-222v.) declarou que, ao retornar de sua licença-maternidade em meados de agosto de 2012, estava em curso a doação das madeiras da barragem à população necessitada.

A informante Cibele Cristiane Santos Guerra (fls. 271v.-218), responsável da Secretaria de Assistência Social pelo cadastramento de pessoas carentes, confirmou que, no período eleitoral de 2012, houve a distribuição das madeiras da barragem. Recordou que, em outras situações, também houve a entrega desses materiais, mas em situações climáticas específicas, como enchentes e temporais, o que não ocorreu na época eleitoral de 2012. Acrescentou que a Secretaria não seguia um programa específico para a distribuição das madeiras, sendo que as entregas davam-se conforme os comandos que vinham da Prefeitura.

Outrossim, em suas defesas, os representados ROBERTO ZANELA, FLÁVIO DA SILVA e JOÃO CARLOS DA COSTA afirmaram que executaram as doações.

Portanto, o conjunto dos depoimentos evidencia que o Prefeito e os Secretários, de fato, estiveram, pessoalmente, à frente das demandas relacionadas ao programa, aquele especialmente como ordenador, e estes como executores.

Assim, tendo domínio direto sobre os fatos, devem os mesmos ser responsabilizados por esse Egrégio Tribunal, na medida de sua participação.

Com relação aos representados JURANDIR DA SILVA, JOÃO PEDRO FAREZIN, ÉLSON BUENO MARTINS e ELAINE DE ALMEIDA, ficou comprovada sua participação na condição de beneficiários da conduta vedada, devendo ser responsabilizados na forma do art. 73, § 8º, da Lei n. 9.504/97.

No caso em tela, o estreito vínculo dos representados ROBERTO ZANELA, FLÁVIO DA SILVA e JOÃO CARLOS DA COSTA com os demais, seja em razão política, seja em razão familiar, como no caso de FLÁVIO DA SILVA e ELAINE DE ALMEIDA (marido e mulher) constitui forte evidência de que o aumento considerável do número de doações em período eleitoral tratou-se de estratégia para obter votos e manter os correligionários no poder. Tanto assim que ÉLSON BUENO MARTINS e ELAINE DE ALMEIDA foram eleitos vereadores.

Observe-se que, embora a configuração do ilícito prescinda da demonstração do caráter eleitoreiro, no caso em tela, a existência desse elemento demonstra que a conduta vedada praticada teve como objetivo beneficiar as referidas candidaturas.

Como bem ressaltou o MPE, a presença incontestável do caráter eleitoreiro, em benefício de JURANDIR DA SILVA, JOÃO PEDRO FAREZIN, ÉLSON BUENO MARTINS e ELAINE DE ALMEIDA, restou evidenciada nos autos por meio do seguinte conjunto de elementos:

(a) Os trabalhos de extração de madeira e posterior distribuição à população ocorreram em pleno decorrer do período eleitoral;

(b) No decurso de 2011, a Municipalidade doou aproximadamente 85 (oitenta e cinco) dúzias de madeira de eucalipto e 3 (três) cortes de casa, além de tábuas, ripas, mata-juntas e caibros, à população carente (fls. 567-625 e 633-662). Já, de 31/07/2012 a 18/08/2012, a articulação estabelecida entre o Prefeito e os Secretários resultou na doação de mais de 33 (trinta e três) dúzias de madeira e 08 (oito) cortes de casa (fls. 464-476, 480-482, 484-488 e 558). Isso significa que, em pouco mais de quinze dias, aproveitando-se do auge do período eleitoral de 2012, a Municipalidade distribuiu: mais de 38,8% das dúzias de madeira doadas durante todo o ano de 2011; e aumentou em 266% as doações de cortes de casa em comparação ao volume doado em todo o ano de 2011;

(c) A desproporcionalidade dos números acima, sem qualquer justificativa razoável por parte dos requeridos, ressalta o propósito de produzir reflexos positivos no pleito daquele ano, em favor dos candidatos da COLIGAÇÃO FRENTE POPULAR MUNICIPALISTA, apoiados pela Administração da época;

(d) Tal desproporção é agravada na medida em que não foi comprovada a inclusão do custo das doações em lei orçamentária previamente aprovada. A lei orçamentária garantiria se tratar de ação planejada pelo Município; sua ausência, entretanto, demonstra que a ação foi realizada ao alvedrio dos gestores;

(e) Cumpre frisar que o propósito de angariar votos também ficou evidenciado no depoimento testemunhal. Conforme a testemunha Pedro Jesus Miranda de Oliveira, em anos passados ele havia realizado pedido de doação análogo à Prefeitura, mas que não lhe foi concedido, o que somente veio a ocorrer no período eleitoral de 2012. A testemunha Teresa Eroni Chaves de Oliveira (fls. 252v.-255v.), esposa da testemunha Pedro Jesus Miranda de Oliveira, prestou declarações no mesmo sentido, confirmando as declarações deste e acrescentando que ambos vinham solicitando tábuas para a construção do referido “galpãozinho”, desde a administração anterior, mas que nunca tiveram resultado em sua reivindicação;

(f) Como constatado pela Secretaria Municipal de Agricultura, em 15/08/2012, aproximadamente 15% das árvores da barragem já haviam sido derrubadas (fl. 349), e, em 25/09/2012, todas as árvores de porte de tora já haviam sido retiradas do local da barragem, enquanto diversos metros cúbicos de lenha e galhos ainda permaneciam espalhados por todo o terreno (fl. 354). Isso demonstra, com a clareza necessária, que a prioridade da Administração não era executar os serviços de maneira homogênea, e sim extrair as árvores e beneficiar as madeiras ainda em período eleitoral, com a perspectiva de obter resultado mais favorável nas urnas;

(g) Da mesma forma, a distribuição do material não foi precedida de vistoria aos interessados, desconsiderando-se, portanto, o disposto no art. 5º, I, c/c o § 2º, da Lei n. 1.782/2006, bem como no art. 6º, I, c/c o § 3º, do Decreto n. 38, o que aponta, mais uma vez, para o interesse da Administração em dar agilidade às entregas antes das eleições. A ausência de vistoria foi confirmada nos depoimentos de Pedro Jesus Miranda de Oliveira e Maria Sinelei de Almeida Delfino, testemunhas essas que receberam doações no período eleitoral (fls. 246-252 e 256-260);

(h) A representada ELAINE DE ALMEIDA SILVA foi Secretária de Assistência Social de Coronel Bicaco/RS durante a gestão do Prefeito ROBERTO ZANELA, tendo se afastado do cargo para concorrer à vereadora no Município.

Em lugar desta na Secretaria, no intuito de sua imagem continuar vinculada às ações da Assistência Social e de angariar melhores resultados nas urnas, estrategicamente assumiu seu marido, o também representado FLÁVIO DA SILVA. Assim como consta nas alegações das partes, a testemunha Andréia Aparecida da Silva Oliveira (fls. 208-209v.), que trabalhou para a campanha a vereadora da representada ELAINE DE ALMEIDA SILVA, confirmou que esta, além de esposa do Secretário de Assistência Social FLÁVIO DA SILVA, precedeu-o na titularidade da respectiva Pasta;

(i) Da mesma forma, foi reconhecida nos autos a utilização do caminhão de Edson Antônio Bueno Martins, irmão do candidato ÉLSON BUENO MARTINS, para efetuar a realização da entrega de algumas doações. A esse propósito, as testemunhas Juliano Santos da Silva e Sandra Maria da Silva (fls. 225v.-229v.), beneficiários das doações, confirmaram o recebimento das madeiras, via cadastramento junto a Assistência Social, mas que o frete não foi custeado pelo Poder Público, tendo os depoentes contratado, mediante pagamento, o Sr. Edson Antônio Bueno Martins para realizar o serviço.

Ao ser inquirido em Juízo, Edson Antônio Bueno Martins, embora não tenha confirmado a influência do seu irmão ÉLSON BUENO MARTINS na contratação do frete, confirmou que realizou o serviço às testemunhas Juliano Santos da Silva e Sandra Maria da Silva (fls. 228-229). Por fim, o depoente Elissandro Delfino Briato (fls. 260-265v.), esclareceu que, no ano de 2012, era fato conhecido entre os eleitores que a Administração Municipal, com o auxílio das Secretarias Municipais de Assistência Social e de Obras, estava distribuindo madeiras beneficiadas à população. Afirmou o depoente que o volume de doações intensificou-se no período eleitoral, de modo que acredita que tal ação tenha influenciado no resultado do pleito. Entre outras declarações, ainda esclareceu ter presenciado um carregamento de madeira em que foi utilizado o caminhão do irmão do então candidato a vereador ÉLSON BUENO MARTINS.

Obviamente, a utilização do caminhão do irmão do candidato a vereador não ocorreu por mera casualidade, tratando-se, porém, de estratégia para que os eleitores vinculassem o programa social à imagem daquele candidato.

Evidente, assim, a responsabilidade dos ora recorridos, o prefeito à época, ROBERTO ZANELA e os Secretários Municipais FLÁVIO ANTÔNIO DA SILVA e JOÃO CARLOS CARVALHO DA COSTA, como agentes diretos da conduta e os candidatos à majoritária JURANDIR DA SILVA e JOÃO PEDRO FAREZIN, bem como ÉLSON BUENO MARTINS e ELAINE DE ALMEIDA SILVA à proporcional, todos pela COLIGAÇÃO FRENTE POPULAR MUNICIPALISTA, que foi apoiada pela Administração Municipal.

Importa registrar que, em sede de condutas vedadas, admite-se a responsabilização dos agentes como beneficiários do ilícito, sendo que no caso de ÉLSON BUENO MARTINS e ELAINE DE ALMEIDA SILVA o benefício é ainda mais inequívoco, diante da eleição de ambos como vereadores do Município de Coronel Bicaco.

Objetivamente caracterizada a conduta vedada, devem incidir as penas estipuladas no artigo 73, §§ 4º e 5º, da Lei n. 9.504/97, ou seja, suspensão da conduta, multa de cinco a cem mil UFIR e cassação do registro ou diploma.

No que diz respeito à aplicação da pena de cassação do registro ou diploma, a orientação firmada pelo Tribunal Superior Eleitoral é no sentido de que sua incidência depende da análise da gravidade do ilícito:

Investigação judicial. Abuso de poder. Uso indevido dos meios de comunicação social. Condutas vedadas.

1. A infração ao art. 73, VI, b, da Lei n. 9.504/97 aperfeiçoa-se com a veiculação da publicidade institucional, não sendo exigível que haja prova de expressa autorização da divulgação no período vedado, sob pena de tornar inócua a restrição imposta na norma atinente à conduta de impacto significativo na campanha eleitoral.

2. Os agentes públicos devem zelar pelo conteúdo a ser divulgado em sítio institucional, ainda que tenham proibido a veiculação de publicidade por meio de ofícios a outros responsáveis, e tomar todas as providências para que não haja descumprimento da proibição legal.

3. Comprovadas as práticas de condutas vedadas no âmbito da municipalidade, é de se reconhecer o evidente benefício à campanha dos candidatos de chapa majoritária, com a imposição da reprimenda prevista no § 8º do art. 73 da Lei das Eleições.

4. Mesmo que a distribuição de bens não tenha caráter eleitoreiro, incide o § 10º do art. 73 da Lei das Eleições, visto que ficou provada a distribuição gratuita de bens sem que se pudesse enquadrar tal entrega de benesses na exceção prevista no dispositivo legal.

5. Se a Corte de origem, examinando os fatos narrados na investigação judicial, não indicou no acórdão regional circunstâncias que permitissem inferir a gravidade/potencialidade das infrações cometidas pelos investigados, não há como se impor a pena de cassação, recomendando-se, apenas, a aplicação das sanções pecuniárias cabíveis, observado o princípio da proporcionalidade.

Agravos regimentais desprovidos.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 35590, Acórdão de 29.4.2010, Relator Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 24.5.2010, Página 57-58.) (Grifei.)

 

Conduta vedada. Distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios.

1. À falta de previsão em lei específica e de execução orçamentária no ano anterior, a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios, em ano eleitoral, consistente em programa de empréstimo de animais, para fins de utilização e reprodução, caracteriza a conduta vedada do art. 73, § 10º, da Lei n. 9.504/97.

2. A pena de cassação de registro ou diploma só deve ser imposta em caso de gravidade da conduta.

Recurso ordinário provido, em parte, para aplicar a pena de multa ao responsável e aos beneficiários.

(TSE, Recurso Ordinário n. 149655, Acórdão de 13.12.2011, Relator Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 37, Data 24.2.2012, Página 42-43.) (Grifei.)

No caso, estariam sujeitos à cassação do diploma os vereadores ÉLSON BUENO MARTINS e ELAINE DE ALMEIDA SILVA. No entanto, tenho que a aplicação dessa medida se revela desproporcional ao ilícito praticado, máxime porque a prova não indica tenham eles participado de forma mais ativa na distribuição dos bens, agindo precipuamente como beneficiários da conduta ilícita.

Entretanto, cada um dos recorridos deve se sujeitar à multa pecuniária, que fixo em seu patamar mínimo, 5 mil UFIR, equivalente a R$ 5.320,50 (art. 50, § 4º, da Resolução TSE n. 23.370/11), por não verificar motivos para a sua fixação além do piso legal.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral, a fim de julgar procedente a representação, com fulcro no § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97, condenando cada um dos recorridos, ou seja, ROBERTO ZANELA, FLÁVIO ANTÔNIO DA SILVA, JOÃO CARLOS CARVALHO DA COSTA, JURANDIR DA SILVA, JOÃO PEDRO FAREZIN, ÉLSON BUENO MARTINS, ELAINE DE ALMEIDA SILVA e COLIGAÇÃO FRENTE POPULAR MUNICIPALISTA (PDT/PT/PMDB/PPS/PSB/PCdoB), à multa no valor de R$ 5.320,50 (cinco mil trezentos e vinte reais e cinquenta centavos, equivalente a 5 mil UFIR).