RE - 57706 - Sessão: 18/11/2015 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (fls. 66-72) contra decisão do Juízo da 85ª Zona, que julgou improcedente a representação ajuizada pelo recorrente contra VALMIR DAITX ALEXANDRE, COLIGAÇÃO TORRES PRA CONTINUAR MELHORANDO e JOÃO ALBERTO MACHADO CARDOSO com base na suposta prática de conduta vedada mediante a realização de obra em via pública com única finalidade eleitoral.

A sentença (fl. 63 e verso) fundamentou que os fatos descritos não configuram conduta vedada, pois se tratou de obra pública, realizada durante o horário de expediente por servidores do município. Justificou, também, não estar caracterizado eventual abuso de poder político, pois evidente a falta de potencial para influenciar no pleito.

Nas razões recursais, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (fls. 66-72) sustenta que a operação “tapa-buracos” empreendida pelos recorridos no ano da eleição conferiu a eles benefício eleitoral, desigualando as oportunidades entre os competidores. Sustenta estar demonstrada a finalidade eleitoral da conduta, na medida em que as obras foram divulgadas em propaganda eleitoral realizada pelo então vice-prefeito e candidato a prefeito de Torres. Requereu a reforma da decisão de primeiro grau.

Com as contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo parcial provimento do recurso (fls. 93-98).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. O órgão ministerial foi intimado da decisão na data de 19 de novembro de 2012 (fl. 64) e interpôs o recurso no dia seguinte (fl. 65), dentro, portanto, do tríduo legal estabelecido no artigo 73, § 13, da Lei n. 9.504/97.

No mérito, aduz o Parquet que os recorridos realizaram uma operação de recuperação da via pública de acesso ao campus da Universidade Luterana com propósito eleitoral, divulgando tal obra em propagandas eleitorais do então vice-prefeito e candidato a prefeito, Valmir Daitx Alexandre, ofendendo assim o artigo 73, I e III, da Lei n. 9.504/97.

Transcrevo os dispositivos em questão:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

[...]
III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado.

As condutas vedadas foram previstas para garantir a igualdade de condições entre os candidatos, impedindo que os ocupantes de cargos públicos se valham dessa condição para obter benefícios eleitorais.

A respeito das hipóteses legais acima enumeradas, merece transcrição a lição de Rodrigo López Zilio:

Proíbe-se, in casu, o efetivo – e intencional – uso e cessão de bens da Administração que configurem benefício a candidato, partido ou coligação. Pune-se aquele ato que é praticado com o fim deliberado de causar benefício ou prejuízo indevido aos participantes do processo eletivo. No entanto, a mera cessão ou uso de bens, por si só, não caracteriza a conduta vedada. É indispensável que a ação seja desenvolvida em benefício de candidato, partido político ou coligação, causando prejuízo aos demais concorrentes ao pleito.

[…]

Pune-se, alternativamente, duas condutas: a cessão do servidor (lato sensu) ou o uso de seus serviços. A cessão do servidor público ocorre a qualquer título e sob qualquer pretexto, ou seja, à título gratuito, oneroso, eventual, transitória, definitiva. Desimporta, ainda, aferir acerca de eventual ilicitude na cessão do servidor, já que a regularidade na cessão do servidor não torna lícita a conduta, nem afasta a incidência da norma sancionatária. O uso do serviço, do mesmo modo, ocorre em quaisquer de suas espécies e formas. (Direito Eleitoral. 3ª ed., Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, pp. 512 e 518.)

Na hipótese, o representante não pretende a responsabilização dos representados pelo uso da imagem das obras públicas em sua campanha, nem está pretendendo a suspensão dos serviços municipais durante a disputa eleitoral. Ao contrário, a inicial afirma que os representados realizaram obra de recuperação de via pública com a finalidade precípua de auferir vantagem eleitoral em detrimento de seus adversários.

Dessa forma, não se controverte a respeito da efetiva realização da obra em meio à campanha eleitoral, nem do dever da Administração de dar seguimento à prestação de serviços públicos, mas, sim, a respeito do uso premeditado da máquina pública para beneficiar a campanha dos representados.

Impõe-se, assim, a verificação da presença de elementos que demonstrem o desvirtuamento da finalidade da obra pública, que teria sido realizada naquele período com a intenção de favorecer a campanha de Valmir Daitx Alexandre. São esses elementos que entendo ausentes no caso.

Juntou-se aos autos um vídeo gravado pelo candidato e disponibilizado no sítio Youtube, em que Valmir anuncia o imediato início da operação “tapa-buracos” na via de acesso à universidade e se compromete a realizar, no próximo mandato, melhorias no local (fl. 14). De fato, a propaganda eleitoral anunciando a obra é um forte indício do desvio de sua finalidade, mas, por si só, não é prova suficiente do uso da máquina pública em benefício de sua campanha, pois a referência a serviços públicos e a divulgação de sua imagem na campanha é, em regra, admitida pela jurisprudência:

RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL E CONDUTA VEDADA. USO DE IMAGENS DE BEM PÚBLICO NA PROPAGANDA ELEITORAL VEICULADA NO HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO NA TELEVISÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. NÃO CONFIGURADA REALIZAÇÃO DE PROPAGANDA EM BEM PÚBLICO OU BENEFÍCIO A CANDIDATO OU PARTIDO. NEGA-SE PROVIMENTO AO RECURSO.

1. Alegação de propaganda irregular e conduta vedada consistentes no uso de imagens de um centro de saúde municipal, na propaganda eleitoral veiculada no horário eleitoral gratuito na televisão. Ausência de realização de propaganda eleitoral em bem público e de benefício a candidato ou partido político. Não configuração da conduta vedada e da propaganda irregular.

2. O que a lei veda é o uso efetivo do aparato estatal em benefício de determinada candidatura, o que não se configura pela simples captura de imagens do bem público.

3. Parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral pela manutenção da sentença que julgou improcedente a representação.

4. Nega-se provimento ao recurso.

(TRE/SP, Recurso n. 48119, Acórdão de 15.10.2012, Relator: ANTONIO CARLOS MATHIAS COLTRO, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data: 15.10.2012 PSESS - Publicado em Sessão, Data: 15.10.2012.) (Grifei.)

 

Recursos. Ação de investigação judicial eleitoral. Art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2012.

Parcial procedência da ação no juízo originário. Aplicada multa aos representados.

[...]

O comparecimento de candidato em solenidade de entrega de moradias populares não afronta a legislação de regência, uma vez que ausentes atos direcionados à campanha eleitoral.

Não reconhecido o uso da máquina pública ou a captação ilegal de votos. A divulgação da construção de casas populares como promessa de campanha de candidato não enseja qualquer ilicitude, sendo elemento integrante da sua plataforma política.

[...]

Provimento aos demais apelos.

(TRE/RS, Recurso Eleitoral n. 46547, Acórdão de 24.9.2013, Relator: DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 183, Data 03.10.2013, Página 6.) (Grifei.)

Ademais, no segundo semestre de 2011, o Ministério Público encaminhou ofício à prefeitura indagando se havia projeto para manutenção da via em questão, obtendo resposta do prefeito e do secretário de obras no sentido de que havia previsão para melhorias no local a serem realizadas no início de 2012 (fls. 19 e 20).

Os documentos demonstram que efetivamente havia projeto para a realização da obra, tornando ainda mais duvidosa a finalidade eleitoral do serviço realizado. O fato de a obra somente ser iniciada meses depois do previsto também não evidencia, a meu ver, a finalidade eleitoral dos serviços, pois é fato notório que projetos como este costumam ser realizados após a data prevista, pelos mais variados motivos.

Esses são os únicos elementos de prova que se encontram nos autos, capazes, é verdade, de levantar indícios a respeito da conduta vedada, mas insuficientes para comprovar o pretendido desvio de finalidade.

Não se pode saber, pelos autos, se a conservação da via de acesso tornou-se tema relevante na campanha de Torres a ponto de evidenciar uma opção do candidato pela imediata realização da obra para reduzir as suas perdas eleitorais. Ademais, não existem outros documentos, como cronograma de obras, por exemplo, que poderiam demonstrar mais especificamente eventuais mudanças de data para a efetivação do serviço. Por fim, não foram colhidos os testemunhos do prefeito, secretário de obras ou demais responsáveis públicos por tal serviço, os quais poderiam esclarecer eventuais mudanças propositais do período de execução do serviço.

Dessa forma, entendo não haver provas suficientes da conduta vedada imputada aos recorridos, motivo pelo qual deve ser mantida a sentença de improcedência da representação.

Diante do exposto, VOTO por negar provimento ao recurso.