RE - 728 - Sessão: 01/03/2016 às 17:00

RELATÓRIO

O Partido Progressista – PP de Arroio Grande protocolou, em 26.5.2014, perante o juízo da 92ª Zona Eleitoral – Arroio Grande, a sua prestação de contas anual, referente ao exercício financeiro de 2013 (fls. 02-77), por intermédio de advogado constituído nos autos (fl. 78).

Elaborado relatório técnico inicial e determinado o cumprimento de diligências (fls. 112-113 e 114-115), o Partido silenciou (fl. 116-v.).

Foi emitido parecer técnico conclusivo pela desaprovação das contas, tendo em vista a constatação de doações provenientes de fontes vedadas; especificamente, oriundas de servidores ocupantes de cargos demissíveis ad nutum, na condição de “autoridade”, junto ao Poder Executivo municipal (fls. 252-257).

Os autos foram com vista ao MPE, o qual opinou pela reprovação das contas (fls. 261-262). Ato contínuo, manifestou-se o prestador com juntada de documentos (fls. 268-293).

Sobreveio sentença, pela qual o magistrado desaprovou as contas, nos termos do art. 29, II e III, da Res. TSE n. 21.841/2004, com a determinação (a) do recolhimento ao Fundo Partidário das contribuições efetuadas, oriundas de fonte vedada e (b) de suspensão, com perda, de novas quotas do Fundo Partidário ao órgão partidário pelo prazo de 01 (um) ano (fls. 294-307).

Irresignado, o prestador interpôs recurso. Aduziu, em síntese, que as doações ocorreram de forma espontânea. Argumentou, ainda, que foram declaradas inconstitucionais as leis que criaram os cargos em comissão ocupados pelos doadores em causa. Postulou o provimento, para serem aprovadas as contas (fls. 334-338).

Nesta instância, os autos foram com vista ao Procurador Regional Eleitoral, o qual opinou pelo desprovimento do recurso, com a manutenção da suspensão da participação no Fundo Partidário pelo período de 12 (doze) meses (fls. 345-348v).

É o relatório.

 

VOTO

No mérito, trata-se de prestação de contas de partido político desaprovada em virtude do recebimento de doações provenientes de fonte vedada, porquanto realizadas por ocupantes de cargos em comissão de chefia e/ou direção, em afronta ao art. 31, II, da Lei n. 9.096/95.

O relatório técnico conclusivo apontou o recebimento de recursos de fonte vedada, mediante doações efetuadas por 69 servidores demissíveis ad nutum, dotados de poder de “autoridade” - no valor total de R$ 32.443,65 (fls. 252-7 e 258-60). A apuração desse montante final ocorreu por meio do cotejo entre o rol de doadores apresentados pelo partido e documentos fornecidos pela Prefeitura de Arroio Grande (fls. 127-251).

Eis o que dispõe o art. 31, II, da Lei n. 9.096/95:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

[…]

Sendo conhecida a evolução jurisprudencial sobre o tema, ressalto que o conceito de autoridade, segundo o atual entendimento, abrange os servidores ocupantes de cargos de direção e chefia (art. 37, inc. V, da Constituição Federal), encontrando-se excluídos os que desempenham a função de mero assessoramento.

Nessa direção os processos desta Corte RE 94-19, de relatoria da Desa. Maria de Fátima Freitas Labarrère, sessão de 01.7.2014, e RE 36-50, de relatoria do Des. Luiz Felipe Brasil Santos, sessão de 23.9.2014, e, ainda, o seguinte julgado do TSE:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DECISÕES. INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO. DOAÇÕES. OCUPANTES CARGO DE DIREÇÃO OU CHEFIA. AUTORIDADE. VEDAÇÃO. ART. 31, II, DA LEI N. 9.096/95.

1. Para fins da vedação prevista no art. 31, II, da Lei n. 9.096/95, o conceito de autoridade pública deve abranger aqueles que, filiados ou não a partidos políticos, exerçam cargo de direção ou chefia na Administração Pública direta ou indireta, não sendo admissível, por outro lado, que a contribuição seja cobrada mediante desconto automático na folha de pagamento. Precedentes.

2. Constatado o recebimento de valores provenientes de fonte vedada, a agremiação deve proceder a devolução da quantia recebida aos cofres públicos, consoante previsto no art. 28 da Res. TSE n. 21.841/04.

Recurso especial desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 4930 – Criciúma-SC, de relatoria do Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, sessão de 11.11.2014.)

O regramento tem por finalidade evitar que servidores cuja situação jurídica funcional seja de livre nomeação e exoneração, exercendo cargo de chefia, direção ou coordenação, venham a fazer doações aos partidos aos quais se encontrem vinculados. Em outras palavras, busca-se evitar a transferência do dinheiro público – parcela do vencimento auferido pelo titular demissível ad nutum – para a agremiação partidária.

Prossigo.

Examinando o caso sob análise, não paira dúvida sobre o enquadramento da esmagadora maioria dos ocupantes dos cargos em comissão na condição de autoridade, servidores titulares de cargos de direção ou chefia junto ao Poder Executivo do município de Arroio Grande – Secretários Municipais, Coordenadores, Diretores, Chefes, Subprefeito e Procurador Jurídico do Município –, os quais foram minudentemente arrolados na sentença com a descrição dos cargos ocupados (fls. 294-307).

Com esse desiderato, e porque não são frequentes em tal hipótese normativa, vale destacar as atribuições do procurador jurídico do município e do subprefeito em questão:

PROCURADOR JURÍDICO DO MUNICÍPIO (Dr. Luiz Cesar Gonçalves Vilela):

ATRIBUIÇÕES: Cargo de assessoramento Jurídico ao Prefeito Municipal, ao Vice-Prefeito Municipal, Secretários Municipais, Departamentos, Setores e aos demais Órgãos da Administração Pública Municipal. Compete ao Procurador Jurídico, dirigir os trabalhos da Procuradoria Jurídica, dar pareceres quanto à legalidade de todos os atos oriundos do Poder Executivo, e dos atos em que o Poder Executivo tenha qualquer tipo de participação (Contratos, Convênios, Ações Judiciais e Extrajudiciais, etc.). Compete ao Procurador Jurídico, representar o município em processos judiciais ou administrativos, quando deverá ser outorgado instrumento de Procuração, com poderes para o Foro em Geral, e os especiais que a circunstância exigir, não estando autorizado a representar ou agir sem prévia procuração. Portanto, o exercício do cargo é privativo de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, devidamente registrado na Ordem dos Advogados do Brasil.

SUBPREFEITO (Elioir Serpa Rondam):

ATRIBUIÇÕES: Titular da Subprefeitura, que o órgão de descentralização do Poder Executivo, encarregado de representar a Administração Municipal na Comunidade ou Distrito a que está inserida. É responsável por comandar a execução e divulgar das atividades do Poder Executivo realizadas na Zona Rural do Município, além de ser responsável por levantar as reivindicações, recursos e sugestões advindas da população rural, servindo de elo entre a Administração Municipal e o cidadão, divulgando e fiscalizando as leis e posturas municipais.

Todavia, na linha da jurisprudência predominante, cabe excluir do elenco disposto na sentença os servidores ocupantes de funções de assessoria, a seguir nominados:

- Ana Paula Azeredo Corrêa (assessora de publicidade e divulgação), a qual doou R$ 731,06;

- Tasso da Conceição (assessor de obras e projetos), o qual doou R$ 774,80.

Destarte, deve ser subtraído do montante total de R$ 32.443,65 o valor de R$ 1.505,86 (R$ 731,06 + R$ 774,80), referente às doações realizadas pelos ocupantes das funções de assessoria logo acima mencionados.

O valor posto na sentença, pois, deve ser reformado para R$ 30.937,79, o qual deverá ser recolhido ao Fundo Partidário, nos termos do art. 28, II, da Res. TSE n. 21.841/04.

Quanto à suspensão da participação no recebimento de quotas do Fundo Partidário determinada na sentença de primeiro grau, pelo prazo de um ano, entendo que deva ser reduzida, de ofício, para o período de 3 (três) meses, haja vista que tal irregularidade, embora grave, foi o único fundamento para a desaprovação das contas.

Vale ainda lembrar que, apesar de a Lei n. 13.165/15, recentemente editada, ter trazido norma alterando o disposto no art. 37 da Lei n. 9.096/95 e, consequentemente, suprimido a sanção de suspensão de novas quotas do Fundo Partidário na hipótese de desaprovação das contas do partido, tal disposição não se aplica ao caso dos autos, pois trata-se de fatos ocorridos anteriormente à entrada em vigor da nova lei, não havendo retroatividade.

Tal questão foi recentemente debatida neste Tribunal, na sessão de 8.10.2015, em processo de relatoria do Des. Paulo Lessa Franz, no qual se decidiu pela irretroatividade da lei:

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Arts. 4º, caput e 14, inc. II, “n”, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2014. 

[...]

As alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/15, que deram nova redação ao art. 37 da Lei n. 9.096/95, suprimindo a sanção de suspensão de novas quotas do Fundo Partidário, não têm aplicação retroativa aos fatos ocorridos antes da sua vigência.

Redimensionamento do quantum de suspensão de quotas, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Provimento parcial.

(RE 27-43.2015.6.21.0008)

Por fim, visando à não incidência da norma, o recorrente aduziu que as contribuições foram realizadas espontaneamente e que as leis municipais que criaram os cargos em comissão em tela teriam sido objeto de ação direta de inconstitucionalidade, tendo sido declaradas inconstitucionais (fls. 336-337).

Sem razão.

Como se apura da legislação de regência, não se perquire do alegado caráter espontâneo, situação de difícil, se não impossível, averiguação de existência nos casos concretos.

E tampouco o argumento concernente à alegada declaração de inconstitucionalidade logra afastar a natureza de direção ou chefia ora em destaque, vez que o julgamento correlato (relativo à alegada declaração de inconstitucionalidade) não a apaga do mundo dos fatos.

Nesse sentido, transcrevo trecho do parecer da Procuradoria Regional, o qual incorporo às minhas razões de decidir (fl. 347-v.):

Com relação ao tema, cumpre ressaltar que toda norma possui dupla eficácia, uma social e uma normativa. Normativamente, a declaração de inconstitucionalidade torna nulas as leis, desde a origem. Contudo, no caso concreto, no plano dos fatos, os servidores detentores desses cargos exerceram suas funções como autoridades e suas atuações como chefias se consolidaram ao longo do tempo. Nesse contexto, os atos praticados por eles não podem ser anulados. As contribuições dos servidores, enquanto ocupantes de cargos de direção e chefia criados na esfera municipal de Arroio Grande, são vedadas pela legislação eleitoral.

Igualmente, a bem lançada sentença, cujos fundamentos, neste ponto, também agrego:

A representante do diretório municipal do PP em sua petição justifica […] que diversos cargos elencados foram declarados inconstitucionais na ADIN nº 70048747430/2012 (CNJ 0181334-40.2012.8.21.7000), proposta pela Procuradoria Geral de Justiça do Rio Grande do Sul e que trata dos cargos em comissão criados pelas Leis 2550/2010 e 2625/2012, todas do Município de Arroio Grande; e que as contribuições partidárias prestadas pelos filiados do Partido Progressista, sendo eles servidores públicos ou não, são feitas de forma espontânea.

Os cargos em comissão em análise têm suas atribuições descritas na Lei Orgânica do Município e nas Leis Municipais 2.504/2010, 2550/2011, 2550/2010, 2608/2011 e 2625/2012 que alteram a Estrutura Administrativa do Município de Arroio Grande. Relativamente à ADI 70048747430/2012, foi proposta no ano de 2012 e a decisão de 02/12/2013 (transitada em julgado em 27/10/2014) é: "À unanimidade, rejeitaram a preliminar e julgaram parcialmente procedente a ação direta de inconstitucionalidade, diferindo a eficácia dessa decisão pelo prazo de seis meses a contar da publicação do acórdão."

As nomeações para os cargos em comissão ocorreram no ano de 2013, exercício em análise da prestação de contas, e os ocupantes dos cargos em comissão efetuaram os recolhimentos, conforme determinado no art. 93, II, do Estatuto do Partido Progressista, enquanto ainda não havia sido julgada a ADI, como alega a representante do Partido Progressista.

Logo, dentro desse contexto, tenho que a falha subjacente é grave e compromete a regularidade da prestação, justificando o juízo pela desaprovação das contas, nos termos acima expostos.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso para, mantendo a desaprovação das contas do PARTIDO PROGRESSISTA – PP de Arroio Grande, relativas ao exercício financeiro de 2013, determinar seja recolhido o valor de R$ 30.937,79 (trinta mil, novecentos e trinta e sete reais e setenta e nove centavos) ao Fundo Partidário, nos termos do art. 28, II, da Res. TSE n. 21.841/04, readequando, de ofício, o prazo de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário para o período de 3 (três) meses.