AP - 46366 - Sessão: 02/12/2015 às 17:00

RELATÓRIO

O Ministério Público Eleitoral, com atuação na 150ª Zona Eleitoral – Capão da Canoa, ofereceu denúncia contra VALDOMIRO DE MATOS NOVASKI pela prática, em tese, dos seguintes fatos delituosos, envolvendo o crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral:

1º Fato:

No dia 3 de outubro de 2012, em frente à residência da eleitora Vanessa Valle Battu, situada no Bairro Arco Íris, no Município de Capão da Canoa/RS, VALDOMIRO MATOS NOVASKI ofereceu e prometeu à eleitora a entrega de cesta básica contendo alimentos (dádiva), com vistas a obter o seu voto.

Na madrugada no dia 7 de outubro de 2012, cumprindo o prometido, VALDOMIRO, mediante a utilização de um caminhão dirigido por terceira pessoa, efetuou a entrega de uma cesta básica à eleitora Vanessa Battu, exaurindo o delito.

Tomando conhecimento a eleitora de que VALDOMIRO havia prometido, a outras pessoas, uma segunda cesta básica depois do pleito eleitoral, a quem lhes desse voto, Vanessa Valle Battu dirigiu-se, juntamente com Noemi Dutra Ferreira, no dia 8.10.2012 (dia das eleições), até o Supermercado Maxilider, localizado na RS407, na cidade de Capão da Canoa, a fim de pegar sua segunda cesta básica, ocasião em que se formou uma concentração de pessoas cobrando idêntica promessa, o que ocasionou o acionamento da Brigada Militar, que compareceu ao local e conduziu Vanessa e as demais pessoas envolvidas até a Delegacia de Polícia local.

2º Fato:

No dia 3 de outubro de 2012, em frente à residência da eleitora Mari Zélia Souza Lumertz, situada no Bairro São Jorge, no município de Capão da Canoa/RS, VALDOMIRO MATOS NOVASKI ofereceu e prometeu à eleitora a entrega de duas cestas básicas contendo alimentos (dádiva), uma antes e uma após as eleições, sob a condição de que nele votasse.

Na madrugada no dia 7 de outubro de 2012, cumprindo o prometido, VALDOMIRO, mediante a utilização de um caminhão dirigido por terceira pessoa, efetuou a entrega de uma cesta básica à eleitora Mari Zélia Souza Lumertz, exaurindo o delito.

No dia seguinte, 8.10.2012, a eleitora Mari Zélia Souza Lumertz dirigiu-se até o Supermercado Maxilider, localizado na RS407, na cidade de Capão da Canoa, a fim de pegar sua segunda cesta básica, ocasião em que se formou uma concentração de pessoas cobrando idêntica promessa, o que ocasionou o acionamento da Brigada Militar, que compareceu ao local e conduziu Zélia e as demais pessoas envolvidas até a Delegacia de Polícia local.

3º Fato:

Entre o dia 7 de setembro e 7 de outubro de 2012, em frente à residência da eleitora Noemi Dutra Ferreira, situada no Bairro Arco íris, no município de Capão da Canoa/RS, VALDOMIRO MATOS NOVASKI ofereceu e prometeu à eleitora o fornecimento de aterro para sua propriedade e a entrega de duas cestas básicas contendo alimentos (dádiva), uma antes e uma depois das eleições, com vistas a obter o seu voto.

Na madrugada no dia 7 de outubro de 2012, cumprindo o prometido, VALDOMIRO, mediante a utilização de um caminhão dirigido por terceira pessoa, efetuou a entrega da primeira cesta básica à eleitora Noemi Dutra Ferreira, exaurindo o delito.

No dia seguinte, 8.10.2012, a eleitora Noemi Dutra Ferreira dirigiu-se até o Supermercado Maxilider, localizado na RS407, na cidade de Capão da Canoa, a fim de pegar sua segunda cesta básica, ocasião em que se formou uma concentração de pessoas cobrando idêntica promessa, o que ocasionou o acionamento da Brigada Militar, que compareceu ao local e conduziu Noemi e as demais pessoas envolvidas até a Delegacia de Polícia local.

4º Fato:

No dia 4 de outubro de 2012, em frente à residência da eleitora Adriana de Oliveira, situada no Bairro Arco Íris, no município de Capão da Canoa/RS, VALDOMIRO MATOS NOVASKI ofereceu e prometeu à eleitora a entrega de duas cestas básicas, contendo alimentos (dádiva), uma antes e uma após as eleições, sob a condição de que nele votasse.

Na madrugada no dia 7 de outubro de 2012, cumprindo o prometido, VALDOMIRO, mediante a utilização de um caminhão dirigido por terceira pessoa, efetuou a entrega da primeira cesta básica à eleitora Adriana de Oliveira, exaurindo o delito.

No dia seguinte, 8.10.2012, a eleitora Adriana de Oliveira dirigiu-se até o Supermercado Maxilider, localizado na RS407, na cidade de Capão da Canoa, a fim de pegar sua segunda cesta básica, ocasião em que se formou uma concentração de pessoas cobrando idêntica promessa, o que ocasionou o acionamento da Brigada Militar, que compareceu ao local e conduziu Adriana juntamente com as demais pessoas envolvidas até a Delegacia de Polícia local.

O Parquet deixou de denunciar as eleitoras Vanessa Valli Battu, Mari Zélia Souza Lumertz, Noemi Dutra Ferreira e Adriana de Oliveira, por considerá-las em estado de necessidade.

Denúncia recebida em 21 de novembro de 2012 e acolhidas as promoções de arquivamento.

O acusado apresentou defesa prévia em 3 de dezembro de 2012, postulando, preliminarmente, a necessidade da realização do interrogatório ao final da instrução e a absolvição sumária pela falta de provas. No mérito, negou a autoria e a materialidade, sob o argumento principal de que não há provas de seu envolvimento nos fatos imputados. Afirmou que o inquérito policial contém vários vícios e nulidade e que é baseado em relatos unilaterais de testemunhas e vítimas comprometidas com o candidato a prefeito derrotado e com os partidos políticos que formaram a coligação vencida, sem qualquer isenção ou credibilidade. Apontou contradições nos depoimentos colhidos e que as gravações ambientais são ilícitas nos termos da Constituição Federal, além de não identificarem os interlocutores e não terem sido autorizadas judicialmente, não havendo perícia nos áudios e nas vozes. Por derradeiro, argumentou que a denúncia é inepta, pois não houve a devida individualização das condutas imputadas. Arrolou testemunhas.

Foi indeferida a oitiva do acusado ao final da instrução, bem como o pedido de absolvição sumária.

Amauri Magnus Germano e o Partido dos Trabalhadores postularam o ingresso no feito na condição de assistentes da acusação, o que foi indeferido pelo juízo de 1º grau.

Valdomiro ingressou com habeas corpus requerendo a realização do interrogatório ao final da instrução.

Deferida liminar para cancelar a audiência e concedida a ordem pelo Tribunal Regional Eleitoral.

O processo foi remetido a este Tribunal em razão da assunção ao cargo de prefeito em 01.01.2013.

Ouviram-se testemunhas de acusação e defesa.

Interrogou-se o réu.

Apresentadas alegações finais.

É o relatório.

 

VOTO

Preliminar de nulidade das mídias juntadas às fls. 18 a 23 e inépcia da denúncia

Não há ilicitude nas mídias juntadas, pois retratam imagens de locais públicos, entrevistas, programa de rádio e foram devidamente colocadas à disposição do réu.

E sobre gravações ambientais, o Supremo Tribunal Federal já decidiu, em sede de repercussão geral, conforme segue:

AÇÃO PENAL. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário provido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.

(RE 583937 QO-RG, Relator Min. CEZAR PELUSO, julgado em 19.11.2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-237 DIVULG 17.12.2009 PUBLIC 18.12.2009 EMENT VOL-02387-10 pp-01741 RTJ VOL-00220- pp-00589 RJSP v. 58, n. 393, 2010, p. 181-194 .)

De outra banda, a denúncia descreve os fatos com clareza, não havendo que se falar em inépcia.

Rejeito, pois, ambas as preliminares.

Mérito

Trata-se de ação penal na qual se imputa ao réu o cometimento do crime descrito no art. 299 do Código Eleitoral (compra de votos), durante o período de campanha nas eleições municipais de 2012, cometido em relação às eleitoras Vanessa Valli Battu, Mari Zélia Souza Lumertz, Noemi Dutra Ferreira e Adriana de Oliveira, consistente no oferecimento de cestas básicas e aterros em troca do voto.

O crime de corrupção eleitoral vem tipificado no art. 299 do Código Eleitoral:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita.

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

O preceito normativo tutela o livre exercício do sufrágio, tendo como objetivo reprimir o comércio de votos, a troca de favores entre candidatos e eleitores.

Trata-se de crime formal, pois sua consumação independe da ocorrência do resultado pretendido pelo agente.

É tipo penal que se reveste de extrema gravidade, pois sua consumação pode vir a alterar os resultados das eleições, ferindo, sobremaneira, o Estado Democrático de Direito.

Pois bem.

O candidato Valdomiro foi denunciado por 4 fatos, todos envolvendo o oferecimento de vantagens (cesta básica e aterro) às eleitoras Vanessa Valli Battu, Mari Zélia Souza Lumertz, Noemi Dutra Ferreira e Adriana de Oliveira, em troca de votos.

Na madrugada do dia 7 de outubro teria havido a distribuição das cestas básicas, por meio de terceira pessoa, que transportou a mercadoria em um caminhão.

No dia seguinte, 8 de outubro de 2012, a denúncia relata que houve um tumulto nas proximidades do Supermercado Maxilider, pois várias pessoas teriam para lá se dirigido, com a intenção de receber uma segunda cesta básica, ocasião em que houve o acionamento da Brigada Militar, que conduziu as pessoas à Delegacia de Polícia local.

Apreciando as provas produzidas, tendo em vista as circunstâncias nas quais os fatos foram evidenciados, entendo subsistir dúvida a respeito da efetiva ocorrência do delito de corrupção eleitoral.

Quanto às mídias trazidas com a denúncia, nenhuma delas se relaciona ao cerne dos fatos imputados, sendo imprestáveis para corroborar juízo condenatório.

Restaria a prova testemunhal que, todavia, tenho que não se afigura suficiente ao juízo necessário para comprovação da autoria ou materialidade dos crimes.

Não se desconhece a relevância da prova testemunhal para a comprovação do crime de corrupção eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral), tipo penal cujos vestígios são de difícil constatação – muitas vezes são promessas feitas de forma oral, verbal, restando apenas os respectivos interlocutores como testemunhas do crime, sendo comuns, por exemplo, o adiantamento de valores, as ofertas de empregos, de cargos públicos, a influência política.

Todavia, para que se imponha a condenação criminal com base em prova exclusivamente testemunhal, exige-se que esta seja coesa, harmônica, isenta e livre de comprometimentos políticos ou pessoais, o que não ocorre na espécie.

Foram ouvidas 10 testemunhas de acusação (mídia à fl. 339).

Assisti ao conteúdo dos depoimentos e passo a analisá-los.

A testemunha Deorly Buges Serrat, ao ser inquirida sobre os fatos, disse que nada viu. Não viu ninguém distribuindo cesta básica.

Richard Oliveira Menezes e Ricardo Alexandre Gomes Júnior, policiais militares que atenderam à ocorrência na frente do Supermercado Maxilider, também não presenciaram o oferecimento de cestas básicas às eleitoras.

Ruberval José da Silva, gerente do Supermercado Maxilider, apenas teceu detalhes sobre a forma dos tickets que fornece em troca de cestas básicas.

Cláudio Diomar de Souza Lemes, militar aposentado, somente presenciou o tumulto no Supermercado Maxilider.

Everson Alexsandro Michel afirmou não ter conhecimento dos fatos.

Fernanda Souza Lumertz, filha da suposta vítima, Mari Zélia Souza Lumertz, afirmou ter trabalhado na anterior administração municipal, adversária da gestão do denunciado. Ademais, não estava presente quando da ocorrência dos fatos, apenas sabendo deles por informações dadas pela sua genitora. Disse ter visto cesta básica e santinho na casa de sua mãe.

Ora, se o testemunho de Fernanda já mereceria pouca credibilidade em função da sua vinculação à administração municipal adversária, o conteúdo do seu depoimento nada acrescentou na elucidação dos fatos, pois simplesmente avistar o bem que teria sido entregue, por óbvio, não significa dizer que esta benesse foi dada em troca de votos, muito menos que teria sido entregue por Valdomiro ou pessoa em seu nome.

As supostas vítimas de igual forma não trouxeram outros elementos de prova.

Vanessa afirmou não ter sido oferecida cesta básica para ela. Ao ser perguntada sobre essa questão, disse: Para mim não.

Mari Zélia confirmou que sua filha trabalhou para o candidato adversário do denunciado, circunstância que enfraquece a credibilidade do depoimento. Ademais, há contradição entre o que foi relatado na denúncia e seu depoimento.

Com efeito, a denúncia relata que o oferecimento da cesta básica ocorreu em frente à residência da eleitora e esta, quando ouvida, disse que a oferta se deu quando ela se encontrava na casa do sobrinho.

Adriana disse que Valdomiro visitou sua casa e pediu voto. Confirmou que o denunciado teria perguntado o que ela estava precisando e ela teria pedido aterro e cesta básica. Afirmou, ainda, que na segunda-feira, teria recebido o ticket para trocar no Supermercado Maxilider por uma cesta básica. No entanto, ao final do depoimento, disse que foi seu filho quem recebeu o ticket.

Como se percebe, apenas esses dois depoimentos versam sobre o cometimento dos delitos; no entanto, não são convincentes, apresentam contradições e foram prestados por pessoas, no mínimo, comprometidas com o adversário político.

Por fim, ressalto que esta Corte analisou esses mesmos fatos sob a ótica cível-eleitoral, considerando a prova inconsistente e insuficiente para caracterizar a prática da infração prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, ou seja, captação ilícita de sufrágio.

Não desconheço a independência das instâncias cível e criminal. Todavia, não se pode ignorar a situação de que se na esfera cível-eleitoral não houve sequer o reconhecimento da compra de votos, em decisão transitada em julgado em 31.3.2014, muito pouco provável a caracterização nesta seara criminal, cuja prova deve ser ainda mais robusta de modo a delimitar autoria e materialidade do delito.

A cópia da decisão foi juntada aos autos às fls. 438 a 462. Por oportuno, trago à colação a ementa:

Recurso. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Prefeito e vice. Procedência. Cassação dos diplomas. Multa. Declaração de inelegibilidade. Eleições 2012. Rejeitadas as preliminares com relação aos depoimentos prestados na qualidade de informantes e de cerceamento de defesa. Adequado valor probante conferido à oitiva na decisão, não se vislumbrando qualquer prejuízo à defesa. A mera obtenção de extrato de ligações telefônicas, sem o esclarecimento do conteúdo da conversação, em nada contribuiria para o deslinde da demanda. Ademais, trata-se de diligência acessível à parte interessada junto à operadora.

Acolhida em parte a prefacial referente à coleta de depoimento produzido unilateralmente, junto ao Parquet, sem o crivo do contraditório. Inadmissibilidade como prova, sem contudo resultar em nulidade de todo o conteúdo decisório, lastreado por amplo contexto probatório valorado na sentença.

Alegada distribuição de cestas básicas a eleitores em troca do voto. Testemunhos inconsistentes e insuficientes para caracterizar a ocorrência da captação ilícita de sufrágio que, diante da gravidade de suas consequências, deve sustentar-se em prova inequívoca da prática ilícita. Não demonstrado o nexo de causalidade entre os fatos narrados e os representados. Ausência de lastro probatório robusto e hábil para modificar o resultado obtido nas urnas através da vontade popular.

Reforma da sentença. Afastadas as penalidades impostas.

Provimento. (Grifei.)

(RE 280-95.2012.6.21.0150, Rel. Dr. Luis Felipe Paim Fernandes, julgado em 25 de março de 2014.)

Chama a atenção que essas mesmas eleitoras para as quais teriam sido oferecidas as benesses, Adriana, Vanessa, Mari Zélia e Noemi também foram ouvidas naquele processo.

Sobre esses depoimentos, válido transcrever as considerações do relator:

As quatro depoentes apresentaram versões muito semelhantes perante o Ministério Público, narrando a entrega das cestas básicas. Destaco o depoimento de VANESSA VALLI BATTU (fl. 46):

A declarante refere que mora na Vila Arco-Íris e que, na madrugada de sábado para domingo, véspera das eleições, chegou na vila um caminhão, com os faróis apagados, contendo um número significativo de ranchos. Isto já teria sido prometido pelo próprio VALDOMIRO, prefeito eleito. Na quarta-feira, antes das eleições, Valdomiro já tinha se dirigido até a Vila para realizar caminhada junto à população, pedindo votos e prometendo cestas e demais auxílios referentes a irregularidades que seriam sanadas por ele, como a promessa de aterro na residência de diversas pessoas.

O caminhão passava no local, parava e chamava o pessoal, para todos pegarem as cestas, nas quais havia os santinhos do VALDOMIRO.

Este depoimento foi ratificado perante o juízo eleitoral (fls. 425-430).

Na delegacia de polícia, a eleitora VANESSA disse que havia recebido a primeira cesta básica na madrugada de sábado para domingo, véspera da eleição, acrescentando que o caminhão azul que fizera a entrega das cestas tinha a placa IIE0304. Em diligências perante a Secretaria de Segurança Pública do Estado, descobriu-se o nome do proprietário do veículo: ALESSANDRO DOS REIS GOMES. Ouvido como informante (fls. 441-443), relatou utilizar o veículo para transportar seus pertences de trabalho na construção civil. Negou qualquer envolvimento com a distribuição de cestas básicas.

Em juízo, foram ouvidas como testemunhas ADRIANA DE OLIVEIRA, VANESSA VALLI BATTU e MARI ZÉLIA SOUZA LUMERTZ. O testemunho das três é bastante semelhante, embora haja diferenças significativas em alguns detalhes que considero fundamentais.

Importante ressaltar que acerca deste 2º fato só existem estes testemunhos. Não há nos autos nenhum outro elemento de prova, mínimo que seja, a corroborar o relatado pelas três testemunhas. Não foram apresentados nem ao menos os "santinhos" dos candidatos, que disseram que teriam sido entregues com as cestas. Nos dias atuais, com a facilidade do celular como máquina fotográfica, é difícil crer que não tenha sido possível fotografar ou filmar o que relatam ter ocorrido.

Acerca dos depoimentos, veja-se que ADRIANA DE OLIVEIRA, em audiência (fls. 425-430), relatou que o candidato VALDOMIRO esteve em sua residência três dias antes das eleições, pedindo um voto de confiança, perguntando-lhe se estava precisando de alguma coisa. A depoente afirmou ter-lhe dito que necessitava de aterro, pois seu pátio estava alagado, e de uma cesta básica, dizendo o candidato que apenas poderia dar-lhe o aterro se ganhasse as eleições, mas que lhe forneceria a cesta básica; informando que, no sábado, véspera da votação, de madrugada, um caminhãozinho, com os faróis apagados, estaria no local distribuindo as cestas básicas. Asseverou que, no dia informado, um caminhão de cor azul passou anunciando a entrega dos ranchos, e a depoente recebeu sua cesta básica, sendo que nesta havia um “santinho” de VALDOMIRO grampeado, contendo seu número para votação. Ressaltou que várias outras pessoas também pegaram ranchos naquela ocasião.

Ainda conforme seu testemunho, recebeu um “tiquezinho” que era para ser trocado após as eleições. Este “ticket” seria um “vale-rancho”, o qual poderia ser utilizado após as eleições.

No entanto, ressalto, nenhum dos "santinhos" foi juntado aos autos, tampouco alguma foto ou evidência do relatado. Não há prova da materialidade do ilícito eleitoral.

Já os testemunhos de VANESSA VALLI BATTU e MARI ZÉLIA SOUZA LUMERTZ são diversos daquele prestado por ADRIANA, pois não revelam a existência de “ticket” ou vale-rancho, apenas referem que havia uma promessa de que, se ganhasse a eleição, haveria uma “nova distribuição de ranchos”. Ainda em seu testemunho judicial, MARI ZÉLIA SOUZA LUMERTZ relatou que trabalhara no dia da eleição para o candidato VALDOMIRO, fazendo “bandeiraço”, e que o mesmo lhe prometera R$ 100,00. A promessa não foi cumprida, o que gerou frustração na eleitora, conforme seu testemunho judicial. Tal circunstância é importante, tendo-se em conta que as provas deste primeiro fato são exclusivamente testemunhais.

Nesse contexto, importa referir que as eleitoras VANESSA e MARI ZÉLIA tinham vínculo com a administração municipal anterior, a qual restou vencida nas eleições de 2012. VANESSA VALLI BATTU trabalhou na prefeitura no período de 01.4.2009 a 24.01.2010. E FERNANDA SOUZA LUMERTZ, filha da eleitora MARI ZÉLIA SOUZA LUMERTZ, está contratada desde 19.01.2012, na função de agente de combate de endemias, tendo contrato anterior no período de 14.12.2011 a 17.01.2012 - tudo conforme informação do departamento pessoal da prefeitura, juntado aos autos na fl. 199. Também foram juntadas aos autos a nomeação e a ficha funcional de VANESSA VALLI BATTU (fls. 200/202), bem como os contratos temporários e a ficha funcional da filha da depoente MARI ZÉLIA, FERNANDA SOUZA LUMERTZ (fls. 205-212).

Em seu testemunho (fl. 443), a eleitora ELOÍSA DUARTE DUTRA, que se revelou simpatizante do candidato adversário do representado, contou que as três testemunhas-chave da ocorrência de captação ilícita pelo recorrente VALDOMIRO estiveram em sua casa, durante a campanha eleitoral, pedindo votos para o candidato AMAURI. De acordo com seu relato, ADRIANA OLIVEIRA, VANESSA VALLI BATTU e MARI ZÉLIA SOUZA LUMERTZ estiveram em sua casa, junto com candidato AMAURI, fazendo campanha eleitoral. Tal afirmação contradiz totalmente o depoimento prestado pelas três primeiras.

Outras testemunhas também foram taxativas em afirmar que ADRIANA OLIVEIRA, VANESSA VALLI BATTU e MARI ZÉLIA SOUZA LUMERTZ trabalharam na campanha de AMAURI, adversário de VALDOMIRO: GILBERTO SILVA OLIVEIRA, comerciante de Capão da Canoa (fls. 441-443), FLORIANO PIRES DA ROSA, também comerciante (fls. 441-443), e CARLOS AFRÂNIO OLIVEIRA DE ASSIS, servidor público do município (fls. 441-443).

Ainda em relação ao segundo fato, cumpre referir que há, nos autos, mídia gravada de uma reunião entre os denunciantes da distribuição de cestas e um repórter que pretendia obter maiores informações sobre o ocorrido.

Resta evidente que a reunião foi previamente acertada entre os denunciantes e uma senhora que se intitulava advogada, contando com a presença de um homem que seria o presidente de partido político, evidentemente da coligação derrotada. Quando questionados sobre algumas contradições nas versões, imediatamente a reunião foi encerrada pela advogada, sob a alegação de que o repórter os estava pressionando.

A meu sentir, trata-se de direcionar os fatos aos candidatos eleitos, já buscando a cassação.

Assim, entendo que os testemunhos que embasam o 2º fato, por si só, são insuficientes para caracterizar a prática de captação ilícita de sufrágio no município de Capão da Canoa, uma vez que não há outros elementos a corroborar a materialidade do ilícito.

(…)

Entendo que os quatro testemunhos que foram utilizados pelo juízo monocrático não têm a consistência necessária para embasar um juízo de certeza, ou ao menos de verossimilhança, apto a cassar o diploma dos recorrentes. E além dos testemunhos, nenhuma outra prova ou indício confirma o alegado, o que impede seja o conjunto probatório considerado robusto, hábil para reverter a proclamação dos eleitos.

Diante desse cenário, sendo inequívoca a ausência de um quadro probatório robusto apto a gerar a certeza da responsabilidade criminal do denunciado, formado por testemunhas envolvidas com a administração municipal derrotada no pleito, impõe-se a absolvição do réu, em consonância com a orientação pacificada na jurisprudência:

Recurso criminal. Corrupção eleitoral. Artigo 299 do Código Eleitoral. Eleições 2012. Preliminar de nulidade por cerceamento de defesa afastada. Alegação de oferecimento de entrada gratuita em festa via rede social do Facebook.

Afasta-se o juízo condenatório quando as provas são insuficientes para aferir certeza sobre os fatos alegados e para caracterizar o dolo específico exigido pelo tipo penal.

Provimento.

(Recurso Criminal n. 25688, Acórdão de 9.6.2014, Relatora DESA. FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 103, Data 11.62014, Página 2.)

Recurso criminal. Eleições 2008. Oferecimento de vantagem “vale-compra” - para a obtenção de votos. Condenação nas sanções do art. 299 do Código Eleitoral. Fixação de penas de reclusão substituídas por restritivas de direitos.

Impossibilidade de condenação com base em conjunto probatório frágil, consubstanciado em depoimentos conflitantes e prova testemunhal que não se apresenta coerente e harmônica.

Absolvição.

Provimento.

(Recurso Criminal n. 253110, Acórdão de 22.9.2011, Relator DR. EDUARDO KOTHE WERLANG, Relator designado DESA. FEDERAL MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 169, Data 30.9.2011, Página 2.)

Ante o exposto, VOTO por julgar improcedente a ação, absolvendo o réu VALDOMIRO DE MATOS NOVASKI, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.