AP - 266862 - Sessão: 14/10/2015 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL  oferece denúncia (fls. 02-10v.) contra MARCELO LUIZ SCHREINERT, FABIANO VENTURA ROLIM, LUCIANO VON SALTIEL, VALDIR SOARES PEREIRA, KASSIUS SOUZA DA SILVA e AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA, pela suposta prática do crime de transporte de eleitores, delito tipificado no art. 11, inciso III, combinado com o art. 5º, ambos da Lei n. 6.091/1974.

A ação foi proposta perante esta Corte em razão da prerrogativa de foro do denunciado MARCELO LUIZ SCHREINERT (Prefeito de São Jerônimo).

Os fatos foram assim narrados na peça acusatória:

No dia 07.10.2012, AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA, induzido e auxiliado por MARCELO LUIZ SCHREINERT, FABIANO VENTURA ROLIM, LUCIANO VON SALTIEL, VALDIR SOARES PEREIRA, KASSIUS SOUZA DA SILVA, transportou cerca de 180 eleitores, com o objetivo de influenciar na vontade de tais eleitores para que votassem em MARCELO LUIZ SCHREINERT (à época dos fatos, candidato à reeleição ao cargo de prefeito de São Jerônimo) e FABIANO VENTURA ROLIM (à época dos fatos, candidato a vice-prefeito de São Jerônimo). Assim agindo os denunciados, de forma livre e consciente, fizeram incidir o tipo penal do art. 11, III, combinado com o art. 5º, ambos da Lei 6.091/1974, em suas condutas; AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA em tipicidade direta; MARCELO LUIZ SCHREINERT, FABIANO VENTURA ROLIM, LUCIANO VON SALTIEL, VALDIR SOARES PEREIRA e KASSIUS SOUZA DA SILVA, em tipicidade indireta, por meio da regra de extensão do artigo 29 do Código Penal, mediante as seguintes condutas, que revelam, de forma cabal, a autoria dolosa:

(1) AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA, no dia 07.10.2012, transportou cerca de 180 eleitores, utilizando-se de um veículo GM PRISMA, locado, no dia 06.10.2012, junto com outros 11 (onze) veículos (total de 12 veículos), na empresa Pontual Autolocadora e devolvidos no dia 08.10.2012, por representantes da campanha eleitoral de MARCELO LUIZ SCHREINERT; conclusões embasadas na demonstração do auxílio material e na declaração de folhas 110-112, 168, 249, 250, 251, 252-253, 254, 255, 256, 257, 258, 259, 341.

(2) MARCELO LUIZ SCHREINERT, FABIANO VENTURA ROLIM, LUCIANO VON SALTIEL, VALDIR SOARES PEREIRA e KASSIUS SOUZA DA SILVA, prestaram auxílio moral (instigação decisiva na prática do crime) e material (por meio de estrutura logística para possibilitar o crime). São vários os elementos que revelam de forma imbricada a instigação decisiva na prática do crime, bem como a estrutura logística organizada para o cometimento da infração penal.

Auxílio material (estrutura logística): a estrutura material para o cometimento da infração já fora cabalmente reconhecida pela Juízo Eleitoral da 50ª Zona Eleitoral e por este Tribunal Regional Eleitoral. No ponto oportuno trazer excerto do acórdão proferido por este TRE no Recurso Eleitoral nº 1-84.2013.6.21.0050, o qual em análise do conjunto probatório colacionado ao referido recurso, acaba por reportar-se as razões de decidir do juízo de primeiro grau:

No caso dos autos, a conduta encontra-se perfeitamente demonstrada através da prova documental colacionada, que revela a contratação pelos representados, através do comitê da campanha, e pagamento por eles, de todas as despesas relacionadas à locação de veículos, combustível e até alimentação dos motoristas após o pleito eleitoral.

O servidor municipal Valdir Soares Pereira, envolvido na campanha à reeleição do Prefeito Municipal, efetuou a locação dos veículos na cidade de Porto Alegre, fornecendo cheque caução para liberação destes. Por sua vez, Kassius Souza da Silva e Luciano Saltiel também arcaram com o pagamento das locações no momento da devolução dos automóveis, e é importante frisar que o último foi coordenador da campanha eleitoral dos representados.

Os contratos entabulados entre Pontual Autolocadora e Valdir Soares Pereira, acostados às fls. 268/334, revelam a locação de doze veículos em 06.10.2012 (vésperas da eleição) e devolução em 08.10.2012.

(...)

Júlio César da Silva narrou ter transportado os motoristas até Porto Alegre, antes das eleições, para locação dos veículos, buscando-os no dia da devolução dos automóveis, para retorno a São Jerônimo. Antes de retornar a São Jerônimo, todos almoçaram no Restaurante Rei dos Camarões. Narrou ter sido contratado por Luciano Saltiel por R$800,00.

Por sua vez, Rafael dos Santos Pereira, asseverou ter apenas buscado o automóvel na locadora, a pedido de Luciano. Esclareceu que, na véspera das eleições, deslocou-se ao interior de São Jerônimo para distribuição de um jornal, interesse dos representados.

Ora, a versão apresentada pelos representados, os quais alegaram que “simpatizantes”, sem interferência na chapa, teriam alugado os veículos por conta própria, para participarem da carreata, não merece prosperar, pois totalmente dissociada dos demais elementos de prova trazidos aos autos. Os contratos de locação não deixam dúvidas de que três servidores da municipalidade – Valdir Soares Pereira, Kassius Souza da Silva e Luciano Saltiel –, os quais atuavam na campanha de reeleição do representado Marcelo, foram os responsáveis pela locação dos veículos e pagamento do combustível, que não ocorreu de forma individual. Ademais, embora Luciano Satiel, em seu depoimento, tenha informado não conhecer Rafael Pereira, este afirmou que, a pedido de Luciano, buscou o veículo locado em Porto Alegre, demonstrando fragilidade na tese defensiva e afastando a credibilidade das declarações. Da mesma forma, o relato de Kassius Souza da Silva apresenta contradições, pois, embora refira ter locado o veículo por conta própria, às 10:00h do sábado e devolvido na segunda-feira, bem cedo, os contratos acostados revelam que os doze automóveis foram locados juntos no sábado, sendo retirados da locadora às 08:40h e devolvidos, também de forma conjunta, no dia 08.10.2013, ao meio dia".

Auxílio moral (instigação decisiva na prática do crime): dos elementos de informação conclui-se que havia uma estrutura organizada por MARCELO LUIZ SCHREINERT, FABIANO VENTURA ROLIM, LUCIANO VON SALTIEL, VALDIR SOARES PEREIRA, KASSIUS SOUZA DA SILVA, cujo objetivo era a reeleição de MARCELO, bem como acessar cargos públicos na administração municipal (esses três últimos são detentores de cargos públicos de livre nomeação na referida administração). Esses agentes, no final da campanha política do ano de 2012, deliberaram por contratar 12 veículos para transporte de eleitores e demais atos de campanha. Para atingir tal intento precisavam atuar como motoristas transportando pessoas ou contratar pessoas e induzi-las a proceder de tal forma e, para tanto, deliberaram por agir da seguinte forma, como se observa dos autos:

MARCELO LUIZ SCHREINERT – candidato reeleito prefeito e principal beneficiário da pratica delitiva, conhecia a situação de fato, pois os responsáveis pela estrutura logística do crime eram os principais articuladores de sua campanha eleitoral, bem como atuam em cargos de confiança dele na administração municipal; nesse contexto agiu, por vezes, em situação de dolo eventual (conhecia a situação ilícita de fato e com ela consentia porque os resultados lhe eram favoráveis) e, por vezes, agia em dolo direto articulando os acontecimentos (demonstração cabal em relação a AMARO RAFAEL); conclusões embasadas na demonstração do auxílio material e na declaração de folhas 110-112, 168, 249, 250, 252, 254, 256, 258, 280-282, 341.

FABIANO VENTURA ROLIM – vice-prefeito de São Jerônimo, foi um dos organizadores dos atos de transporte de eleitores, articulando os atos de auxílio material e moral do ilícito (demonstração cabal em relação a AMARO RAFAEL) ou consentido que assim se procedesse; conclusões embasadas na demonstração do auxílio material e na declaração de folhas 110-112, 168, 280-282.

VALDIR SOARES PEREIRA – atual Secretário de Obras de São Jerônimo e articulador da campanha eleitoral de MARCELO, agiu como um dos principais responsáveis pela contratação dos veículos, pois as locações foram em seu nome, bem como prestou auxílio moral para a prática delitiva (demonstração cabal em relação a AMARO RAFAEL); conclusões embasadas na demonstração do auxílio material e na declaração de folhas 110-112, 168, 171.

LUCIANO VON SALTIEL – atual Secretário de Saúde de São Jerônimo, coordenador da campanha eleitoral de MARCELO, foi um dos organizadores dos atos de transporte de eleitores, responsável direto pelo transporte dos motoristas até a locadora, responsável pela negociação prévia da locação, bem como por induzir os motoristas ao transporte de eleitores (demonstração cabal em relação a AMARO RAFAEL); conclusões embasadas na demonstração do auxílio material e na declaração de folhas 110-112, 168, 171, 280-282, 314-316.

KASSIUS SOUZA DA SILVA – atual Secretário de Planejamento do Município de São Jerônimo, um dos coordenadores da campanha de eleitoral de MARCELO, foi um dos organizadores dos atos de transporte de eleitores, atuou na contratação dos carros bem como na indução na dos motoristas contratados para a prática delitiva (demonstração cabal em relação a AMARO RAFAEL); conclusões embasadas na demonstração do auxílio material e nas declarações de folhas 110-112, 168, 280-282, 292-294, 302-304.

A materialidade e a autoria restaram comprovadas por meio dos seguintes elementos de informação:

(1) Documentação contratual relativa à contratação dos veículos e tratativas prévias documentadas, folhas 29-107;

(2) Declarações prestadas por AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA folhas 110-112 e 168;

(3) Declarações prestadas por: Luana Martins, folha 171; Diego da Cruz de Almeida, folha 249; Juraci Rodrigues dos Santos, folha 250; Ana Lúcia Soares dos Santos, folha 251; Zélia Marliz da Cruz de Almeida, folha 252-253; Bibiana Mendes, folha 254; Doralino Nunes dos Santos, folha 255; Luís Ricardo Campos da Silva, folha 256; Márcio de Freitas Silveira, folha 257; Gabriela Reinarte Furquim, folha 258; Sílvia Reinarte Furquim, folha 259; Rafael dos Santos Pereira, folha 280-282; José Paulo de Almeida Nelson, folha 292-294; Kassius de Souza da Silva, 302-304; Daicy Luís Nunes Dornelles, folhas 314-316; Jackson Luís Souza Trindade, folha 341.

Da capitulação legal das condutas:

1. MARCELO LUIZ SCHREINERT incorre nas penas do art. 11, III, combinado com o art. 5º, ambos da Lei 6.091/1974, por meio da regra de extensão do artigo 29 do Código Penal (tipicidade indireta);

2. FABIANO VENTURA ROLIM incorre nas penas do art. 11, III, combinado com o art. 5º, ambos da Lei 6.091/1974, por meio da regra de extensão do artigo 29 do Código Penal (tipicidade indireta);

3. LUCIANO VON SALTIEL incorre nas penas do art. 11, III, combinado com o art. 5º, ambos da Lei 6.091/1974, por meio da regra de extensão do artigo 29 do Código Penal (tipicidade indireta);

4. VALDIR SOARES PEREIRA incorre nas penas do art. 11, III, combinado com o art. 5º, ambos da Lei 6.091/1974, por meio da regra de extensão do artigo 29 do Código Penal (tipicidade indireta);

5. KASSIUS SOUZA DA SILVA incorre nas penas do art. 11, III, combinado com o art. 5º, ambos da Lei 6.091/1974, por meio da regra de extensão do artigo 29 do Código Penal (tipicidade indireta);

6. AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA, incorre nas penas do art. 11, III, combinado com o art. 5º, ambos da Lei 6.091/1974 (tipicidade direta);

O órgão ministerial requer ainda o arquivamento do inquérito nos seguintes termos:

(1) no que diz respeito ao crime de transporte de eleitores – arquivamento do inquérito policial, por ausência de provas da tipicidade direta, ressalvados os termos do art. 18 do CPP, em relação a MAURO SÉRGIO SILVA DA SILVA, RAFAEL DOS SANTOS PEREIRA, JOSÉ PAULO DE ALMEIDA NELSON, DAICY LUIS NUNES DORNELLES, ROGÉRIO MARQUES MARINS, GILTON STRACKE PASCHOAL, MARCOS LEANDRO SILVA DE SOUZA, MARCOS VINÍCIO DA SILVA e CARLOS EDUARDO GOMES DE ABREU; e por consequência da teoria da assessoriedade limitada, o arquivamento do inquérito policial em relação a MARCELO LUIZ SCHREINERT, FABIANO VENTURA ROLIM, LUCIANO VON SALTIEL, VALDIR SOARES PEREIRA e KASSIUS SOUZA DA SILVA;

(2) no que diz respeito ao crime de compra de votos (CE, art. 299) – o arquivamento do inquérito policial, por ausência de provas, ressalvados os termos do art. 18 do CPP, em relação a todos os investigados;

(3) no que diz respeito ao crime de quadrilha (CP, art. 288, redação revogada) – o arquivamento do inquérito policial, por ausência de provas, ressalvados os termos do art. 18 do CPP, em relação a todos os investigados.

A denúncia está instruída com cópia do Inquérito Policial n. 0003/2014 da Delegacia de Polícia Federal (fls. 11-464).

Notificados, nos termos do art. 4° da Lei n. 8.038/90 (fls. 481-488), os denunciados apresentaram resposta nos termos a seguir expostos.

KASSIUS SOUZA DA SILVA (fls. 492-504), VALDIR SOARES PEREIRA (fls. 507-519) e MARCELO LUIZ SCHREINERT (fls. 523-536) preliminarmente requerem seja o inquérito policial desentranhado dos autos, ao argumento de que considerando que sem sombra de dúvidas a acusação virá a pautar a sua conduta processual no que colhido no inquérito policial de maneira inquisitorial, e que tal realidade poderá vir a influenciar no deslinde final da causa, o que viria a atentar diretamente para com os direitos fundamentais dos acusados, há que se extrair, de pronto, as peças do inquérito policial do presente feito, fazendo valer, em assim sendo, um devido processo penal constitucional.

No mérito, postulam a inépcia da inaugural, ao entendimento de que a denúncia foi apresentada de forma genérica, não descrevendo os fatos e condutas de maneira clara e pormenorizada. Aduzem que a denúncia baseia suas pretensões em premissas inexistentes, visto que o órgão ministerial teria omitido decisão do TSE que, em recurso especial, reformou acórdão deste TRE nos autos do Recurso Eleitoral n. 1-84.2013.6.21.0050. Quanto a esse ponto, esclarecem que, à fl. 04, a Procuradoria Eleitoral alegou que a estrutura material para o cometimento da infração já fora cabalmente reconhecida pelo Juízo Eleitoral da 50ª Zona Eleitoral e por este Tribunal Regional Eleitoral. No ponto oportuno trazer excerto do acórdão proferido por este TRE no Recurso Eleitoral nº 1-84.2013.6.21.0050, o qual em análise do conjunto probatório relacionado ao referido recurso, acaba por reportar-se as razões de decidir do juízo de primeiro grau. No entanto, os denunciados trazem informação de que tal acórdão foi reformado por decisão unânime do Tribunal Superior Eleitoral em sessão de 11.06.2014, por meio da qual foi provido o apelo da defesa, sendo julgada improcedente a representação eleitoral em comento, restando assim ementado o acórdão:

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/97. PREFEITO E VICE-PREFEITO. SUPOSTO USO ESPÚRIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. LOCAÇÃO DE VEÍCULOS PARA TRANSPORTE DE ELEITORES. PROVA FRÁGIL. TESTEMUNHA ÚNICA. DEPOIMENTO CONTRADITÓRIO. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA. CASSAÇÃO DOS MANDATOS ELETIVOS. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO TSE. PROVIMENTO.

1. Se o acórdão regional enfrentou suficientemente as teses trazidas pela defesa, descabe reconhecer violação ao art. 275, I e I, do Código Eleitoral.

2. A procedência da representação calcada no art. 30-A da Lei n. 9.504/97 exige, ante a gravidade da sanção dela decorrente (casação do mandato), prova segura e contundente dos atos praticados. In casu, a prova dos autos é frágil, pois baseada no depoimento de uma única testemunha, que se mostrou flagrantemente contraditório. Precedentes.

3. Recurso especial provido.

Desse modo, entendem que a premissa de que teria ocorrido o transporte de eleitores foi afastada pelo TSE em virtude da fragilidade e contradição da prova, consistente no depoimento da testemunha AMARO RAFAEL que, agora, passados mais dois anos do pretenso ocorrido, vem a indicar verdadeiros figurantes como se transportados por ele tivessem sido. E continuam, afirmando ser o segundo ato de um circo montado pelo próprio (AMARO RAFAEL), em conjunto com os adversários políticos dos réus.

Requerem, portanto, o acolhimento da preliminar e a rejeição da denúncia por inépcia da inicial.

Por sua vez, FABIANO VENTURA ROLIM e LUCIANO VON SALTIEL apresentam resposta conjunta (fls. 539-553) por meio da qual trazem praticamente os mesmos argumentos já expostos pelos demais denunciados quanto ao fato de que a denúncia seria baseada em premissa supostamente inexistente, pois o ente ministerial refere que a Justiça Eleitoral teria reconhecido o eventual transporte de eleitores, quando, na verdade, o TSE, provendo recurso especial, julgou improcedente a representação nos autos do Recurso Eleitoral n. 1-84.2013.6.21.0050.

Alegam que a denúncia está embasada em prova frágil, basicamente fundamentada em um único, tendencioso, contraditório e confuso testemunho (de AMARO RAFAEL), motivo pelo qual requerem a sua rejeição.

Ao seu turno, AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA apresentou resposta (fls. 614-616) na qual confessa ter transportado 180 eleitores para votarem nas eleições municipais realizadas em 07.10.2012 no município de São Jerônimo, tendo utilizado para tanto um veículo GM PRISMA, locado, juntamente com outros carros, na Empresa Pontual Auto Locadora, no dia 06.10.2012, sendo tal automóvel devolvido à locadora no dia 08.10.2012.

Por ter colaborado efetivamente na identificação dos demais coautores e partícipes da ação criminosa, nos termos do acordo de colaboração premiada homologado nos autos da PET 2671-17.2014.6.21.0000, requer a concessão do perdão judicial.

Vieram os autos a mim conclusos.

É o relatório.

 

VOTO

Eminentes colegas:

A questão submetida ao presente julgamento diz respeito à existência de substrato  probatório mínimo que autorize a deflagração da ação penal contra os denunciados, levando em consideração o preenchimento dos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal e a ausência das hipóteses de rejeição previstas no art. 395 do mesmo diploma legal.

Segundo o direito processual penal brasileiro, a denúncia deve conter a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado (ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo), a classificação do crime e, quando for o caso, o rol de testemunhas (CPP, art. 41).

Tais exigências têm como fundamento a necessidade de precisar, com acuidade, os limites da imputação, não apenas autorizando o exercício da ampla defesa, como também viabilizando a aplicação da lei penal pelo órgão julgador.

Portanto, a verificação acerca da narração de fato típico, antijurídico e culpável, da inexistência de causa de extinção da punibilidade e da presença das condições exigidas pela lei para o exercício da ação penal (aí incluída a justa causa) revela-se fundamental para o juízo de admissibilidade de deflagração da ação penal.

Como já mencionado no relatório, MARCELO LUIZ SCHREINERT, FABIANO VENTURA ROLIM, LUCIANO VON SALTIEL, VALDIR SOARES PEREIRA, KASSIUS SOUZA DA SILVA e AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA estão sendo denunciados pela suposta prática do crime de transporte de eleitores, delito tipificado no art. 11, inciso III, combinado com o art. 5º, ambos da Lei n. 6.091/1974, in verbis:

Art. 11. Constitui crime eleitoral:

(...)

III - descumprir a proibição dos artigos 5º, 8º e 10º;

Pena - reclusão de quatro a seis anos e pagamento de 200 a 300 dias-multa (art. 302 do Código Eleitoral);

(...)

Parágrafo único. O responsável, pela guarda do veículo ou da embarcação, será punido com a pena de detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e pagamento de 60 (sessenta) a 100 (cem) dias-multa.

 

Art. 5º. Nenhum veículo ou embarcação poderá fazer transporte de eleitores desde o dia anterior até o posterior à eleição, salvo:

I - a serviço da Justiça Eleitoral;

II - coletivos de linhas regulares e não fretados;

III - de uso individual do proprietário, para o exercício do próprio voto e dos membros da sua família;

IV - o serviço normal, sem finalidade eleitoral, de veículos de aluguel não atingidos pela requisição de que trata o art. 2º.

Passo, então, à análise da denúncia.

1. Da competência

A competência deste Tribunal Regional Eleitoral está firmada em razão de o denunciado MARCELO LUIZ SCHREINERT ser o atual Prefeito de São Jerônimo, detentor de foro privilegiado perante esta Corte em razão da prerrogativa da função, nos termos do art. 29, inc. X, da Constituição Federal, combinado com o art. 84 do Código de Processo Penal, de acordo com a Súmula n. 702 do STF:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

(…)

X - julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça;

 

Súmula 702 do STF

A competência do Tribunal de Justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau.

2. Do pedido de desentranhamento do inquérito policial

Em preliminar, a defesa de KASSIUS SOUZA DA SILVA (fls. 492-504), VALDIR SOARES PEREIRA (fls. 507-519) e MARCELO LUIZ SCHREINERT (fls. 523-536) requer seja o inquérito policial desentranhado dos autos, ao argumento de que considerando que sem sombra de dúvidas a acusação virá a pautar a sua conduta processual no que colhido no inquérito policial de maneira inquisitorial, e que tal realidade poderá vir a influenciar no deslinde final da causa, o que viria a atentar diretamente para com os direitos fundamentais dos acusados, há que se extrair, de pronto, as peças do inquérito policial do presente feito, fazendo valer, em assim sendo, um devido processo penal constitucional.

Tal entendimento é lastreado unicamente em doutrina minoritária do jurista gaúcho Aury Lopes Jr., segundo a qual os elementos colhidos na investigação preliminar são considerados meros atos de investigação e, como tal, destinados a ter uma eficácia restrita às decisões interlocutórias que se produzem no curso da instrução preliminar e na fase intermediária.

Assim, o referido doutrinador entende, de forma geral, que tal instrumento de investigação não possui valor probatório (LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade Constitucional. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006). Vejamos:

A única verdade admissível é a processual, produzida no âmago da estrutura dialética do processo penal e com plena observância das garantias de contradição e defesa. Em outras palavras, os elementos recolhidos na fase pré-processual são considerados como meros atos de investigação e, como tal, destinados a ter uma eficácia restrita às decisões interlocutórias que se produzem no curso da instrução preliminar e na fase intermediária. (...) Os atos de investigação preliminar tem uma função endoprocedimental no sentido de que sua eficácia probatória é limitada, interna à fase. Servem para fundamentar as decisões interlocutórias tomadas no curso da investigação, formalizar a imputação, amparar um eventual pedido de adoção de medidas cautelares ou outras medidas restritivas e para fundamentar a probabilidade do fumus commissi delicti que justificará o processo ou o não-processo.

Entende o jurista ser lamentável o fato de alguns magistrados proferirem decisões baseadas no inquérito policial, motivo pelo qual vem defendendo a exclusão física dos autos do inquérito de dentro do processo, como única maneira de efetivar a garantia da jurisdição e de ser julgado com base nos atos de prova.

Com isso, na compreensão do referido processualista, busca-se garantir que sentenças condenatórias sejam exclusivamente fundamentadas nas provas obtidas na fase processual, com observância dos princípios da publicidade, oralidade, imediação, contraditório e ampla defesa, garantindo-se que os elementos investigatórios que não foram colhidos com observância destas garantias não sejam considerados meios de prova aptos à valoração na sentença.

Pois bem.

Fernando da Costa Tourinho Filho (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 198) define inquérito policial como sendo o conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária para a apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo. No conceito de Júlio Fabbrini Mirabete (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2004, p.76) inquérito policial é todo procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários à apuração de uma infração penal e de sua autoria.

O inquérito policial é muito mais do que uma mera peça de informação. É um instrumento extremamente valioso para oferecimento da denúncia. É procedimento dentro do qual a autoridade policial deve restringir sua atuação à apuração dos fatos, por meio de indícios de autoria e materialidade do crime.

Portanto, embora o inquérito não possa, isoladamente, fundamentar uma sentença condenatória, por haver lesão ao princípio do contraditório, tal procedimento pode integrar o conjunto de provas aptas a formar a convicção do magistrado, desde que os elementos probatórios sejam confirmados durante a instrução em juízo.

Verifica-se, da análise da jurisprudência, que na maioria dos casos o inquérito policial mostra-se imprescindível por constituir a única peça de informação à disposição do Ministério Público nos crimes de ação penal pública, tal como no delito sob análise.

Por outro lado, não é possível extrair da jurisprudência entendimentos que amparem a pretensão da defesa de excluir dos autos a peça inquisitorial.

Registro que o próprio Código de Processo Penal, em seu art. 12, dispõe que o inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa sempre que servir de base a uma ou outra. Sendo a denúncia ou queixa responsável pela Ação Penal, o inquérito acompanhará os autos do processo penal, dele fazendo parte:

Art. 12. O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra.

Todavia, não desconheço que o inquérito, a despeito de ser o principal instrumento de investigação criminal, é caracterizado pela dispensabilidade, ou seja, ele pode ser dispensado caso o titular da ação penal disponha de elementos de convicção suficientes para evidenciar a viabilidade da acusação (indícios de autoria e prova da materialidade), podendo então a ação ser proposta diretamente, independentemente da existência da peça inquisitorial.

Conclui-se, portanto, que o inquérito é peça dispensável ao oferecimento da denúncia e, mesmo quando instaurado, sua presença no processo não é obrigatória.

No entanto, a premissa contrária não é verdadeira.

Assim, temos que o procedimento investigatório pode ser dispensado e não, ao contrário do sustentado pela defesa, deve ser dispensado.

Pelo exposto, entendo que a preliminar deva ser afastada, mantendo-se o inquérito juntado ao processo como subsídio da denúncia.

3. Das condições da ação e dos elementos mínimos de autoria e materialidade

De acordo com a peça inaugural, materialidade e autoria restariam configuradas na descrição dos fatos elencados, quando os denunciados MARCELO LUIZ SCHREINERT, FABIANO VENTURA ROLIM, LUCIANO VON SALTIEL, VALDIR SOARES PEREIRA, KASSIUS SOUZA DA SILVA e AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA, em comunhão de esforços, promoveram o transporte irregular de eleitores, infringindo o disposto no art. 11, inciso III, combinado com o art. 5º, ambos da Lei n. 6.091/1974.

Analisando a peça acusatória, verifica-se que ela narra como teriam sido praticados os delitos, ou seja, a tipicidade dos fatos, seus autores e a descrição dos crimes, a qualificação dos acusados e, também, as testemunhas arroladas. Assim, todos os pressupostos para o recebimento da denúncia estão presentes.

A ação penal proposta possui justa causa para sua continuidade, visto que a peça acusatória está acompanhada de uma significativa quantidade de documentos e declarações contidos no Inquérito n. 0003/2014 da Polícia Federal.

Além disso, ressalva-se que houve incremento probatório em relação ao acervo reunido nos autos da RP n. 1-84.2013.6.21.0050, derivado de acordo de colaboração premiada entre o denunciado AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA e a Procuradoria Regional Eleitoral, o qual restou homologado por este Tribunal Regional.

Quanto a esse ponto, cumpre sublinhar que a colaboração premiada é instrumento extremamente eficaz, visando permitir uma persecução penal eficiente e, sobretudo, melhorar a qualidade do material probatório produzido.

Concluo, então, pela comprovação de indícios suficientes acerca da autoria e materialidade dos fatos narrados, fazendo-se necessário o recebimento da denúncia para que, no decorrer da ação penal, seja possível apurar se efetivamente ocorreram.

Registro, ainda, que a denúncia é apta, cumprindo todos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, descrevendo os fatos imputados com todas as circunstâncias necessárias para permitir aos acusados o exercício da ampla defesa.

Consoante doutrina penal autorizada, e os arestos dos tribunais do país, estando preenchidos os requisitos dos arts. 41 e 357, §2º, do Código de Processo Penal e Código Eleitoral, respectivamente, e estando, por sua vez, ausentes quaisquer dos casos contemplados nos arts. 43 do CPP e 358 do CE, que disciplinam as hipóteses de sua rejeição, deve a denúncia ser recebida.

Cabe ressaltar que a denúncia somente pode ser rejeitada quando a imputação referir-se a fato atípico certo e delimitado, apreciável desde logo, sem necessidade de produção de qualquer meio de prova, eis que o juízo é de cognição imediata, incidente, acerca da correspondência do fato à norma jurídica, partindo-se do pressuposto de sua veracidade, tal como narrado na peça acusatória.

Não é o caso dos autos, pois concluo haver substrato fático-probatório suficiente para o início e desenvolvimento da ação penal pública de forma legítima.

Nesse sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assim se posiciona, grifos meus:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO. DENÚNCIA OFERECIDA. ART. 89 DA LEI 8.666/93. ART. 41 DO CPP. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA. TIPICIDADE DOS FATOS. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA. RECEBIMENTO. 1. A questão submetida ao presente julgamento diz respeito à existência de substrato mínimo probatório que autorize a deflagração da ação penal contra o denunciado, levando em consideração o preenchimento dos requisitos do art. 41, do Código de Processo Penal, não incidindo qualquer uma das hipóteses do art. 395, do mesmo diploma legal. 2. De acordo com o direito brasileiro, a denúncia deve conter a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado (ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo), a classificação do crime e, quando for o caso, o rol de testemunhas (CPP, art. 41). Tais exigências se fundamentam na necessidade de precisar, com acuidade, os limites da imputação, não apenas autorizando o exercício da ampla defesa, como também viabilizando a aplicação da lei penal pelo órgão julgador. 3. A verificação acerca da narração de fato típico, antijurídico e culpável, da inexistência de causa de extinção da punibilidade e da presença das condições exigidas pela lei para o exercício da ação penal (aí incluída a justa causa), revela-se fundamental para o juízo de admissibilidade de deflagração da ação penal, em qualquer hipótese, mas guarda tratamento mais rigoroso em se tratando de crimes de competência originária do Supremo Tribunal Federal. 4. Registro que a denúncia somente pode ser rejeitada quando a imputação se referir a fato atípico certo e delimitado, apreciável desde logo, sem necessidade de produção de qualquer meio de prova, eis que o juízo é de cognição imediata, incidente, acerca da correspondência do fato à norma jurídica, partindo-se do pressuposto de sua veracidade, tal como narrado na peça acusatória. 5. A imputação feita na denúncia consiste na prática, em tese, do delito previsto no art. 89, caput e parágrafo único, da Lei 8.666/93, por parte dos requeridos, ao inexigirem uma licitação quando era caso justamente de fazer o contrário. 6. Houve preenchimento dos requisitos do art. 41, do Código de Processo Penal, havendo justa causa para a deflagração da ação penal, inexistindo qualquer uma das hipóteses que autorizariam a rejeição da denúncia (CPP, art. 395). 7. Há substrato fático-probatório suficiente para o início e desenvolvimento da ação penal pública de forma legítima. 8. Denúncia recebida.

(Inq 3016 / SP. Rel. Min. ELLEN GRACIE J. 30.09.2010, Tribunal Pleno.)

Portanto, presentes as condições da ação e verificados elementos mínimos de autoria e materialidade, deve ser recebida a denúncia.

4. Colaboração premiada

Por meio da PET 2671-17.2014.6.21.0000, o Ministério Público Eleitoral firmou acordo de colaboração premiada com AMARO RAFAEL DA CRUZ ALMEIDA, o qual restou homologado por este juízo, nos termos da decisão da fl. 31 daqueles autos.

A finalidade da homologação é, sobretudo, realizar o controle da regularidade, legalidade (ou seja, se foram observados os requisitos, procedimentos e garantias previstos em lei) e voluntariedade do ato. Não há nessa decisão homologatória análise quanto à eficácia da colaboração.

Tal análise, nos termos do art. 4º, § 11, da Lei n. 12.850/2013, se dará somente por ocasião do julgamento da ação, momento no qual será possível reconhecer se a colaboração foi eficiente ou não, aplicando-se ou não eventual benefício.

Portanto, inviável, neste momento, a análise do pedido de AMARO RAFAEL (fls. 614-616) no sentido de que lhe seja concedido o perdão judicial.

Em relação ao sigilo do termo de acordo, o § 3º do art. 7º da Lei n. 12.850/2013 é taxativo ao dispor que o acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso assim que recebida a denúncia.

Quanto a esse ponto, assim ensina o Procurador da República Andrey Borges de Mendonça (Custus Legis – Revista Eletrônica do Ministério Público Federal, Vol. 04, 2013):

Acordo é, em princípio, sigiloso. Sobretudo na fase das tratativas, é importante que seja mantido o sigilo, para impedir que haja pressões indevidas que levem o colaborador a desistir. Para tanto, a lei traz algumas cautelas. Segundo o art. 7º, o pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto.

Segundo o § 1º, as informações pormenorizadas da colaboração serão dirigidas diretamente ao juiz a que recair a distribuição, que decidirá no prazo de 48 (quarenta e oito) horas. Por sua vez, o art. 7º, §2º, restringe o acesso aos autos ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações. Até mesmo para que possa realizar o acordo, deve-se assegurar ao defensor do colaborador o amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento.

A nova lei delimitou claramente o momento: até o recebimento da denúncia, oportunidade em que o acordo deixa de ser sigiloso para os imputados e atingidos pela colaboração, nos termos do art. 7º, §3º. Assim, não apenas o acesso ao acordo escrito deve ser garantido aos réus atingidos pela colaboração, mas também eventuais contribuições feitas pelo colaborador. Nesse sentido, tanto o termo do acordo homologado quanto eventuais declarações prestadas devem ser concedidas aos demais imputados.

No mesmo sentido, é pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ao reconhecer a necessidade do afastamento do sigilo dos acordos de delação premiada quando recebida a denúncia:

HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL, HOMICÍDIO QUALIFICADO, OCULTAÇÃO DE CADÁVER E PORTE ILEGAL ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. IMPETRAÇÃO AJUIZADA CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR QUE INDEFERIU MEDIDA LIMINAR EM OUTRO WRIT. SÚMULA 691/STF. CONSTRANGIMENTO QUE AUTORIZA A SUPERAÇÃO DO REFERIDO ÓBICE. NEGATIVA DE APLICAÇÃO DA LEI N. 12.850/2013 EM RELAÇÃO AO AFASTAMENTO DO SIGILO DOS ACORDOS DE DELAÇÃO PREMIADA. ACUSAÇÃO JÁ RECEBIDA. OITIVA DOS RÉUS COLABORADORES AINDA NÃO REALIZADA. NORMA PROCESSUAL. APLICABILIDADE IMEDIATA. SISTEMA DE ISOLAMENTO DOS ATOS PROCESSUAIS (ART. 2º CPP). LEI N. 12.850/2013. NORMA PROCESSUAL MATERIAL OU MISTA. POSSIBILIDADE DE CISÃO. APLICABILIDADE IMEDIATA DAS DISPOSIÇÕES DE NATUREZA PROCESSUAL. RESERVA DAS NORMAS QUE TIPIFICAM CRIMES E SANÇÕES PARA OS CRIMES PRATICADOS APÓS A VIGÊNCIA. MEDIDA QUE RESSALTA A AMPLA DEFESA. DIREITO ADQUIRIDO AO SIGILO E ATO PROCESSUAL DE EFEITOS PRECLUSIVOS. INEXISTÊNCIA. 1. As Turmas integrantes da Terceira Seção desta Corte, na esteira do preceituado na Súmula 691/STF, têm entendimento pacificado no sentido de não ser cabível a impetração de habeas corpus contra decisão de relator que indefere medida liminar em ação de igual natureza, ajuizada em Tribunais de segundo grau, salvo a hipótese de inquestionável teratologia ou ilegalidade manifesta. O caso dos autos autoriza a superação do referido óbice. 2. As instâncias ordinárias contestaram a alegação de cerceamento de defesa, decorrente da manutenção do sigilo dos acordos de delação premiada formulados com corréus, ao argumento, em síntese, de que o recebimento da denúncia ocorreu antes do advento da Lei n. 12.850/2013, a qual prevê que o acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso, assim que recebida a denúncia. 3. A Lei n. 12.850/2013, de um lado, tipifica crimes e, de outro, trata do procedimento criminal, sendo manifesto seu caráter misto, ou seja, possui regras de direito material e de direito processual, sendo a previsão do afastamento do sigilo dos acordos de delação premiada norma de natureza processual, devendo obedecer ao comando de aplicação imediata, previsto no art. 2º do Código de Processo Penal. 4. Não há óbice a que a parte material da Lei n. 12.850/2013 seja aplicada somente ao processo de crimes cometidos após a sua entrada em vigor e a parte processual siga a regra da aplicabilidade imediata prevista no Código de Processo Penal. 5. Nada impede a aplicação da norma que afasta o sigilo dos acordos de delação premiada, no estágio em que a ação penal se encontra, pois, além de já ter sido recebida a denúncia, momento que a lei exige para que seja afastado o sigilo, o Código de Processo Penal adotou, em seu art. 2º, o sistema de isolamento dos atos processuais, segundo o qual a lei nova não atinge os atos processuais praticados sob a vigência da lei anterior, porém é aplicável as atos processuais que ainda não foram praticados, pouco importando a fase processual em que o feito se encontrar (LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Volume único, Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2013, pág. 68). 6. Reforça a aplicação imediata da referida regra processual a observância do princípio constitucional da ampla defesa, uma vez que a norma trata da publicidade dos acordos de delação premiada aos demais corréus da ação penal. 7. Inexiste direito adquirido ao sigilo dos acordos de delação premiada e não se está a tratar da prática de um ato processual de efeitos preclusivos, situações que poderiam impedir a não aplicação da nova norma processual à ação penal em questão. 8. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para determinar que o Juízo de Direito da 1ª Vara Federal da 5ª Subseção Judiciária da comarca de Ponta Porã/MS afaste o sigilo dos acordos de delação premiada firmados com os corréus da Ação Penal n. 0001927-86.2012.4.03.6005.

(STJ - HC: 282253 MS 2013/0377678-8, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 25.03.2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25.04.2014.) (Grifei.)

Desse modo, recebida a denúncia, cabe afastar o sigilo do termo de acordo de delação premiada realizado nos autos da PET 2671-17.2014.6.21.0000.

5. Conclusão

Portanto, pelos motivos expostos, presentes as condições da ação e verificados elementos mínimos de autoria e materialidade, deve ser recebida a denúncia em relação a MARCELO LUIZ SCHREINERT, FABIANO VENTURA ROLIM, LUCIANO VON SALTIEL, VALDIR SOARES PEREIRA, KASSIUS SOUZA DA SILVA e AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA pela suposta prática do crime de transporte de eleitores, delito tipificado no art. 11, inciso III, combinado com o art. 5º, ambos da Lei n. 6.091/1974.

Acolho, igualmente, a promoção de arquivamento do inquérito policial por ausência de provas da tipicidade direta, ressalvados os termos do art. 18 do CPP, em relação a MAURO SÉRGIO SILVA DA SILVA, RAFAEL DOS SANTOS PEREIRA, JOSÉ PAULO DE ALMEIDA NELSON, DAICY LUIS NUNES DORNELLES, ROGÉRIO MARQUES MARINS, GILTON STRACKE PASCHOAL, MARCOS LEANDRO SILVA DE SOUZA, MARCOS VINÍCIO DA SILVA e CARLOS EDUARDO GOMES DE ABREU; e, por consequência da teoria da assessoriedade limitada, o arquivamento do procedimento investigatório por tipicidade indireta em relação a MARCELO LUIZ SCHREINERT, FABIANO VENTURA ROLIM, LUCIANO VON SALTIEL, VALDIR SOARES PEREIRA e KASSIUS SOUZA DA SILVA quanto à participação nos crimes supostamente cometidos pelos primeiros investigados.

Por fim, acolho, em relação a todos os investigados, o arquivamento do inquérito policial, por ausência de provas, no que diz respeito aos crimes de compra de votos (CE, art. 299) e de quadrilha (CP, art. 288, redação revogada), ressalvados os termos do art. 18 do CPP.

6. Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, afastada a preliminar, VOTO pelo recebimento da denúncia, com o prosseguimento da ação, nos termos do art. 6º e seguintes da Lei n. 8.038/90, em relação aos acusados MARCELO LUIZ SCHREINERT, FABIANO VENTURA ROLIM, LUCIANO VON SALTIEL, VALDIR SOARES PEREIRA, KASSIUS SOUZA DA SILVA e AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA, pela suposta prática do crime de transporte de eleitores, delito tipificado no art. 11, inciso III, combinado com o art. 5º, ambos da Lei n. 6.091/1974.

Recebida a denúncia, DETERMINO:

a) o arquivamento do procedimento investigatório, nos termos requeridos pelo agente ministerial,  em relação a MAURO SÉRGIO SILVA DA SILVA, RAFAEL DOS SANTOS PEREIRA, JOSÉ PAULO DE ALMEIDA NELSON, DAICY LUIS NUNES DORNELLES, ROGÉRIO MARQUES MARINS, GILTON STRACKE PASCHOAL, MARCOS LEANDRO SILVA DE SOUZA, MARCOS VINÍCIO DA SILVA e CARLOS EDUARDO GOMES DE ABREU; e, por consequência da teoria da assessoriedade limitada, o arquivamento do inquérito policial em relação a MARCELO LUIZ SCHREINERT, FABIANO VENTURA ROLIM, LUCIANO VON SALTIEL, VALDIR SOARES PEREIRA e KASSIUS SOUZA DA SILVA quanto à participação nos crimes supostamente cometidos pelos primeiros investigados, com a ressalva do disposto no art. 18 do Código de Processo Penal;

b) o arquivamento do inquérito, por ausência de provas, em relação a todos os investigados, no que diz respeito aos crimes de compra de votos (CE, art. 299) e de quadrilha (CP, art. 288, redação revogada), ressalvados os termos do art. 18 do CPP, também de acordo com o Ministério Público;

c) o afastamento do sigilo sobre o acordo de colaboração premiada (PET n. 2671-17.2014.6.21.0000), nos termos do art. 7º, § 3º, e 5º, da Lei n. 12.850/2013, devendo ser juntada a referida PET aos presentes autos; e

d) a expedição de Carta de Ordem aos juízos das zonas eleitorais em que residem os acusados MARCELO LUIZ SCHREINERT, FABIANO VENTURA ROLIM, LUCIANO VON SALTIEL, VALDIR SOARES PEREIRA, KASSIUS SOUZA DA SILVA e AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA, com cópia da inicial e do recebimento da denúncia, de modo que se proceda à citação dos mesmos para, querendo, nos termos do art. 8º da Lei n. 8.038/90, oferecerem defesa prévia.

É como voto, senhor Presidente.