RC - 5832 - Sessão: 30/06/2015 às 14:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL - MPE com atuação perante a 41ª Zona Eleitoral – Santa Maria ofereceu, em 06.5.2014, denúncia contra DOUGLAS RAFAEL PEREIRA, nos seguintes termos (fls. 02-03v.):

1º Fato:

No dia 05 de outubro de 2012, em horário não informado nos autos, o Denunciado DOUGLAS RAFAEL PEREIRA, estudante de ensino superior à época, mediante postagem na rede social “Facebook”, injuriou o candidato a Prefeito TIAGO AIRES, visando a fins de propaganda, ofendendo seu decoro, publicando que o então candidato era “mentiroso”.

2º Fato:

Na mesma postagem observa-se que o Denunciado DOUGLAS RAFAEL PEREIRA difamou TIAGO VASCONCELOS AIRES, visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação (“meu colega de faculdade, não minta, por favor, os estudantes de direito da UNIFRA não merecem fama de mentirosos”) e utilizando-se de meio que facilita a divulgação da ofensa, no caso, a rede social “Facebook”.

Na ocasião, o Denunciado DOUGLAS RAFAEL PEREIRA ‘postou’ o seguinte texto acerca do candidato TIAGO AIRES:

Tiago Aires seu mentiroso!!! O Jorge Pozzobom saiu de dentro da prefeitura há muito tempo antes (que você disse há um mês), acho que você esqueceu, mas ele é Deputado Estadual desde o início de 2011. Meu colega de faculdade, não minta, por favor, os estudantes de Direito da UNIFRA não merecem fama de mentirosos. Abraços.  (fl. 17)

O Denunciado postou o referido texto um dia antes das Eleições Municipais de 2012, 06 de outubro, impossibilitando assim a resposta de TIAGO AIRES às suas alegações.

O Denunciado destacou ‘marcando’ o nome do candidato TIAGO AIRES em seu texto, motivo pelo qual este foi divulgado amplamente, inclusive para a rede de amigos de TIAGO, conferindo publicidade a sua postagem e demonstrando a sua intenção ofensiva.

Ressalte-se ainda que pessoas da mesma rede social 'curtiram' a postagem do ora Denunciado, totalizando 6 'curtidas', inclusive o candidato a Prefeito Jorge Pozzobon, consoante imagens das fls. 18 e 19.

Assim agindo, o denunciado incorreu nas sanções dos artigos 325 e 326, do Código Eleitoral (Lei n. 4.737/1965), e no art. 327, inciso III da mesma Lei, razão pela qual o Ministério Público oferece a presente Denúncia, […]

Anexados documentos, inclusive os integrantes do Termo Circunstanciado de Ocorrência correlato (inicialmente integrantes do processo eleitoral sob a classe Notícia-Crime – NC n. 58-32), pelos quais se constata que houve a realização de audiência preliminar, na qual o acusado apresentou retratação do fato, não aceita pela parte adversa, e que foi ofertada transação penal ao acusado, o qual permaneceu silente (fls. 04-83).

Recebida a denúncia em 16.5.2014, o réu apresentou defesa (fls. 89-96), sobrevindo manifestação do MPE (fls. 98-101) e decisão do juiz afastando as preliminares defensivas então suscitadas (fls. 103-104v.).

Em audiência, foram ouvidas 02 (duas) testemunhas, arroladas pela acusação, e interrogado o réu (fls. 124-126).

Apresentaram-se alegações finais (fls. 127-131 e 137-143).

Em sentença, a ação foi julgada parcialmente procedente, para absolver o réu da imputação do crime de difamação e para condená-lo como incurso nas sanções do artigo 326 do CE – aplicando-lhe exclusivamente pena pecuniária de 30 (trinta) dias-multa, à razão, o valor unitário do dia-multa, de 1/30 do valor do salário-mínimo vigente à época do fato (fls. 145-149).

Inconformado, o condenado interpôs recurso. Em preliminar, requereu o “trancamento” da ação, em face de coação ilegal decorrente da ausência de justa causa, ou, alternativamente, o acolhimento das demais prefaciais. Arguiu, nesse sentido: (a) incompetência absoluta da Justiça Eleitoral; (b) atipicidade do fato; (c) ausência de conotação eleitoral, de dolo específico e de pedido de votos. Sustentou igualmente que se retratou, em audiência preliminar, das afirmações feitas, justificando a extinção da sua punibilidade. No mérito, pugnou pela improcedência da demanda (fls. 153-167).

Apresentadas contrarrazões (fls. 169-173v.), nesta instância os autos foram com vista ao Procurador Regional Eleitoral, que opinou pela negativa de provimento ao recurso (fls. 176-178).

Conclusos os autos, constatei que o juiz eleitoral de primeira instância não apreciou, ou não oportunizou, a proposta de suspensão condicional do processo de fl. 03v., formulada pelo MPE de Santa Maria, razão pela qual determinei a atualização dos antecedentes criminais do réu e a vista dos autos ao Procurador Regional Eleitoral – para se manifestar sobre a possibilidade de oferta do sursis processual na fase em que se encontra o feito (fl. 180).

Atualizados os antecedentes (fls. 182-184), sobreveio manifestação do Procurador Regional Eleitoral, opinando pela (a) impossibilidade do oferecimento da suspensão condicional do processo e (b) pelo prosseguimento do feito (fls. 186-187).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

O réu foi intimado em 29.9.2014, segunda-feira (fls. 150-152); e o recurso, interposto em 06.10.2014, segunda-feira (fl. 153) – dentro do prazo de (10) dez dias estatuído no art. 362 do Código Eleitoral – CE.

O recurso, portanto, é tempestivo. Presentes os demais requisitos de admissibilidade, dele conheço.

I) Preliminar de ofício – da oferta da suspensão condicional do processo

Ao compulsar os autos, constatei que o juiz eleitoral de primeira instância não apreciou, ou não oportunizou, a proposta de suspensão condicional do processo formulada pelo MPE de Santa Maria na fl. 03v., razão pela qual determinei a atualização dos antecedentes criminais e a vista dos autos ao Procurador Regional Eleitoral para se manifestar sobre a possibilidade do sursis processual na fase em que se encontra o feito.

Atualizados os antecedentes, sobreveio manifestação do Parquet, opinando pela impossibilidade do oferecimento da suspensão condicional do processo e pelo prosseguimento do feito.

Entendi por bem trazer a presente questão ao debate desta Corte, a fim de se evitar eventual ocorrência de nulidade.

Conquanto na espécie se trate da ausência de apreciação ou de efetiva oferta da suspensão condicional do processo proposta na denúncia, tenho que a natureza da questão, em casos tais, se assemelha à inexistência propriamente dita da oferta da suspensão condicional do processo.

Sob essa perspectiva é que comungo do entendimento do Procurador Regional Eleitoral, adotando como razões de decidir, ao efeito de adentrar no julgamento deste recurso, os argumentos por ele expendidos nas fls. 186-187:

O instituto da suspensão condicional do processo tem sido interpretado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior Eleitoral, no que diz respeito a sua validade no processo, como sendo matéria de nulidade relativa. Nesses termos, segue entendimento das referidas cortes:

STF

[…] O decisum ora atacado está em perfeita consonância com o entendimento há muito firmado por esta Suprema Corte, inclusive pela Primeira Turma, no sentido de que a “nulidade decorrente do silêncio, na denúncia, quanto à suspensão condicional do processo é relativa, ficando preclusa se não versada pela defesa em momento próprio” (HC 86.039/AM, Rel. Min. Marco Aurélio). III – Ordem denegada. (HC 106003, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 05/04/2011, PROCESSO ELETRÔNICO Dje-108 DIVULG 06-06-2011 public 07-06-2011)

STJ

[…] 02. O fato de o Ministério Público não ter proposto a suspensão do processo (Lei n. 9.099/1995, art. 89) constitui nulidade relativa, que, sob pena de preclusão, deve ser suscitada até a proclamação da sentença (STJ: HC n. 87.182/RJ, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 21/10/2008; HC n. 208.051/DF, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 11/03/2014). Com a prolação da “sentença condenatória fica comprometido o fim próprio para o qual o sursis processual foi cometido, qual seja o dever de evitar a imposição de pena privativa de liberdade (RESp n. 618.519/DF, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, 23/06/2004). 03. Habeas corpus não conhecido. (HC 175.572/SP, Rel. Ministro NEWTON TRISOTTO - DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SC, QUINTA TURMA, julgado em 03/03/2015, DJe 10/03/2015)

TSE

HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (artigo 89 da Lei n. 9.099/95). FALTA DE PROPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NULIDADE RELATIVA. PRECLUSÃO. ORDEM DENEGADA.

1 - A suspensão condicional do processo (artigo 89 Lei n. 9.099/95) exige que a pena mínima cominada seja igual ou inferior a um ano.

2 - A falta de proposição pelo Ministério Público acerca da suspensão condicional do processo gera nulidade relativa.

3 - Transitada em julgado a sentença condenatória, resulta preclusa a alegação de nulidade se a defesa não a suscitou oportunamente.

4 - Ordem denegada.

(Habeas Corpus nº 600, Acórdão de 14/04/2009, Relator Min. EROS ROBERTO GRAU, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 21/05/2009, Página 18/19)

Da análise dos autos, observa-se a inexistência de outras irregularidades que possam contaminar a validade do processo. Verifica-se que o réu foi corretamente assistido por defensor constituído, bem como é pessoa instruída. Nesse contexto, por duas razões fixa-se a compreensão de não ser mais possível oferecimento de suspensão condicional do processo:

. não há no caso dos autos a superveniência de elemento novo a determinar o oferecimento de suspensão condicional do processo, como ocorre nos casos de desclassificação do crime ou procedência parcial da apelação, em sede recursal;

. não há elementos a determinar o reconhecimento de nulidade absoluta, que poderia ser conhecida de ofício e, por consequência, determinar o retorno dos autos à primeira instância para o oferecimento ao autor de suspensão condicional do processo.

Ressalto ainda que esse entendimento vai ao encontro do resguardo da efetividade jurisdicional, considerado o atual estágio do feito, somado ao fato de que a condenação imposta ao recorrente (de trinta dias-multa, à razão, o valor unitário do dia-multa, de 1/30 do valor do salário-mínimo vigente à época do fato) – a ser por mim mantida – encerra penalidade no mínimo equivalente às condições estabelecidas na proposta de suspensão condicional do processo subjacente: […] pelo prazo de dois anos, mediante condições legais, quais sejam, apresentação bimestral em juízo e pagamento de prestação pecuniária a título de reparação de danos à vítima no valor de meio salário-mínimo (fl. 03v.).

Destaco.

(Todos de acordo.)

 

II) Preliminares do recorrente

Em que pese o teor das razões do recorrente, depreende-se que aduziu as seguintes preliminares:

(a) Da incompetência da Justiça Eleitoral para apreciar a demanda: porque o ato contestado não configuraria propaganda eleitoral.

(b) Da atipicidade do fato: porque ausente o dolo específico.

(c) Da extinção da punibilidade: porque o réu teria se retratado em audiência, ao afirmar “que tem ciência de que Tiago Vasconcellos Aires não é mentiroso e que nunca teve a intenção de atacar sua dignidade ou decoro” (Termo de Audiência de fl. 47).

(d) Da ausência de dolo específico: por ausência da circunstância elementar específica, necessária à caracterização do crime.

(e) Do trancamento da ação penal: por coação ilegal decorrente de ausência de justa causa, em razão direta das demais preliminares aventadas.

Quanto a preliminar de incompetência desta especializada, como adiante será esmiuçado, se verá que na espécie estava presente o intuito eleitoral na ofensa irrogada, causa da instauração desta ação penal com esteio no art. 326 do Código Eleitoral. Assim sendo, não merece acolhimento a prefacial, pois a jurisprudência predominante é de que “é competência da Justiça Eleitoral apreciar os crimes de difamação e injúria na propaganda eleitoral, ou visando finalidade de propaganda” (TRE/RS – RC 223-47 – Rel. DR. INGO WOLFGANG SARLET – J. Sessão de 26/11/2013).

Por sua vez, tenho que não prospera a pretensão de extinção da punibilidade em decorrência de retratação do réu em audiência preliminar (não aceita pelo ofendido), como bem captado na sentença e no parecer do Procurador Regional Eleitoral:

 

Sentença de fls. 145-9:

A retratação, destarte, mostra-se incabível, vez que se tratam de injustos típicos eleitorais de ação penal pública incondicionada, o que afasta a possibilidade de retratação.

Ademais, não é aplicável o artigo 143, do CP, já que regulamenta somente os delitos contra a honra na sua forma comum, sem conotação eleitoral – cuja ação é privada.

Assim, não há que se falar em extinção da punibilidade pela retratação, uma vez que a ação penal dos delitos eleitorais não possui o caráter de disponibilidade pelo ofendido.

Da mesma forma, resta afastada a possibilidade de aplicação do artigo 26 da Lei nº 5.250/67 (Lei de Imprensa) – que permite a extensão da aplicabilidade da retratação aos casos de ação penal pública incondicionada – haja vista que o texto escrito pelo réu foi publicado na sua página pessoal do site Facebook, e não através de veículo de imprensa.

 

Parecer de fls. 176-8:

Nesse contexto, de se afastar também o argumento trazido pela defesa de que a retratação do agente extinguiria a sua punibilidade, nos termos do art. 26 da Lei 5.250/67. O referido diploma legal e o Código Eleitoral tutelam bens jurídicos distintos, não sendo possível a aplicação subsidiária da Lei de Imprensa na hipótese em apreço, como pretende o recorrente.

Vale dizer que, aqui, eventual arrependimento não elide o dolo.

Nessa linha, as únicas excludentes da pena previstas para a espécie não se verificam, isto é, se o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria e no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria (§ 1º do art. 326 do CE). Tampouco, a toda evidência, não é caso de cogitar-se da denominada exceção da verdade, por ausência de previsão legal na espécie.

Logo, afasto as preliminares de incompetência da Justiça Eleitoral e de extinção da punibilidade.

Quanto ao mais, constato que os fundamentos das prefaciais se atrelam ao mérito, razão pela qual serão apreciadas oportunamente.

Destaco.

 

Mérito

À luz do art. 109 do Código Penal – CP, registro que não há ocorrência de prescrição, em quaisquer das suas modalidades, dos fatos com as capitulações delitivas descritas na inicial.

Na questão de fundo, insta averiguar se a publicação de mensagem pelo réu DOUGLAS na rede social Facebook, direcionada ao então candidato a prefeito de Santa Maria, nas eleições de 2012, Tiago Vasconcelos Aires (não eleito), na véspera do pleito, configura o delito previsto no art. 326 do Código Eleitoral – CE:

Art. 326. Injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro.

Pena - detenção até seis meses, ou pagamento de 30 a 60 dias-multa.

§ 1º O juiz pode deixar de aplicar a pena:

I - se o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;

II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.

§ 2º Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou meio empregado, se considerem aviltantes.

Pena - detenção de três meses a um ano e pagamento de 5 a 20 dias-multa, além das penas correspondentes à violência prevista no Código Penal.

Eis o teor da manifestação de DOUGLAS (cópia autenticada na fl. 19):

DOUGLAS RAFAEL PEREIRA:

5 de outubro próximo a Santa Maria

Tiago Aires seu mentiroso !!! O Jorge Pozzobom saiu de dentro da prefeitura há muito tempo antes (que você disse há um mês), acho que você esqueceu, mas ele é Deputado Estadual desde o início de 2011. Meu colega de faculdade, não minta, por favor, os estudantes de Direito da UNIFRA não merecem fama de mentirosos. Abraços.

Some-se que DOUGLAS e Tiago Aires são “amigos virtuais” no Facebook (segundo o próprio réu), tendo “amigos virtuais” em comum, e que 06 (seis) usuários daquela rede social “curtiram” a publicação, entre eles o então candidato a prefeito Jorge Pozzobom – inequivocamente lá identificado como “Deputado Estadual na empresa Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul” (cópias autenticadas nas fls. 20-21). Jorge Pozzobom, aliás, também atuou no presente feito, na fase instrutória, como advogado de DOUGLAS.

Essa é a delimitação da matéria a ser analisada no presente recurso – sob o viés da “injúria eleitoral” –, considerando que a outra imputação lançada na denúncia, da prática de difamação, à vista da mesma mensagem, foi julgada improcedente pelo juízo de primeira instância.

Prossigo.

Materialidade e autoria, estreme de dúvidas, encontram-se comprovadas, seja pelos documentos acostados, seja pelo reconhecimento do fato pelo próprio réu, como visto, ao se desculpar em audiência preliminar pelas palavras redigidas.

A norma penal eleitoral, assim como na injúria simples, busca resguardar a chamada honra subjetiva do indivíduo, ou seja, a dignidade pessoal (respeitabilidade ou amor-próprio) ou o decoro (correção moral ou compostura) de alguém. Aqui, o insulto atinge o conceito que a vítima possui de si mesma (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 8 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 654).

As testemunhas arroladas pela acusação corroboraram o teor da acusação (mídia na fl. 126):

TIAGO VASCONCELOS AIRES, a sedizente vítima: narrou que tomou ciência da mensagem depois do pleito, após ser alertado por Gilmar Inácio de Jesus, vindo a constatar o ocorrido na rede social Facebook; que, como a mensagem foi veiculada um dia antes do pleito, não lhe fora dada oportunidade para se defender antes da sua realização; que formulou queixa-crime perante a autoridade policial; que, por ter conduta ilibada e por ser figura pública, candidato ao cargo de prefeito, bem como futuro advogado, se sentiu ofendido com a mensagem, compartilhada com estudantes da faculdade da qual egressos ele e o réu, e porque outras pessoas “curtiram” a mensagem; que não aceitou o pedido de desculpas formulado pelo réu em audiência preliminar; que a mensagem teve conotação política, denegrindo a sua imagem, evidenciando a tentativa de bajular o também candidato à época Jorge Pozzobom, o qual também “curtiu” a mensagem.

GILMAR INÁCIO DE JESUS: narrou que conhece Tiago Aires; que soube do teor da mensagem, depois das eleições, após ouvir conversa de terceiros em uma parada de ônibus – aparentemente estudantes da UNIFRA (“um deles estava com camisa da UNIFRA”); que alertou Tiago Aires dos boatos que estavam circulando relativamente à sua pessoa.

Igualmente DOUGLAS, o réu, ao ser interrogado (mídia na fl. 126): narrou que o fato é verdadeiro, apesar de ausente conotação eleitoral; que, por intermédio da mensagem, preocupou-se em se defender, como estudante da UNIFRA, assim como defender Jorge Pozzobom, o qual também seria marido da sua prima; que Tiago Aires não o procurou para esclarecer os fatos, nem mesmo on line no Facebook, já que são “amigos virtuais” naquela rede social; que percebeu que Tiago Aires se sentiu ofendido, mas entende que a postagem não o prejudicou tanto; que pediu desculpas a Tiago Aires em audiência preliminar, as quais não foram aceitas; que conhece Tiago Aires da faculdade (UNIFRA); que integraram chapas adversárias em eleições passadas do Diretório Central de Estudantes – DCE na UNIFRA, mas que não teria restado mágoa em relação a esse período; que, quanto à mensagem, "se me ocorresse um pouquinho mais de luz eu não teria publicado".

Nesse diapasão, a opinião particular de alguém sobre determinada pessoa não autoriza que ofensas sejam irrogadas com a especial intenção de […] magoar, macular a honra alheia (Ob. cit., p. 655), como se verifica no caso sob exame.

Tenho que o recorrente buscou, com sua mensagem, um dia antes do pleito, ofender a honra subjetiva do então candidato a prefeito Tiago Aires, chamando-o de “mentiroso”, também insinuando que, em razão da propalada mentira, os estudantes de direito da universidade UNIFRA de Santa Maria, da qual tanto o réu quanto a vítima são egressos, carregariam a pecha de mentirosos. Tudo por intermédio de meio que facilitou a divulgação da ofensa, a rede social Facebook. E como se não bastasse, Tiago Aires, como assinalado, expressou ter se sentido ofendido com o episódio.

Nesse passo, como bem destacado na denúncia, o fato ganha contorno mais grave porque o denunciado destacou "marcando" o nome do candidato TIAGO AIRES em seu texto, motivo pelo qual este foi divulgado amplamente, inclusive para a rede de amigos de TIAGO, conferindo publicidade à sua postagem e demonstrando a sua intenção ofensiva (fl. 03).

Dessa forma, o conjunto probatório leva à conclusão de que a conduta do réu é típica, consubstanciando injúria, pois teve o condão de ofender a dignidade e/ou o decoro do candidato.

Resta perscrutar o teor eleitoral da injúria proferida.

O réu afirmou que a postagem na rede social Facebook, objeto da presente ação, não teve relação com o contexto ou com o regramento específico da propaganda eleitoral.

De modo a esclarecer sobre o elemento que define a natureza eleitoral do ilícito de injúria, reproduzo jurisprudência do TSE e de tribunais regionais sobre o tema, com grifos meus:

HABEAS CORPUS. CRIME ARTS. 325 E 326 DO CÓDIGO ELEITORAL. OFENSA VEICULADA NA PROPAGANDA ELEITORAL. TIPICIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL.

1. Para a tipificação dos crimes de difamação e injúria eleitorais, previstos nos arts. 325 e 326 do Código Eleitoral, não é preciso que a ofensa seja praticada contra candidato, uma vez que a norma descreve as condutas de difamar e injuriar alguém, sem especificar nenhuma qualidade especial quanto ao ofendido.

2. O que define a natureza eleitoral desses ilícitos é o fato de a ofensa ser perpetrada na propaganda eleitoral ou visar a fins de propaganda.

3. Na espécie, as ofensas foram veiculadas na propaganda eleitoral por rádio, o que determina a competência da Justiça Eleitoral para apurar a prática dos delitos tipificados nos arts. 325 e 326 do Código Eleitoral.

4. Ordem denegada.

(TSE – Habeas Corpus n. 187635 – Relator: Min. ALDIR GUIMARÃES PASSARINHO JUNIOR – DJE de 16.02.2011.)

 

RECURSO CRIMINAL - CRIMES TIPIFICADOS NOS ARTS. 325 E 326 DO CÓDIGO ELEITORAL C/C ART. 70 DO CP – PRELIMINARES: INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL - NULIDADE DA SENTENÇA - REJEITADAS - PREJUDICIAL DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA - ACOLHIDA - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DA RECORRENTE - ARTIGOS 109, INCISO VI, E 110, § 1º, AMBOS DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO - RESTITUIÇÃO DE MULTA - INDEFERIMENTO.

1 - Os tipos objetivos dos delitos de difamação e injúria, previstos na legislação eleitoral, consistem em difamar e injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, sendo competente a Justiça Eleitoral para apreciar e julgar tais crimes. Preliminar de incompetência da Justiça Eleitoral rejeitada.

2 - [...]

3 - [...]

4 - Processo criminal não é sede própria para cobrança de multa paga pelo acusado à vítima. Pedido de restituição indeferido.

(TRE/ES – Recurso  Criminal n. 43 – Relator:  Dr. DAIR JOSÉ BREGUNCE DE OLIVEIRA – DOE de 12.11.2009.)

 

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. INSERÇÃO. COMENTÁRIO PEJORATIVO, DEGRADADOR COM FITO DE RIDICULARIZAR CANDIDATO OPOSITOR. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. CONFIGURAÇÃO. VEDAÇÃO LEGAL. RETIRADA DA MATÉRIA. SUSPENSÃO. IMPROVIMENTO DO RECURSO.

“É proibida propaganda que traga ofensa à honra de pessoa ou entidade, e que caracterize crime de calúnia, injúria, difamação, ou que contenha alegação falsa, ou que degrade ou ridicularize candidato, partido político ou coligação” (CONEGLIAN, Olivar. Propaganda Eleitoral. Ed. Juruá, 2008, p.288)

(TRE/PB – Representação n. 592942 – Relator: Dr. RODRIGO MARQUES SILVA LIMA – PSESS de 28.9.2010.)

 

APELAÇÃO - CRIME ELEITORAL - CONDENAÇÃO – CRIMES CONTRA A HONRA - CÓDIGO ELEITORAL, ART. 324 E 326 – DELITOS PRATICADOS EM COMÍCIO ELEITORAL - GRAVAÇÃO AMBIENTAL - PROVA LÍCITA - VALORAÇÃO JURÍDICA - FALA INJURIOSA MENCIONANDO O POSSÍVEL COMETIMENTO DE AÇÃO ILÍCITA PELO OFENDIDO PARA RESSARCIMENTO DE GASTOS DE CAMPANHA - INADMISSIBILIDADE DE PERDÃO JUDICIAL (CE, ART. 326, § 1º, I) - PROVOCAÇÃO REALIZADA POR TERCEIRO E EM AMBIENTE DIVERSO - IMPUTAÇÃO CALUNIOSA DE DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS E FORMAÇÃO DE QUADRILHA – EXCEÇÃO DA VERDADE - ÔNUS PROBATÓRIO DO OFENSOR - PROVA NÃO SATISFATÓRIA A RESPEITO DA VERIDICIDADE DA ACUSAÇÃO - OFENSAS QUE TRANSCENDEM À CRÍTICA POLÍTICA, ADMISSÍVEL NO MOMENTO ELEITORAL, TRANSPARECENDO O DOLO DE DANO À HONRA - DESPROVIMENTO.

1. [...]

2. A fala insultosa "vai querer fazer falcatruas", externada com intuito de conjecturar que o candidato, no exercício da chefia do Executivo, poderia desviar dinheiro púbico para compensar suas despesas de campanha por não se reportar a fatos definidos e determinados não tipifica o crime de calúnia e difamação, mas é suficiente para configurar o delito de injúria, pois presente o dolo, o ânimo de ofender a honra subjetiva do candidato.

O dizer não evidencia simples e admissível crítica, juízo ou opinião desabonadora a respeito do ofendido, transmite, em verdade, a deliberada e consciente vontade de aviltá-lo, de feri-lo em sua honorabilidade e respeitabilidade restando tipificada a prática do delito.

[...]

3. A acusação de que a campanha do candidato poderia estar "saindo dos cofres públicos" constitui o delito de calúnia, pois tem-se a efetiva imputação de fato típico criminoso, qual seja, a apropriação indevida de dinheiro público.

Mesmo valendo-se da expressão hipotética "pode ser" - que indica hipótese, possibilidade, e não a certeza de seu cometimento -, a precisão e determinação da ação criminosa atribuída ao ofendido é significativamente insinuosa, havendo-se de considerar, pelo contexto do discurso, o dolo de dano, o evidente propósito de vulnerar a honra da vítima.

Também mostra-se calunioso o excerto da fala que cogita da associação de correligionários e mais componentes da campanha em "uma turma que tá unido numa quadrilha", na formação de "uma família de trambiqueiros", a qual o eleitorado deveria repelir a bem do desenvolvimento do município, notadamente porque a formação de quadrilha para finalidade de cometer atos ilícitos constitui o crime previsto no art. 288 do Código Penal.

A respeito, oportuno ressaltar que "nos delitos contra a honra, deve-se observar não apenas as palavras utilizadas pelo ofensor, mas, principalmente, o contexto em que foram proferidas" (STJ, HC n. 105114, de 19.03.2009, Min. OG Fernandes).

Embora a lei expressamente admita a exceção da verdade na calúnia (CE, art. 324, § 2°), a imputação somente não poderá ser considerada típica caso o ofensor comprove que os fatos imputados são verdadeiros.

(TRE/SC – Recurso Contra Decisões de Juizes Eleitorias n. 3187986 – Relator: Dr. SÉRGIO TORRES PALADINO, Revisor: Dr. RAFAEL DE ASSIS HORN – Publicação: DJE de 17.3.2011.)

Ora, ao chamar Tiago Aires de mentiroso a um dia do pleito municipal para o qual este concorreu, em rede social de ampla visibilidade, DOUGLAS atrelou a injúria ao contexto eleitoral daquele momento, na tentativa de benefício do seu advogado, “amigo virtual” e igualmente candidato Jorge Pozzobom (também marido da prima do réu, segundo este) – visando a fins de propaganda, ainda que dissociada da propaganda específica de campanha, vale dizer, jogando luz em candidatura adversa. Tanto é que o beneficiado, Jorge Pozzobom, “curtiu” a publicação de DOUGLAS.

Agrego da sentença combatida o seguinte trecho (fls. 145-149):

Ocorre que a especificidade do tipo “propaganda eleitoral” admite um sentido amplo, consoante entendimento jurisprudencial, alcançando, essa expressão, não somente a realização da propaganda, mas também àquela efetuada fora do contexto de propaganda, com intenção de se obter vantagens eleitorais indiretas para aquele que as profere ou a alguém de seu interesse.

E repiso: em audiência, o réu disse ter assim agido para defender o então concorrente e também candidato ao paço municipal Jorge Pozzobom, o que deixa claro o intuito de prestigiar sua candidatura, no contexto do pleito majoritário de Santa Maria de 2012, por meio de ofensa à pessoa do candidato concorrente Tiago Aires.

De outra banda, despiciendo adentrar no mérito da discussão política que, supostamente, causara a mensagem injuriosa em destaque (discussão essa travada em debate televisionado entre os concorrentes na majoritária, no mesmo dia em que veiculada a mensagem em testilha), pois a configuração da injúria que ora se está a apreciar prescinde desse tipo de análise – bastando prescrutar se estão presentes as circunstâncias formadoras do tipo penal eleitoral, à vista do teor injurioso adotado pelo réu (essencialmente, a palavra “mentiroso”).

Nesse toar o parecer do Procurador Regional Eleitoral (fls. 176-178):

Percebe-se claramente a motivação eleitoral na postagem objeto desse procedimento, principalmente porque veiculada um dia antes do pleito municipal. Aliás, o candidato da oposição que seria, em tese, beneficiado pelo crime foi o procurador do réu em primeiro grau.

[...]

Da mesma forma, não há falar em ausência de dolo específico, uma vez que o réu deliberadamente publicou no seu perfil pessoal do Facebook ofensa à dignidade de candidato, por motivação eleitoral, um dia antes do pleito. Conforme alegado na sentença e nas contrarrazões ministeriais, eventual arrependimento não elide o dolo existente no momento do crime.

[...]

Outrossim, a conduta imputada ao réu é típica, porquanto o crime foi perpetrado “visando a fins de propaganda”, na forma em que descrito e negritado na peça inicial. Além de ofender a vítima, a publicação referenciava outro candidato – então procurador do réu –, não sendo viável afastar a conotação de propaganda eleitoral, até porque postada um dia antes do pleito.

Esta Corte, igualmente, já se pronunciou sobre o tema em caso análogo, no mesmo sentido do que ora estou a propor:

Recurso criminal. Injúria. Facebook. Art. 326 combinado com o art. 327, II e III, todos do Código Eleitoral.

Procedência da ação no juízo originário. Condenações à pena de detenção, substituídas por restritivas de direito, consistentes na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, com a mesma duração das penas originais.

É competência da Justiça Eleitoral apreciar os crimes de difamação e injúria na propaganda eleitoral, ou visando finalidade de propaganda.

Mensagens postadas na internet, no sítio de relacionamento social Facebook, próximo ao período eleitoral, de cunho ofensivo à honra subjetiva de vereadora. Plenamente demonstrada a tipicidade da conduta e o propósito eleitoreiro, com intuito de ofender a dignidade e o decoro de parlamentar notória pré-candidata à reeleição.

Provimento negado.

(TRE/RS – RC 223-47 – Relator: DR. INGO WOLFGANG SARLET – J. Sessão de 26.11.2013.)

Logo, presente o intuito eleitoral na mensagem injuriosa perpetrada, visando a fins de propaganda, há de ser mantido o juízo condenatório combatido, com o corolário afastamento das prefaciais de mérito de “atipicidade do fato”, do “trancamento da ação penal” e da “ausência de dolo específico”.

Dosimetria da pena

Tocante à dosimetria da pena, o juiz eleitoral a quo assim estipulou as sanções ao ora recorrente (fl. 148v.):

Passo, consectariamente, à individualização da pena, considerando os vetores estabelecidos no art. 59 do Diploma Material Repressor.

O réu tinha plena consciência da ilicitude de seu ato, bem como possuía condições de determinar-se de acordo com este entendimento, não havendo qualquer elemento a demonstrar uma maior ou menor possibilidade de obstar seus instintos delitivos, razão por que, censurável sua atitude, uma vez que lhe era exigível conduta diversa, de modo que sua culpabilidade é concreta. Não registra antecedentes criminais. A personalidade e conduta social não podem ser aferidas apenas com base nos elementos existentes nos autos, uma vez que inexistentes maiores indagações e informações, de maneira que restam sem valoração positiva ou negativa. Os motivos são ordinários ao delito perpetrado, uma vez que, ao que tudo indica, visaria ofender a integridade moral do ofendido. As circunstâncias e as consequências do delito são ordinárias, sem maiores peculiaridades. A vítima, comportamentalmente, em nada influiu no evento. Por estas razões, tendo por critérios questões de prevenção e reprovação, fixo a pena-base em 30 (trinta) dias-multa.

Com vista à situação econômica do réu, o valor unitário do dia-multa vai fixado em 1/30 do valor do salário-mínimo vigente à época do fato.

Ausentes agravantes e atenuantes. Fica a pena provisória fixada em 30 (trinta) dias multa e assim definitivada, ante a ausência de demais causas modificadoras de pena.

Prejudicada a análise dos requisitos do art. 44 do Código Penal, haja vista se tratar de delito do Código Eleitoral cuja pena aplicada foi unicamente pecuniária. […]

Com efeito, após analisar todas as circunstâncias para fixação da pena do art. 59 (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos, circunstâncias, consequências do crime e comportamento da vítima) e os critérios para o seu cálculo previstos no art. 68, ambos do Código Penal, e observar que o magistrado o fez individualizada e fundamentadamente, em respeito à garantia prevista no art. 5º, inc. XLVI, da Constituição Federal, tenho que a dosimetria da pena está adequada, tendo sido fixada a pena tão só na modalidade multa, e em seu patamar mínimo – razão por que também a mantenho.

Dispositivo

Diante do exposto, afastadas as preliminares de mérito, VOTO pelo não provimento do recurso interposto por DOUGLAS RAFAEL PEREIRA, mantendo a sentença em seus integrais termos.