RC - 20153 - Sessão: 19/10/2015 às 17:00

RELATÓRIO

LUCIMARA PINTO ALCANTARA interpõe o presente recurso criminal em face da sentença do juízo eleitoral da 74ª Zona – Alvorada, que julgou procedente a denúncia oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL para o fim de condená-la à pena de seis meses de detenção, convertida em prestação pecuniária no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), pela prática do delito de “boca de urna” descrito no art. 39, § 5º, inciso II, in fine, da Lei n. 9.504/97.

A ré havia sido beneficiada com a suspensão condicional do processo, cujas condições consistiam no pagamento de prestação pecuniária no valor de R$ 300,00, em três parcelas de R$ 100,00 (fl. 21), porém tendo adimplido apenas a primeira, o beneficio foi revogado, posteriormente restabelecido e, depois, revogado em definitivo (fls. 48, 51-v, 57 e 59), o que culminou com a condenação da acusada (fls. 93-103).

Em suas razões, a recorrente alega que a sentença condenatória foi baseada em depoimento de pessoa que não presenciou o fato delituoso, no caso, o policial militar que registrou a ocorrência, e no testemunho do oficial de justiça que efetuou a abordagem, mas que sequer se lembrava da ré, olvidando-se o fato de que, embora houvesse santinhos de propaganda eleitoral dentro da sua bolsa, o material não estava sendo distribuído. Sustenta que não realizou atos de propaganda na data do pleito e que a posse de propaganda eleitoral, sem a respectiva distribuição, não constitui fato típico, razão pela qual postula a reforma da sentença (fls. 106-110).

Em contrarrazões, o Ministério Público Eleitoral requer a manutenção do decreto condenatório (fls. 113-114v.).

Nesta instância, foram os autos com vista ao Procurador Regional Eleitoral, que opinou, preliminarmente, pela declaração de nulidade da ação penal a partir do restabelecimento do processo, uma vez que a prestação pecuniária estipulada pelo órgão acusador foi manifestamente desproporcional diante das possibilidades financeiras da acusada e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 117-121).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso preenche os pressupostos recursais legais, é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

A matéria preliminar arguida pelo ilustre Procurador Regional Eleitoral, no exercício da sua função de fiscal da lei e guardião da sociedade, é extremamente relevante e procedente, pois o exame dos autos demonstra de modo inequívoco que o valor cominado a título de prestação pecuniária pelo órgão acusador foi estipulado de forma desproporcional.

A partir das informações colacionadas aos autos, dando conta de que a ré tem 7 (sete) filhos, está desempregada e recebe bolsa-família no valor de R$ 166,00 (fls. 32-33), infere-se a situação de profunda miserabilidade da acusada, o que culminou com a impossibilidade de pagar os R$ 200,00 restantes cominados na transação penal.

Cumpre transcrever a íntegra da manifestação do douto procurador, que perfeitamente demonstra a conclusão pela existência de nulidade absoluta, uma vez que - nas suas palavras - embora situações que digam respeito à aplicação do instituto da suspensão condicional do processo tenham sido tratadas como nulidade relativa, porque o caso em comento acaba por mitigar direitos fundamentais, contrariando a regra geral, é de nulidade absoluta (fls. 117v.-121):

A medida despenalizadora de suspensão condicional do processo é assim prevista pela Lei 9.099/95:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:

I – reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;

II – proibição de frequentar determinados lugares;

III – proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;

IV – comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.

Percebe-se do dispositivo em comento que a estipulação de prestação pecuniária como condição para suspensão do processo não foi prevista, contudo o entendimento jurisprudencial que predomina, tanto no Superior Tribunal de Justiça, quanto no Supremo Tribunal Federal é no sentido de que pode ser utilizada, com fundamento no § 2º do artigo mencionado e no princípio da proporcionalidade, considerando a situação pessoal do acusado.

A efetivação do processo, no atual sistema processual penal, legitima-se pela consideração da cláusula geral da dignidade da pessoa humana e pelos direitos fundamentais que dela decorrem. Disso a medida despenalizadora deve ter por referência o princípio da proporcionalidade.

A par da premissa lançada – consideração do princípio da proporcionalidade –, chega-se à conclusão de que a condição imposta para a suspensão condicional do processo é manifestamente violadora do princípio da proporcionalidade, pelas seguintes razões que se passa a expor com base nos subprincípios adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.4

(1) Adequação – a medida despenalizadora deve ser adequada ao plano fático, no sentido de tutela apenas ao sistema penal. Nesse contexto a prestação pecuniária atende ao pressuposto da adequação, pois como vista anteriormente é entendimento jurisprudencial que pode ser aplicada como condição para a suspensão condicional do processo.

(2) Necessidade – no âmbito da necessidade, deve ser considerado entre meios igualmente adequados aquele que menos restrinja o direito fundamental em oposição, no caso a liberdade da acusada. Nesse momento percebe-se que a imposição de pena pecuniária é manifestamente desproporcional, porque a partir das informações colacionadas aos autos infere-se situação de profunda miserabilidade da acusada:

a) Houve, em 11.12.2012, oferecimento de transação penal consistente em pagamento de R$ 200,00, em três parcelas (folha 16); LUCIMARA PINTO ALCANTARA não efetuou nenhum pagamento (folha 18);

b) Em 22.01.2013 foi oferecida suspensão condicional do processo e como condição se estabeleceu prestação pecuniária no valor de R$ 300,00 a ser paga em três parcelas (folha 21); LUCIMARA quitou apenas uma parcela, restando pendente duas parcelas (folha 23); por consequência o benefício fora revogado (folha 30v)

c) notificada, LUCIMARA declarou não ter condições de arcar com as custas de um defensor e juntou aos autos comprovante de que recebe bolsa família no valor de R$ 166,00 (folha 32-33);

d) Foi realizada audiência de instrução no dia 11/11/2013, ocasião em que LUCIMARA declarou que deixou de efetuar os pagamentos por dificuldades econômicas, informando que tem 7 (sete) filhos; o benefício da suspensão condicional do processo fora novamente restabelecido, comprometendo-se a acusada de pagar R$ 200,00 restantes (folha 48);

e) Em 30/01/2014, o benefício fora novamente revogado, por ausência de pagamento (folha 51v); por decorrência disso o defensor dativo da recorrente solicitou 24h para retirada de guia o comprovação de pagamento (folha 53), pedido que após manifestação do Ministério Público Eleitoral foi acolhido (folha 57); novamente LUCIMARA não efetuou o pagamento de R$ 200,00 (folha 57v) e o benefício fora novamente revogado na data de 24/03/2014 (folha 59);

f) o feito prosseguiu, com posterior condenação da recorrente pelo crime do art. 39, par. 5º, Inc. II, da Lei n. 9.504/97, sendo fixada pena privativa de liberdade em 6 meses de detenção e posteriormente convertida em prestação pecuniária no valor de R$ 1.000,00; em seu interrogatório LUCIMARA reafirma ter sete filhos, estar desempregada, e não ter pago a quantia de R$ 200,00 porque não tinha como assim proceder;

Como se observa, por várias vezes o processo foi suspenso para que LUCIMARA tivesse oportunidade de efetuar o pagamento de R$ 200,00 e por consequência não sofresse as penalidades e estigmas sociais que decorrem de uma condenação. Mas da instrução infere-se não ser crível supor que LUCIMARA deixou de quitar a obrigação assumida por pura liberalidade. A conclusão a que se chega é a de que LUCIMARA é pessoa em grau extremo de miserabilidade. Nesse contexto, embora o valor da prestação pecuniária seja irrisório, fato é que para ela consistia em recursos totalmente indispensáveis à sobrevivência.

Conclusão: a medida de prestação pecuniária para a ré LUCIMARA era manifestamente desproporcional e violadora do seu direito à vida digna (pela dimensão horizontal de tal direito: mínimo existencial), situação que conduziu a um resultado que se mostrava previsível no processo: a restrição da sua liberdade, com todos os estigmas que decorrem de uma condenação.

(3) Proporcionalidade em sentido estrito: aqui, seguindo as lições de Robert Alexy, devem ser sopesados os valores fundamentais em conflito, no sentido de que quanto maior é o grau da afetação de um princípio, tanto maior deve ser o grau da realização e importância do outro. No caso dos autos, dentre as várias posições em conflito, tem-se por referência principal de uma lado a crença na efetividade do sistema penal e de outro o direito à vida e à liberdade digna da denunciada LUCIMARA. Não se nega que o sistema penal precisa da imposição da coerção para seguir com o seu papel de conformar a realidade. Disso o descumprimento das condições do benefício da suspensão condicional do processo, deve, como regra, ter por consequência o restabelecimento do processo.

Todavia, o caso dos autos, é exceção à regra, os benefícios para o sistema penal, apenas no plano abstrato se revelam. Isso porque, continuando a situação de fato como está, possivelmente jamais LUCIMARA pagará a pena pecuniária que lhe foi arbitrada no valor de R$ 1.000,00.

Por outro lado o seu direito a uma vida e liberdade digna restou amplamente afetado, pois agora, ela que é ré primária, passará a sofrer todos os estigmas de uma condenação.

Conclusão: sopesados os valores em colisão chega-se a conclusão de que os benefícios decorrentes do prosseguimento do processo são ínfimos se comparados aos prejuízos a que se submetera/submeterá os valores vida e liberdade digna no caso em apreço.

Vale destacar que a jurisprudência dos tribunais superiores (STF e STJ) ao afirmarem a possibilidade do uso de prestação pecuniária como condição para o deferimento da suspensão condicional do processo, certificam que tal hipótese deve ser adequada ao caso concreto e atender ao princípio da proporcionalidade. Nesse sentido, segue precedente do STJ:

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. IMPOSIÇÃO DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

É cabível a imposição de prestação pecuniária como condição especial para a concessão do benefício da suspensão condicional do processo, desde que esta se mostre adequada ao caso concreto, e desde que observados os princípios da adequação e da proporcionalidade, como na hipótese (precedentes do STF e da 5ª Turma do STJ).

Agravo regimental desprovido.

(AgRg no RHC 47.336/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 14.04.2015, DJe 04.05.2015)

Por fim, embora situações que digam respeito à aplicação do instituto da suspensão condicional do processo tenham sido tratadas como nulidade relativa, porque o caso em comento acaba por mitigar direitos fundamentais, contrariando a regra geral, é de nulidade absoluta.

Nesses termos, o Ministério Público Eleitoral fixa a compreensão de que a ação penal deve ser declarada nula a partir do último restabelecimento do processo (24.03.2014, folha 59), com o retorno dos autos à origem para que se dê vista ao Ministério Publico Eleitoral de primeiro grau, no sentido de se manifestar no feito sobre a adaptação da proposta de suspensão condicional, de acordo com as premissas fáticas e considerando as possibilidades de LUCIMARA honrar o compromisso assumido. (Grifos no original.)

Não obstante meu entendimento de que a independência e autonomia do órgão ministerial poderia tornar inócua a determinação para que o Parquet de primeiro grau readequasse a condição para a suspensão do processo - uma vez que o órgão tinha conhecimento das possibilidades financeiras da ré e, ainda assim, fixou a prestação pecuniária em R$ 300,00 e, ao ser comunicado do descumprimento da obrigação requereu a condenação à pena privativa de liberdade - seria o caso de declarar a nulidade diante da manifesta desproporcionalidade da obrigação imposta, procedendo-se conforme sugere o douto Procurador Regional Eleitoral.

Deixa-se, contudo, de anular o processo, porque a presumível absolvição que se avizinha é mais benéfica à ré, nos termos da jurisprudência:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. MOEDA FALSA. INÉPCIA PARCIAL DA DENÚNCIA. PEÇA ACUSATÓRIA QUE NÃO IMPUTA A ALGUNS DOS DENUNCIADOS A CIÊNCIA DA FALSIDADE. NULIDADE NÃO DECLARADA. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGO 249, § 2º, C.C. O ARTIGO 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DESCLASSIFICAÇÃO DAS CONDUTAS ATRIBUÍDAS A CORRÉU. CÉDULAS RECEBIDAS DE BOA-FÉ. CÓDIGO PENAL, ARTIGO 289, § 2º. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. 1. O simples fato de trazer consigo dinheiro falso não basta à incriminação; é preciso que o agente tenha conhecimento da falsidade, de sorte que se mostra inepta a denúncia que imputa a prática de crime de moeda falsa sem atribuir, nem mesmo implicitamente, que o agente tinha ciência da falsificação. 2. Não se declarará a inépcia da denúncia se for possível prolatar-se sentença absolutória (artigo 249, § 2º, do Código de Processo Civil, c.c. o artigo 3º do Código de Processo Penal). Solução aplicada a dois dos apelantes. 3. Se restar evidenciado que o agente recebeu de boa-fé a cédula falsa e, constatando a contrafação, recolocou-a em circulação, deve responder pelo delito previsto no § 2º do artigo 249 do Código Penal. 4. Desclassificada a conduta para tipo penal ensejador da suspensão condicional do processo (Lei n.º 9.099/1995, artigo 89), deve o julgador oportunizar às partes a celebração de ajuste tendente à concessão de tal benefício (Código de Processo Penal, artigo 383, § 1º). 5. Se, com vistas à aplicação do § 1º do artigo 383 do Código de Processo Penal, a desclassificação da conduta der-se em segundo grau de jurisdição, o feito deve ser convertido em diligência, para que se oportunize às partes a convenção de condições para a suspensão do processo, retornando os autos, oportunamente, ao tribunal, para homologação ou para prosseguir no julgamento da apelação. 6. Provimento de duas das apelações interpostas, para fins absolutórios. 7. Desclassificação da conduta do terceiro corréu. Conversão do julgamento em diligência.

(TRF-3 – ACR: 2914 SP 2003.61.20.002914-0, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, Data de Julgamento: 31.08.2010, SEGUNDA TURMA.)

 

APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DEFENSIVO. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. PEDIDOS DE ABSOLVIÇÃO POR ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA OU INSUFICIÊNCIA DE PROVA E ISENÇÃO DA PENA DE MULTA. EMPREGO DE ALGEMAS NO INTERROGATÓRIO SEM REGISTRO OU JUSTIFICATIVA. VIOLAÇÃO AO DISPOSTO EM SÚMULA VINCULANTE. NULIDADE FLAGRANTE QUE NÃO SE DECLARA POR SER POSSÍVEL DECIDIR EM FAVOR DE QUEM TIRA PROVEITO DELA. PROVA ILÍCITA. APREENSÃO EM BUSCA DOMICILIAR NÃO AUTORIZADA. PRECEDENTE DA CÃMARA. DÚVIDA QUANTO À AUTORIA, QUE O RÉU SEMPRE NEGOU. ABSOLVIÇÃO PELO IN DUBIO PRO REO. Recurso provido. (Apelação Crime Nº 70054597968, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Batista Marques Tovo, Julgado em 19.12.2013.)

(TJ-RS – ACR: 70054597968 RS, Relator: João Batista Marques Tovo, Data de Julgamento: 19.12.2013, Terceira Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 19.03.2014.)

Assim, examinando o mérito, percebe-se não há prova do cometimento do delito, sendo excessivamente frágil o conjunto probatório para embasar a condenação, tendo a sentença se baseado exclusivamente no depoimento do oficial de justiça que abordou a acusada e no depoimento do policial que estava de plantão no Foro que, por isso, lavrou o boletim de ocorrência.

Dispõe o art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97 – LE:

Art. 39.

A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.

[...]

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

II – a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna;

Define Joel J. Cândido a “boca de urna” como aquela propaganda realizada sem desordem, no dia da eleição, com adeptos – e, às vezes, até candidatos – distribuindo material a eleitores, junto às seções (daí o nome ‘boca de urna’), não raro com veículos estacionados repletos de adesivos e cartazes, portando bandeiras e estandartes, muitas vezes usando vestuário com nomes de candidatos, logotipos e slogans de partidos e coligações (CÂNDIDO, Joel José. Direito Eleitoral Brasileiro, 13. ed., Bauru, SP: Edipro, 2008, p. 157).

Assim, tem-se que o delito imputado à ré apenas estaria consumado com a distribuição de material de propaganda a eleitores ou com manifestação eleitoral que não fosse realizada de forma individual e silenciosa, ressalva prevista no caput art. 39-A da Lei das Eleições: É permitida, no dia das eleições, a manifestação individual e silenciosa da preferência do eleitor por partido político, coligação ou candidato, revelada exclusivamente pelo uso de bandeiras, broches, dísticos e adesivos.

A ocorrência policial da fl. 10 afirma que, no dia das eleições, a recorrente foi flagrada pelo oficial de justiça Leonel realizando “boca de urna” junto à escola Frederico Dhil e que portava 250 santinhos do candidato a vereador pelo PDT, Tiano Cadori.

O documento não narra a forma em que o delito ocorreu e nem menciona a distribuição dos santinhos apreendidos com a acusada, apenas afirma que foi flagrada fazendo boca de urna.

Na defesa das fls. 36-39, a acusada diz que jamais realizou boca de urna e que apenas tinha em sua bolsa os santinhos apreendidos. Disse que, na ocasião dos fatos, estava dirigindo-se à escola para votar e parou para conversar com uma amiga, a qual estava distribuindo santinhos. Quando sua amiga foi abordada, o oficial de justiça solicitou que a acusada abrisse a bolsa e localizou os santinhos que estavam lá depositados.

Durante a instrução foram ouvidas apenas duas testemunhas de acusação, o oficial de justiça Leonel da Silva Pimentel e o policial militar João Roberto T. Porto (fl. 82 e mídia à fl. 83).

João Roberto disse que não presenciou os fatos. Já a testemunha Leonel, disse que abordou diversas pessoas no dia do pleito e que todas estavam efetuando a entrega de “santinhos”.

A versão da recorrida não é de todo inverossímil, porque o boletim de ocorrência das fls. 10-11 foi efetivamente registrado em nome de outras duas pessoas que também foram apontadas como autoras do mesmo tipo: Maria Vitória Rosa Pinheiro e Enedina Machado de Mello.

A acusada não foi ouvida durante a fase policial, não foi instaurado inquérito e nem foi juntado aos autos qualquer outro elemento de prova. Durante a instrução, sequer as outras pessoas envolvidas na ocorrência foram envolvidas.

À míngua de outros elementos, tem-se uma condenação baseada em uma única testemunha, o oficial de justiça, que, ao ser ouvido em juízo, sequer disse lembrar-se da acusada, limitando-se a informar que no dia da eleição encaminhou várias pessoas ao Foro e que todas estavam realizando boca de urna.

Enfim, a prova inquisitória é frágil e não favorece a condenação, pois se mostra infensa ao crivo do contraditório e da ampla defesa. Se os santinhos estavam apenas dentro da bolsa e não foram distribuídos pela recorrida, o tipo não se encontra consumado, situação que não foi de todo esclarecida.

Portanto, das provas colhidas não se pode concluir, de forma inequívoca, a prática delitiva, pois a fase inquisitorial é duvidosa e aquela colhida em juízo é lacunosa, sendo que a condenação não pode se basear exclusivamente em provas indiciárias, não jurisdicionalizadas.

Nestes termos, concluo que a livre manifestação de vontade do eleitor não foi maculada, visto que o acervo probatório não permite chegar a um juízo seguro sobre a ocorrência do fato, razão pela qual não incide, na espécie, a norma do art. 39, § 5º, inc. II, da Lei das Eleições.

Havendo dúvida ponderável quanto ao efetivo cometimento do delito, a absolvição se impõe, com base no vetusto, mas sempre atual princípio in dubio pro reo.

Nesse sentido a jurisprudência desta Casa, conforme se infere de precedentes análogos:

Recurso criminal. Decisão que condenou o réu por prática do delito previsto Recurso criminal.

Decisão condenatória pela prática da conduta tipificada no art. 39, § 5º, II, da Lei das Eleições. Fixação de pena de detenção, substituída por prestação de serviços à comunidade, e pagamento de multa.

Acervo probatório insuficiente para formar juízo seguro sobre a materialidade e autoria dos fatos narrados na denúncia. Inexistência de prova sólida a indicar a ocorrência de mácula à livre manifestação de vontade do eleitor.

Provimento.

(Recurso Criminal n. 357684, Acórdão de 29.05.2012, Relator DES. GASPAR MARQUES BATISTA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 93, Data 31.5.2012, Página 03.)

 

Recurso criminal. Condenação pela prática de crime eleitoral – distribuição de material de propaganda política no dia da eleição – tipificado no art. 39, §5º, inc. II, da Lei nº 9.504/97.

Suporte probatório insuficiente para ensejar um juízo de condenação. Devolução do valor recolhido a título de fiança.

Recurso provido.

(TRE/RS – Proc. n. 10002001 – Rel. Dr. Érgio Roque Menine – J. Sessão de 25.10.2001.)

 

Recurso criminal. Propaganda de boca de urna (art. 39, § 5º, II, da Lei n. 9.504/97). Apreensão de bandeiras e panfletos em poder do réu.

Para caracterização do delito exige-se prova segura da efetiva abordagem de eleitor ou distribuição da publicidade política. A mera posse do material impugnado não caracteriza a conduta típica proposta pela denúncia. Necessidade de prova quanto à distribuição efetiva da propaganda eleitoral.

Provimento negado.

(TRE/RS – Proc. RC n. 25 – Rel. Dr. Jorge Alberto Zugno – J. Sessão de 30.03.2010.)

Diante do exposto, asfato a matéria preliminar e VOTO pelo provimento do recurso para reformar a sentença recorrida ao efeito de absolver a ré, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.