RC - 277 - Sessão: 16/04/2015 às 17:00

VOTO-VISTA

Senhor Presidente e eminentes integrantes deste colegiado:

Já havia votado e acompanhado integralmente as razões do voto da eminente relatora desembargadora Liselena Schifino Robles Ribeiro. Contudo, depois do voto vista do eminente Doutor Leonardo Tricot Saldanha, a dúvida me assolou.

Li ambos os votos reiteradas vezes, mudei de posicionamento em parte, visto que acompanhei o voto vista no que se refere à preliminar de incompetência da Justiça Eleitoral no que tange ao delito de falso testemunho, assim como no que diz com a preliminar, suscitada de ofício, de anulação parcial da sentença por falta de oferecimento de suspensão condicional do processo ao réu MAURÍCIO FERNANDO DOS SANTOS referente ao crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral (situação esta que, conforme explicitarei mais adiante, penso que teremos que rever), mas mantive minhas indagações internas, no que se refere aos delitos previstos nos artigos 350 e 354 do Código Eleitoral, após lidas e relidas as manifestações do eminente Dr. Leonardo.

Foi então, que após a solicitação de vista, debrucei-me ao exame dos autos, e dúvidas já não mais me assolam.

Com efeito, trata-se de falsidade para fins eleitorais. E mais, penso que a matéria já ficou assim decidida e não comporta sequer análise sobre o tema neste julgamento.

É que o nosso Tribunal já teve oportunidade de se manifestar sobre a finalidade eleitoral da falsidade, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus 98-40.2013.6.21.0000.

E explico.

No decorrer desta ação, em que LEODI IRANI ALTMANN e MAURÍCIO FERNANDO DO SANTOS foram denunciados pelo Ministério Público como incursos nas sanções dos artigos 354 do Código Eleitoral, LEODI, e artigos 299 e 350 do Código Eleitoral e 342 do Código Penal, MAURÍCIO, foi interposto habeas corpus, em favor de LEODI, visando o trancamento da ação penal. Inclusive, nesta medida, a discussão é exatamente a juntada de declaração nos autos do processo RP 675-07.2012.6.21.0015, protocolado sob o n. 203.261/2012, em que LEODI IRANI ALTAMANN obteve para uso próprio, documento particular, ideologicamente falso, para fins eleitorais. Descreve a denúncia: “Assim agindo, o denunciado LEODI, com o fim de produzir em seu favor prova para sua tese defensiva no processo eleitoral n. RP 675-07, obteve do denunciado MAURÍCIO a declaração falsa, constante a fls. 385 do referido processo, na medida em que seu conteúdo não espelha a verdade, haja vista que o contato telefônico ali mencionado teve, sim, o fim de compra de voto e não autorização para compra de combustível, conforme alegado.”

Na inicial, o paciente menciona que o Ministério Público entendeu que MAURÍCIO produziu aquela declaração falsa com o intuito de produzir prova a favor de LEODI no processo de Captação Ilícita de Sufrágio. Além de discutir a competência da Comarca de Carazinho, expressamente reconhecida na sentença que decidiu a exceção de incompetência, afirma que o fato (documento falso) teria ocorrido em data compreendida entre o dia 12 de novembro de 2012 e 13 de dezembro de 2012, período após as eleições, e por isso afastada a finalidade eleitoral ou mesmo a produção do resultado na 15ª Zona Eleitoral. Pois bem, a liminar foi indeferida em decisão de lavra do Dr. Jorge Alberto Zugno, cuja cópia está nestes autos nas fls. 103, e onde obtive o número para buscar a íntegra do acórdão de lavra do Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes.

Em decisão liminar no Habeas Corpus 98-40, juntada à fl. 103 dos presentes autos, assim afirmou o Dr. Jorge Alberto Zugno:

Aliás, no tocante ao argumento de que a suposta falsificação de documento não teria finalidade eleitoral, pois praticada em período posterior às eleições, pelo menos à primeira vista, não merece guarida, pois o que se pode depreender dos documentos juntados na impetração, é possível que o dito instrumento particular tenha sido utilizado para comprovar a não ocorrência de captação ilícita de sufrágio nos autos da representação promovida pelo Ministério Público contra o paciente Leodi (fls. 28-74 e 75).

Já no acórdão desta Corte que decidiu o referido habeas, que como já referi foi de lavra do Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, assim afirma o eminente relator:

Ademais, o documento supostamente falso firmado por Maurício Fernando dos Santos (fls. 26 e 97), foi utilizado na defesa da representação ajuizada pelo Ministério Público contra o paciente Leodi, por captação ilícita de sufrágio, protocolizada em 12.11.2012, sob o n. 203.261 (fls. 28-74), que tramita naquele Juízo, para tentar afastar a configuração do ilícito, circunstância que estampa a finalidade eleitoral. (Grifei.)

Portanto, eminentes colegas, entendo que este Tribunal já afirmou a finalidade eleitoral daquele delito, quando assim se pronunciou naquele julgamento (Habeas Corpus n. 98-40.2013.6.21.0000), já não podendo mais cogitar de afastar tal finalidade.

De qualquer sorte, se assim não entenderem meus pares, afirmo do convencimento acerca da finalidade eleitoral, e para tanto, inicialmente tomo como base a sentença exarada pela magistrada Taís Culau de Barros, Juíza da 15ª Zona Eleitoral, nos autos da RP 675-07.2012.6.21.0015, protocolada sob o n. 203.261/2012, onde foi condenado LEODI, e que culminou com a cassação do registro e do diploma deste, conforme dispositivo que a seguir transcrevo:

Isso posto julgo procedente o pedido para reconhecendo que os representados incorreram nas sanções do artigo 41-A da lei 9504 e 77 da resolução 23370/11 CASSAR O REGISTRO E O DIPLOMA de LEODI IRANI ALTMANN e condenar o representado LEODI IRANI ALTMANN ao pagamento de Multa no valor de R$ 25.000,00 ( vinte e cinco mil reais) e a representada VIVALDINA BRUNETTO DE OLIVEIRA ao pagamento de Multa no valor de R$ 4.000,00 ( quatro mil reais).

Na referida decisão, que transitou em julgado em 31.07.2013, percebe-se que um dos fatos se trata de troca de votos por combustível, amparada em ligação telefônica interceptada entre MAURÍCIO e LEODI. E foi nesta ação que veio o indigitado documento falso, visando a absolvição de LEODI. A finalidade eleitoral expressa, qual seja, impedir a procedência da ação que acarretaria a perda do mandato.

Analisando-se os documentos e provas aqui colacionadas, não é difícil afirmar o conteúdo eleitoral daquele documento, qual seja, servir de prova para impedir a cassação de LEODI. E já não tenho dúvidas desta finalidade.

Por outro lado, não desconheço que o Tribunal Superior Eleitoral há muito tem entendido pela ausência de finalidade eleitoral na falsidade realizada na prestação de contas, visto que a contabilidade é apresentada à Justiça Eleitoral após o pleito. Este tem sido o critério utilizado por aquele órgão, resumindo a finalidade eleitoral às situações ocorridas no período entre o registro de candidaturas e a data do pleito.

Todavia, alguns julgados da máxima Corte Eleitoral já apontavam para uma necessária mudança de posicionamento:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO PENAL. ART. 350 DO CÓDIGO ELEITORAL.

1. Caracteriza o crime previsto no art. 350 do Código Eleitoral a inserção falsa em procuração com o objetivo de instruir ação eleitoral que visa à perda de mandato eletivo.

2. Conforme consignado na moldura fática do acórdão recorrido, que não é passível de revisão em sede de recurso especial, a potencialidade lesiva está configurada e houve efetivo prejuízo, pois o documento com assinatura falsa cumpriu sua finalidade eleitoral, que era respaldar a instauração de processo de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE RESPE 8264261-31.2009.6.22.0028 – Ouro Preto do Oeste – Rondônia – Relator: Ministro HENRIQUE NEVES DA SILVA – Sessão de 29.4.2014 – Publicação DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 107, Data 10.6.2014, Página 42-43.)

 

HABEAS CORPUS. CRIME. ARTIGO 350 DO CÓDIGO ELEITORAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. VANTAGEM OU BENEFÍCIO. LESÃO AO BEM JURÍDICO. DESNECESSIDADE. CRIME FORMAL. DENEGAÇÃO DA ORDEM.

1. Nosso ordenamento jurídico consagra regra da impossibilidade do trancamento da ação penal por meio de habeas corpus. Permite-se, excepcionalmente, o exame de plano quando evidenciada a atipicidade da conduta, extinção da punibilidade, ilegitimidade da parte ou ausência de condição para o exercício da ação penal.

2. No caso, a denúncia não é inepta, pois obedece aos ditames do artigo 41 do Código de Processo Penal e do artigo 358 do Código Eleitoral, expondo os fatos com suas circunstâncias, a qualificação do acusado e a classificação do crime.

3. Questões relacionadas à inexistência de indicação na peça acusatória do dolo específico do tipo descrito no artigo 350 do Código Eleitoral não podem ser analisadas em sede de habeas corpus, pois tal matéria deverá ser esclarecida durante a instrução do processo criminal, sendo objeto de apreciação pela Corte Regional, sob pena de indevida supressão de instância.

4. O tipo previsto no art. 350 do CE ¿ falsidade ideológica ¿ é crime formal. É irrelevante para sua consumação aferir a existência de resultado naturalístico, basta que o documento falso tenha potencialidade lesiva, o que afasta a alegação de inépcia da denúncia ante a ausência de descrição da vantagem ou benefício auferido na prática do suposto ilícito penal e de efetiva lesão ao bem jurídico tutelado.

5. Ordem denegada.

(TSE Habeas Corpus N. 1540-94.2011.6.00.0000 – Tanhaçu – Bahia – Relator: Ministro GILSON DIPP – Sessão de 07.12.2011 – Publicação DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 32, Data 14.02.2012, Página 49.)

 

RECURSO ESPECIAL. CRIME ELEITORAL. ARTS. 350 E 353 DO CÓDIGO ELEITORAL. FALSIFICAÇÃO. DOCUMENTO PÚBLICO. USO. DOCUMENTO FALSO. INSTRUÇÃO. REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. CANDIDATO ELEITO. PREFEITO. COMPROVAÇÃO. FINALIDADE ELEITORAL. DOLO, MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADOS. IRRELEVÂNCIA. TÉRMINO. ELEIÇÕES. DENÚNCIA. MINISTÉRIO PÚBLICO. DECURSO DE PRAZO. INEXISTÊNCIA. OFENSA. ART. 357 DO CE. AUSÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. ART. 299 DO CE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. INOCORRÊNCIA. DESPROVIDO.

- Fazer inserir declaração falsa em documento público, no caso escritura pública, com o objetivo de instruir representação eleitoral em desfavor de candidato, caracteriza o crime descrito no art. 350 do CE.

- A finalidade eleitoral - elemento subjetivo do tipo - ficou comprovada, pois a declaração falsa foi capaz de criar uma situação jurídica em detrimento da verdade sobre fato juridicamente relevante, tendo a fé pública sido abalada.

- Ademais, tal declaração teve potencialidade lesiva, recaindo sobre fato juridicamente relevante para o direito eleitoral, ou seja, com capacidade de enganar. Dissídio jurisprudencial não caracterizado.

- Recurso especial a que se nega provimento.

(TSE RESPE n. 28.520 – Pedrinhas Paulista – São Paulo – Relator: Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA – Sessão de 03.6.2008 - Publicação DJ - Diário da Justiça, Volume 1, Tomo -, Data 24.6.2008, Página 9.)

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME ELEITORAL. ART. 350 E 353 DO CÓDIGO ELEITORAL. FALSIFICAÇÃO. DOCUMENTO PÚBLICO. USO. DOCUMENTO FALSO. INSTRUÇÃO. REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. COMPROVAÇÃO. FINALIDADE ELEITORAL. INEXISTÊNCIA. OMISSÃO. OBSCURIDADE. CRIME FORMAL. PRETENSÃO. REDISCUSSÃO DA CAUSA. ALEGAÇÃO. VIOLAÇÃO. ART. 5º, XLV, DA CF. FINALIDADE. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. INDICAÇÃO. VÍCIOS. EMBARGOS REJEITADOS.

- A omissão que enseja os declaratórios é aquela que se relaciona a tema que o tribunal deveria ter apreciado.

- Não existindo vícios no acórdão embargado a serem sanados, impõe-se a rejeição dos declaratórios, que não se prestam ao rejulgamento da causa, somente tendo efeitos infringentes nos casos excepcionais, conforme pacífica jurisprudência deste Tribunal.

- O tipo previsto no art. 350 do CE - falsidade ideológica - não exige, para a configuração do crime a procedência da representação eleitoral instruída com o documento falso. Assim, não se verifica a apontada obscuridade no julgado.

- Até para fins de prequestionamento, é necessária a existência de um dos vícios no acórdão embargado.

- Embargos declaratórios rejeitados.

(TSE RESPE n. 28.520 – Pedrinhas Paulista – São Paulo – Relator: Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA – Sessão de 07.8.2008 - Publicação DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 17.9.2008, Página 21.)

No mesmo norte, a doutrina de Rodrigo López Zilio nos brinda com clara exposição na qual já clama por uma mudança de entendimento do TSE em relação à conceituação de finalidade eleitoral (ZILIO, Rodrigo López. Crimes eleitorais. 1ª Ed., Salvador: Juspodivm, 2014).

Assim ensina o jurista:

O TSE, no entanto, não tem dispensado um tratamento adequado a determinadas condutas de falso que pairam sobre o processo de prestação de contas, circunstância que tem dado ênfase à falência total desse procedimento de controle de arrecadação e gastos de recursos nas campanhas eleitorais, contribuindo, também, para o descrédito do próprio Poder Judiciário.

[...]

A jurisprudência eleitoral tem demonstrado enorme resistência em enquadrar a omissão de declaração de recursos recebidos na prestação de contas como crime de falsidade ideológica eleitoral. Nesta alheta, o TSE decidiu que “a rejeição da prestação de contas, decorrente de omissão em relação a despesa que dela deveria constar, não implica, necessariamente, na caracterização do crime capitulado no art. 350 do CE”, argumentando que “não há como reconhecer, na espécie, a finalidade eleitoral da conduta omissiva, elemento subjetivo do tipo penal em apreço, porquanto as contas são apresentadas à Justiça Eleitoral após a realização do pleito” (Recurso Especial Eleitoral nº 26010 – Rel. Min. Marcelo Ribeiro – j. 08.05.2008).

[...]

Não há como compartilhar com esse posicionamento sufragado pela Corte Superior Eleitoral, porquanto a finalidade eleitoral não se resume apenas até o momento da realização da eleição – até mesmo porque esse entendimento fulmina a possibilidade (sempre prestigiada pelo TSE) de a coligação partidária possuir legitimidade para o manuseio do Recurso Contra a Expedição do Diploma ou, ainda, da Ação de Impugnação ao Mandato Eletivo. Aliás, se a prestação de contas – que tem por objetivo maior verificar a regularidade dos recursos arrecadados e dos gastos efetuados por partidos, candidatos e coligações – não tem finalidade eleitoral, cabe questionar o motivo da própria existência, na lei das eleições, de regras específicas para o desenvolver desse procedimento? Se não há finalidade eleitoral na prestação de contas, a Justiça Eleitoral – por incompetência em razão da matéria – sequer deveria conhecê-las. A argumentação utilizada é precária e, com a devida vênia, não possui mínima sustentação lógica e jurídica.

A reforçar sua compreensão, Zilio cita ainda o entendimento do Procurador da República e ex-Procurador Regional Eleitoral Carlos Augusto Cazarré, o qual segue idêntico vetor (CAZARRÉ, Carlos Augusto da Silva. Crimes eleitorais – sua fundamentação constitucional e a deficiência de proteção penal em alguns aspectos do processo eleitoral. Temas de Direito Eleitoral no Século XXI (Coordenação André de Carvalho Ramos), Escola Superior do Ministério Público da União, 2012):

Insuperável, no ponto, a crítica de CARLOS AUGUSTO CAZARRÉ: 'Dizer que a falsidade contida na prestação de contas de campanha não tem finalidade eleitoral é retirar sua importância como documento inerente ao processo eleitoral. Ora, ela é o principal instrumento de controle do financiamento e dos gastos de campanha. Representa a arma mais eficaz no combate ao abuso do poder econômico, tendo em vista o necessário equilíbrio material entre os candidatos em um sistema democrático. Resta claro, então, que a distinção a ser feita do falso eleitoral em relação à falsidade comum, que reclama a incidência do delito previsto no Código Eleitoral, não chega a ser tão específica a ponto de se verificar se a conduta tem aptidão ou não para interferir no resultado do pleito. Como dito, a norma tem por escopo proteger a fé pública eleitoral e, para tanto, se a ação ou omissão verificada abalar a transparência e, por conseguinte, a confiança atrelada aos documentos do processo eleitoral, em qualquer de suas fases, resta configurada a conduta. Dessa forma, não há como definir finalidade eleitoral unicamente como a possibilidade de alterar o resultado do pleito, uma vez que o processo eleitoral envolve, também, atos praticados após as eleições que, igualmente, devem ser guiados pela verdade e transparência. Portanto, deve ser afastado o entendimento segundo o qual a omissão de informação na prestação de contas não pode caracterizar o crime previsto no art. 350, por ela ser apresentada após o pleito e não ter capacidade de alterar seu resultado' (p. 478).

No entanto, como que ouvindo o conclame do Dr. Zilio, o Tribunal Superior Eleitoral, na Sessão de 06 de novembro de 2014, promoveu uma guinada em sua jurisprudência, passando a conceber que “A falsificação ou uso de documento no âmbito de prestação de contas possui finalidade eleitoral e relevância jurídica, pois tem o condão de atingir a fé pública eleitoral, que é considerada o bem jurídico tutelado pelas normas incriminadoras”.

A decisão se deu no âmbito do julgamento do RESPE n. 38455-87.2009.6.26.0001, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, publicado no Diário de Justiça Eletrônico, em 18.12.2014.

Pedindo respeitosas vênias aos demais colegas, a ministra relatora entendeu que “a omissão de dados ou a falsificação de documentos para fins de prestação de contas de campanha possui sim finalidade eleitoral”.

Asseverou ser “evidente que a falsificação e o uso de documento falso para justificar gastos de campanha têm por finalidade ludibriar a Justiça Eleitoral, atingindo, assim, o bem jurídico tutelado pelo art. 350 do Código Eleitoral, qual seja, a fé pública eleitoral. Entendimento contrário, no sentido de que a falsificação de documento para fins de prestação de contas de campanha não seria crime eleitoral, mas crime comum, conduziria a julgamento pela Justiça comum, o que não me parece adequado, tendo em vista todo o sistema de fiscalização empreendido pela Justiça Eleitoral com relação aos recursos utilizados na campanha”.

O entendimento da relatora foi seguido pelos demais componentes da superior Corte Eleitoral, sendo objeto de registro pelo respectivo Presidente, Ministro Dias Toffoli, que assim concluiu:

Em relação às teses de que não haveria finalidade eleitoral da conduta praticada após o pleito e de ausência de lesividade, uma vez que a veracidade dos documentos, para os fins a que se destinavam, dependeria de exame posterior no momento da prestação de contas, também sem razão os recorrentes.

De fato, os precedentes desta Corte colacionados nos apelos, apesar de não espelharem a mesma situação fática dos autos, são no sentido de que não há finalidade eleitoral na falsidade realizada na prestação de contas, uma vez que as contas são apresentadas após o pleito.

Entretanto, tal como entendeu a ministra relatora, acompanhada pela Ministra Laurita Vaz, penso que a prática consubstanciada na falsidade de documento no âmbito de prestação de contas possui finalidade eleitoral e relevância jurídica, pois tem o condão de atingir o bem jurídico tutelado pela norma, que é a fé pública eleitoral.

Finalizando a sessão de julgamento, o Ministro Henrique Neves da Silva fez questão de consignar a extrema importância da alteração do entendimento do TSE:

Senhor Presidente, acompanho Vossa Excelência, mas quero destacar que esse julgamento é muito importante na parte em que se torna unânime, de acordo com o entendimento das eminentes Ministras Nancy Andrighi e Laurita Vaz, e agora de Vossa Excelência e dos que lhe acompanharam, no que tange à regra do art. 350 do Código Eleitoral, que trata da apresentação de documento falso, reconhecendo-se a sua aplicação no caso de documentos falsos apresentados na prestação de contas, mesmo que ela ocorra após as eleições.

Havia uma jurisprudência antiga do Tribunal entendendo que, como a prestação de contas é posterior à eleição, não haveria efeito eleitoral capaz de caracterizar o tipo. Por isso, esse julgamento é muito importante para determinar que aqueles que eventualmente apresentem documento falso em uma prestação de contas, correm o risco de responder a uma ação penal.

Ao final, o acórdão restou assim ementado, sem grifos no original:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. CONSTITUCIONAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO. ART. 353 DO CÓDIGO ELEITORAL. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DA CONDUTA. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO. NECESSÁRIO REEXAME DE FATOS E PROVAS INTIMAMENTE LIGADOS AO MÉRITO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. PRECEDENTES. ALEGADA AUSÊNCIA DE FINALIDADE ELEITORAL E DE FALTA DE LESIVIDADE DO ATO PRATICADO. INTENÇÃO DE MANTER EM ERRO A JUSTIÇA ELEITORAL. COMPROMENTIMENTO DA FÉ PÚBLICA ELEITORAL. AFRONTA AO BEM JURÍDICO TUTELADO PELO TIPO PENAL INCIRIMINADOR. ALTERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA. VIOLAÇÃO AO ART. 394, § 2º E § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E AOS ARTS. 355 A 364 DO CÓDIGO ELEITORAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DOS DISPOSTIVOS SUSCITADOS. INEXISTÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DA SENTENÇA CONDENATÓRIA (CPP, ART. 564, INCISO III). QUESTÃO NÃO DEBATIDA NO ACORDÃO RECORRIDO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA QUE NÃO SE ADMITE. APRESENTAÇÃO DE LAUDO PERICIAL PARTICULAR PELO MINISTÉRIO PÚBLICO SEM REQUISIÇÃO JUDICIAL E SEM PRÉVIA CIÊNCIA E PARTICIPAÇÃO DA DEFESA. OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO (CF, ART. 5º, INCISO LV). NÃO OCORRÊNCIA. ALEGADA INCIDÊNCIA DO INSTITUTO DA MUTATIO LIBELLI (CPP, ART. 384) NO JULGAMENTO DO TRE/SP. NÃO OPORTUNIZAÇÃO DE MANIFESTAÇÃO DA DEFESA. INOCORRÊNCIA. ATRIBUIÇÃO DE DEFINIÇÃO JURÍDICA DIVERSA DOS FATOS SEM MODIFICAÇÃO DA DESCRIÇÃO CONTIDA NA DENÚNCIA. INSTITUTO DA EMENDATIO LIBELLI. INTELIGÊNCIA DO ART. 383 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AUSÊNCIA DE OPORTUNIZAÇÃO AO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL DE OFERECER NOVA PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO EM VIRTUDE DO QUANTUM DECIDIDO NO RECURSO CRIMINAL. POSSIBILIDADE EM SEDE RECURSAL. PRECEDENTES. VIOLAÇÃO DO ART. 89 DA LEI 9.099/95 CONFIGURADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO COM EXTENSÃO DE EFEITOS (CPP, ART. 580). CONTAGEM DA PRESCRIÇÃO SUSPENSA (ART. 89, § 6º, DA LEI Nº 9.099/95) A PARTIR DA SESSÃO DE JULGAMENTO DO FEITO.

1. A pretendida absolvição por ausência de materialidade da conduta delitiva demandaria o necessário reexame de fatos e provas intimamente ligados ao mérito da ação penal, inadmitido em sede de recurso especial na linha de precedentes.

2. A falsificação ou uso de documento no âmbito de prestação de contas possui finalidade eleitoral e relevância jurídica, pois tem o condão de atingir a fé pública eleitoral, que é considerada o bem jurídico tutelado pelas normas incriminadoras. Alteração da jurisprudência da Corte.

3. O art. 394, § 2º e § 4º, do Código de Processo Penal e os arts. 355 a 364 do Código Eleitoral, suscitados como vilipendiados no recurso especial, não foram devidamente prequestionados.

4. Não foi discutida pelo TRE/SP a tese de nulidade da condenação decorrente da ausência de intimação pessoal da sentença condenatória (CPP, art. 564, inciso III). Portanto, sua análise, de forma originária, neste ensejo, configuraria verdadeira supressão de instância não admitida.

5. A notícia, contida no acórdão recorrido de que foi franqueada às partes a oportunidade de se manifestarem a respeito do laudo pericial apresentado pelo Parquet, afasta a tese de afronta ao postulado do contraditório, insculpido no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal.

6. Não configura ofensa ao art. 384 do Código de Processo Penal (mutatio libelli) a alteração feita pela Corte Regional na capitulação dos fatos sem a modificação da descrição contida na inicial acusatória, o que configura verdadeira emendatio libelli (CPP, art. 383).

7. Considerando o que dispõe o art. 383, § 1º, do Código de Processo Penal, aquele Tribunal Regional Eleitoral ao conferir nova capitulação jurídica aos fatos e fixar as penas dos recorrentes em 1 (um) ano de reclusão, deveria ter convertido o julgamento em diligência para possibilitar o oferecimento de suspensão condicional do processo pelo Ministério Público Eleitoral.

8. O magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal já assentou que, "uma vez operada a desclassificação do crime, a ponto de implicar o surgimento de quadro revelador da pertinência do artigo 89 da Lei nº 9.099/95, cumpre ao Juízo a diligência no sentido de instar o Ministério Público a pronunciar-se a respeito" (HC nº 75.894/SP, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJe de 23.8.2002).

9. Recurso especial de Arselino Tatto parcialmente provido, determinando-se o retorno dos autos ao TRE/SP para que conceda vistas ao Procurador Regional Eleitoral, que deverá se manifestar fundamentadamente quanto à suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95), suspenso, em consequência, o acórdão proferido no recurso criminal até a deliberação do Parquet.

10. Efeitos da decisão estendidos ao recorrente Osvaldir Barbosa de Freitas, na forma do art. 580 do Código de Processo Penal.

11. Contagem da prescrição suspensa (art. 89, § 6º, da Lei nº 9.099/95) a partir da sessão de julgamento do feito, sob pena de se frustrar o julgado.

(TSE RESPE 38455-87.2009.6.26.0001 – São Paulo/SP, Relatora originária: Ministra NANCY ANDRIGHI, Redator para o acórdão: Ministro Dias Toffoli, Sessão de 06.11.2014, Publicação DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 238, Data 18.12.2014, Páginas 34-35.)

Portanto, com base no robusto conjunto probatório coligido aos autos, assim como pelo trânsito em julgado da decisão no Habeas Corpus 98-40.2013.6.21.0000, somados à alteração jurisprudencial promovida pela mais alta Corte Eleitoral, tenho como evidente a finalidade eleitoral das condutas delituosas praticadas pelos reús MAURÍCIO FERNANDO DOS SANTOS (art. 350 do CE) e LEODI IRANI ALTMANN (art. 354 do CE), motivo pelo qual concluo que deva ser mantida, neste ponto, a decisão condenatória de primeiro grau, tal como posta pela eminente relatora.

Por fim, como já havia registrado no início de minhas considerações, saliento que na Sessão do dia 09.4.2015, acabamos, de forma unânime, por anular a condenação de MAURÍCIO FERNANDO DOS SANTOS pelo art. 299, ao entendimento de que não se lhe havia concedido, na origem, a proposta de suspensão condicional do processo. Decisão que parecia acertada naquele momento.

Todavia, caso esta Corte conclua pelo reconhecimento da tipicidade dos artigos 350 e 354 do Código Eleitoral, em virtude da presença de circunstância elementar relativa à finalidade eleitoral (dolo específico), deve ser julgado também o recurso relativo ao delito de corrupção eleitoral, não podendo subsistir a anulação da sentença quanto a este ponto, motivo pelo qual mantenho a condenação de MAURÍCIO FERNANDO DOS SANTOS pelo crime do art. 299 do Código Eleitoral.

Ante o exposto, VOTO no seguinte sentido:

a) afastar as preliminares arguidas no recurso;

b) reconhecer a incompetência desta especializada para apuração do delito previsto no art. 342 do Código Penal;

c) manter a condenação do réu MAURÍCIO FERNANDO DOS SANTOS nas sanções dos artigos 299 e 350 do Código Eleitoral, readequando a pena para o montante de dois anos de reclusão, em regime aberto, e 10 dias-multa, calculados em um salário-mínimo diário da região vigente à época, mantidos os demais termos da sentença;

d) manter a condenação do réu LEODI IRANI ALTMANN nas sanções do art. 354 do Código Eleitoral; e

e) julgar prejudicada a anulação parcial da sentença em relação ao art. 299 do Código Eleitoral, nos termos da fundamentação.

É como voto, senhor Presidente.

 

Dr. Hamilton Langaro Dipp:

Acompanho o voto da Dra. Gisele pelo reconhecimento da finalidade eleitoral. O representado poderia perder o seu mandato, então havia a finalidade eleitoral.

 

Desa. Maria de Fátima Freitas Labarrère:

Acompanho o voto da Dra. Gisele.

 

Dr. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez:

Acompanho o voto da Dra. Gisele.