RE - 2165 - Sessão: 30/04/2015 às 17:00

RELATÓRIO

O PARTIDO POPULAR SOCIALISTA – PPS de Santa Rosa protocolou, em 29.4.2014, perante o Juízo da 42ª Zona, a sua prestação de contas anual, referente ao exercício financeiro de 2013 (fls. 02-40).

Oficiada (fl. 58), a Prefeitura de Santa Rosa informou o nome e o CPF de todos os ocupantes de cargos demissíveis ad nutum (secretários municipais e cargos em comissão) no ano de 2013 (fls. 59-62).

Após, foi emitido Relatório Conclusivo pela desaprovação das contas, em virtude de doações efetuadas por ocupantes de cargos em comissão na administração municipal (fls. 63-66). Intimado do Relatório, o partido manifestou-se alegando que apenas são vedadas pela legislação as doações efetuadas por autoridades, o que não seria o caso dos doadores dos autos, pois eles não poderiam figurar nessa condição em Mandado de Segurança. Afirma, ademais, que os doadores apontados são filiados ao partido, razão pela qual a contribuição à grei seria algo natural, e que os valores não estavam vinculados à ocupação de cargos, pois eram eventuais (fls. 69-70).

Os autos foram com vista ao Ministério Público Eleitoral, o qual solicitou novas diligências para apurar a exata natureza dos cargos objeto da contenda (fls. 71-72v.).

Acolhida a promoção (fl. 74), o PPS foi intimado para prestar as informações solicitadas (fl. 76), que foram prestadas, acompanhadas de documentos (fls. 77-103). Os autos foram novamente com vista ao Ministério Público Eleitoral, o qual opinou pela desaprovação das contas (fls. 104-106v.).

Sobreveio sentença de desaprovação das contas, forte no art. 27, III, da Res. TSE n. 21.841/2004, na qual foi  determinado o recolhimento da quantia recebida irregularmente, no valor de R$ 3.350,00 (três mil, trezentos e cinquenta reais), bem como a suspensão, com perda, do recebimento de novas cotas do Fundo Partidário, pelo prazo de um ano, contado da data da sentença. (fls. 108-10).

Irresignado, o PPS interpôs recurso, por intermédio de advogado regularmente constituído, aduzindo, em síntese que: a) os doadores não se enquadram no conceito de autoridade; e b) a Res. TSE n. 21.841/04 é clara ao afirmar que as vedações não alcançam servidores públicos filiados a partidos políticos.

Nesta instância, os autos foram com vista ao Ministério Público Eleitoral, o qual opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 121-24).

O Procurador Regional Eleitoral, em sessão, opinou ainda, devido à gravidade das doações de autoridades públicas, as quais quebram a isonomia do pleito, pela suspensão de recursos do Fundo Partidário pelo período de um ano, conforme sanção do inc. II, art. 36, da Lei n. 9.096/95, a qual entende ser de aplicação automática.   

É o relatório.

 

VOTO

Des. Luiz Felipe Brasil Santos:

Tempestividade

O recorrente foi intimado em 29.9.2014 (segunda-feira) e o recurso foi protocolado em cartório na data de 02.10.2014 (quinta-feira), dentro, portanto, do tríduo legal.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.

Mérito

Trata-se da prestação de contas anual do Partido Popular Socialista – PPS de Santa Rosa, referente ao exercício financeiro de 2013, desaprovada em virtude das doações provenientes de Arcadio Stracke, Dione Tábile, Elemar Antonio Borchartt da Rosa, Ademar Borges de Figueiredo, Leandro Ermentraut, Helio Machado Dipp e Sheila Naira Nunes da Silva Ligorio, os quais seriam detentores de cargos públicos demissíveis ad nutum e, portanto, estariam legalmente impedidos de efetuar doações.

O cerne da questão está em determinar se os cargos exercidos pelos referidos doadores se enquadram, ou não, no rol vedado pela legislação.

O recorrente asseverou que os doadores em foco são, também, filiados ao partido, e que, nessas circunstâncias, as doações são autorizadas pela legislação de regência. Ademais, afirmou que o conceito de autoridade não lhes seria aplicável, porquanto tais doadores ocupam cargos que não lhes permitem responder Mandado Segurança, e, tampouco, detém poder de emitir decisões terminativas, compreendendo tão somente a atribuição de execução de serviços. Argumentou, ainda, que a Resolução TSE n. 22.585/2007 não anulou ou modificou o conceito de autoridade consagrado na Resolução TSE n. 21.841/2004.

À luz da legislação de regência de então, tenho que razão não lhe assiste.

Vejamos o teor do art. 5º, §1º, da Res. do TSE, n. 21.841/2004:

Art. 5º O partido político não pode receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qual quer espécie, procedente de (Lei nº 9.096/95, art. 31, incisos I a IV):

I – entidade ou governo estrangeiros;

II – autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações do Fundo Partidário;

III – autarquias, empresas públicas ou concessionárias de serviços públicos, sociedades de economia mista e fundações instituídas em virtude de lei e para cujos recursos concorram órgãos ou entidades governamentais; e

IV – entidade de classe ou sindical.

§ 1º A vedação às contribuições e auxílios provenientes das pessoas abrangidas pelo termo autoridade, inserto no inciso II, não alcança os agentes políticos e os servidores públicos filiados a partidos políticos, investidos em cargos, funções, mandatos, comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais, no âmbito dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (Resolução-TSE nº 20.844/2001). (Grifei.)

[…]

Após a edição da Resolução n. 22.585/2007, o TSE sinalizou mudança de entendimento. A atual concepção daquela Corte Superior tomou rumo contrário ao da argumentação do recorrente, consoante se verifica na ementa da consulta que deu origem à nova resolução:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade. Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(Consulta n. 1.428, Resolução n. 22.585 de 06.9.2007, Relator: Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado: Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16.10.2007, Página 172.) (Grifei.)

Portanto, todos aqueles que exercem cargos ad nutum, em funções comissionadas, desde que na condição de autoridades, estão enquadrados como fonte vedada.

Também este Tribunal adotou esse posicionamento. Seguem jurisprudências:

 

Prestação de contas anual. Partido político. Diretório Estadual. Exercício 2010. Desaprovam-se as contas do partido político quando presentes irregularidades que maculam a prestação como um todo. 1. Recebimento pelo partido de recurso de fonte vedada. Doação advinda de titular de cargo em comissão que desempenha função de direção ou chefia – chefe de gabinete de deputado estadual - caracterizando, pois, afronta ao art. 31, II, da Lei n. 9.096/95. 2. Utilização irregular de recursos provenientes do Fundo Partidário para pagamento de multas eleitorais, infringência ao art. 8º da Resolução TSE n. 21.841/04. 3. Entrega parcial de peças e documentos obrigatórios à prestação de contas anual. Ausentes demonstrativos eleitorais referentes às doações recebidas pelo partido. Suspensão das cotas do Fundo Partidário, recolhimento de valores ao erário e ao Fundo Partidário. Desaprovação.

(TRE-RS, PC 6958, Relator: LEONARDO TRICOT SALDANHA, 01.10.2014)

 

Recurso. Prestação de contas anual de partido político. Exercício 2012. Doação de fonte vedada. Configura recurso de fonte vedada o recebimento de doação advinda de titular de cargo demissível ad nutum da administração direta ou indireta, que detenha condição de autoridade. Afronta ao art. 31, II, da Lei n. 9.096/95. Suspensão de novas cotas do Fundo Partidário. Recolhimento do valor indevidamente recebido ao mesmo fundo. Provimento negado.

(TRE-RS, RE 4582, Relatora: Desa. Federal MARIA DE ÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, 29.9.2014)

 

Prestação de contas partidária. Diretório municipal. Art. 5º, inc. II, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro 2011. Desaprovam-se as contas quando constatado o recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis ad nutum e na condição de autoridades. No caso, recebimento de quantia expressiva advinda de cargos de coordenador, diretor de departamento e chefe de setores e unidades administrativas. Manutenção das sanções de recolhimento de quantia idêntica ao valor doado ao Fundo Partidário e suspensão do recebimento das quotas pelo período de um ano. Provimento negado.

(TRE-RS, RE 3480, Relator: Dr. INGO WOLFGANG SARLET, 26.8.2014.)

 

No caso, temos a seguinte situação configurada:

1. Arcadio Stracke ocupou o cargo de Secretário Municipal da Fazenda no período compreendido entre 02.01.2013 e 10.5.2013 e de 23.5.2013 em diante. A descrição das atribuições do cargo apresenta, dentre outras, competência para “coordenar ações e fazer instruir contribuintes sobre o cumprimento da legislação tributária municipal, orientando campanhas de esclarecimento ao público”, “decidir sobre os pedidos de parcelamento de débitos passados segundo a legislação em vigor”, “normatizar instruções e ações que visem evitar a sonegação, evasão ou fraude no pagamento dos tributos municipais”, “determinar a realização de perícias contábeis que tenham por objetivo salvaguardar os interesses da fazenda municipal”, “definir o calendário fiscal do município” e “controlar a capacidade de endividamento do município” (fls. 95-97).

2. Dione Tábile ocupou o cargo de Diretor do Departamento de Captação de Recursos no período compreendido entre 01.02.2013 e 08.5.2013 e o cargo de Assessor do Departamento de Meio Ambiente de 09.5.2013 em diante. A descrição das atribuições do primeiro cargo apresenta, dentre outras, competência para “coordenar a captação de recursos junto aos ministérios e outros órgãos estaduais, federais, empresas estatais, fundações, autarquias e demais órgãos afins” e “coordenar, junto ao Departamento de Projetos, a elaboração de documentos solicitados pelos ministérios”. Já quanto ao segundo cargo as atribuições incluem, dentre outras competências, a de “[...] fazer cumprir a legislação vigente” e “gerenciar a fiscalização da correta aplicação dos recursos financeiros da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Saneamento” (fls. 97-99).

3. Elemar Antonio Borchartt da Rosa ocupou o cargo de Assessor da Defesa Civil no período compreendido entre 16.01.2013 e 05.05.2014. A descrição das atribuições do cargo apresenta, dentre outras, competência para “coordenar o desempenho de ações da defesa civil”, “coordenar ações que conscientizem a população sobre cuidados preventivos”, “gerenciar ações com secretarias afins, com vistas à prevenção de calamidades” e “coordenar as ações nas situações de emergência” (fls. 99-100).

4. Ademar Borges de Figueiredo ocupou o cargo de Secretário Municipal de Desenvolvimento Social no período compreendido entre 02.01.2013 e 14.5.2014. A descrição das atribuições do cargo apresenta, dentre outras, competência para “planejar, coordenar e acompanhar a execução do plano de ação do governo municipal e os programas gerais e setoriais inerentes à secretaria”, “organizar e coordenar programas e atividades da secretaria” e “organizar a prestação dos serviços dos departamentos, setores ou áreas que compõem a secretaria” (fls. 100-101).

5. Leandro Ermentraut ocupou o cargo de Subprefeito no período compreendido entre 02.01.2013 e 30.4.2014. A descrição das atribuições do cargo apresenta, dentre outras, competência para “coordenar a inspeção de estradas, pontes, praças, jardins e caminhos vicinais da vila”, “gerenciar trabalhos de vistoria dos próprios municipais situados na vila e zelar pela sua conservação” e “coordenar e supervisionar os serviços executados pelos servidores municipais afetos ao distrito, bem como controlar o comparecimento destes ao trabalho” (fls. 101-102).

6. Helio Machado Dipp ocupou o cargo de Coordenador da UCAM no período compreendido entre 01.02.2013 e 05.5.2014. A descrição das atribuições do cargo apresenta, dentre outras, competência para “gerenciar o albergue municipal”, “supervisionar as atividades e o registro do ponto dos servidores lotados na UCAM”, “gerenciar a marcenaria” e “coordenar a distribuição da merenda ao CAS, pelotões mirins, beneficiários de cursos e/ou oficiais pré profissionalizantes” (fls. 102-103).

7. Sheila Naira Nunes da Silva Ligorio ocupou o cargo de Coordenador do Departamento de Meio Ambiente no período compreendido entre 01.02.2013 e 04.10.2013. A descrição das atribuições do cargo apresenta, dentre outras, competência para “[...] fazer cumprir a legislação vigente”, “gerenciar e supervisionar a elaboração de projetos junto aos fiscais do Meio Ambiente, visando melhoria na qualidade de vida da comunidade” e “coordenar atividades que visem o bom funcionamento dos trabalhos no Departamento de Meio Ambiente, assim como em toda a Secretaria de meio Ambiente e Saneamento” (fl. 103).

Entendo que os cargos em foco trazem, em seu bojo, expressiva carga decisória. Tratam-se de doações efetuadas por Subprefeito, Secretários Municipais, Diretor de Departamento, Coordenador de Departamento, Coordenador de Unidade e Assessor da Defesa Civil, cujos cargos, consoante visto nos exemplos destacados acima nas descrições das atividades, exigem a tomada de decisões e o gerenciamento de pessoas e recursos, por isso se inserindo no conceito de “autoridade”. Nesse sentido, valho-me de trecho do parecer ministerial, tomando-o como razões de decidir (fl. 122v.):

[...]

É assente na doutrina, bem como na jurisprudência, que a autoridade pública é aquela pessoa que pratica atos, no âmbito da administração pública direta ou indireta, que importem na tomada de decisões. Neste tocante, improcede a tentativa de limitar, no âmbito eleitoral, o conceito de autoridade àquele plasmado no inciso VIII, do art. 30, do Código Eleitoral, cuja teleologia é própria e diz respeito à legitimidade ativa para formular consultas aos Tribunais Regionais Eleitorais.

No caso dos autos, conforme registrado no relatório conclusivo de fls. 63-66, comprova-se que diversos titulares de cargos demissíveis ad nutum da Prefeitura Municipal de Santa Rosa, na condição de autoridades, contribuíram financeiramente para o partido em questão. Tais funcionários da administração se enquadram no conceito de autoridade pública. (Grifei.)

[...]

Nesse cenário, em que detectadas doações provenientes de “autoridades”, inafastável a sua configuração como oriundas “de fonte vedada”, no valor global de R$ 3.350,00 (três mil, trezentos e cinquenta reais), tal como posto na decisão combatida.

A desaprovação das contas acarreta a suspensão da participação nas cotas do Fundo Partidário pelo período de um ano, à luz do art. 36, inc. II, da Lei 9.096/95. De igual modo, é devido o recolhimento dos valores recebidos indevidamente ao referido fundo, nos termos do art. 28, inc. II, da Resolução TSE n. 21.841/2004.

Considerando a quantia, que não se avulta excessiva, e considerando precedente recente desta Casa (RE n. 36-50), estou reduzindo, de ofício, o período de suspensão do recebimento de novas quotas para 6 (seis) meses, em prol dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Diante do exposto, VOTO pelo não provimento do recurso, no sentido de manter a desaprovação das contas do Partido Popular Socialista – PPS de Santa Rosa, referentes ao exercício financeiro de 2013, bem como o recolhimento do valor de R$ 3.350,00 (três mil, trezentos e cinquenta reais) ao Fundo Partidário e a suspensão, com perda, das cotas do Fundo Partidário, pelo período de 6 (seis) meses, nos termos do art. 28, II, da Res. TSE n. 21.841/04.

 

Dr. Hamilton Langaro Dipp:

Eu estou acompanhando o relator.

 

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère:

Eu também estou acompanhando o relator.

 

Dr. Leonardo Tricot Saldanha:

Senhor Presidente, eu apenas tomo a palavra em virtude da manifestação do Procurador Regional Eleitoral, Dr. Marcelo, a qual foi realizada de forma muito consciente, mas não chego a mudar o entendimento que firmei em julgamento anterior.

O legislador sempre faz um julgamento, faz a concretização dos princípios constitucionais. Entretanto, o legislador não tem condições de ver o caso concreto e, exatamente por isso, pode fazer concretizações que sejam abusivas ao princípio da proporcionalidade, o qual diz, em seu subprincípio da necessidade, que o Estado deve usar a menor arma possível para chegar aos seus objetivos. Quando há um ato a ser punido pela legislação, no caso, de doação de pessoa ocupante de cargo comissionado que detenha condição de autoridade, deve existir a suspensão dos recursos do Fundo Partidário.

O legislador não estabeleceu uma proporcionalidade de forma expressa, mas nós já encontramos nesta Corte situações em que a doação referia-se a um valor ínfimo de R$ 300,00, em municípios pequenos e partidos pequenos, evidenciando sequer existir conhecimento da norma. É muito mais educativo que se suspenda de forma proporcional do que se inviabilize o funcionamento do partido. O Direito Eleitoral também deve respeitar o princípio da proporcionalidade, como bem fez constar o relator.  O voto, portanto, vai no sentido exato do relator.

 

 

Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja:

Voto com o relator, Sr. Presidente.

 

Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez:

Acompanho o relator.