AIJE - 187611 - Sessão: 19/04/2016 às 17:00

RELATÓRIO

ROBERTO LUNELLI ingressou, em 02.10.2014, com ação de investigação judicial eleitoral – AIJE - cumulada com pedido de busca e apreensão contra GUILHERME RECH PASIN (prefeito de Bento Gonçalves), MÁRIO GABARDO (vice-prefeito de Bento Gonçalves), ADEMAR PETRY e o PARTIDO PROGRESSISTA - PP de Bento Gonçalves, sob alegada distribuição de material publicitário apócrifo, cujo conteúdo se dirigiria caluniosamente contra a sua candidatura ao cargo de deputado estadual no pleito de 2014.

O representante alegou que teve notícias da distribuição dos panfletos e que, inclusive, chegou a receber um exemplar. A partir dos dias 27 e 28.9.2014 a alegada distribuição teria ficado mais intensa, sendo realizada em conjunto com material de propaganda do representado ADEMAR e de Ana Amélia Lemos, candidatos, respectivamente, aos cargos de deputado estadual e senador pelo PP.

No dia 29.9.2014, diversas pessoas teriam sido flagradas com o panfleto e levadas para a Delegacia de Polícia. Dentre elas, pessoas que seriam da administração municipal e que, claramente, estariam identificadas com as candidaturas do PP, em especial à de ADEMAR.

Ademais, veículos oficiais da prefeitura de Bento Gonçalves teriam sido fotografados contendo os referidos panfletos em seu interior. Dentre estes, o veículo da Secretaria Municipal da Saúde, responsável pela distribuição de medicamentos, teria sido flagrado circulando com o material, até mesmo em órgãos públicos.

O conteúdo calunioso dos panfletos consistiria na enumeração de diversas supostas irregularidades, com acusações de fatos não comprovados contra o representante, ex-prefeito e candidato a deputado estadual, e encerraria com a indagação “Com tudo isso você acha que o candidato a Deputado Roberto Lunelli merece o seu voto?”.

Liminarmente, requereu que: a) fosse decretada a ilegalidade da distribuição do material, com a determinação de busca e apreensão, em Bento Gonçalves, nas sedes do PP e comitês eleitorais dos candidatos Ana Amélia Lemos e do representado ADEMAR e b) fossem realizadas diligências nos veículos da Secretaria de Saúde de Bento Gonçalves e outros veículos oficiais, a fim de verificar a eventual estocagem do material gráfico.

Requereu, ainda, a expedição de ofícios à Brigada Militar e à prefeitura municipal para apresentarem as filmagens das câmeras de vigilância da cidade e à Delegacia de Polícia para que informasse a existência de eventuais expedientes referentes ao caso.

No mérito, pediu a procedência da ação para reconhecer as práticas de: a) distribuição de material de propaganda eleitoral ilegal, b) abuso de poder e c) condutas vedadas a agentes públicos, para o fim de condenação às penas pecuniárias e à cassação de mandato ou diploma, nos casos em que couber (fls. 02-30).

Em 02.10.2014, o desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, então relator desta ação, despachou deferindo parcialmente o pedido de liminar, para o fim de conceder o pleito quanto à busca e apreensão dos panfletos na sede do Diretório Municipal do PP e nos comitês de Ana Amélia Lemos e do representado ADEMAR, em Bento Gonçalves, e determinar a expedição de Carta de Ordem para o juízo da 8ª ZE para dar cumprimento à decisão (fl. 33 e v.).

Em 3.10.2014, o representante protocolou documento indicando novamente os locais em que pretendia que fossem realizadas diligências, com o acréscimo da residência de Jorge Lobo Pizzatto, o qual seria um dos articuladores da distribuição do material (fl. 39). Na mesma data, o relator precedente despachou determinando a juntada do documento, entendendo que emendava os termos do pedido após o deferimento do mesmo, e declarando não haver nada a acrescentar ao já decidido (fl. 37).

Foi expedida a Carta de Ordem n. 057/2014 (fls. 34-35v.), a qual retornou cumprida, sem encontrar panfletos anônimos nos locais determinados para a busca e apreensão (fls. 42-45).

Ainda em 3.10.2014, sob alegada existência de fato novo, o representante protocolou requerimento em virtude de outro material gráfico apócrifo, alegadamente calunioso, que estaria sendo distribuído por adeptos da candidatura de ADEMAR, dentre os quais muitos se utilizando da condição de agentes públicos da administração municipal. Pleiteou, então, o refazimento de diligências no Diretório Municipal do PP de Bento Gonçalves e no comitê de ADEMAR (fls.49-50). Juntou documentos (fls. 51-62).

O relator indeferiu o pedido (fl. 66), porquanto ausente o caráter de urgência da medida, exaurida com as diligências infrutíferas certificadas na fl. 45 dos autos.

Notificados, os representados ADEMAR, GUILHERME e o PP de Bento Gonçalves apresentaram defesa em conjunto (fls. 76-87). Após, MÁRIO apresentou sua defesa (fls. 94-98).

ADEMAR, GUILHERME e o PP aduziram a inexistência de participação ou ciência quanto aos fatos narrados; reputaram inverídica a afirmação de que a propaganda de ADEMAR e Ana Amélia Lemos estivesse sendo distribuída em conjunto com o material apócrifo. Afirmaram ser incorreta a afirmação de que a candidatura do representante seria contrária aos interesses do atual prefeito de Bento Gonçalves, o representado GUILHERME, o qual sequer era candidato no pleito de 2014. Por fim, sustentaram a inexistência de potencialidade lesiva no ato apontado como abusivo (fls. 76-87).

MÁRIO, por sua vez, arguiu, preliminarmente, ilegitimidade passiva para a causa. No mérito, sustentou o desconhecimento e a falta de participação nos fatos elencados na exordial, assim como a falta de potencialidade lesiva na conduta tida como abusiva (fls. 94-98).

Os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, a qual exarou parecer pela realização de audiência de instrução para a oitiva das testemunhas arroladas na inicial (fls. 100-101).

O Des. Luiz Felipe Brasil Santos despachou deferindo a produção de prova testemunhal, assim como determinando a intimação dos representados para tomada de depoimento pessoal, com delegação ao Juiz Eleitoral da 8ª ZE, com baixa dos autos para a designação e realização da audiência (fl. 103).

Realizada a audiência, os autos retornaram a este Tribunal (fls.112-115).

O representante ingressou com novo pedido. Neste, em razão de entender ainda haver prova a ser produzida, solicitou fosse requisitada à Prefeitura de Bento Gonçalves cópia integral dos autos da sindicância referida na audiência de instrução pelo representado GUILHERME. Além disso, repisou o solicitado na petição inicial quanto à expedição de ofícios à Brigada Militar e à Prefeitura de Bento Gonçalves para que apresentassem as câmeras de vigilância do município, e à Delegada de Polícia Civil, Deise Brancher, para que fornecesse cópia integral do inquérito policial instaurado em decorrência da busca e apreensão de panfletos ocorrida na noite de 29-30 de setembro de 2015 (fls. 120-121).

Os pedidos foram parcialmente deferidos para o fim de serem expedidos ofícios à Prefeitura Municipal de Bento Gonçalves e à Delegada de Polícia Civil, Deise Brancher (fl. 126 e v.).

A Prefeitura de Bento Gonçalves respondeu ao ofício, fornecendo as cópias solicitadas e informando que o processo de sindicância estava em fase de apuração (fls. 135-150).

Os representados ADEMAR, GUILHERME e o PP de Bento Gonçalves manifestaram-se no sentido de que a testemunha Tiago Oliveira da Silveira, arrolada pelo representante, teria faltado com a verdade em seu depoimento, o que teria levado a grei partidária a protocolizar contra ele, junto à Procuradoria da República em Bento Gonçalves, notícia-crime por falso testemunho. Requereram a juntada aos presentes autos da cópia da notícia-crime, assim como a juntada de postagens publicadas na rede social Facebook pela testemunha supracitada, demonstrando sua preferência político-partidária (fls. 152-171).

Os representados protocolizaram nova manifestação, dando conta de que a testemunha Tiago Oliveira da Silveira teria sido nomeada em 06.04.2015 para ocupar o cargo de auxiliar parlamentar CC-1 do vereador pelo Partido Trabalhista – PT de Bento Gonçalves, Moacir Camerini, o que corresponderia à contrapartida pelo falso testemunho prestado na Justiça Eleitoral (fls. 177-181).

A Secretaria Judiciária certificou que tanto a primeira expedição de ofício à Delegada de Polícia Civil Deise Brancher, em 13.04.15, quanto a sua reiteração, em 15.05.15, restaram sem manifestação (fl. 182).

Por despacho de minha lavra, foi determinada verificação sobre qual a autoridade policial responsável pelo inquérito,  cujas cópias foram solicitadas, bem como a expedição de novo ofício reiterando a requisição à atual autoridade (fl. 183).

Recebido ofício da Delegacia de Polícia Especializada no Atendimento à Mulher de Bento Gonçalves, o qual informou a redistribuição do requerimento de cópias à Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento de Bento Gonçalves (fl. 196), determinei que os autos aguardassem a resposta em secretaria por 15 dias e que após, com ou sem manifestação, fosse dada vista ao Procurador Regional Eleitoral (fl. 198).

Transcorrido in albis o prazo determinado, os autos foram encaminhados ao MPE, o qual tomou ciência da documentação das fls. 125-203 e requereu nova vista após o encerramento da fase instrutória e da apresentação de alegações finais (fl. 204).

Foi determinada a intimação do representante para manifestação sobre os documentos de fls. 153-69 e 178-81 e a verificação junto à autoridade correlata quanto à resposta ao ofício encaminhado à Delegacia de Polícia de Bento Gonçalves (fl. 206).

Juntadas aos autos as cópias do Termo Circunstanciado n. 1175/2014/151019/B encaminhadas pela Delegada de Polícia Deise Brancher (fls. 212-53).

Juntada resposta do representante aos documentos acostados pelos representados (fls. 255-256).

Encerrada a dilação probatória, foi aberto o prazo para alegações finais (fl. 258), as quais foram apresentadas por GUILHERME (fls. 262-267), MÁRIO (fls. 269-279), ROBERTO LUNELLI (fls. 281-282), individualmente, e em conjunto por ADEMAR e o PP (fls. 296-300).

Os autos, então, foram com vista ao MPE, o qual opinou pela improcedência do pedido (fls. 302-314v).

É o relatório.

 

VOTO

I) Pedido de prorrogação da fase instrutória

O representante ROBERTO LUNELLI, quando intimado para apresentar alegações finais, ao mesmo tempo em que postulou a procedência da ação, aduziu a necessidade de se aguardar a conclusão dos diversos inquéritos e expedientes que tramitam na Polícia Federal, na Polícia Civil e no Município de Bento Gonçalves – os quais teriam por objeto a investigação da distribuição de panfletos que embasa a presente ação, pois, sem eles, haveria grave prejuízo à prova da parte autora.

Assim, para além dos documentos já fornecidos pela autoridade policial e pela administração municipal de Bento Gonçalves (estes últimos em sede de sindicância), requereu fossem novamente instados os órgãos públicos responsáveis acima nominados para que respondessem com as conclusões de suas investigações (fl. 281).

Todavia, entendo não estar presente o grave prejuízo alegado pelo representante.

A uma, porque os elementos já ofertados nos autos tornam a causa madura para o julgamento, sendo despiciendas, para o deslinde das questões aqui postas, as eventuais medidas probatórias decorrentes da suposta conclusão dos inquéritos ora em trâmite.

A duas, porque o teor do art. 22 da LC n. 64/90 assim disciplina:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: […]

Nesse sentido, as provas indicadas e os indícios e circunstâncias que possam vir a ser apurados na fase instrutória condizem com elementos que, no momento do pedido de abertura de investigação judicial, apresentem um mínimo de substrato concreto, não se coadunando com incertas provas futuras que talvez surjam, ou não, em múltiplos "inquéritos" tramitando por diversos órgãos públicos a fim de apurar o mesmo fato que se pretende investigar na presente ação.

A três porque, na eventualidade de algum dos inquéritos resultar em elemento probatório apto a modificar o objeto jurídico discutido, a existência de fato novo pode ensejar, ao menos em tese, a renovação da ação de investigação judicial eleitoral, afastando o alegado prejuízo para a parte representante.

A não ser assim, corre-se o risco de aguardar indefinidamente a conclusão de todos os expedientes nos quais entende o representante será produzida prova que o favoreça no presente processo – em desvirtuamento do procedimento subjacente.

Logo, rejeito o pedido e passo à apreciação da lide.

 

II) Preliminar de ilegitimidade passiva para a causa

O representado MÁRIO GABARDO, vice-prefeito de Bento Gonçalves, alegou ser filiado ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB, o qual não estaria vinculado a nenhum dos fatos narrados na petição inicial, uma vez que apoiou a candidatura de José Ivo Sartóri ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul (vinculado ao PMDB).

Ademais, a exordial teria narrado que os panfletos apócrifos foram distribuídos em conjunto com a propaganda eleitoral do representado Ademar e de Ana Amélia Lemos, o que o excluiria do rol de acusados.

Por tais motivos, arguiu sua ilegitimidade passiva para a causa (fl. 94 e v.).

Sem razão o representado.

Na condição de vice-prefeito, em razão da indivisibilidade da chapa majoritária – tendo em vista a figura do correpresentado GUILHERME RECH PASIN (prefeito de Bento Gonçalves) –, o litisconsórcio que se forma, in casu, é o necessário, pois a decisão da presente ação pode projetar efeitos sobre o mandato de ambos.

Com efeito, de ver que GUILHERME é filiado ao PP e MÁRIO ao PMDB, ambos tendo concorrido aos cargos de prefeito e vice-prefeito, respectivamente, pela Coligação Renova Bento (PP / PMDB).

Nesse sentido, é a jurisprudência pacífica, v.g.:

“Ação de impugnação de mandato eletivo. Citação. Vice-prefeito. Obrigatoriedade. Decadência.

1. A jurisprudência do Tribunal consolidou-se no sentido de que, nas ações eleitorais em que é prevista a pena de cassação de registro, diploma ou mandato (investigação judicial eleitoral, representação, recurso contra expedição de diploma e ação de impugnação de mandato eletivo), há litisconsórcio passivo necessário entre o titular e o vice, dada a possibilidade de este ser afetado pela eficácia da decisão.

2. Decorrido o prazo para a propositura de ação de impugnação de mandado eletivo sem inclusão do vice no polo passivo da demanda, não é possível emenda à inicial, o que acarreta a extinção do feito sem resolução de mérito. [...]”

(AgR - AI TSE n. 254928, rel. Min. Arnaldo Versiani, p.17.5.2011.)

Portanto, tenho que a preliminar invocada não merece guarida.

DESTACO.

Preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade inerentes à espécie, passo ao exame do mérito.

 

III) Mérito

O pedido subjacente foi formulado sob a roupagem processual, exclusivamente, de ação de investigação judicial eleitoral - AIJE.

Porém, analisando o teor da exordial, no seu sentido material, inequívoco se tratar de AIJE, com lastro na prática de abuso de poder, cumulada com representação por condutas vedadas previstas nos incisos I e III do artigo 73 da Lei n. 9.504/97 e pela prática de distribuição irregular de material de propaganda eleitoral.

Tendo em mira a redação do caput do artigo 22 da LC n. 64/90, a AIJE se caracteriza pela tutela da normalidade e legitimidade das eleições e pela inequívoca prova da potencialidade lesiva da prática imputada, delineada, hodiernamente, pela gravidade das suas circunstâncias.

Nessa esteira, quanto ao abuso de poder, o artigo 14, § 9º, da Constituição Federal de 1988 traça seus contornos:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e nos termos da lei, mediante:

§ 9° Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Soares da Costa (2002), a seu turno, leciona:

[…] abuso do poder político é o uso indevido de cargo ou função pública, com a finalidade de obter votos para determinado candidato […]. É a atividade ímproba do administrador, com a finalidade de influenciar no pleito eleitoral de modo ilícito, desequilibrando a disputa. Sem improbidade, não há abuso de poder político.

Também oportuna a doutrina de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral. Del Rey, Belo Horizonte, 5ª Edição, 2010, p. 167):

Por abuso de poder compreende-se a realização de ações exorbitantes da normalidade, denotando mau uso de recursos detidos ou controlados pelo beneficiário e a ele disponibilizados, sempre com vistas a exercer influência em disputa eleitoral futura ou já em curso. As eleições em que ele se instala resultam indelevelmente maculadas, gerando representação política mendaz, ilegítima, já que destoante da autêntica vontade popular.

Quanto às condutas vedadas, a finalidade é apurar condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais, das quais se destacam as destinadas aos agentes públicos em seu sentido amplo:

Art. 73 - São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

(...)

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

Já quanto à proibição de propaganda ilegal, ao menos em tese, a resolução do TSE que dispõe sobre propaganda e condutas ilícitas em campanha eleitoral, no que tange ao pleito de 2014, ora em foco, é a de n. 23.404/2014.

In casu, conquanto diferentes as demandas subjacentes no tocante à sua finalidade e ao seu objeto, as suas causas de pedir se interligam, conforme passo a demonstrar.

Com efeito, de acordo com a inicial, a pretensão se fundamenta na alegada utilização indevida de veículos e servidores do executivo municipal de Bento Gonçalves, com a finalidade de distribuir panfletos apócrifos cujo teor macularia a imagem do representante, então candidato ao cargo de deputado estadual pelo PT, adversário da grei partidária à qual pertence o atual prefeito de Bento Gonçalves, o PP.

Tal narrativa, segundo o representante, descreve as práticas de distribuição de material de propaganda eleitoral ilegal, conduta vedada a agente público e abuso de poder perpetradas, no seu conjunto, pelos representados GUILHERME RECH PASIN (prefeito de Bento Gonçalves), MÁRIO GABARDO (vice-prefeito de Bento Gonçalves), ADEMAR PETRY (então candidato a deputado estadual pelo PP) e o PP de Bento Gonçalves.

Importa, inicialmente, delimitar o conjunto probatório constante dos autos, o qual é composto de 1) prova documental e 2) prova testemunhal e depoimentos pessoais.

1. A prova documental abrange as seguintes peças:

a) cópia dos panfletos apócrifos cujo teor macularia a imagem do representante (fls. 11 e 51-54);

b) cópia parcial do Termo Circunstanciado n. 1175/2014/151019/B (fls. 212-23), instaurado para apurar crime de injúria, mediante a distribuição dos panfletos, contendo:

b.1) autos de arrecadação de panfletos avulsos (fls. 215-219) e de sacolas com o idêntico material gráfico (fls. 223-224);

b.2) termo de declaração da vítima, o ora representante ROBERTO LUNELLI (fl. 225);

b.3) termo de declarações das testemunhas Nilson Ferraz da Silva e Olimar Salvadori (fls. 230-231);

b.4) termo de declarações de Daniel Maciel da Silva (fl. 226) e Jorge Lobo Pizzato (fl. 226), conduzidos à Delegacia em virtude de terem sido flagrados realizando a distribuição do material;

b.5) termo de declarações de Regina Zanetti, acusada de ter envolvimento com a distribuição dos panfletos (fl. 236);

c) cópia do boletim de ocorrência policial n. 11776/2014 (fl.12), o qual gerou o Termo Circunstanciado n. 1175/2014/151019/B;

d) cópia de divulgação na mídia local da condução dos distribuidores dos panfletos à delegacia em razão da apreensão em flagrante (fls. 14-16);

e) cópias de fotografias do veículo pertencente à frota do município, placa IHS 7583, com um exemplar do panfleto apócrifo sobre o painel frontal, do lado direito (fls. 17-23);

f) reprodução fotográfica de imagem captada pelas câmeras de vigilância, na qual se observa um dos indivíduos, que mais tarde foi flagrado pela Brigada, realizando a panfletagem (conforme foto da fl. 13), colocando material gráfico à porta de um edifício (fl.24);

g) reprodução fotográfica de imagem captada pelas câmeras de vigilância, mostrando panfletos com o título “A Verdade” junto à entrada de outros prédios (fls.25-27);

h) reprodução de páginas do Facebook, demonstrando o compartilhamento entre usuários de postagem abordando os temas dos panfletos intitulados “A Verdade” e “Você precisa dizer não ao PT” (fls. 28 e 55-62);

i) reprodução da página do Facebook de Jorge Lobo Pizzato, com postagem favorável ao PP (fls. 29-30);

j) certidões das frustradas diligências de busca e apreensão dos panfletos apócrifos, realizadas pela Justiça Eleitoral nas viaturas da Secretaria Municipal da Saúde, assim como na sede do comitê do candidato e ora representado ADEMAR;

k) cópia de processo administrativo de sindicância aberto pela Prefeitura de Bento Gonçalves com a finalidade de apurar a eventual utilização de veículo de sua frota na distribuição dos panfletos apócrifos (fls. 135-150);

l) reprodução da página de Facebook da testemunha de acusação Tiago Silveira, com o conteúdo de apoio à candidatura do representante ROBERTO LUNELLI, e demonstração da existência de relação amistosa e próxima entre a referida testemunha e o representante (fls. 159-161);

2. Em audiência una, gravada, foram ouvidas as seguintes pessoas (fls. 112-113 e 115):

a) Tiago Oliveira da Silveira, como testemunha arrolada pela acusação;

b) Nilson Ferraz da Silva, como informante arrolado pela acusação;

c) Olimar Salvadori, como informante arrolado pela acusação;

d) GUILHERME PASIN prestou depoimento pessoal, na qualidade de representado;

e) ADEMAR PETRY prestou depoimento pessoal, na qualidade de representado;

f) o PARTIDO PROGRESSISTA – PP de Bento Gonçalves, representado por Carlos José Perizzolo, o qual prestou depoimento pessoal, na qualidade de presidente da grei demandada.

Quanto à prova documental, as questões arroladas nos itens “b.2” (termo de declaração da vítima) e “c” (cópia do boletim de ocorrência) nada acrescentam, como elemento probatório, à presente ação.

Também assim os termos de declarações dos itens “b.4” (de Daniel Maciel da Silva e Jorge Lobo Pizzato) e “b.5”(de Regina Zanetti), porquanto todos os três declarantes optaram por exercer o direito de manifestação apenas em juízo.

No que diz com a prova produzida em audiência, entendo que os depoimentos pessoais dos representados, em virtude de restarem limitados à negativa da autoria, nada contêm que se apresente a exame.

Destarte, restam para análise os elementos indicados nos itens “a”, “b.1”, “b.3”, “d”, “e”, “f”, “g”, “h”, “i”, “j”, “k” e “l”, o que será feito em conjunto com a prova testemunhal.

Delimitado o conjunto probatório, passo à apreciação propriamente dita.

No caso em tela, os documentos elencados nos itens “a” (cópia dos panfletos apreendidos), “b.1” (autos de arrecadação do material gráfico), “b.3” (termo de declarações de Nilson Ferraz da Silva e Olimar Salvadori), “d” (cópia de divulgação do flagrante pela mídia local), “f” (imagem de um indivíduo colocando panfletos na porta de um edifício), “g”(imagem dos panfletos apócrifos na entrada de alguns prédios) e “h” (compartilhamento dos panfletos apócrifos no Facebook) são aptos a comprovar a efetiva existência do material e também a realização da sua distribuição no município de Bento Gonçalves.

Tanto o conteúdo do panfleto sob o título “A Verdade” (amostra à fl. 11-v.) quanto o panfleto sob o título “Você precisa dizer não ao PT” (fls. 51-54) revelam inúmeras críticas ao ora representante, com alusão depreciativa ao seu histórico político e enquanto gestor na condição de ex-prefeito de Bento Gonçalves, informações sobre o que seriam processos e condenações judiciais contra ele existentes e algumas passagens que beiram o baixo calão (como a expressão “ladrão”).

Em relação às críticas, na linha da jurisprudência do TSE, poder-se-ia consignar que configuram posicionamento acerca de assuntos de interesse político-comunitário, não justificando a reprimenda legal.

Já quanto às expressões alegadamente ofensivas, reconheço esse caráter, a desafiar a incidência do art. 15 da Res. TSE n. 23.404/2014, valendo repisar, outrossim, que o próprio representante dá conta da existência, na seara penal, de expedientes junto à autoridade policial visando à respectiva persecução.

Nada obstante, da análise do material apreendido depreende-se que, porquanto apócrifos, a panfletagem em evidência fere a vedação ao anonimato contida no art. 5º, inc. IV, da Constituição Federal, in verbis:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

Portanto, assente a irregularidade da propaganda, importa averiguar se a confecção ou a distribuição do material teve o envolvimento dos representados, bem como perquirir se a referida distribuição foi efetuada com a utilização de veículos e/ou servidores da Prefeitura de Bento Gonçalves.

Caso constatado tal uso, será necessário apurar, em seu sentido genérico, se isso foi realizado, direta ou indiretamente, pelos representados.

 

Autoria dos panfletos apócrifos

Pressupondo a irregularidade constatada no que concerne ao anonimato, e/ou mesmo a ilegalidade do conteúdo dos panfletos, não há elemento algum nos autos que aponte, com certeza, para os responsáveis pela confecção do material.

Dessa sorte, impossível atribuir, a quem quer que seja, a autoria das peças publicitárias anônimas.

Em vista disso, quanto à confecção da propaganda irregular, não se pode imputar a responsabilidade aos representados.

Nesse sentido é o parecer ministerial, o qual adoto como razões de decidir (fl. 314):

Por outro lado, não há como se atribuir responsabilidade e sanção aos representados pelos fatos. Inicialmente, cumpre evidenciar que o material é apócrifo, e a prova não conseguiu determinar sua autoria. No termo circunstanciado aberto a partir do flagrante da distribuição dos panfletos, os flagrados não imputaram os mandantes, ficando em silêncio. Já na instrução do presente processo, não se chegou à confissão dos representados e estes tampouco trouxeram elementos para, conjugados com outros, tecer algum elo sólido acerca do seu envolvimento.

 

Distribuição dos panfletos e uso de servidores da Prefeitura

A imputada participação dos representados na distribuição dos panfletos e o uso de servidores da Prefeitura de Bento Gonçalves para tal finalidade são fatos que devem ser analisados em conjunto.

Em face da apreensão em flagrante, resta sobejamente evidenciada, nos autos, a distribuição do material de propaganda irregular por parte de “Daniel Maciel da Silva” e “Jorge Lobo Pizzato”.

Ocorre que nada há no caderno de provas que demonstre, modo cabal, a condição de qualquer dos dois como servidores do município de Bento Gonçalves ou seu envolvimento com os representados.

A prova documental indicada no item “i”, qual seja, a reprodução da página do Facebook de Jorge Lobo Pizzato, com postagem favorável ao Partido Progressista – PP (fls. 29-30), demonstra, certamente, sua preferência política pela grei em questão.

Entretanto, essa demonstração é somente unilateral, ou seja, evidencia apenas que ele conhece a agremiação e que concorda com as suas ideias, mas não o contrário. A identificação do eleitor com a plataforma política do partido pode, perfeitamente, correr à revelia da agremiação e a prova da alegada condição de servidor público é ônus que incumbe ao representante.

Nesse norte, a prova produzida em audiência, mesmo quando da oitiva de pessoas arroladas pela parte autora, igualmente não socorre a pretensão aviada na demanda.

Nilson Ferraz Silva, vice-presidente do PT de Bento Gonçalves, ao ser ouvido como informante arrolado pela parte autora, assim declarou:

Juíza: O senhor sabe alguma coisa sobre o envolvimento de Guilherme Rech Pasin, Mario Gabardo, Carlos Perizzolo e Ademar Petry nessa distribuição?

Informante: Não. Eu não sei isso aí não. O que o pessoal me ligava no telefone e dizia é que havia funcionários da Prefeitura fazendo essa distribuição, com motos, com carro e uns a pé. Mas contra essas pessoas que a senhora citou eu não tenho nada como contar.

Juíza: E essas pessoas que foram flagradas, o senhor sabe indicar os nomes, se eram servidores ou não?

Informante: Ah, eu não conhecia eles, mas a Brigada, quando pegou eles ali no local, já levou eles direto pro boletim de ocorrência.

Olimar Salvadori, filiado ao PT de Bento Gonçalves e participante, sem cargo, daquele diretório municipal, ao ser ouvido como informante arrolado pela parte autora, asseverou:

Juíza: Sobre o envolvimento de Ademar Petry, Guilherme Rech Pasin, Mario Gabardo, Carlos Perizzolo nessa distribuição de material, o que o senhor sabe?

Informante: Olha, pelo que dá de entender, depois nós andamos na cidade, percorremos vários locais, nós via bastante pessoal que trabalha na Prefeitura, cargos de confiança… largando era panfleto, era moto que o pessoal tava, a pé – grupos de dois, três, quatro (…).

Juíza: Tá, mas essas pessoas, o envolvimento dessas pessoas, o senhor sabe alguma coisa?

Informante: Olha, a princípio não. O que sei é desses panfletos, né, da questão que foi apreendido com os cargos de confiança da Prefeitura.

Juíza: O senhor pode referir quem eram esses cargos de confiança da Prefeitura?

Informante: Tem essa Regina Zanetti e esses dois rapazes ali que eu sei que eles são ou eram cargos, pois já faz quase um ano, quase meio ano. Não sei se continuam na Prefeitura ou não.

Juíza: Tá, o senhor sabe o nome dessas pessoas, além da Regina?

Informante: Ah, final é Santos o sobrenome, parece, deles. Agora o nome deles eu não sei.

No entanto, malgrado ter alegado que os dois homens flagrados realizando a panfletagem ocupariam cargo de confiança na Prefeitura, nada veio aos autos que corroborasse a afirmação.

Tocante à pessoa de Regina Zanetti, referida no depoimento em destaque, não houve sequer comprovação de que ela tenha participado, de algum modo, na distribuição do material apócrifo, razão pela qual nada há na informação prestada que ampare as alegações de ROBERTO LUNELLI.

Já sobre o depoimento de Tiago Oliveira da Silveira, inicialmente ouvido na qualidade de testemunha arrolada pela parte autora, importa considerar a prova acostada pela defesa (item “l”) dando conta de sua relação com o PT, haja vista o conteúdo de sua página do Facebook, na qual apoia expressamente a candidatura do representante ROBERTO LUNELLI e apresenta imagens do representante em festa familiar na casa da testemunha (fls. 159-161).

É de relevo também a documentação acostada às fls. 180-181, a qual comprova que a referida testemunha foi nomeada para o exercício de Cargo em Comissão como Auxiliar Parlamentar do Vereador pelo PT, Moacir Camerini.

Tenho que os documentos não são suficientes para estabelecer se o Cargo em Comissão foi oferecido como retribuição pelo alegado falso testemunho. Por outro lado, são bastantes para lançar a necessidade de cautela quanto à credibilidade de teor desfavorável aos representados, eventualmente contido nessa prova testemunhal.

Quanto ao uso de servidores da Prefeitura, veja-se o que Tiago Oliveira da Silveira relatou:

Testemunha: (…) nesse meio tempo, chegou uma Kombi, tá, que foi quando recolheu as moças que estavam de colete amarelo fazendo a entrega e não deixaram, não permitiram eu questionar o motorista por que ou quem que era que estava mandando elas fazerem a entrega.

Juíza: O senhor sabe quem eram essas pessoas?

Testemunha: Não conheço pessoalmente essas pessoas, já vi algumas vezes em jornais e até mesmo na Prefeitura uma dessas pessoas que estavam junto, uma delas eu tenho 99% de certeza que estava dentro da Kombi também, que é o Procurador do Município, porque eu vi outro dia uma foto dele no jornal (…) foi quem me disse “não chega perto da Kombi”, e aí eu me retirei (…).

Juíza: O senhor chegou a ver o conteúdo desse…

Testemunha: Sim, é o material que acho que é do conhecimento de todos na sala que estava sendo distribuído publicamente em toda a cidade (…)

Juíza: Tá, mas aquele material especificamente que estava com essas pessoas que o senhor presenciou a distribuição? O senhor teve acesso àquele material?

Testemunha: Tive acesso quando saí do meu emprego (…)

…

Procurador A (de Guilherme Pasin): O senhor disse que viu a Kombi com alguém da Prefeitura que o senhor reconheceu. Quando foi isso? Não ficou claro para mim.

Testemunha: Quando eu reconheci?

Procurador A: Quando o senhor viu e quando reconheceu?

Testemunha: Quando eu vi, eu não sabia quem era. Pra mim era uma pessoa normal. Foi na semana da eleição (…). Porém, posteriormente olhando os jornais, houve um caso que não me lembro qual foi que tinha foto do senhor Prefeito, seu Vice, Procurador e alguns outros Secretários e eu verifiquei que era realmente aquele senhor.

Procurador A: O senhor conversou com ele?

Testemunha: Ele não deixou eu me aproximar da Kombi.

Procurador A: E quanto tempo depois o senhor viu no jornal e reconheceu uma pessoa que o senhor viu de passagem numa Kombi?

Testemunha: Uns dois ou três meses depois.

Procurador A: E ele estava dirigindo?

Testemunha: Ele estava dirigindo.

…

Procurador B (de Ademar e Carlos): (…) Eu entendi no começo que o rapaz que teria reconhecido estava fora da Kombi. É isso?

Testemunha: Ele estava dentro, dentro da Kombi.

Procurador B: Mas não entendo. Como é que ele não deixou se aproximar?

Testemunha: (…). Eu estava indo pro meu trabalho. Quando uma pessoa grita contigo falando pra não se aproximar é porque ela não quer que se aproxime. Então eu não me aproximei.

Tiago Oliveira da Silveira apontou para a implicação do Procurador do Município de Bento Gonçalves.

Porém, o teor do seu testemunho é contraditório.

Ora havia pessoas que não deixaram a testemunha questionar o motorista, ora a pessoa que não deixou se aproximar da Kombi era o próprio motorista – o referido procurador. Em outra fala, afirmou que esse servidor estaria dentro da Kombi, junto com as pessoas que distribuíam o panfleto, ou seja, seria um passageiro e não o condutor. Também é duvidoso que, de dentro da Kombi, tivesse condições de gritar de forma que efetivamente afastasse a testemunha.

Não bastasse a contradição, nenhuma outra prova foi trazida aos autos que oportunizasse uma análise do alegado envolvimento dessa pessoa, sequer nominalmente identificada.

Sobre a insuficiência da prova produzida em audiência, assim se manifestou o Ministério Público Eleitoral (fl. 314):

[…] os depoimentos dos informantes, que, apesar de terem trazidos vários detalhes sobre os eventos envolvendo a distribuição manual dos panfletos, nada acrescentam para esclarecer a eventual participação dos representados nesses fatos.

Para a configuração do abuso de poder político e da prática de conduta vedada por uso de servidores públicos, nos moldes postos na presente representação, é inarredável que seja comprovada, de modo cabal, a existência do vínculo funcional das pessoas envolvidas na distribuição dos panfletos com o órgão público. O onus probandi, no caso, recai sobre o representante.

Assim, em virtude da ausência de provas suficientes à demonstração de que a distribuição de panfletos irregulares teve a participação de servidores do município de Bento Gonçalves, entendo que a alegação, quanto ao ponto, não merece guarida.

 

Uso de veículos da Prefeitura

Antecipo que a alegação de uso de veículos da frota municipal acompanha a sorte da alegação de uso de servidores da Prefeitura.

As fotografias acostadas nas fls. 17-23 evidenciam o furgão, marca Mercedes Benz, de placa IHS 7583, identificado com o brasão da Prefeitura e os letreiros “Prefeitura de Bento Gonçalves” e “Secretaria da Saúde”.

Em seu interior, no painel frontal, no lado do passageiro, há uma quantidade exígua do material apócrifo, a qual não se consegue precisar pela imagem, mas resta claro que se trata de volume inexpressivo, muito provavelmente composto por apenas um exemplar, ou, no máximo, algo bem próximo disso.

Esse(s) magro(s) exemplar(es), largado(s) à vista de todos no painel frontal, e no lado do passageiro, não tem (êm) como comprovar o uso do veículo para a finalidade da distribuição dos panfletos.

Material para distribuição, ainda mais quando realizada em larga escala, consoante alega ROBERTO LUNELLI, corresponde a volume substancial de exemplares, normalmente acomodados na parte traseira do veículo, longe dos olhos curiosos, tendo em vista a ilicitude tanto do panfleto quanto da sua entrega com carro pertencente à frota pública.

Já a existência de um número tão reduzido de panfletos, na localização em que aparece na fotografia, é bem mais condizente com peça publicitária recebida por eventual passageiro durante o trajeto do veículo, ou mesmo levada por ele da rua e lá esquecida.

Se efetivamente havia passageiro no veículo, se ele era servidor do município, ou algum cidadão atendido pela Secretaria da Saúde, não há elementos nos autos que forneçam qualquer pista, nem mesmo na cópia da sindicância realizada pelo município de Bento Gonçalves para apurar os envolvidos no evento (fls. 135-50).

De todo modo, tal informação não é substancial, pois não elide o fato de haver sido fotografado apenas um volume irrisório do panfleto no interior do furgão da Secretaria da Saúde, o que comporta, como visto acima, múltiplas interpretações, e carece de confirmação por outras provas para que se possa afirmar a efetiva prática da conduta ilícita.

Ocorre que tal corroboração não veio aos autos.

A Carta de Ordem n. 057/2014, expedida por este Tribunal para o Cartório Eleitoral da 8º ZE a fim de realizar diligências de busca e apreensão dos panfletos apócrifos nas viaturas da Secretaria da Saúde, bem como na sede do comitê do candidato e ora representado ADEMAR, retornou com a certidão de que as diligências foram realizadas, porém não lograram encontrar qualquer exemplar do aludido material (prova “j”, fls. 43-45).

Quanto aos testemunhos, a distribuição de panfletos afirmada por Tiago Oliveira da Silveira refere a existência de uma Kombi, não de um furgão Mercedes Benz, sem mencionar, em qualquer momento, que o veículo pertencia à frota municipal.

Já a oitiva do informante Nilson Ferraz da Silva igualmente nada acrescenta de concreto, como se vê do trecho abaixo:

Juíza: O senhor sabe alguma coisa sobre o envolvimento de veículos do município nessa distribuição?

Informante: Sei, inclusive pela imprensa. Teve fotos de uma ambulância l´pa no 24 horas que tinha esse material. Tá fotografado e foi amplamente divulgado. Onde esse material tava dentro da ambulância e um funcionário que fazia o transporte distribuía lpa no 24 horas. Isso pela imprensa.

Juíza: Presenciar isso o senhor não presenciou?

Informante: Não, não presenciei. Até porque eu ficava mais dentro do comitê.

Também infrutífera, como prova da utilização de veículos municipais, a oitiva do informante Olimar Salvadori:

Juíza: Sobre veículos do Município utilizados nessa distribuição, o que o senhor sabe? Viu alguma coisa?

Informante: Só através li que o pessoal fez o boletim de ocorrência, que tem fotos que tiraram dentro do veículo.

Juíza: O senhor sabe que veículo era?

Informante: Ah, agora eu não …

Juíza: De que órgão da prefeitura?

Informante: Da Secretaria de Saúde.

Esse entendimento também foi esposado pelo Parquet eleitoral (fls. 302-314v.):

[…] importa ressalvar, quanto ao veículo oficial da Prefeitura, como meio utilizado para se fazer a distribuição, que a prova coletada, em nenhum momento, esclarece se o fato ocorreu, ou não, como descrito na exordial. A fotografia da viatura com o panfleto não permite certeza se aquele panfleto foi arrecadado ou se estava sendo distribuído.

Dessarte, tenho que o caderno probatório não apresenta indícios mínimos aptos a demonstrar, modo inequívoco, quer a autoria do material apócrifo, quer a participação dos representados na sua distribuição, sendo inábil, também, quanto à demonstração da utilização indevida de veículo ou servidores da administração municipal de Bento Gonçalves.

Nesse espeque, novamente, agrego do parecer do Procurador Regional Eleitoral, incorporando, a seguinte passagem:

Isso porque a presente ação se funda em veiculações de panfletagem apócrifa, de cunho ofensivo ao representante que, no entanto, não se comprovou serem reservadas aos representados e ao partido. As provas, de fato, demonstram que o material circulou pelo município às vésperas da eleição, porém são fracas no que tange a determinar a contribuição dos representados para o acontecimento dos fatos apurados.

Como dito, o conjunto da prova é suficiente para demonstrar realmente que houve a distribuição dos panfletos no município, às vésperas das eleições de 2014. O flagrante e o auto de apreensão das sacolas com os panfletos, as imagens das câmeras, as notícias veiculadas nos jornais e nas redes sociais, não deixam dúvidas sobre a veiculação do material. Ainda, lendo-se o panfleto, o conteúdo desonroso à pessoa do representante também resta evidente.

O objetivo de trazer desvantagem à candidatura do representante também é incontestável, haja a vista as circunstâncias nas quais os fatos ocorreram: a proximidade do pleito eleitoral, de modo que o tempo para se tentar reverter o prejuízo certamente se tornaria menor; e a forma de distribuição direta ao eleitor (em mão, domiciliar e em redes sociais). Tais circunstâncias evidenciam a gravidade da violação praticada e a potencialidade lesiva do ato.

Entretanto, importa ressalvar, quanto ao veículo oficial da Prefeitura, como meio utilizado para se fazer a distribuição, que a prova coletada, em nenhum momento, esclarece se o fato ocorreu, ou não, como descrito na exordial. A fotografia da viatura com o panfleto não permite certeza se aquele panfleto foi arrecadado ou se estava sendo distribuído. Tampouco, por meio da fotografia, consegue-se visualizar a quantidade de panfletos, se é um ou se são mais panfletos, valendo ainda ressaltar que, por ocasião do cumprimento da medida de busca e apreensão dos panfletos efetuado no pátio do estacionamento das viaturas, nada foi encontrado no local. Ademais, a prova oral coletada durante a instrução não deu nenhuma informação concreta sobre este fato específico. O informante Nilson Ferraz da Silva disse que apenas soube do fato por meio da imprensa, não o tendo presenciado. Por fim, os dados da sindicância administrativa juntados aos autos são ainda incipientes, deles não se tendo auxílio.

Por outro lado, não há como se atribuir responsabilidade e sanção aos representados pelos fatos. Inicialmente, cumpre evidenciar que o material é apócrifo, e a prova não conseguiu determinar sua autoria. No termo circunstanciado aberto a partir do flagrante da distribuição dos panfletos, os flagrados não imputaram os mandantes, ficando em silêncio. Já, na instrução do presente processo, não se chegou à confissão dos representados e estes tampouco trouxeram elementos, para, conjugados com outros, tecer algum elo sólido acerca do seu envolvimento. O flagrante em que esteve envolvido a pessoa de Jorge Lobo Pizzatto, bem como as publicações, que este veiculou em sua página social, favoráveis ao Partido Progressista, não são suficientes para se chegar ao juízo de reprovabilidade pessoal, haja vista a necessidade de prova inequívoca acerca da conduta e/ou da contribuição dos representados nos fatos. Vale notar, outrossim, que na sede do comitê do representado ADEMAR PRETY, um dos locais onde a Justiça Eleitoral determinou a efetivação de busca e apreensão dos folhetos, nada foi encontrado.

Prosseguindo-se na análise, a testemunha Tiago, arrolada pelo representante, também não referiu diretamente o envolvimento dos representados, muito embora tenha demonstrado convicção de se tratar de material veiculado no interesse do Partido Progressista. Todavia, apesar de seu testemunho afirmando tal convicção, os autos carecem de outras provas robustas para corroborar as afirmações da testemunha. Nessa mesma linha, prosseguindo nesta valoração, também não se pode deixar de considerar (pelo menos minimamente), os depoimentos dos informantes, que, apesar de terem trazido vários detalhes sobre os eventos envolvendo a distribuição manual dos panfletos, nada acrescentaram para esclarecer a eventual participação dos representados nesses fatos.

Assim, considerando que a possível ligação dos representados nos fatos narrados na exordial não conta com o respaldo probatório necessário, a representação ajuizada deve ser julgada improcedente.

Colho, nesse contexto, o seguinte aresto desta Corte:

Eleições 2012. Recurso Eleitoral. Ação de investigação judicial eleitoral. Conduta vedada a agente público. Abuso de poder econômico e político.

Para apuração do abuso de poder, econômico ou político, deve restar demonstrada violação à normalidade e legitimidade do pleito, considerando-se a gravidade das circunstâncias em que envolto o ato, não se perquirindo a sua potencialidade em afetar as eleições.

Quanto às condutas vedadas, tutela-se a igualdade de oportunidades entre os concorrentes. As suas hipóteses são taxativas e de legalidade restrita, devendo corresponder ao tipo definido previamente, ao passo que os candidatos podem ser punidos por conduta praticada por terceiros em seu benefício.

O ônus probatório quanto à ilicitude da conduta incumbe à parte autora.

Insuficiência do conjunto probatório para configuração de abuso de poder econômico e político e conduta vedada.

Negaram provimento ao recurso.

(TRE/RS – RE 587-57.2012.6.21.0115 – Rel. DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS – J. SESSÃO DE 29.9.2014)

Portanto, considerando que o onus probandi é incumbência do representante e que ele, desse encargo, não se desincumbiu – seja quanto à imputação de abuso de poder, seja quanto à atrelada a condutas vedadas e propaganda eleitoral irregular –, o juízo de total improcedência da demanda é medida que se impõe.

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pela improcedência da ação.