RC - 100000555 - Sessão: 23/06/2015 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em processo-crime eleitoral interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra decisão da Juíza Eleitoral da 47ª Zona, que julgou improcedente a denúncia oferecida contra CLEUDO LUIS ROSA IRION e CLÁUDIO GILMAR IRION, absolvendo os acusados da acusação da prática do delito tipificado no art. 349 do Código Eleitoral, pela prática do seguinte fato, assim descrito na denúncia:

No dia 04 de setembro de 2008, por volta das 15h38min, na Sede da Editora Jornalística São Borja LTDA., situada na Rua Cândido Falcão, nº 532, Centro, em São Borja, os denunciados CLEUDO LUIS ROSA IRION, CLAUDIO GILMAR IRION, JOSÉ NEWTON RODRIGUES FALCÃO e LUCIANO GONÇALVES VILLANOVA, em comunhão de esforços e conjunção de vontades, alteraram documento particular verdadeiro, para fins eleitorais.

Na ocasião, a empresa jornalística antes citada promovera uma enquete voltada à estimação da expectativa de votos dos candidatos a Prefeito Municipal de São Borja, no pleito eleitoral de 2008, enquete esta que seria publicada no jornal A Folha Regional.

Apurados os resultados, e levados à redação do jornal, os denunciados CLEUDO LUIS ROSA IRION e CLAUDIO GILMAR IRION, na condição de administradores da citada empresa jornalística, e responsáveis pela publicação do jornal "A Folha Regional", e o denunciado JOSÉ NEWTON RODRIGUES FALCÃO, na condição de Editor do aludido periódico, determinaram ao funcionário LUCIANO GONÇALVES VILLANOVA que adulterasse os dados obtidos na enquete.

Os percentuais de expectativa de votações verdadeiramente apurados – cuja soma totaliza 100% - consistiram nos seguintes montantes:

- candidato Mariovane Weis: 38,33%

– candidato Luciano Loureiro: 33,67%

– candidato Rene Ribeiro: 20,00%

– Não sabe/não opina: 7,67%

– Branco/Nulo: 0,33%

Com base nesses dados, o denunciado LUCIANO elaborou a matéria jornalística constante na fl. 46 da Cautelar de Busca e Apreensão em anexo, na qual constava a seguinte manchete: “Loureiro ameaça liderança de Mariovane na preferência dos sãoborjenses”. No corpo da matéria, constavam os dados verdadeiramente colhidos na enquete promovida pela empresa jornalística, antes referidos.

Ocorre que, posteriormente, por determinação dos demais codenunciados, LUCIANO elaborou nova matéria jornalística, alterando os dados verdadeiramente obtidos na enquete.

No corpo desta matéria jornalística, efetivamente publicada na edição do dia 05 de setembro de 2008 do jornal “A Folha Regional, página 5, sob a manchete “Mariovane permanece como preferência de sãoborjenses seguido de Loureiro” (fl. 13 da Ação Cautelar em anexo), constaram os seguintes percentuais de expectativa de votos – cuja soma totaliza 99%:

– candidato Mariovane Weis: 43%

– candidato Luciano Loureiro: 25,67%

– candidato Rene Ribeiro: 14,67%

– Não sabe/não opina: 11,99%

– Branco/Nulo: 3,67%

A alteração procedida importou no acréscimo na expectativa de votação do candidato Mariovane Weis em 4,67%, e na redução da expectativa de votos dos candidatos Luciano Loureiro e Renê Ribeiro, em 8% e 5,33%, respectivamente.

Por determinação judicial, foi apreendido o computador em que foram elaboradas as matérias jornalísticas, tendo sido submetido a “Exame de Dispositivo de Armazenamento Computacional (HD)”, que apurou a existência de dois arquivos, cujos conteúdos correspondem ao texto das matérias jornalísticas antes referidas.

ASSIM AGINDO, incorreram os denunciados CLEUDO LUIS ROSA IRION, CLAUDIO GILMAR IRION, JOSÉ NEWTON RODRIGUES FALCÃO e LUCIANO GONÇALVES VILLANOVA nas sanções do artigo 349, da Lei 4.737/65, na forma do artigo 29, caput, do Código Penal, motivo pelo qual o Ministério Público Eleitoral oferece a presente denúncia, requerendo que, recebida e autuada, sejam os denunciados citados para o devido processo legal, na forma dos artigos 359 a 361 do Código Eleitoral, inquirindo-se as testemunhas ao final arroladas, cumprindo-se as demais formalidades legais até final decisão condenatória.

A denúncia foi recebida no dia 09.01.2009 (fls. 10-11) e os réus, citados (fls. 62, 73, 115 e 116).

Os acusados aceitaram proposta de suspensão condicional do processo (fls. 126 e 139), mas o benefício foi revogado em relação aos ora recorridos, em razão do descumprimento injustificado das condições fixadas (fl. 163). Na mesma oportunidade, foi determinada a cisão do feito em relação aos denunciados José Newton Rodrigues e Luciano Gonçalves Villanova.

Foi realizado, então, o interrogatório de Cláudio Rosa Irion e Cleudo Irion (fls. 183-186 e 191-193), que também apresentaram defesa prévia (fls. 189 e 197-199).

Nova proposta de suspensão condicional do processo foi oferecida aos acusados (fls. 202-203), que a aceitaram (fl. 205). Entretanto, o benefício foi novamente revogado, em razão do descumprimento injustificado das condições (fl. 252).

Realizou-se audiência de instrução, acompanhada por defensor dativo, por conta da ausência dos acusados e de seu defensor constituído, apesar de terem sido devidamente intimados (fl. 344).

Encerrada a instrução, as partes apresentaram alegações finais (fls. 369-376v. e 384-390).

Na sentença, o juízo sentenciante afastou a preliminar de nulidade do laudo pericial realizado sobre o HD apreendido em ação cautelar. No mérito, entendeu que a materialidade delitiva não estava demonstrada, pois há elementos nos autos apontando a confecção de duas matérias distintas, uma com dados parciais e a outra com os dados finais. Concluiu, ainda, não estar demonstrada a autoria do delito, pois não foi comprovada a ordem de adulteração da matéria jornalística pelos acusados. Julgou improcedente a denúncia, com fundamento no art. 386, II, V e VII do Código de processo Penal.

Em suas razões recursais (fls. 402-409), o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL aduz que a materialidade está comprovada pela existência de duas matérias jornalísticas, uma com os dados corretos, não publicada, e outra levada à publicação com os resultados da enquete adulterados. Afirma estar demonstrada também a autoria delitiva, pois os dados estavam disponíveis antes mesmo da redação da primeira reportagem. Argumenta que a não apresentação das respostas coletadas pelos réus evidencia a falsidade da matéria jornalística publicada. Refere a filiação partidária de Cleudo no PDT e o considerável número de eleitores atingidos pela reportagem. Argumenta que a soma dos dados coletados na primeira matéria atinge 100%, mas a soma dos dados efetivamente divulgados é igual a 99%. Refere testemunho de Maria Neli Boeira, a qual afirmou ter ouvido Fernando reclamar das inúmeras vezes que foi obrigado a modificar a reportagem por ordem de Cleudo. Requereu a procedência do recurso, com a reforma da sentença absolutória.

Os recorridos apresentaram contrarrazões (fls. 432-434), afirmando que a divergência decorreu da coleta de dados em momentos diferentes, os quais vieram a ser consolidados somente após a redação da primeira matéria. Requereu a improcedência do recurso.

Nesta instância, os autos foram em vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo provimento do recurso (fls. 439-445).

É o breve relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. O Ministério Público foi intimado da sentença em 1º de outubro de 2014 (fl. 401) e a irresignação foi interposta no dia 02 do mesmo mês (fl. 401v.), portanto, dentro do prazo de dez dias estatuído no artigo 362 do Código Eleitoral.

No mérito, Cláudio Gilmar Irion e Cleudo Rosa Irion foram acusados de, na condição de administradores da empresa jornalística “A Folha Regional”, terem determinado a publicação de reportagem jornalística com dados de enquete fraudada.

Segundo narra a denúncia, foi elaborada uma primeira reportagem, não publicada, com o título “Loureiro ameaça liderança de Mariovane na preferência dos sãoborjenses” com os dados corretos, indicando o seguinte resultado da enquete:

– candidato Mariovane Weis: 38,33%

– candidato Luciano Loureiro: 33,67%

– candidato Rene Ribeiro: 20,00%

– Não sabe/não opina: 7,67%

– Branco/Nulo: 0,33%

Nada obstante, houve a publicação de uma segunda reportagem, intitulada “Mariovane permanece como preferência de são-borjenses seguido de Loureiro”, apresentando como resultado da enquete os seguintes números:

– candidato Mariovane Weis: 43%

– candidato Luciano Loureiro: 25,67%

– candidato Rene Ribeiro: 14,67%

– Não sabe/não opina: 11,99%

– Branco/Nulo: 3,67%

O órgão ministerial de primeiro grau entendeu que tal conduta teria se enquadrado no tipo do art. 349 do Código Eleitoral:

Art. 349. Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro, para fins eleitorais.

Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa.

A Procuradoria Regional Eleitoral, entretanto, refere que o tipo aplicável à espécie é o do art. 33, § 4º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 33. As entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleitoral, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações:

[...]

§ 4º A divulgação de pesquisa fraudulenta constitui crime, punível com detenção de seis meses a um ano e multa no valor de cinqüenta mil a cem mil UFIR.

De fato, o tipo do artigo 349 do Código Eleitoral ocupa-se com a adulteração física de documento particular. Nas palavras de Rui Stoco a respeito deste delito, falsificar tem o sentido de criar um documento que não corresponde à verdade intrínseca ou à imagem materializada que ele projeta ou sugere. Tem o sentido de "imitar", "dar aparência enganosa", fazendo-se passar por verdadeiro aquilo que verdadeiro não é (Legislação eleitoral interpretada. 4ª ed., 2012, p. 730).

Diferentemente da situação fática tipificada pelo art. 349 do Código Eleitoral, os fatos descritos na denúncia narram a divulgação de pesquisa eleitoral cujo conteúdo ou resultado foram fraudados, adequando-se ao enquadramento típico do art. 33, § 4º, da Lei n. 9.504/97, acima descrito. A respeito deste artigo, transcrevo a lição de Suzana de Camargo Gomes:

Assim, constitui crime a ação de divulgar pesquisa obtido por meios fraudulentos. A fraude, a atingir a pesquisa, pode se revelar das mais variadas formas, podendo ser realizada através do emprego de ardis, artifícios, ou qualquer outro meio que permita dar uma aparência, que permita iludir as pessoas a respeito da consulta eleitoral apresentada. Pode, assim, restar caracterizado o crime, tanto na hipótese de serem alterados dados relativos a uma pesquisa eleitoral, como também na hipótese de, sem ter havido a consulta à opinião pública, ocorrer a divulgação de resultados enganosos, inexistentes. Não importa a forma, o meio, o instrumento empregado, o fundamental para a caracterização do delito é a divulgação de pesquisa que não corresponda à realidade, que não retrate a efetiva opinião manifestada pelas pessoas consultadas. (Crimes Eleitorais. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 182-183.)

Dessa forma, os fatos imputados aos acusados amoldam-se ao artigo 33, § 4º, da Lei n. 9.504/97, devendo ser feito, neste ponto, um importante registro. O aludido artigo criminaliza a conduta de divulgar “pesquisa” fraudulenta e, no caso dos autos, houve pelos acusados a divulgação de “enquete”, a qual não segue os rigores técnicos da pesquisa eleitoral.

Dessa forma, seria possível cogitar-se de uma verdadeira atipicidade da conduta atribuída aos acusados, pois a divulgação de enquete fraudulenta não se enquadraria na descrição típica do artigo 33, § 4º. Ocorre que, se esse fosse o entendimento, a conduta descrita, no meu ver, recairia sobre a descrição de falsidade ideológica do artigo 350 do Código Eleitoral, segundo o qual é crime omitir, em documento público ou particular, declaração que dele deveria constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita, para fins eleitorais, e este tipo penal possui penalidade mais grave (reclusão de 1 ano até 5 anos) do que a pena prevista no artigo 33, § 4º (detenção de 6 meses a 1 ano).

Seguindo esse raciocínio, a divulgação fraudulenta de pesquisa eleitoral, um método de consulta popular mais rigoroso e, portanto, com maior capacidade de influência do eleitor, seria punida com a diminuta pena de 6 meses a 1 ano de detenção, enquanto a divulgação fraudulenta de enquete, um meio informal de coleta da opinião pública, e com menor respeitabilidade, seria sancionada com a elevada pena de 1 até 5 anos de reclusão. Haveria uma inevitável inversão da proporcionalidade das penas, punindo-se mais severamente uma conduta de menor potencial ofensivo.

Assim, a interpretação sistematicamente adequada do artigo 33, § 4º leva à compreensão de que o termo “pesquisa” nele referido é empregado de forma genérica, referindo-se a qualquer divulgação fraudulenta de levantamentos de opinião pública, e não com rigor técnico, com o intuito de descriminalizar a divulgação fraudulenta de enquetes, até porque a legislação eleitoral, mesmo na época dos fatos, não fazia distinção entre pesquisa e enquete, diferenciação realizada somente em Resoluções do TSE, até o ano de 2013, quando foi inserido o § 5º ao art. 33 para proibir a realização de enquetes durante o período eleitoral.

Dessa forma, entendendo-se que os fatos descritos na denúncia amoldam-se ao art. 33, § 4º, da Lei n. 9.504/97, procede-se à emendatio libelli, prevista no art. 383 do Código de Processo Penal, perfeitamente cabível de ser realizada em segundo grau de jurisdição, conforme pacífica jurisprudência:

EMENTA RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ART. 157, § 3º, DO CP (PRIMEIRA PARTE). DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 157, § 2º, I E II. VIOLAÇÃO DO ART. 617 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. EMENDATIO LIBELLI. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. ATENUANTE RELATIVA À CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA. OREM DENEGADA. 1. Estando as majorantes do concurso de pessoas e do emprego de arma de fogo delimitadas na denúncia e na sentença condenatória, e defendendo-se o acusado dos fatos, e não da capitulação jurídica estabelecida na inicial, não há falar em violação do art. 617 do CPP ou em reformatio in pejus. Viabilidade da emendatio libelli em segundo grau de jurisdição, desde que respeitados os limites previstos no art. 617 do CPP. Precedentes. 2. A dosimetria da pena é matéria sujeita a certa discricionariedade judicial. O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena. Cabe às instâncias ordinárias, mais próximas dos fatos e das provas, fixar as penas. Às Cortes Superiores, no exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, bem como a correção de eventuais discrepâncias, se gritantes ou arbitrárias, nas frações de aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores. 3. Existência de vetoriais negativas do art. 59 do Código Penal autorizadoras da elevação da pena acima do mínimo legal. 4. Redução da pena pelo Superior Tribunal de Justiça, no tocante à atenuante genérica da confissão espontânea, devidamente fundamentada, em patamar razoável e proporcional, diante das peculiaridades do caso concreto. 5. A pena definitiva de 06 (seis) anos de reclusão conjugada com as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, ensejam, na hipótese, a fixação do regime inicial semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, b, e § 3º do Estatuto Repressivo. 6. Recurso ordinário a que se nega provimento.

(STF, RHC 115654, Relatora:  Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 05.11.2013, Acórdão Eletrônico DJe-229 Divulg. 20.11.2013, Public. 21.11.2013.)

Prosseguindo-se na análise do caso, em razão da redução da pena em abstrato prevista para os fatos imputados aos acusados, faz-se necessária a análise de eventual prescrição do delito.

A pena máxima prevista em abstrato para o delito é de 1 ano de detenção, incidindo o prazo de 4 anos de prescrição, previsto no art. 109, V, do Código Penal. Entre a data do fato (05.9.2008) e o recebimento da denúncia (09.01.2009) transcorreram apenas 4 meses e 4 dias.

Em relação ao acusado Cleudo Rosa Irion, a partir do recebimento da denúncia houve a suspensão do prazo prescricional por duas oportunidades, em razão de concessões do benefício da suspensão condicional do processo, entre 25.3.2009 e 19.2.2010 e entre 12.5.2010 e 18.6.2013, perfazendo um total de 4 anos e 1 dia que o prazo prescricional esteve suspenso. Tem-se, assim, que até junho de 2015, transcorreram aproximadamente 2 anos e 5 meses de prescrição desde a última interrupção da prescrição (09.01.2009).

Em relação ao acusado Cláudio Irion, a situação não é muito diferente, com a pequena ressalva de que não há nos autos a data exata em que houve a aceitação da proposta de suspensão condicional do processo, existindo somente a informação do dia em que foi notificado para iniciar o cumprimento das condições (17.6.2009 – fl. 139), sendo possível considerar esta data como o dia de início da primeira suspensão do processo para fins de contagem da prescrição, pois é certo que antes desta data a fluência do prazo prescricional já estava suspensa.

Feita essa ressalva, a partir do recebimento da denúncia houve a suspensão do prazo prescricional por duas oportunidades, em razão de concessões do benefício da suspensão condicional do processo, entre 17.6.2009 e 19.2.2010 e entre 12.5.2010 e 18.6.2013, perfazendo um total de 3 anos, 9 meses e 8 dias que o prazo prescricional esteve suspenso. Tem-se, assim, que até junho de 2015, transcorreram 2 anos e 8 meses de prescrição desde a última interrupção da prescrição (09.01.2009).

Não há, portanto, prescrição a ser declarada após proceder-se à emendatio libelli.

Finalmente, passando à análise dos fatos, é incontroversa a existência de uma matéria jornalística elaborada na data de 04 de setembro de 2008 contendo resultados distintos daqueles divulgados na reportagem efetivamente publicada no dia 05 do mesmo mês.

Na primeira matéria Mariovane Weiss detinha 38,33% das intenções de voto enquanto Luciano Loureiro possuía 33,67% das intenções de voto (fl. 09 do anexo), já na reportagem publicada, o primeiro candidato possuía 43% da preferência dos eleitores e o segundo 25,67% (fl. 13 do anexo).

Outro dado incontroverso é que na primeira enquete a intenção dos votos totaliza 100%, e a soma dos números da enquete divulgada equivale a 99%.

Apesar dessas inconsistências, entendo que o juízo de primeiro grau bem resolveu a questão pela improcedência da ação, pois não se extraem dos autos provas seguras da adulteração dolosa do resultado da enquete.

A testemunha Maria Neli Boeira Carvalho, funcionária do jornal Folha Regional viu o colega Luciano editar a matéria na data de 04 de setembro. Luciano lhe disse que estava alterando os dados da enquete porque lhe haviam mandado (fl. 350).

Os acusados não chegam a negar a existência das duas reportagens, mas afirmam que a primeira notícia era modificada conforme os entrevistadores traziam os resultados da enquete para o jornal (fl. 192).

Fernando Vidal da Silva, um dos empregados que coletou dados para a reportagem, afirmou perante o Ministério Público que esteve na rua pelo período da manhã entrevistando os eleitores, mas que outro funcionário do jornal saiu pelo período da tarde para coletar dados (fls. 45-47 do anexo), confirmando que ainda no período da tarde eram colhidos dados para alimentar a notícia.

Por outro lado, Luciano, que modificou os dados, e teria condições de confirmar a ordem de adulteração, informou que efetivamente iniciou a confecção da reportagem com dados parciais, quando testemunhou em Representação eleitoral (fl. 151 do anexo).

Quanto à divergência na totalização dos votos (100% na primeira enquete e 99% na segunda), a defesa alega que se trata de uma consequência do programa utilizado para elaborar o gráfico, o qual “arredondou” o resultado da pesquisa.

Embora tenha certa dúvida quanto às justificativas apresentadas pelos acusados, especialmente a respeito da conveniência de elaborar a reportagem sem os dados totais da enquete, o fato é que não existem elementos seguros a respeito da fraude.

Nesse sentido, um dado relevante para tornar incerta a fraude é a existência de uma pesquisa eleitoral, elaborada com rigor técnico por uma empresa especializada e devidamente registrada perante a Justiça Eleitoral, a qual realizou coleta de dados no dia 02 de setembro de 2008, apenas 2 dias antes da enquete divulgada pelos acusados, cujo resultado é bastante próximo daquele divulgado no Jornal Folha Regional.

A pesquisa apontou Mariovane Weis com 48,8% da intenção de votos e Dr. Luciano com 22,5% (fl. 67 do anexo), enquanto a enquete supostamente adulterada atribuía 43% da intenção de votos para aquele candidato e 25,67% para este outro. Verifica-se, portanto, que os números divulgados pelo Jornal Folha Regional se aproximaram bastante do resultado apresentado pela pesquisa eleitoral, elaborada, como se sabe, com rigor técnico.

Embora se saiba que a enquete não segue métodos científicos, podendo perfeitamente apresentar resultados distintos de uma pesquisa, diante da incerteza instaurada nos autos, a semelhança da enquete com a pesquisa realizada por empresa especializada torna ainda mais duvidosa a pretendida fraude e mais verossímil o argumento da defesa, de que o primeiro resultado foi baseado em dados parciais.

Alie-se a esse quadro de incerteza o fato de que Maria Neli Carvalho, a única testemunha mais contundente a respeito do ilícito, era filiada ao PP na época dos fatos (fl. 128 do anexo), circunstância que requer prudência na valoração de seu testemunho, tendo em vista possível transferência do embate eleitoral para a esfera judicial.

Ademais, as provas dos autos não apontam, de forma induvidosa, para a autoria do possível delito pelos acusados. Tem-se certeza apenas de que os acusados são os proprietários do jornal, mas faltam elementos demonstrando a participação direta dos réus nos fatos a eles imputados. Segundo Maria Neli, Luciano teria afirmado que tinham mandado ele arrumar aquilo ali, que ele tinha que fazer o que mandaram (fl. 350), mas não chega a precisar de quem partiu a ordem e em quais termos ela foi dada.

Dessa forma, diante da absoluta incerteza a respeito da efetiva ocorrência do delito imputado aos acusados, deve-se manter a improcedência da acusação, com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal.

Diante do exposto, voto por negar provimento ao recurso.