RC - 277 - Sessão: 09/04/2015 às 17:00

Os presentes recursos criminais foram interpostos por LEODI IRANI ALTMANN e por MAURÍCIO FERNANDO DOS SANTOS em face da sentença que julgou procedente a ação penal promovida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra os recorrentes.

Leodi foi condenado à pena de 01 ano de reclusão, substituída por pena restritiva de direitos, e multa, pela prática do crime de obtenção de documento falso para fins eleitorais (art. 354 do Código Eleitoral). Maurício restou condenado à pena de 03 anos de reclusão, também substituída por restritiva de direitos, e multa, pela prática dos crimes de corrupção eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral), falsidade ideológica para fins eleitorais (art. 350 do Código Eleitoral) e falso testemunho (art. 342, caput, do Código Penal).

O voto da ilustre relatora, Desa. Liselena Schifino Robles Ribeiro, negou provimento aos recursos, manteve a sentença em seus integrais termos e foi acompanhado pelos demais juízes deste TRE.

Solicitei vista para melhor analisar o caso, uma vez que recentemente, nos autos do processo PET 1208-40.2014.6.21.0000 (julgado na sessão de 3.12.2014), deparei-me com questão relativa à competência da Justiça Federal para processamento e julgamento dos crimes praticados contra a administração da Justiça Eleitoral, em que o bem jurídico tutelado é a administração da Justiça da União, e não o sistema eleitoral.

Assim, inicialmente, consigno que acompanho a relatora quanto à matéria preliminar.

Entretanto, pedindo de antemão redobradas vênias à ilustre relatora e aos demais membros que acompanharam o voto prolatado, trago a julgamento preliminar de ofício, suscitando a incompetência da Justiça Eleitoral para julgar o crime de falso testemunho previsto art. 342, caput, do Código Penal, e, quanto ao mérito, voto de parcial divergência, entendendo atípicos os fatos relativos à obtenção de documento falso (art. 354 do Código Eleitoral) e à falsidade ideológica (art. 350 do Código Eleitoral), uma vez que não foram praticados com a finalidade de fraudar “a eleição” ou “os atos e fases do processo eleitoral”, mas, sim, com o objetivo de fraudar a produção probatória em processo judicial.

 

1 Preliminar de Incompetência Absoluta

Maurício Fernando dos Santos foi acusado de fazer afirmação falsa, como testemunha, em processo judicial eleitoral.

Segundo a jurisprudência sedimentada do Superior Tribunal de Justiça, a Justiça Eleitoral é incompetente para julgar crime de falso testemunho, ainda que conexo a crime eleitoral, uma vez que a Justiça Federal tem sua competência fixada expressamente na Constituição Federal, não podendo, por esse motivo, prevalecer as regras de conexão e continência previstas no Código de Processo Penal e no Código Eleitoral acerca da reunião dos processos no foro especial.

Com esse entendimento, transcrevo a ementa de acórdão do STJ que julgou conflito negativo de competência instaurado entre o Juízo da 133ª Zona Eleitoral de Triunfo e o Juízo Federal da 3ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, que tratava de caso análogo ao dos autos: denúncia por crime de corrupção eleitoral, previsto no art. 299 do CE, e por crime de falso testemunho, previsto no art. 342, CP, e determinou a disjunção dos feitos:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DELITO DE FALSO TESTEMUNHO COMETIDO PERANTE A PROMOTORIA DE JUSTIÇA ELEITORAL. CRIME PRATICADO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. POSSÍVEL OCORRÊNCIA DE CRIME PREVISTO NO ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL, EM CONEXÃO. IMPOSSIBILIDADE DE JULGAMENTO CONJUNTO NA JUSTIÇA ESPECIALIZADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM FEDERAL FIXADA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NÃO APLICAÇÃO DO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE.

1. A prática do delito de falso testemunho, cometido por ocasião de depoimento perante o Ministério Público Eleitoral, enseja a competência da Justiça Federal, em razão do evidente interesse da União na administração da Justiça Eleitoral. Precedentes.

2. Na eventualidade de ficar caracterizado o crime do art. 299 do Código Eleitoral, este deverá ser processado e julgado na Justiça Eleitoral, sem interferir no andamento do processo relacionado ao crime de falso testemunho, porquanto a competência da Justiça Federal está expressamente fixada na Constituição Federal, não se aplicando, dessa forma, o critério da especialidade, previsto nos arts. 78, IV, do CPP e 35, II, do Código Eleitoral, circunstância que impede a reunião dos processos na Justiça especializada.

Precedentes.

3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 3ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, o suscitado.

(STJ, CC 126.729 - RS, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Seção, julgado em 24.4.2013, DJe 30.4.2013.)  (Grifei.)

O crime de falso testemunho, objeto de apuração no presente feito, foi supostamente consumado perante o Juízo Eleitoral de Carazinho, durante audiência de instrução relativa a processo de representação por captação ilícita de sufrágio, configurando, portanto, crime cometido contra a Administração da Justiça Eleitoral. Evidencia-se o interesse direto da União na apuração dos fatos, a ensejar a competência da Justiça Federal.

Nesse sentido, cito outros precedentes do STJ que também afirmam a competência da Justiça Federal para julgamento do crime de falso testemunho praticado perante a Justiça Eleitoral:

PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME ELEITORAL NÃO CONFIGURADO. FALSO TESTEMUNHO. CRIME PERANTE A JUSTIÇA ELEITORAL. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

1. Nos termos do art. 109, inciso IV, da Constituição Federal, compete à Justiça Federal processar e julgar infração penal de falso testemunho praticada em detrimento da União, que tem interesse na administração da Justiça Eleitoral.

2. A circunstância de ocorrer o falso depoimento em processo eleitoral não estabelece vínculo de conexão para atrair a competência da Justiça Eleitoral.

3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal, ora suscitante.

(STJ, CC n. 106.970/SP, Terceira Seção, Relator: Ministro OG FERNANDES, DJe 22.10.2009.)

 

PENAL. PROCESSUAL. FALSO TESTEMUNHO EM PROCESSO ELEITORAL. ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

1. Nos termos do art. 109, inciso IV, da Constituição Federal, compete à Justiça Federal processar e julgar infração penal de falso testemunho praticada em detrimento da União, que tem interesse na administração da Justiça Eleitoral.

2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal, ora suscitante.

(STJ, CC n. 34.702 - SP, Terceira Seção, Relatora: Ministra LAURITA VAZ, DJU 18.8.2003.)

Assim, inviável o julgamento conjunto do crime eleitoral com o crime comum na Justiça especializada, conforme ocorrido no caso presente.

Semelhante questão foi analisada por esta Corte nos autos da PET 1208-40, processo de minha relatoria, julgado na sessão de em 3.12.2014, que tratava de medida cautelar de afastamento da função pública determinada por juiz eleitoral, em sede de inquérito policial instaurado para apurar crime de coação a testemunhas arroladas em ação de impugnação de mandato eletivo.

No referido processo, ao despachar a liminar consignei que a medida havia sido proferida por juiz absolutamente incompetente, e abri oportunidade para manifestação do Juízo Eleitoral sobre a questão, em prestígio à aplicação do princípio da kompetenz-kompetenz, no sentido de que todo o juiz tem um mínimo de competência para, mesmo em casos de incompetência absoluta, examinar a sua própria competência.

Após ser notificado, o magistrado eleitoral declarou-se incompetente e revogou a medida cautelar, razão pela qual o processo foi julgado extinto sem resolução de mérito, cumprindo transcrever a ementa do acórdão deste TRE:

Petição. Ato de juiz eleitoral que, nos autos de inquérito policial, em sede cautelar, suspendeu exercício funcional de investigador de polícia. Pretendida a reintegração ao cargo. Mandamus recebido como petição em virtude de sua decadência.

Crimes tipificados nos arts. 159 e 288 do Código Penal (extorsão mediante sequestro e associação criminosa), por ter supostamente impedido duas testemunhas de prestarem depoimentos em ação de impugnação de mandato eletivo.

Medida cautelar revogada pelo juiz eleitoral que ao examinar a questão declarou-se incompetente para o ato impugnado. Perda superveniente do interesse processual na obtenção da medida reclamada.

Extinção sem resolução do mérito.

(TRE-RS, PET 1208-40, Relator: Dr. LEONARDO TRICOT SALDANHA, DJe 5.12.14, p. 14.)

Por tudo o que foi referido, tem-se que o fato atribuído a Maurício Fernando dos Santos trata de crime contra a Justiça Eleitoral que não se confunde com o crime eleitoral, este, sim, de competência da Justiça especializada, competindo à Justiça Federal processá-lo e julgá-lo. Nesse sentido, também já decidiu este TRE:

Recurso criminal. Recorrente condenada, por juiz eleitoral, pela prática do delito tipificado no art. 343, caput, do Código Penal. Imputação relativa a depoimento de testemunha em processo-crime eleitoral.

A competência para processar e julgar crimes praticados contra a administração da Justiça Eleitoral é da Justiça Federal, pois o bem jurídico tutelado é a administração da Justiça da União, e não o sistema eleitoral.

Sentença desconstituída de ofício. Autos remetidos ao órgão competente de Justiça Federal de primeira instância.

(TRE-RS, Recurso Criminal n. 22005, Acórdão de 18.10.2005, Relator: Dr. ALMIR PORTO DA ROCHA FILHO, Publicação: DJE – Diário de Justiça Estadual, Volume 3905, Tomo 199, Data 24.10.2005, Página 88.)

Aplica-se ao caso o disposto no art. 109, inciso IV, da Constituição Federal, que dispõe sobre a competência da Justiça Federal para processar e julgar infração penal praticada em detrimento da União, que tem interesse na administração da Justiça Eleitoral.

Ressalto que a competência criminal da Justiça Eleitoral é prevista taxativamente no Código Eleitoral, e que o crime de falso testemunho está estatuído no Código Penal, não tendo equivalente na legislação especial. A competência em relação à matéria é improrrogável e imodificável, decorre do interesse público de processamento do feito no órgão competente. Sua inobservância implica prejuízo presumido e nulidade absoluta, que pode ser arguida mesmo de ofício, a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição.

Considerando que o crime de falso testemunho imputado a Maurício Fernando dos Santos não encontra previsão no ordenamento jurídico eleitoral, que a competência para sua apuração é da Justiça Federal e que sequer o promotor eleitoral que promoveu a denúncia possuía atribuição para tal desiderato, declaro a nulidade parcial da sentença no ponto em que julgou o delito de falso testemunho tipificado no art. 342 do Código Penal, e determino remessa de cópia integral do feito à Vara Federal da Comarca de Carazinho, cabendo ao juízo competente o exame e verificação dos atos processuais que devam ou não ser anulados ou quiçá convalidados, pela ratificação de sua chancela, nos termos da jurisprudência do STF que admite a possibilidade de ratificação inclusive dos atos decisórios nos casos de incompetência absoluta:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSUAL PENAL. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. ATOS DECISÓRIOS. POSSIBILIDADE DE RATIFICAÇÃO.

1. Este Tribunal fixara anteriormente entendimento no sentido de que, nos casos de incompetência absoluta, somente os atos decisórios seriam anulados, sendo possível a ratificação dos atos sem caráter decisório. Posteriormente, passou a admitir a possibilidade de ratificação inclusive dos atos decisórios. Precedentes. Agravo regimental a que se nega seguimento.

(STF - RE: 464894 PI, Relator: Min. EROS GRAU, Data de Julgamento: 24.6.2008, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-152, Divulg. 14.8.2008, Public. 15.8.2008, Ement. Vol. 02328-05, PP-01025.)

Forte nessas razões, suscito de ofício a preliminar de incompetência absoluta da Justiça Eleitoral e declaro a nulidade parcial da sentença, devendo ser remetida cópia integral do processo à jurisdição competente para julgamento do crime previsto no art. 342 do Código Penal e aferição de eventual aproveitamento de atos, a fim de que providencie o encaminhamento das peças ao órgão ministerial com atribuição para a denúncia.

Destaco.

 

(Todos acompanharam Dr. Leonardo Tricot Saldanha quanto à preliminar suscitada.)

 

2 Atipicidade das Imputações de Falsidade Ideológica (art. 350 do Código Eleitoral) e de Obtenção de Documento Falso (art. 354 do Código Eleitoral)

Maurício Fernando dos Santos foi acusado da prática do delito tipificado no art. 350 do Código Eleitoral (falsidade ideológica para fins eleitorais), por fazer inserir em documento particular declaração falsa a fim de que fosse utilizada como prova defensiva favorável a Leodi Irani Altmann, que figurava como representado em processo de representação eleitoral por captação ilícita de sufrágio.

Leodi Irani Altmann foi acusado de praticar o crime previsto no art. 354 do Código Eleitoral, em função de obter, para uso próprio, o documento particular, ideologicamente falso produzido por Maurício, mediante juntada da referida declaração aos autos da representação eleitoral, a fim de que fosse utilizada como prova documental.

Ambos os tipos penais capitulados na denúncia exigem, para sua configuração, a presença do dolo específico na prática da conduta, relativo à finalidade eleitoral:

Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais.

Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.

 

Art. 354. Obter, para uso próprio ou de outrem, documento público ou particular, material ou ideologicamente falso para fins eleitorais:

Pena – a cominada à falsificação ou à alteração.

Suzana de Camargo Gomes, ao estudar a finalidade eleitoral prevista no art. 350 do Código Eleitoral, acentua que o tipo não se refere à falsificação de documento para ser utilizado como prova em processo judicial (Crimes Eleitorais. 4 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 280 e 282.):

O elemento subjetivo do tipo é o dolo específico, expresso na vontade livremente dirigida à ação ou omissão prevista no art. 350 do Código Eleitoral, com o fim especial de afetar o processo eleitoral, em qualquer um de seus atos ou fases, seja no que concerne ao alistamento de eleitores ou registro de candidatos e filiados a partidos políticos, seja no que diz respeito à propaganda eleitoral, votação, apuração e diplomação dos eleitos.

[…]

Indispensável, no entanto, para a configuração do crime em tela, que o agente realize a conduta típica para fins eleitorais, posto que, de outra forma, não há que se falar na incidência do art. 350 do Código Eleitoral, mas do art. 299 do CP e, ainda assim, desde que presentes os elementos desse tipo.

[…]

Por outro lado, cumpre destacar que “não cometerá falsidade quem, para defender-se em qualquer processo (administrativo, cível ou penal), faz declaração que não corresponde à realidade (o direito de defesa compreende até mesmo o direito de mentir)”, consoante posiciona com precisão Nélson Hungria (Comentários ao Código Penal. 2.ed. Vol. 9, cit., p. 280).

De igual modo, na hipótese do art. 354 do Código Eleitoral, a finalidade eleitoral exigida pelo tipo como circunstância elementar é aquela dirigida à vontade livre e consciente de obter documento falso com o fim de causar repercussão no processo eleitoral, no processo de votação atinente à eleição (GOMES. 2010, p. 291).

É dizer: ambos os tipos penais, relativos à inserção de declaração falsa ou à obtenção do documento falso, para uso próprio, devem criar um perigo de dano ao processo eleitoral, e não a um processo judicial eleitoral.

A falsificação de provas para uso como documento em processos, seja um processo eleitoral, seja um processo trabalhista, seja um processo militar, é crime comum afeto à jurisdição comum, seja federal ou estadual. Não é crime eleitoral (GOMES. 2010, p. 275).

Com esse entendimento, o seguinte julgado do c. STJ, em sede ação penal que tratava de uso de documento falso em ação afeta à Justiça Trabalhista:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO EM RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. OFENSA A INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PRECEDENTES DESTA CORTE.

1. Na hipótese dos autos, muito embora o documento falso tenha sido utilizado pelo Paciente no intuito de afetar a relação trabalhista, a falsidade foi empregada como meio de prova perante a Justiça do Trabalho, extrapolando, portanto, a simples esfera individual dos litigantes na ação trabalhista.

2. Resta evidenciado, assim, a intenção de induzir em erro a Justiça do Trabalho, devendo, portanto, ser reconhecida a ofensa a interesse da União e, por conseguinte, a competência da Justiça Federal.

Precedentes desta Corte.

3. Ordem denegada.

(STJ, HC 117.722 - PR, Relatora: Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, julgado em 17.3.2009, DJe 13.4.2009.)

 

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. FALSIFICAÇÃO DE ASSINATURA. USO EM PROCESSO TRABALHISTA. ANALOGIA COM A SÚMULA 165/STJ. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA FEDERAL.

Inquérito com vistas a apurar possível delito do art. 297 do Código Penal, que teria sido praticado para utilização do respectivo documento em processo trabalhista, deve ser processado e apurado junto ao juízo federal.

Aplicação, por analogia, da Súmula 165/STJ.

Precedentes.

Conflito conhecido, declarando-se a competência do Juízo Federal da 10ª Vara do Estado de Pernambuco.

(STJ, CC 28.683 - PE, Relator: Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Terceira Seção, julgado em 09.5.2001, DJ 18.6.2001, p. 112.)

Além disso, observo que em precedente oriundo do Superior Tribunal Militar, o STM entendeu pela incompetência da Justiça Militar da União para apurar crime de uso de documento falso apresentado como prova em processo penal militar que tramitava perante o Conselho Permanente de Justiça para a Aeronáutica. No julgado, foi asseverada a competência da Justiça Federal de primeira instância para apuração do delito ao entendimento de que o documento falso foi apresentado perante o Judiciário, não atentando contra uma instituição militar ou a administração militar, mas contra o Poder Judiciário Militar, constituindo crime comum (STM, Rcrimfo: 7097 PE 2003.01.007097-0, Relator: EXPEDITO HERMES REGO MIRANDA, DJ 19.8.2003).

No caso dos autos, o falso praticado por Maurício e obtido por Leodi era uma prova documental, uma declaração escrita à mão com data de 27 de novembro de 2012 (fl. 08) que, segundo o Ministério Público Eleitoral, foi produzida entre o dia 12 de novembro de 2012 (data do ajuizamento da representação por captação ilícita de sufrágio) e o dia 13 de dezembro de 2012 (data da juntada da declaração aos autos do processo eleitoral). Ou seja, o documento foi produzido após as eleições e não tinha relação alguma com alistamento, registro de candidatos, propaganda eleitoral, votação, apuração e diplomação dos eleitos. Logo, a competência não é da Justiça Eleitoral, uma vez que os fatos imputados aos recorrentes não encerram um conteúdo juridicamente relevante para interessar à proteção que lhes empresta a lei eleitoral quando tipifica a infração penal eleitoral (CÂNDIDO, Joel. Direito Penal Eleitoral e Processo Penal Eleitoral. Bauru: Edipro, 2006, p. 402).

É que os art. 350 e 354 do Código Eleitoral têm objetividade específica, sem a qual, eventual crime deverá ser capitulado na legislação penal comum e, consequentemente, ser processado e julgado perante a Justiça Comum Federal.

Como exemplos de hipóteses em que o falso seria de competência da Justiça Eleitoral, cito os casos que localizei na jurisprudência: falsificação de ata de convenção (para fins de registro de candidatura), falsificação de declaração de residência (para fins de alistamento), falsificação de ficha de filiação (para fins de registro de candidato).

Não é o caso dos autos.

De acordo com a denúncia, Maurício assinou declaração falsa, afirmando que, nos contatos telefônicos mantidos com o denunciado Leodi, trataram de uma autorização para compra a prazo junto ao posto PSA de Não-Me-Toque, referindo, ainda, que assinou, no mesmo dia, tanto a nota fiscal relativa à suposta compra a prazo de combustível, como a declaração juntada à fl. 385 do processo eleitoral.

A finalidade do falso, como se vê, não foi dirigida à eleição, mas, sim, à produção de prova falsa para uso em processo judicial.

Para o TSE, a expressão ampla "fins eleitorais" abrange, em verdade, qualquer falsidade ideológica correlacionada às atividades-fim da Justiça Eleitoral. O bem jurídico tutelado é a fé pública eleitoral, consistente na confiança, na lisura e na veracidade das informações prestadas no âmbito eleitoral. De acordo com o Ministro Luís Roberto Barroso, pretende o legislador proteger a fé pública no âmbito eleitoral e evitar que informações ideologicamente falsas possam influir indevidamente no processo de manifestação política, atingindo os princípios do Estado de Direito e da Democracia (TSE, REspe 5835-46, Relatora: Min. MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA, j. 03.3.2015).

Entende-se que a expressão "para fins eleitorais", constante da parte final do tipo, traduz a necessidade de que a conduta omissiva tenha sido praticada com a finalidade específica de prejudicar o processo eleitoral (TSE, REspe 36050, Relator: Min. ENRIQUE RICARDO LEWANDOWSKI, DJE 30.11.2009).

A questão também já foi enfrentada pelo c. STJ, que assentou a necessidade de que o crime de falsidade ideológica seja praticado com a finalidade de obtenção de vantagem eleitoral na eleição, sem a qual, resta afastada a figura típica especial do art. 350 do Código Eleitoral:

PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME ELEITORAL NÃO-CONFIGURADO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. FALSO TESTEMUNHO. CRIME PERANTE A JUSTIÇA ELEITORAL. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

1. O crime de falsidade ideológica prescrito no art. 350 do Código Eleitoral exige finalidade eleitoral para que reste configurado.

2. Sendo o crime de falsidade ideológica praticado por pessoa não-diretamente interessada nas eleições, sem fins evidentes de obter vantagem eleitoral, resta afastada a figura típica especial do art. 350 do Código Eleitoral e subsiste o tipo penal previsto no art. 299 do Código Penal.

3. No caso presente, tem-se que as falsidades, tanto ideológica quanto testemunhais, foram praticadas contra a administração da Justiça Eleitoral, mantida pela União, ensejando a competência da Justiça Federal.

4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da Subseção Judiciária de Londrina/PR, suscitante.

(STJ, CC n. 39.519 - PR, Terceira Seção, Relator: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, DJU 02.3.2005.)

Nesses termos, tratando-se de uso de documento falso como prova em processo judicial, a competência deve ser fixada tendo-se em conta o órgão perante o qual foi apresentado o documento, conforme é o entendimento do STJ. Consolidou-se na doutrina e jurisprudência pátrias o entendimento no sentido de que a fixação da competência da Justiça Federal, nos termos do artigo 109, inciso IV, da Carta Magna, justifica-se quando haja efetivo prejuízo para os entes ali referidos ou violação direta aos seus interesses.

In casu, a diretiva para o estabelecimento da competência se encontra na denúncia, cujos contornos fáticos indicam o uso de documento ideologicamente falso como meio de prova em um processo judicial perante a Justiça Eleitoral. Havendo potencial lesão a bens, serviços ou interesses da União, competente é a Justiça Federal para o julgamento do feito.

Com esses fundamentos, considero atípicas as condutas relativas à falsidade ideológica e à obtenção de documento falso, previstas nos arts. 350 e 354 do Código Eleitoral, por ausência da circunstância elementar subjetiva do tipo atinente à finalidade eleitoral.

Como consequência, divirjo em parte da relatora quanto ao mérito, para o fim de absolver Maurício Fernando dos Santos da imputação de prática do delito previsto no art. 350 do Código Eleitoral, e absolver Leodi Irani Altmann da imputação de prática do delito previsto no art. 354 do Código Eleitoral, por ausência de comprovação do dolo necessário à configuração dos delitos que caracteriza a atipicidade das condutas, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal.

Remanesce a análise do recurso interposto por Maurício Fernando dos Santos quanto à condenação pela prática do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral. No entanto, considerando que o crime prevê pena de um a quatro anos de reclusão e comporta a proposta de suspensão condicional do processo prevista no artigo 89 da Lei n. 9.099/95, a qual não foi oferecida, resta prejudicada a análise do mérito do recurso, devendo ser anulada a sentença no ponto em que julgou o delito de corrupção eleitoral previsto no art. 299 do CE a fim de ser oportunizada a proposta de suspensão. Nesse sentido, a Súmula 337 do STJ:

É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva.

Cito, ainda, precedentes do STJ que invocam o instituto da suspensão do processo em caso de desclassificação da infração penal operada no julgamento de recurso pela superior instância:

Suspensão do processo em caso de desclassificação (possibilidade).

1. Ainda que a desclassificação da infração penal se verifique na superior instância, há de haver oportunidade para que se invoque, por exemplo, o instituto da suspensão do processo (Lei nº 9.099/95, art. 89).

2. Precedentes da 5ª e 6ª Turmas do Superior Tribunal.

3. Habeas corpus deferido em parte.

(STJ, HC 36.817 - MG, Relator: Ministro NILSON NAVES, Sexta Turma, julgado em 24.02.2005, DJ 25.4.2005, p. 367.)

 

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE. CONDENAÇÃO À PENA DE INABILITAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DE CARGO OU FUNÇÃO PÚBLICOS. IMPROPRIEDADE ABSOLUTA DA VIA ELEITA. INEXISTÊNCIA DE PERIGO OU RESTRIÇÃO À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO DO PACIENTE. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DO HABEAS CORPUS. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA PRETENSÃO PUNITIVA. POSSIBILIDADE DE OFERECIMENTO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. SÚMULA N.º 337 DESTA CORTE. HABEAS CORPUS  PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, CONCEDIDO.

1. Condenado o Paciente somente à pena de inabilitação para o exercício de cargo ou função públicos, sobressai a impropriedade da via eleita, na medida em que não há mais repercussão em sua liberdade de locomoção. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal.

2. Segundo a orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, havendo desclassificação do delito ou procedência parcial da pretensão punitiva - como verificado na espécie, já que o Acusado foi absolvido quanto à infração prevista no art. 1.º, inciso II, do Decreto-Lei n.º 201/67 -, deve ser conferida ao Ministério Público a oportunidade de se manifestar acerca do oferecimento do benefício da suspensão condicional do processo. Enunciado n.º 337 da Súmula desta Corte.

3. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, concedido para determinar o retorno dos autos à instância a quo, a fim de se oportunizar ao Ministério Público a possibilidade de oferecimento da proposta de suspensão condicional do processo ao Paciente.

(HC 213.058 - RN, Relatora: Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, julgado em 07.3.2013, DJe 13.3.2013.)

Nesses termos, anulo a sentença no ponto em que julgou o delito de corrupção eleitoral previsto no art. 299 do Código Eleitoral e determino a remessa dos autos à origem para manifestação do Ministério Público Eleitoral quanto ao oferecimento da suspensão condicional do processo ao acusado Maurício Fernando dos Santos, considerando, por isso, prejudicado o exame do mérito do seu recurso quanto ao delito tipificado no art. 299 do Código Eleitoral.

Em conclusão, tenho por válida a sentença em relação ao julgamento dos tipos penais previstos nos arts. 350 e 354 do Código Eleitoral, e nula a sentença em relação ao julgamento do crime estatuído no art. 342 do Código Penal, por incompetência absoluta para julgamento da matéria, e, em relação ao crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral, em face da ausência de proposta de suspensão condicional do processo ao acusado Maurício Fernando dos Santos.

Em síntese, o presente voto-vista é no sentido de:

1 – acompanhar a relatora quanto à matéria preliminar;

2 – de ofício, declarar a incompetência absoluta da Justiça Eleitoral para julgamento do crime de falso testemunho tipificado no art. 342 do Código Penal, imputado a Maurício Fernando dos Santos, para o fim de anular parcialmente a sentença no ponto em que julgou o crime previsto no art. 342 do CP, devendo ser remetida cópia integral do processo à Vara Federal da Comarca de Carazinho, jurisdição competente para julgamento do crime e aferição de eventual aproveitamento de atos, a fim de que providencie o encaminhamento das peças ao órgão ministerial com atribuição para a denúncia;

3 – divergir parcialmente em relação ao mérito, para o fim de dar provimento parcial ao recurso interposto por Maurício Fernando dos Santos, absolvendo-o da imputação de prática do delito previsto no art. 350 do Código Eleitoral, por ausência de prova do dolo específico, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal, e anular parcialmente a sentença no ponto em que julgou o delito tipificado no art. 299 do Código Eleitoral, determinando a remessa dos autos à origem para manifestação do Ministério Público Eleitoral quanto ao oferecimento da suspensão condicional do processo ao acusado, nos termos da fundamentação;

4 – dar provimento ao recurso interposto por Leodi Irani Altmann, para o fim de absolvê-lo da acusação de prática do delito previsto no art. 354 do Código Eleitoral, por ausência de comprovação do dolo necessário à configuração do delito, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal.

É o voto.

 

Dr. Leonardo Tricot Saldanha suscitou preliminar, de ofício, de anulação parcial da sentença por falta de oferecimento de suspensão condicional do processo ao réu Maurício Fernando dos Santos referente ao crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral.

Destacou.

(Todos acompanharam Dr. Leonardo quanto à preliminar suscitada.)

 

Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja:

Solicito vista dos autos.

 

(Os demais membros da corte aguardam o voto-vista de Dra. Gisele.)

 

DECISÃO - SESSÃO DE JULGAMENTO DE 09.4.2015

Retomado o julgamento, proferiu o voto-vista o Dr. Leonardo Saldanha. Por unanimidade, de ofício, declararam a incompetência da Justiça Eleitoral para o julgamento do delito previsto no art. 342 do Código Penal e anularam parcialmente a sentença no tocante ao julgamento do art. 299 do Código Eleitoral. Pediu vista a Dra. Gisele Azambuja. Aguardam o novo voto-vista o Dr. Hamilton Dipp, Desa. Federal Maria de Fátima e Dra. Maria Gonzalez.  Julgamento suspenso.