RC - 10454 - Sessão: 14/04/2016 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (MPE) com atuação perante a 51ª Zona Eleitoral – São Leopoldo ofereceu, em 5.3.2013, denúncia contra PAULO RICARDO BECK, nos seguintes termos (fl. 02-v):

No dia 07 de outubro de 2012, por volta das 15h20min, na via pública, em frente à residência localizada na Rua Valentim Bayer, nº 124, Bairro Campina, em São Leopoldo, nas proximidades da Escola Emílio Sander, o denunciado PAULO RICARDO BECK realizou a propaganda de boca de urna e divulgou panfletos do candidato a Vereador Vilmar Justo.

O denunciado foi preso em flagrante pela Brigada Militar no momento em que distribuía os panfletos e fazia a boca de urna, sendo encontrados em seu poder cerca de 154 (cento e cinquenta e quatro) panfletos do candidato a Vereador Vilmar Justo, os quais foram apreendidos, consoante auto de apreensão do objeto.

Assim agindo, incorreu o denunciado PAULO RICARDO BECK nas sanções do art. 39, parágrafo 5º, incisos II e III, da Lei nº 9.504/97 […].

Anexados o termo circunstanciado de ocorrência e o auto de apreensão de objeto (fls. 4-9), bem como documentos integrantes da notícia-crime eleitoral instaurada, na qual o investigado não cumpriu a transação penal por ele inicialmente aceita (fls. 19-21).

Recebida a denúncia em 18.3.2013 (fl. 23), a proposta de suspensão condicional do processo ofertada foi aceita pelo réu, mas não foi observada (fls. 27-54), sobrevindo apresentação de defesa prévia (fl. 57).

Novamente proposto o sursis processual em audiência, em que pese aceito, restou inobservado, ensejando a revogação do benefício (fls. 68-104).

Em nova audiência, foi inquirida uma testemunha arrolada pela acusação e interrogado o réu, o qual se fez acompanhar por advogado (termo de audiência e CD com a gravação às fls. 116-120).

Apresentadas alegações finais (fls. 123-125 e 128-132v.).

Em sentença, a ação foi julgada procedente, para condenar o réu como incurso nas sanções do art. 39, § 5º, incs. II e III, da Lei n. 9.504/97, (i) à pena privativa de liberdade de 6 meses de detenção, em regime inicial aberto – substituída por uma restritiva de direitos de prestação de serviços junto à Brigada Militar, pelo mesmo período, à razão de 8 horas semanais; e (ii) ao pagamento de multa no mínimo legal (cinco mil UFIRs) (fls. 136-143v.).

Irresignado, o condenado interpôs recurso. Aduziu preliminares de nulidade do processo, por deficiências na proposta de transação penal, na proposta de suspensão condicional do processo e na audiência de instrução e julgamento. No mérito, alegou a insuficiência probatória, requerendo sua absolvição. Subsidiariamente, alegou “erro de proibição”, pugnando pela isenção de pena. E alternativamente, postulou a redução da sanção ao grau máximo (fls. 146-155v.).

Com contrarrazões (fls. 157-162v.), sobreveio decisão pelo não conhecimento do recurso, por intempestivo (fl. 163).

Interposto Recurso em Sentido Estrito pelo condenado, visando ao conhecimento do recurso principal (fls. 169-172), não foi admitido, por intempestividade (fl. 176).

Interposta carta testemunhável pelo condenado, visando ao conhecimento e provimento do RSE (fls. 179-183), o juiz eleitoral determinou sua remessa à segunda instância (fl. 188).

Subindo os autos, foram com vista ao Procurador Regional Eleitoral, o qual opinou pelo conhecimento do recurso principal e, no mérito, pelo seu desprovimento (fls. 193-199).

É o relatório.

 

VOTO

A) Admissibilidade

Na ausência de regulamentação própria e para não ocasionar prejuízo injustificado ao recorrente, admito o recurso por ele interposto na forma de carta testemunhável, com esteio no art. 640 do CPP:

A carta testemunhável será requerida ao escrivão, ou ao secretário do tribunal, conforme o caso, nas 48 (quarenta e oito) horas seguintes ao despacho que denegar o recurso, indicando o requerente as peças do processo que deverão ser trasladadas.

Nesse sentido:

CARTA TESTEMUNHÁVEL. INSURGÊNCIA CONTRA A DECISÃO QUE NÃO ADMITIU RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PROVIMENTO DA CARTA TESTEMUNHÁVEL. AUTOS SUFICIENTEMENTE INSTRUÍDOS. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO DO MÉRITO DO RECURSO OBSTADO (ART. 644 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL).

[…]

NULIDADE DA DECISÃO QUE NÃO CONHECEU DO APELO. DETERMINAÇÃO DE SUBIDA DA APELAÇÃO E EXPEDIÇÃO DO CONSEQUENTE CONTRA MANDADO DE PRISÃO.

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO CONHECIDO E PROVIDO.

(RECC n. 16889 – Rel. ANTONIO CARLOS MATHIAS COLTRO – DJESP de 24.02.2012).

Assim, tenho por tempestiva a carta testemunhável, tendo sido interposta no mesmo dia em que intimados os procuradores do recorrente acerca da decisão que não recebeu o recurso em sentido estrito – RSE previamente interposto, em 12.12.2014 (fls. 178-179).

Preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, dela conheço.

B) Questão de fundo

Cuida-se de apreciar se é tempestivo o RSE interposto contra a decisão que não conheceu o recurso criminal aviado em face da sentença, ao efeito de adentrar na análise do mérito do RSE, no que tange à tempestividade do recurso criminal.

O RSE é efetivamente tempestivo, pois, na condição de defensores dativos nomeados pelo juízo para atuarem em favor do réu (fl. 54), os procuradores do ora recorrente gozam da prerrogativa de serem intimados pessoalmente, consoante o art. 370, § 4º, do CPP.

Efetuada a carga dos autos pelos defensores em questão em 13.11.2014 (fl. 167v.), o que equivale à sua intimação pessoal, e interposto o RSE em 18.11.2014 (fl. 169), malgrado sua intimação via DEJERS em data anterior, tenho por observado o prazo de 5 dias do art. 586 do CPP:

CAPÍTULO II - DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO

[…]

Art. 586 O recurso voluntário poderá ser interposto no prazo de 5 (cinco) dias.

[…]

Em ato contínuo, a mesma linha de raciocínio vale para o recurso criminal, sendo que, como adiante será demonstrado, a rigor, a análise da sua tempestividade resta prejudicada em razão do reconhecimento de nulidade absoluta entre a prolação da sentença e a interposição do recurso principal (fls. 144-146).

Logo, o conhecimento do RSE e o seu provimento é medida que se impõe.

Por conseguinte, passo ao exame do recurso principal.

B.1) Recurso Criminal

I) Preliminares do recorrente

i) Nulidade do processo por deficiência na proposta de transação penal

O recorrente alegou nulidade absoluta por ausência de advogado na audiência preliminar, em procedimento prévio a esta ação penal (notícia-crime eleitoral), no qual por ele aceita a transação penal ofertada, tendo em vista o princípio da ampla defesa e os seguintes dispositivos:

Lei n. 9.099/95

Art. 72 Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.

 

Art. 76 Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

[...]
§ 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz. […]

No entanto, a tese não merece guarida, nos termos do parecer do Procurador Regional Eleitoral, o qual esgotou a análise da questão (fls. 193-199):

Quanto ao ponto, sustenta o recorrente a nulidade da proposta de transação penal, haja vista que na audiência preliminar estava desacompanhado de advogado.

Todavia, para que houvesse qualquer nulidade, necessário seria que restasse evidenciado o prejuízo do recorrente, o que não se verificou, pois só foram explicitadas pelo Juiz todas as consequências legais da aceitação do benefício, como as condições da transação.

Nesse sentido segue entendimento do Tribunal Superior Eleitoral:

[…] 1. A alegação de nulidade, desprovida de demonstração do concreto prejuízo pelo impetrante, não pode dar ensejo à invalidação da ação penal, uma vez positivado, pelo art. 563, do CPP, o dogma fundamental da disciplina das nulidades – pas de nullité sans grief.

[…]

(Habeas Corpus nº 49266, Acórdão de 12.3.2013, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJe - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 81, Data 2.5.2013, Página 57).

Ademais, uma vez não cumprida a transação penal, foi ofertado o benefício da suspensão condicional do processo ao apelante, oportunidade em que o recorrente estava acompanhado de procurador (fl. 68), não tendo sido alegado qualquer prejuízo decorrente da proposta de transação penal, assim como nada a respeito foi mencionado em sede de memoriais, concluindo-se como precluso o direito de suscitar a suposta nulidade.

De fato, o recorrente não demonstrou a ocorrência de prejuízo.

Como bem frisou o Procurador Regional Eleitoral, e conforme narrado no relatório supra, a transação penal foi efetivamente ofertada e aceita pelo recorrente. Ao depois, mesmo não tendo cumprido os termos daquela transação, lhe foi ofertado, por duas vezes, no curso desta ação penal, o benefício da suspensão condicional do processo – cujas condições, novamente, não foram observadas, tornando inevitável o processamento da ação.

Por outro lado, ainda que indisponível o direito à ampla defesa em processo criminal, consta do termo de audiência de fl. 19 que, ao momento da oferta do benefício, o então acusado dispensou expressamente a constituição de advogado:

Consigno, ainda, que ao autor do fato foi conferida a possibilidade de efetuar-se a presente audiência em outra oportunidade para que pudesse constituir advogado, tendo o mesmo afirmado que não tinha interesse. Fica o autor do fato intimado que deve juntar aos autos o comprovante de cumprimento da transação penal, no prazo de 05 dias a contar do cumprimento da mesma. Após, voltem para homologação e, por consequência, extinção da punibilidade.

Logo, afasto a preliminar.

ii) Nulidade da oferta de suspensão condicional do processo

O recorrente alegou nulidade do sursis processual ofertado, o qual foi por ele aceito e, como visto, descumprido.

Aduziu que o art. 89, § 2º, da Lei n. 9.099/95 autoriza que o juiz especifique outras condições para a suspensão, desde que sejam adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado. Asseverou que a condição então imposta, de pagamento de prestação pecuniária, é incompatível com o instituto da suspensão condicional do processo. E agregou que, assim sendo, deve ser proposta nova oferta do benefício, dentro das condições legalmente estabelecidas, sinalizando que pretende demonstrar dissídio jurisprudencial sobre a matéria, para fins de prequestionamento.

Contudo, tenho que a questão não comporta mais apreciação por este Tribunal, que já a apreciou, à unanimidade, no HC n. 91-14.2014.6.21.0000, da relatoria do Des. Luiz Felipe Brasil Santos – com trânsito em julgado em 3.7.2014 (conforme o Sistema de Acompanhamento de Documentos e Processos - SADP):

Habeas corpus. Liminar indeferida. Impetração visando a exclusão de uma das condições aceitas em sede de suspensão condicional do processo.

Não vislumbrada qualquer ilegalidade a ensejar a medida postulada.

Estabelecimento de prestação pecuniária dentro dos limites impostos pelo princípio do livre convencimento do juiz e aceita em audiência pelo paciente.

Denegação da ordem.

(TRE-RS – HC n. 91-14 – Rel. DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS – J. Sessão de 24.6.2014).

De qualquer forma, reproduzo os fundamentos lá expendidos, adotando-os, para também aqui rechaçar a prefacial:

[...]

Paulo Ricardo Beck foi denunciado pela prática, em tese, do crime tipificado no art. 39, § 5º, incs. II e III, da Lei n. 9.504/97. Proposta e aceita transação penal, o paciente a descumpriu, motivando o recebimento da denúncia e posterior proposta de suspensão condicional do processo, incluindo, dentre outras, prestação pecuniária no valor de meio salário mínimo nacional em favor de entidade, opção esta feita expressa e voluntariamente, em audiência, por Paulo e por seu procurador, em detrimento da prestação de serviços à comunidade.

No presente, os impetrantes alegam a ausência de condições financeiras para adimplemento do compromisso assumido, bem como que esse pagamento representaria antecipação de pena.

Não procedem as alegações, e desse entendimento comungo com o eminente relator da decisão liminar, cujas razões reproduzo (fls. 12v.-13):

Dispõe a legislação de regência:

Lei 9.099/95

Art. 89 Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:

I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;

II - proibição de frequentar determinados lugares;

III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;

IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.

[...]

Denota-se que as condições impostas na suspensão condicional do processo consistem na garantia de que a medida terá a eficácia de prevenir eventual prática de novos delitos e de ressocializar o acusado, alcançando as finalidades que são próprias do direito penal.

Em razão disso é que a Lei expressamente previu, além das condições especificadas no art. 89, § 1º, outras medidas mais adequadas ao fato e às condições do acusado que podem ser fixadas pelo Juiz (§ 2º).

O fato de o sistema brasileiro, no tocante à suspensão condicional do processo, não se caracterizar pela admissão da culpa, não isenta o denunciado de submeter-se às condições impostas pelo juízo, sejam elas negativas ou positivas.

Assim, a prestação pecuniária imposta pelo magistrado como condição ao sursis processual terá a mesma natureza daquelas condições expressamente elencadas no art. 89, § 2º, da Lei nº 9.099/95, sendo impróprio falar-se em caráter punitivo de umas e não de outras.

Colho do STF e do STJ:

HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. QUESTÃO NÃO EXAMINADA PELO TRIBUNAL A QUO. APRECIAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. CONDIÇÃO. IMPOSIÇÃO. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. LEGALIDADE. WRIT PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADA A ORDEM.

I – [...]

II – Ambas as Turmas desta Corte já assentaram o entendimento de que a imposição de prestação pecuniária como condição para a suspensão condicional do processo é válida, desde que adequada ao fato e à situação do acusado, justamente como se observa no caso concreto.

III – Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, denegada a ordem.

(STF – HC 115.721 – Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – J. em 18.6.2013).

 

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E VIOLAÇÃO DE SUSPENSÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR (ARTIGOS 306 E 307 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO). SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO.

CONDIÇÕES. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE DA MEDIDA. ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA.

1. Além das condições obrigatórias previstas nos incs. do § 1º do art. 89 da Lei n. 9.099/1995, é facultada a imposição, pelo magistrado, de outras condições para a concessão da suspensão condicional do processo, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado, em estrita observância aos princípios da adequação e da proporcionalidade.

2. A prestação pecuniária constitui legítima condição que pode ser proposta pelo Ministério Público e ser fixada pelo magistrado, nos termos do art. 89, § 2º, da Lei n. 9.099/1995.

3. Recurso improvido.

(STJ – RHC 46382 / RS – 5ª Turma – Rel. Min. JORGE MUSSI – J. em 15.5.2014 – DJe de 21.5.2014).

Também do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

HABEAS CORPUS. CRIMES DE TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ARTIGO 306, DA LEI Nº 9.503/97). O presente habeas corpus visava a concessão de liminar para fins de excluir da proposta de suspensão condicional do processo, oferecida pelo Ministério Público, parte das condições, impugnada especificamente a que lhe impunha o pagamento de dois salários mínimos à Pastoral do Menor, ou prestação de serviços comunitários pelo período de três meses, por 7 horas semanais, pretendendo, assim, a sua exclusão ou, alternativamente, a readequação de referida condição, de modo proporcional ao fato e às condições pessoais do denunciado. […] Antecipo que afigura-se viável a estipulação do pagamento de prestação pecuniária como condição para a suspensão do processo, ao contrário do alegado pela defesa. Ordem denegada.

(TJ/RS – HC 70059159558 – 2ª Câmara Criminal – Rel. José Antônio Cidade Pitrez – J. em 8.5.2014).

A seu turno, não há como me imiscuir na apreciação da autoridade apontada como coatora acerca da alegada onerosidade do valor em causa, meio salário mínimo, em face da remuneração mensal do paciente – R$ 955,00 (novecentos e cinquenta e cinco reais). Inexistente evidente ilegalidade a ser afastada, agiu o juiz eleitoral de piso dentro dos limites impostos pelo princípio do livre convencimento do juízo, sopesando as circunstâncias do caso concreto.

Ao passo que a aceitação da condição em destaque pelo paciente prejudica a tese dos impetrantes, mormente porque, perante o juízo da 51ª Zona Eleitoral, não apresentou resistência à proposição da prestação pecuniária (termo de audiência de fl. 5).

[...]

Assim, afasto a preliminar.

iii) Nulidade da audiência de instrução e julgamento, e das provas derivadas

O recorrente alegou nulidade da audiência de instrução e julgamento, essencialmente porque o juiz eleitoral unipessoal inaugurou as perguntas realizadas no que diz com a prova testemunhal, e não de forma complementar (fls. 116-120) – em suposta infringência ao princípio acusatório e ao art. 212 do CPP:

Art. 212 As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.

Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.

Por via de consequência, o recorrente também arguiu a nulidade das provas tidas como derivadas, com base no art. 157 do CPP:

Art. 157 São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
[…]

A tese não merece abrigo, porquanto a ordem de inquirição das testemunhas poderia, no máximo, gerar nulidade relativa do ato, por meio da demonstração de prejuízo pela parte – o que, novamente, não se apura dos autos.

Colho, nesse sentido, da jurisprudência do STJ:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ART. 212 DO CPP. INVERSÃO NA ORDEM DE FORMULAÇÃO DE PERGUNTAS. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE.

1. A Lei nº 11.690, de 9 de junho de 2008, alterou a redação do art. 212 do Código de Processo Penal, passando-se a adotar o procedimento do Direito Norte-Americano, chamado crossexamination, no qual as testemunhas são questionadas diretamente pela parte que as arrolou, facultada à parte contrária, a seguir, sua inquirição (exame direto e cruzado), e ao juiz os esclarecimentos remanescentes e o poder de fiscalização.

2. Entretanto, ainda que se admita que a nova redação do art. 212 do Código de Processo Penal tenha estabelecido uma ordem de inquiridores de testemunhas, à luz de uma interpretação sistemática, a não observância dessa regra pode gerar, no máximo, nulidade relativa, por se tratar de simples inversão, dado que não foi suprimida do juiz a possibilidade de efetuar as suas perguntas, ainda que subsidiariamente, para o esclarecimento da verdade real, sendo certo que, aqui, o interesse protegido é exclusivo das partes.

3. No caso, muito embora a oitiva das testemunhas não tenha sido procedido com perguntas feitas inicialmente pelas partes, não se observando, portanto, a ordem prevista no art. 212 do Código de Processo Penal, certo é que, o ato cumpriu sua finalidade, como destacado pelo acórdão recorrido, com ampla participação das partes, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa constitucionalmente garantidos, motivo pelo qual não verifico qualquer prejuízo efetivo ao acusado.

4. Recurso a que se nega provimento.

(STJ - RHC 27719 – Rel. Min. OG FERNANDES – DJe de 13.10.2011).

Resulta que não há nulidade da instrução processual a ser reconhecida, não havendo que se falar, por via reflexa – ainda que de difícil mensuração nos autos do que seja esta prova derivada –, de nulidade dos demais atos, derivados, subsequentes à audiência de instrução.

Portanto, também afasto esta preliminar.

DESTACO.

II) Preliminar de nulidade absoluta por ausência de intimação do réu

O processo encerra nulidade de caráter absoluto, a exigir o seu retorno à origem para a emenda necessária.

É que da sentença condenatória foram intimados somente os procuradores do réu, ora recorrente, sem intimação pessoal deste, em contrariedade ao art. 392, inc. II, do CPP, o que equivale a dizer, por outro lado, que o prazo recursal correlato sequer iniciou (fls. 144-146).

Eis o dispositivo em questão:

Código de Processo Penal

Art. 392 A intimação da sentença será feita:

I - ao réu, pessoalmente, se estiver preso;
II - ao réu, pessoalmente, ou ao defensor por ele constituído, quando se livrar solto, ou, sendo afiançável a infração, tiver prestado fiança;
[…]

Colho da jurisprudência:

PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 289, § 1º, C.C. O ARTIGO 14, INCISO I, E 29, TODOS DO CÓDIGO PENAL E ARTIGO 10 DA LEI 9.437/97 C.C. O ARTIGO 69 DO CÓDIGO PENAL. DEFENSORES DATIVOS. APELAÇÃO. RÉUS NÃO INTIMADOS DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. NULIDADE.

1. Consoante o disposto no artigo 392, inciso II, do Código de Processo Penal, a intimação da sentença será feita, ao réu, pessoalmente, ou ao defensor por ele constituído, quando se livrar solto, ou sendo afiançável a infração, tiver prestado fiança.

2. Acusados não intimados da sentença condenatória, o sendo apenas a defesa dativa. A intimação da sentença condenatória, tanto do réu quanto de seu defensor, é providência imprescindível para a garantia do contraditório, da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição e a violação de tal regra enseja nulidade de natureza absoluta. Precedente.

3. Processo anulado, de ofício, a fim de que o Juízo de 1º grau proceda à intimação dos acusados da sentença condenatória, abrindo-se à defesa novo prazo para interposição do recurso de apelação, restando prejudicados os apelos interpostos.

(TRF-3 – ACR 3862 SP 2005.03.99.003862-9 – Rel. Des. Federal JOSÉ LUNARDELLI – Data de Julgamento 20.9.2011 – 1ª Turma).

Nessa linha, poder-se-ia inclusive considerar que a ausência de intimação pessoal do condenado, por decorrência lógica, afasta o entendimento pela própria intempestividade do RSE – objeto formal de discussão na carta testemunhável subjacente –, interposto justamente em razão do não conhecimento do recurso principal.

De qualquer forma, o erro cartorário em causa ocasiona induvidoso prejuízo ao réu, mesmo que o seu defensor tenha interposto o recurso criminal.

Não bastasse o próprio direito do interessado de ter ciência da existência de decreto condenatório contra si, dada a gravidade da natureza processual envolvida, tivesse sido intimado poderia inclusive constituir advogado diverso dos que o representaram até então (defensores dativos, nomeados pelo magistrado de piso) – na perspectiva, legítima, de buscar a melhor defesa possível.

Nesse contexto, o sistema de nulidades previsto no Código de Processo Penal, no qual vigora o princípio pas de nullité san grief, dispõe que se proclama a nulidade de um ato processual – no caso, a sua ausência – quando houver efetivo prejuízo à defesa, devidamente demonstrado.

O STF, aliás, já assentou o entendimento de que a demonstração de prejuízo, "a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta, eis que […] o âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades pas de nullité sans grief compreende as nulidades absolutas" (HC 121953, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 01.7.2014, HC 85155, Segunda Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 15.4.2005).

Como visto, enfim, ainda que em tese, o prejuízo é patente, mesmo diante da interposição de recurso pelo defensor do interessado, mormente porque a representação do réu durante o curso da ação ocorreu por intermédio de defensores dativos nomeados pelo juízo a quo.

Dispositivo

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e provimento da carta testemunhável, ao efeito de conhecer e dar provimento ao recurso em sentido estrito, para conhecer do recurso criminal e, afastadas as preliminares arguidas pelo recorrente PAULO RICARDO BECK, decretar a nulidade do processo a contar da intimação da sentença.

Determino o retorno dos autos à origem para que se realize a intimação pessoal do réu acerca da sentença condenatória, com subsequente reabertura do prazo recursal – aproveitando-se, na ausência de novo recurso, o já existente.