E.Dcl. - 265041 - Sessão: 19/03/2015 às 17:00

RELATÓRIO

Sr. Presidente, este relatório se inicia com um esclarecimento. Tendo em vista o julgamento conjunto da AIJE n. 2650-41 e da Rp n. 2651-26 – circunstância trazida inclusive nos embargos –, e considerando igualmente que os embargos opostos em cada uma das referidas ações são, íntegra e absolutamente, idênticos, destaco de antemão que o presente voto se presta ao julgamento também conjunto dos referidos recursos.

GILMAR SOSSELA e ARTUR ALEXANDRE SOUTO opõem embargos de declaração, fls. 1.207-1.229 (AIJE n. 2650-41) e fls. 918-940 (Rp 2651-26), com pretensos efeitos modificativos, com o fim de integrar o acórdão das fls. 1.145-1.196 (AIJE n. 2650-41) e das fls. 847-898 (Rp n. 2651-26), fundamentando haver omissão, obscuridade e contradição. Sustentam a necessidade de saneamento dos defeitos apresentados e de modificação do resultado da decisão, que se deu nos seguintes termos, no que pertine aos presentes aclaratórios:

1 – Na AIJE 2650-41, CONDENAÇÃO DE GILMAR SOSSELA e ARTUR ALEXANDRE SOUTO pela prática de abuso de poder político e de autoridade, conforme o art. 22, XVI, da Lei Complementar n. 64/90 e, conforme o art. 22, XIV, da Lei Complementar n. 64/90, CASSAÇÃO DO DIPLOMA relativo às eleições de 2014 concedido a GILMAR SOSSELLA. Ainda, foram DECLARADOS INELEGÍVEIS, pelo prazo de 8 (oito) anos, a contar da eleição do ano de 2014, GILMAR SOSSELLA e ARTUR ALEXANDRE SOUTO;

2 – Na RP 2651-26, CONDENAÇÃO de GILMAR SOSSELLA e da COLIGAÇÃO UNIDADE DEMOCRÁTICA TRABALHISTA (PDT-DEM), modo individualizado, com fulcro no art. 73, caput, II, e §§ 4º, 8º e 9º, da Lei n. 9.504/97 c/c art. 50, § 4º, da Res. TSE n. 23.404/14, ao pagamento de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) cada um. Ainda, à exclusão do recebimento das verbas oriundas do Fundo Partidário, quanto aos recursos decorrentes do pagamento da referida multa, o Partido Democrático Trabalhista – PDT e o Democratas – DEM;

3 – Igualmente na RP 2651-26, CONDENAÇÃO de GILMAR SOSSELLA pela prática de captação ilícita de recursos e CASSAÇÃO DO DIPLOMA do candidato, relativo às eleições de 2014.

 

VOTO

Ambos os recursos são tempestivos e, verificados os demais pressupostos de admissibilidade, merecem conhecimento.

De início, o suporte normativo para o exame do recurso.

Os embargos de declaração servem para afastar omissão, obscuridade, dúvida ou contradição que emergem do acórdão, situando a matéria no âmbito deste Tribunal, nos termos do artigo 275, I e II, do Código Eleitoral.

Dispõe o aludido comando:

Art. 275. São admissíveis embargos de declaração:

I - quando há no acórdão obscuridade, dúvida ou contradição;

II - quando for omitido ponto sobre que devia pronunciar-se o Tribunal.

No mérito, seguem os argumentos centrais trazidos pelos embargantes, para entenderem omisso, obscuro e contraditório o acórdão embargado:

a) em relação à prova coligida nos autos, aduzem que o acórdão, para afirmar existente o abuso, pautou-se em impressões e interpretações subjetivas construídas a partir de alguns depoimentos sobre um pretenso “clima” reinante na Assembleia Legislativa, mas sem considerar que outros elementos cabalmente afastariam as acusações referidas na petição inicial. Entenderam, ainda, imperioso consignar, quanto à prova dos autos, que o acórdão vergastado omitiu-se também com relação ao argumento de que não se admite como prova aquela colhida sem o crivo do contraditório e da ampla defesa, como proclama entendimento dominante do Tribunal Superior Eleitoral. Demais, a decisão atacada teria utilizado [...] o expediente inquisitorial para caracterizar o modus operandi da dita “coação” realizada pelos demandados [...].

b) Relativamente à AIJE n. 2650-41, indicam que a omissão teria ocorrido em relação à forma como o bem tutelado pela AIJE – normalidade e legitimidade do pleito, e liberdade de voto –, teriam sido afetados, pois não havendo a violação do bem jurídico protegido, normalidade e legitimidade do pleito, não há que se falar em incidência da norma, afirmando que não bastaria a mera ilegalidade ou reprovabilidade da conduta, mas sim a comprovação de que sua gravidade afetou efetivamente, de alguma forma, o pleito, de modo a atingir a sua normalidade e legitimidade. Além, careceria de demonstração de que forma a normalidade e legitimidade do pleito foram afetadas;

c) No tocante à Representação n. 2651-26, entendem os embargantes que as doações ocorreram voluntariamente, e não sob coação, de modo que o entendimento exposto pelos Excelentíssimos julgadores no acórdão embargado se mostra, com todas as vênias, obscuro e omisso na análise do conjunto probatório colhido nos autos e, em certa medida, contraditório, sendo que os depoimentos colhidos indicariam claramente a ausência de 'ameaça' ou de 'coação', mas sim a aquisição voluntária dos ingressos [...];

d) No que pertine à condenação por captação ilícita de recursos, art. 30-A da Lei n. 9.504/97, entendem os embargantes que não teria sido atingido o bem tutelado pela regra, qual seja, a higidez das eleições. Aduzem, resumidamente, que não restaria demonstrado no acórdão embargado de que forma restou atingido o bem jurídico tutelado, a fim de que seja dada procedência ao pedido de condenação do embargante (sic) por captação ilícita de recursos;

e) Finalmente, entendem omissa a decisão na parte em que houve condenação por conduta vedada – envio de SMS/torpedos com o uso de telefone funcional da Assembleia Legislativa –, pois ausente demonstração de qual benefício teria sido auferido pelo embargante a ponto de acarretar o desequilíbrio entre os candidatos na disputa do pleito eleitoral, bastando que esses possuam qualquer linha telefônica a sua disposição (sic), assim, não se trata de um benefício exclusivo de um detentor de mandato eletivo, ou ainda do Presidente da Assembleia, sendo que o serviço de envio de torpedos SMS está disponível a todos os candidatos […]. Dessa forma, o r. Acórdão não enfrentou elemento essencial para o deslinde do feito, ao não demonstrar de que modo a conduta praticada pelo candidato embargante feriu o bem jurídico tutelado pela norma eleitoral.

Pedem, daí, o provimento dos embargos, o saneamento das omissões, obscuridades e contradições, e a atribuição de efeitos infringentes.

Pois bem.

Examinado o acórdão, antecipo a convicção de que inexistem as supostas falhas.

Isso deflui da leitura da própria decisão, relatada minudentemente e com declarações de voto de todos os julgadores desta Casa.

Mas, também, por outro motivo bastante presente: ao longo de toda a exposição das razões de recurso, o que se percebe é a clara intenção dos embargantes – por vezes inclusive expressamente confessada – de rediscussão da matéria já devidamente analisada por este Tribunal, de realização de nova valoração da prova, fundamentalmente para que se chegue a conclusão outra que não aquela condenatória e, portanto, prejudicial aos embargantes.

Nessa linha, friso que principalmente os pontos “a”, “c” e “e”, acima delineados, têm nítida carga de revaloração do juízo exarado.

Tais circunstâncias não permitem, claro está, o manejo de embargos de declaração.

Nesse sentido, a jurisprudência deste Tribunal:

Embargos de declaração. Acórdão que manteve a sentença pela desaprovação de contas prolatada no juízo originário.

Não configuradas quaisquer das hipóteses previstas no artigo 275 do Código Eleitoral para o manejo dos aclaratórios. Decisão adequadamente fundamentada, inexistindo dúvida, omissão, contradição ou obscuridade passíveis de serem sanadas.

Insubsistência desse instrumento como meio para retomada da discussão de matéria já decidida por esta Corte ou para lastrear recurso às instâncias superiores. Desacolhimento.

(RE 1000034-61.2008.6.21.0170, julgado em 29.3. 2012, Relator: Dr. JORGE ALBERTO ZUGNO.)

 

Embargos de declaração com pedido de efeitos infringentes. Acórdão unânime que manteve desaprovação de prestação de contas no juízo originário. Insurgência sob a alegação de não exaurimento da matéria versada no decisum.

Aclaratórios destinam-se a afastar obscuridades, dúvida ou contradição que emergem dos fundamentos do acórdão, nos estritos termos do disposto no art. 275 do Código Eleitoral. Incabível a via recursal eleita para lastrear recurso às instâncias superiores. Insubsistência desse instrumento, igualmente, como meio para retomada da discussão de matéria já decidida por esta Corte. Desacolhimento.

(PC 432 (402397-03.2008.6.21.0160), julgado em 25.8.2011, Relator:  Dr. LEONARDO TRICOT SALDANHA.)

Por óbvio, é natural ao condenado, e intrínseco ao Estado Democrático de Direito, que uma parte entenda equivocada determinada decisão judicial. Mas para a modificação do decidido existem, exatamente, as instâncias superiores. Não é possível entender uma decisão obscura, omissa ou contraditória, apenas porque não atende aos interesses do condenado.

Objetivamente, demonstro.

Quanto à alegada omissão sobre o sopesamento da prova relativamente à ocorrência, ou inocorrência, de coação para a compra de convites de um churrasco que custou R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) por pessoa, trago o seguinte trecho do voto do e. relator, Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos:

Descarto, desde logo, a alegação de que tudo não passou de perseguição de alguns servidores, por conta de suposta insatisfação com a implantação, pela administração de então, de medidas austeras, como ponto eletrônico para controle de frequência. Do caderno probatório não transparece essa tese, havendo de se perscrutar se há comprovação sobeja dos fatos narrados na inicial, mormente da alegação de coação, independentemente do número de ingressos vendidos.

Tenho que há provas suficientes da coação.

A estrutura da Assembleia é assim organizada: situada hierarquicamente abaixo da Mesa do Plenário está a Superintendência Geral. A seguir, a ela subordinadas, estão as Superintendências: a Administrativa e Financeira, a de Comunicação Social e de Relações Institucionais e a Legislativa. A estas, respondem Departamentos (como o de Gestão de Pessoas e o de Tecnologia da Informação, que respondem, por sua vez, à instância administrativo-financeira), os quais são titularizados por diretores, seguindo-se Divisões e coordenadores.

Assim é que o Superintendente Geral, ARTUR, com o aval de SOSSELLA, efetivamente exigiu que os demais superintendentes e diretores adquirissem os ingressos, e que também assim o fizessem em relação aos seus comandados, detentores de funções gratificadas, sob a ameaça de sua perda.

A estratégia utilizada por ARTUR consistiu em frisar aos destinatários que, se comparado com o valor anual das gratificações recebidas, o valor nominal do convite era irrisório, dando a entender que suas designações pertenciam à alta administração e, logo, uma vez nomeados e comprometidos com SOSSELLA, deveriam ajudá-lo na arrecadação de fundos – como verdadeira contraprestação às funções ocupadas. Perante o Ministério Público Eleitoral, em procedimento preparatório preliminar, ARTUR já afirmara que “ficou definido que os convites somente seriam oferecidos para servidores de coordenação e direção, tendo em conta que as funções gratificadas recebidas por estes servidores têm valores de R$ 7.500,00 a R$ 13.000,00” (fls. 147-148 do “Anexo 1”).

Como se percebe apenas pelo ponto transcrito, a decisão restou adequadamente fundamentada, sendo especificadas as razões do julgamento de modo a afastar a omissão apontada.

Saliento que não caberia aqui, em sede de embargos, transcrever novamente toda e qualquer manifestação sobre a questão de ocorrência de coação, aliás claramente ocorrida, se por meio da leitura do acórdão essa dúvida se esvai. A transcrição de voto que firmou posição minoritária é intencional, até para demonstrar que, no pertinente à ocorrência de coação, houve unanimidade desta Corte.

Além, os embargos trazem a afirmação de que a decisão teria se valido apenas da prova construída em sede policial, utilizando-se somente de “procedimento inquisitorial” para condenar.

Ao contrário.

Em audiência conjunta de instrução da AIJE n. 2650-41 e da RP n. 2651-26, os representados prestaram depoimento pessoal, assim como foram ouvidas 14 testemunhas arroladas pelo Ministério Público Eleitoral e 29 testemunhas arroladas pelos representados (fls. 301-307, 312 e 828-1.068 dos autos da AIJE e fls. 203-209 e 314 dos autos da RP).

SOSSELLA e ARTUR foram condenados diante de farta prova. Trago trecho exemplificativo de prova objetivamente considerada, a questão da demissão do (elogiado) servidor Nelson Delavald Júnior por não ter adquirido o “convite”:

Além, penso que o fato de a coação ter sido praticada contra servidores da ALRS, pessoas (em tese) capazes de refletir sobre a legalidade da imposição, não tem o condão de legitimar o agir de SOSSELLA e ARTUR. Isso porque, mesmo em um ambiente onde proliferam os interesses políticos, uma casa legislativa, não há como se admitir que a remuneração de um servidor seja alvo de coação – ali estão, acima de tudo, cidadãos, arrimos de família, os quais foram jogados para uma posição de fragilidade pela imposição apresentada, mesmo que cientes da ilegalidade – mesmo, até, que tenham se recusado a comprar o ingresso para o jantar.

Aqui, merece destaque um episódio que bem demonstra tais premissas: o afastamento do servidor Nelson Delavald Júnior da função de coordenador junto ao Departamento de Comissões Parlamentares da Superintendência Legislativa, após ter ele se recusado a adquirir o ingresso para o churrasco de campanha.

Conforme referido no voto do e. relator, a dispensa se deu, “coincidentemente”, em momento estratégico, especialmente para ARTUR. Conforme refere o relator nas razões de decidir: Para além de inusitada a designação de uma servidora ao exercício efetivo de FG por apenas 5 dias, “às pressas”, tal quadro revela que ARTUR já sabia da recusa de Nelson em adquirir o convite, antes mesmo de ser dispensado, demonstrando que foi o próprio Superintendente Geral da Casa quem determinou a exoneração (porque Nelson não adquiriu o convite).

Nitidamente, pois não se trata de elemento colhido apenas em sede policial, a demissão foi um fato que ocorreu e, inclusive, um ato administrativo, comprovado independentemente de depoimentos em quaisquer das fases de investigação.

Daí, a jurisprudência trazida pelos embargantes, ao contrário de paradigmática, é imprestável ao caso posto. Por óbvio que condenações não podem ocorrer sem o respeito ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório. Todavia, os embargantes aqui se insurgem contra a prova edificada em um feito que contou com amplas oportunidades para juntadas de documentos, para manifestações, com testemunhas ouvidas em juízo, em número considerável.

Daí, verificável mais uma circunstância: o fato de que muitos dos argumentos apresentados nos embargos apenas repetem aqueles já expostos por ocasião do recurso, de maneira que já foram analisados por esta Corte Eleitoral.

Note-se que, relativamente à AIJE n. 2650-41, na questão pertinente ao prejuízo ao bem tutelado pela AIJE – normalidade e legitimidade do pleito – (argumento delineado no ponto "b") os embargantes revisitam, repisam a questão da gravidade da conduta – item ampla e exaustivamente discutido no acórdão, aliás dividido em quatro tópicos:

[…]

Antecipo, todavia, que entendo sejam as circunstâncias graves a ponto de configurar a prática de abuso de poder político e de autoridade, de parte de Gilmar SOSSELLA e ARTUR Alexandre Souto, abuso este que feriu os bens jurídicos tutelados pela norma de regência – a legitimidade e a normalidade do pleito.

[…]

Concluo, no ponto, que a aferição da gravidade das circunstâncias deve ocorrer caso a caso, verificando-se se o abuso teve gravidade para afetar a normalidade e legitimidade do pleito.

[…]

Passo, agora, a apontar os motivos pelos quais entendo haver elementos suficientes para considerar as circunstâncias graves, conforme exigido pelo comando contido no inciso XVI do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90.

Em primeiro lugar, indico o “quem”: há que se lembrar que SOSSELLA era parlamentar em pleno exercício de mandato estadual, candidato à reeleição, Presidente do Poder Legislativo do Estado do Rio Grande do Sul, fatos que por si só amplificam quaisquer atos praticados, sejam eles dignos de aprovação ou de reprovação. Daí, buscar meios escusos para obter vantagens competitivas em relação aos demais postulantes ao cargo é de todo reprovável, sobretudo se operacionalizado mediante coação de servidores públicos. A posição de ARTUR também era de destaque, com capacidade de exercer influência em uma das instituições políticas mais importantes do Estado do Rio Grande do Sul.

Assim, o fato de a coação ter sido circunscrita a certos servidores, sem atingir o eleitorado como um todo, não me parece um elemento descaracterizador do ilícito. Entendo ele, na realidade, como agravante, na medida em que SOSSELLA e ARTUR abusaram de poder até o limite do poder que detinham, utilizaram todo o poder que possuíam, e exatamente por tal motivo reside, aqui, o primeiro aspecto da gravidade da conduta analisada, pois pleito normal e legítimo é aquele no qual ninguém é coagido.

[…]

A quarta circunstância grave é o período no qual foram praticadas as condutas. O quando, no caso, pode ser analisado sob dois aspectos: o primeiro, o lapso temporal no qual as coações se estenderam, e o segundo, o quão próximas  ao dia da eleição elas ocorreram.

[…]

Daí, demonstrado que a prática abusiva não foi pontual, foi construída por atos repetitivos e continuados e, ao que parece, veio a cessar tão somente após interferência policial. Além, se por si mesma já grave a conduta, tanto mais merece juízo de reprovabilidade quando perpetrada às vésperas do pleito eleitoral.

Por todo o exposto, a forma de atuação dos demandados SOSSELLA e ARTUR – os quais utilizaram a sua ascendência hierárquica para coagir servidores, em período extenso e próximo à eleição, com o intuito de arrecadar valores consideráveis a título de doação para campanha eleitoral – reveste-se de gravidade suficiente para que seja rechaçada por este Tribunal.

Eis as circunstâncias graves: quem, como, quanto e quando.

[…]

A questão também foi expressamente abordada pelo Dr. Hamilton Langaro Dipp nos seguintes termos:

[…]

Está evidente também a gravidade das circunstâncias, exigida pelo artigo 22, XVI, da Lei Complementar n. 64/90, para a configuração do ato abusivo. Relevante observar que a atuação dos representados, embora tenha se dado apenas no âmbito da Assembleia Legislativa, não pretendia buscar o voto dos seus servidores, mas garantir que todos os detentores de função gratificada contribuíssem com R$ 2.500,00 para a campanha de Gilmar Sossella. O valor obtido mediante essa conduta foi então distribuído por todo o Estado, impulsionando a sua candidatura. Nesse aspecto, as circunstâncias são graves o suficiente para macular a legitimidade do pleito, lembrando-se, ainda, que o esquema organizado pelos representados buscava arrecadar mais recursos do que efetivamente obteve o candidato, sendo impedido por causa da ação policial, do afastamento de Artur Souto das suas atividades e das notícias divulgadas na imprensa.

[…]

Assim, igualmente, enfrentado o tema pela Dra. Lusmary Fatima Turelly da Silva, como se extrai da seguinte passagem do seu voto:

[…]

Desse modo, mostrando-se casuística a aferição da gravidade dos atos perpetrados, verifico que o abuso de poder cometido pelo Presidente da Assembleia Legislativa do Estado, nas diversas ações apontadas como incontroversas nos autos, teve, sim, o condão de macular a paridade de forças entre os contendores, pois SOSSELLA se valeu da condição de expoente maior do órgão legislativo para, seja diretamente, seja mediante seu braço direito e representante ARTUR, coagir e intimidar servidores daquela Casa e, com isso, beneficiar sua candidatura à reeleição para Deputado Estadual.

Vejo nessa quebra de simetria de forças entre os postulantes aos cargos proporcionais o ferimento da legitimidade e normalidade do pleito em razão do abuso do poder de autoridade e político verificado, pois as condutas consubstanciadas na “coação para compra de ingresso”, “entrega de caderneta para anotação de dados de eleitores” e “usar de serviços de servidor público para campanha eleitoral durante o horário de expediente normal” bem denotam que vieram a ser maculados pressupostos básicos das eleições, garantias constitucionais inarredáveis.

[…]

A quebra de paridade de forças entre os postulantes aos cargos proporcionais em disputa é evidente, pois recursos financeiros foram injetados na campanha de SOSSELLA mediante espúrios expedientes, não se podendo ter como normal a contenda quando o presidente do órgão máximo do legislativo estadual utiliza do poder que detém para auferir aqueles valores e, com isso, não bastasse a posição que ostentava, ainda mais se distanciar da igualdade de condições com os demais candidatos, evidenciando-se a “gravidade da conduta perpetrada pelo recorrente em relação à isonomia no pleito” (AgR-REspe n. 34.915/TO, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, DJe 27.3.2014).

[…]

E, ainda, a análise do Dr. Leonardo Tricot Saldanha:

[…]

No caso concreto, o caderno probatório foi perfeitamente apresentado pelo ilustre relator e evidencia a coação dos servidores públicos detentores de função gratificada do quadro de pessoal do Poder Legislativo Estadual, pela pressão de compra de ingressos de evento de campanha, em flagrante abuso do poder de autoridade e quebra do princípio da igualdade de oportunidades, norteador do processo eleitoral.

[…]

A coação de servidores para que alcancem valores aos agentes públicos que detém o poder de nomeação e de exoneração de funções comissionadas evidencia o desequilíbrio do pleito no qual o candidato concorreu, pois não atuou com igualdade perante os demais candidatos ao cargo de deputado estadual. A ameaça de supressão da remuneração com a dispensa dos servidores das funções de chefia que ocupavam configura coação expressa que deve ser repudiada.

[…]

Evidencia-se ofensa direta aos termos constitucionais que pregam a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta, não sendo possível relevar a postura do presidente de Poder Legislativo que se beneficia conscientemente do cargo para arrecadar dinheiro dos seus subordinados.

[…]

No item “d”, uma suposta omissão no relativo ao malferimento do bem jurídico tutelado pelo art. 30-A da Lei n. 9.504/97, a higidez das normas relativas à arrecadação e gastos eleitorais, a fim de salvaguardar a isonomia entre os candidatos.

Inocorrente. Demonstrado raciocínio que indica a ferida causada, pelo agir dos condenados, à higidez das normas eleitorais.

Reproduzo trecho do acórdão:

A lei eleitoral elenca a doação de pessoas físicas como fonte permitida de arrecadação de verbas para campanha eleitoral. Na espécie, a doação possui uma aparência de legalidade porque seguiu os trâmites legais: comunicação tempestiva ao TRE (art. 19, inc. VI, b, da Resolução TSE n. 23.406/14), os recursos constaram da prestação de contas do candidato, houve emissão de recibos eleitorais a título de doação em contrapartida à aquisição dos convites. Mas a legalidade da doação é apenas aparente, pois viciada em sua origem, uma vez que houve a prova da coação dos doadores, o que afasta a existência de contrato de doação, que pressupõe voluntariedade.

Doação mediante coação não é doação, é extorsão que consiste em "conseguir algo de alguém por meio de ardil, ameaça, ou violência" (Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, Editora Objetiva, RJ, 2001. 1ª edição). E a lei não permite arrecadação de recursos para campanha através de coação de cidadãos, aqui compreendidos quaisquer cidadãos. Cumpre enfatizar que a conduta adquire maior relevância jurídica quando estes cidadãos são os próprios servidores do Poder Legislativo que, por serem subordinados hierarquicamente ao candidato, presidente daquela instituição, estão mais vulneráveis às ameaças, uma vez que dependem do trabalho e da remuneração percebida daquele órgão para a sua sobrevivência, o que realça a reprovabilidade da conduta e evidencia sua gravidade.

Ocorre a violação ao princípio da moralidade eleitoral quando o mandato é obtido por meio de práticas ilícitas, antiéticas, imorais, o que retira a legitimidade do pleito. Não conquistado o exercício dentro dos padrões éticos aceitos pela civilização, viciado está o processo de eleição.

Atuação segundo padrões éticos não se coaduna com o locupletamento à custa alheia. A aprovação da obtenção de recursos de campanha mediante ameaça a servidores públicos importa em ato contrário ao dever fundamental de defesa da ética na política e de proteção do princípio da moralidade, um dos pilares do Direito Constitucional Moderno que prestigia a boa fé, a honestidade, a lealdade e a ética.

Não é apenas quando configuradas as hipóteses de fontes vedadas que ocorre a captação ilícita de recursos. Mesmo que as fontes sejam aptas à captação, o ato de doação não pode estar maculado pelos vícios de vontade elencados na lei civil, sob pena de doação inexistir, consubstanciando-se assim a ilicitude da obtenção das verbas de campanha.

Além, trecho do voto do Dr. Leonardo Tricot Saldanha, por elucidativo:

[…]

Houve verdadeira confusão entre apoio político e o dever de subordinação dos servidores no momento em que se vinculou a permanência de titularidade de função gratificada mediante entrega de valores. Percebe-se que os servidores subordinados aos demandados foram vistos como fonte arrecadatória para campanha e, com isso, foi malferido o princípio de igualdade de oportunidades e o equilíbrio das eleições – pois a candidatura do demandado Gilmar Sossela teve privilégios ao forçar agentes públicos a entregarem recursos financeiros.

[…]

Quanto ao item “e”, novamente o nítido caráter de rediscussão de questões já devidamente sopesadas e analisadas, bastando afirmar que nem todos os candidatos a deputado estadual tiveram, durante a eleição, telefone celular da Assembleia Legislativa à sua disposição, e que o uso dado (confessadamente) por SOSSELLA ao aparelho de telefonia de propriedade do Poder Público infringiu expressamente norma legal.

Novamente transcrevo, neste ponto, trecho do voto do e. Relator, Des. Luiz Felipe Brasil Santos:

[...]

E bem acrescentou: “Destarte, o que se tem demonstrado, de forma inequívoca, é a efetiva utilização de serviço contratado com recursos públicos, configurando o uso da máquina pública em campanha eleitoral, conduta que fere a igualdade de condições entre os candidatos ao certame. Ademais, na linha de entendimento assentada no Col. TSE, em caso análogo, o ressarcimento dos gastos efetuados ao órgão público não tem o condão de afastar a ilicitude do ato, ficando o infrator sujeito às sanções fixadas em lei”.

[…]

Portanto, claro o intuito de revaloração dos fatos já julgados, finalidade a que não se prestam os embargos de declaração:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONHECIDOS COMO REGIMENTAL. PRINCÍPIOS DA FUNGIBILIDADE E DA ECONOMIA PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE.

1. Esta Corte Superior posicionou-se de forma clara, adequada e suficiente acerca da intempestividade do especial.

2. Por meio dos aclaratórios, é nítida a pretensão da parte embargante em provocar rejulgamento da causa, situação que, na inexistência das hipóteses previstas no art. 535 do CPC, não é compatível com o recurso protocolado.

3. A juntada de certidão que contradiz certidão dos autos não está autorizada em sede de embargos de declaração, pois extemporânea.

4. Embargos de declaração rejeitados.

(Embargos de Declaração nos EDcl no AREsp 76.433/RN, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, julgado em 19.4.2012, DJe 25.4.2012.)

Ante o exposto, VOTO pela rejeição dos embargos.