REl - 0601104-18.2020.6.21.0055 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/02/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

O Diretório Municipal do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB de ROLANTE interpõe recurso contra a sentença de desaprovação de contas proferida pelo Juízo da 55ª Zona Eleitoral, que determinou o recolhimento da quantia de R$ 5.000,00 ao Tesouro Nacional e a perda do direito de recebimento dos recursos do Fundo Partidário pelo prazo de 6 meses.

O juízo de desaprovação foi fundamentado na utilização irregular de R$ 5.000,00 recebidos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. No Sistema de Prestação de Contas Eleitorais - SPCE, houve declaração da destinação da verba pública como pagamento para a Indústria Gráfica Branesa Ltda. e, no entanto, o extrato bancário indica transferência da mesma quantia a outra beneficiária, a pessoa física Camila Fagundes Raimundo, estranha ao contrato estabelecido com a citada pessoa jurídica.

No campo normativo, a Resolução TSE n. 23.607/19 elenca, em rol taxativo, os meios aceitáveis para quitação e comprovação dos gastos eleitorais:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

O partido recorrente alega que a esposa do presidente da agremiação, Camila Fagundes Raimundo, efetuou pagamento com recursos próprios e em espécie para o fornecedor, com posterior ressarcimento por meio de transferência bancária para sua conta pessoal, em procedimento praticado por desconhecimento da legislação eleitoral. Ainda, sustenta em suas razões que a cópia do pedido, a nota fiscal e o recibo de pagamento são suficientes para demonstrar ausência de má-fé e a regularidade da operação.

Sem razão.

Restando incontroversa, nos autos, a realização de transferência bancária de verbas públicas a pessoa distinta do fornecedor indicado como destinatário do pagamento, entendo evidente a inobservância do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual impõe que os gastos eleitorais de natureza financeira sejam efetuados por meio de uma das seguintes alternativas: cheque nominal cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta ou cartão de débito da conta bancária.

Ora, trata-se de verbas cuja destinação única há de ser os gastos de campanhas eleitorais, e sequer deviam estar sob o manejo de pessoa sobre a qual não recaísse única e exclusivamente a responsabilidade do pagamento a fornecedores.

A legislação de regência, ao estabelecer rol taxativo dos meios para pagamento de gastos efetuados na campanha eleitoral, bem como os documentos que comprovam tais despesas, visa conferir segurança ao percurso das verbas eleitorais, que reside justamente no atendimento de todo sistema legal. A cópia do pedido, a nota fiscal e o recibo de pagamento são insuficientes para provar a regularidade das operações, uma vez que não vinculam efetivamente a quantia paga ao gasto declarado, ferindo gravemente a transparência das contas, em procedimento inaceitável.

Nesse norte, não há comprovação adequada do uso dos recursos, repito, públicos, como bem esclarece o douto Procurador Regional Eleitoral, em parecer cujo trecho transcrevo e adoto expressamente como razões de decidir, a fim de evitar desnecessária repetição argumentativa:

Outrossim, as irregularidades em tela não podem ser consideradas de caráter meramente formal ou de pouca gravidade, pois os meios de pagamento previstos no art. 38 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos de campanha, e, por consequência, da veracidade do correspondente gasto.

Nesse sentido, cumpre destacar que, para as eleições de 2020, o TSE buscou ser mais rigoroso com o controle dos gastos eleitorais, pois acrescentou a obrigação do pagamento se dar por cheque cruzado, previsão inexistente para as eleições anteriores.

Diga-se que os documentos previstos no art. 60, caput, e §§ 1º e 2º da Resolução TSE nº 23.607/2019 jamais se prestam, sozinhos, à comprovação dos gastos eleitorais, devendo, pois, serem entendidos como um reforço de comprovação em relação àqueles informados no art. 38 e seus incisos da mesma Resolução. Em outras palavras, os documentos fiscais idôneos, com o preenchimento de todos os dados necessários a que alude o art. 60, devem se somar aos meios de pagamento determinados no art. 38, jamais podendo ser apontados como alternativos ou exclusivos para efeito de comprovação da efetiva e regular utilização dos recursos do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

Tal caráter meramente complementar dos documentos do art. 60 se extrai de dois pilares principais.

Primeiro, tais documentos não possuem fé suficiente, uma vez que são de produção unilateral, ou, no máximo, bilateral, entre o candidato e uma pessoa qualquer informada como fornecedor de serviço ou de bem, o que claramente pode dar margem a burlas mediante a entabulação de relações simuladas, com o intuito de encobrir o real destino dos valores da campanha.

Depois, porque os meios de pagamento previstos no art. 38 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos de campanha, e, por consequência, da veracidade do correspondente gasto.

Com efeito, tais dados fecham o círculo da análise das despesas, mediante a utilização de informações disponibilizadas por terceiro alheio à relação entre credor e devedor e, portanto, dotado da necessária isenção e confiabilidade para atestar os exatos origem e destino dos valores. Isso porque somente o registro correto e fidedigno das informações pela instituição financeira permite o posterior rastreamento dos valores, apontando-se, por posterior análise de sistema a sistema, eventuais inconformidades.

Por outro lado, se os valores não transitam pelo sistema financeiro nacional, é muito fácil que sejam, na realidade, destinados a pessoas que não compuseram a relação indicada como origem do gasto de campanha.

Assim, se por um lado o pagamento pelos meios indicados pelo art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/19 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto de campanha informado, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para a campanha eleitoral, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o candidato contratou, acerca dos elementos da relação existente; por outra via a tão só confirmação do terceiro por recibo, contrato ou nota fiscal também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi ele quem efetivamente recebeu o referido valor.

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes, que permite, nos termos da Resolução, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se tratam de recursos públicos, como são as verbas recebidas via FEFC.

Finalmente, ao ter sido manejado de maneira inadequada e irregular o dinheiro público, em contrariedade às disposições pertinentes, restou prejudicado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e gastos de campanha, inviabilizando o controle por parte da sociedade.

As receitas dos partidos políticos que possuem origem pública, nomeadamente o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos e o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, são bastante onerosas à sociedade, que provê o funcionamento das agremiações partidárias por se caracterizarem como instituições fundamentais à democracia.

Configurada a irregularidade, a manutenção das penalidades de recolhimento do valor de R$ 5.000,00 e suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário por seis meses, ordenadas na sentença hostilizada, é medida que se impõe.

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso.