REl - 0600125-44.2020.6.21.0059 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/02/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Não há controvérsia quanto à necessidade de desincompatibilização do cargo ocupado pelo recorrido, no prazo de 3 meses anteriores à eleição, na condição de servidor público, pois professor concursado no Município de Alvorada, matrícula funcional n. 2018109250, lotado junto à Secretaria de Educação. Após, houve permuta para o Município de Viamão, estando lotado junto à Secretaria Municipal de Educação, cedido para Secretaria do Meio Ambiente.

Igualmente é incontroversa a demonstração “de direito” do afastamento do cargo pela documentação trazida aos autos (Portaria n. 1769/2020 de Alvorada, Decreto n. 223/2020 e Memorando n. 309/2020).

O tema controverso é a desincompatibilização de fato do servidor público JOSÉ ÂNGELO GOMES DE OLIVEIRA das funções que exercia junto a órgão (COMAN - Coordenação Municipal de Atenção aos Animais) vinculado à Secretaria do Meio Ambiente de Viamão.

A imposição de desincompatibilização de cargos públicos é a tentativa de coibir ou minimizar a possibilidade de que os pretensos candidatos se valham da máquina administrativa em benefício próprio, o que ofenderia os princípios fundamentais que regem a Administração Pública, vulneraria a igualdade de chances entre os participantes da competição eleitoral e afetaria a higidez e a lisura das eleições.

A teleologia subjacente do instituto da desincompatibilização é proteger a legitimidade e a normalidade do pleito, bem jurídico previsto no § 9º do art. 14 da Constituição Federal.

Na espécie, como muito bem salientado pela douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 44868936), “a desincompatibilização dos servidores públicos não se resume a uma mera formalização de um suposto afastamento das suas funções”, sendo exigível o afastamento de fato do candidato de suas funções, o que, no caso dos autos, não ocorreu.

Com efeito, a análise do conjunto probatório demonstra que o recorrido continuou exercendo suas funções em defesa da causa animal, auferindo benefícios eleitorais, como analisado nas razões recursais (ID 44501983):

Conforme comprovado documentalmente, e através da oitiva das testemunhas arroladas e ouvidas no dia 9-12-2020, bem como do expediente nº 00930.000.991/2020, o impugnado continuou exercendo suas funções, inclusive contatando a servidora Alessandra, assessora da Promotoria Especializada de Viamão, com atuação na área ambiental (causa animal), para relatar situações de problemas da COMAN e que sua “sucessora na Coordenação” não conseguia resolver, postulando auxílio a esta.

Quando na verdade a Coordenadora da COMAN é quem deveria contatar a servidora do MP para passar a problemática e questionar, se fosse o caso, como poderia solucioná-lo e não o candidato que se encontrava afastado e concorrendo às eleições.

A outra testemunha, Policial Militar, Cassandra Borges, quando ouvida na 2ª Promotoria Cível, com atuação na área da Improbidade Administrativa, prestou depoimento (vídeo que consta da fl. 173), dando conta que JOSÉ ÂNGELO, mesmo após seu suposto afastamento (apenas formalizado

pedido junto ao Poder Executivo), continuou, de fato, desempenhando atividades vinculadas à Secretaria do Meio Ambiente.

E em audiência judicial, Cassandra Borges, corroborou o que já havia informado no MP, dizendo em juízo que viu por algumas vezes o impugnado juntamente com a Carine, atual coordenadora da COMAN, JÁ ESTANDO ESTE AFASTADO PARA CONCORRER AO CARGO DE VEREADOR. Disse que viu o impugnado tripulando seu veículo juntamente com a atual coordenadora. Relatou que o viu no BECO DOS SOARES e na RS 040, ambos em setembro de 2020 e pela parte da manhã, juntamente com sua sucessora, a Coordenadora da COMAN, conhecida por Carine

Novamente JOSÉ ANGELO, deveria ter se afastado da COMAN, mas continuava a fazer sua campanha eleitoral baseada na causa do animal, com auxílio de sua sucessora, nova coordenadora da COMAN.

Referiu que José Angelo, quando era pré-candidato, atuando na COMAN, deixava de autuar casos de maus-tratos a animais para amenizar a situação com relação aos proprietários dos animais, deixando de cumprir com sua função.

Ou seja, o impugnado seguiu prestando as mesmas funções que desempenhada antes na COMAN, agora em companhia de sua sucessora, para angariar votos de simpatizantes da causa animal, ou seja, a conduta do impugnado desequilibrou as eleições, causando prejuízos aos demais candidatos.

A testemunha Alessandra Pereira Santos, assessora da Promotoria de Justiça especializada de Viamão, confirmou que fora contatada pelo impugnado, em duas oportunidades, uma em outubro de 2020, no qual solicitada auxílio à Coordenadora da COMAN, COMO SE ESTIVESSE NA PREFEITURA, FALANDO “AQUI NA PREFEITURA”, no qual solicitava ORIENTAÇÕES SOBRE ZOONOSE.

Ou seja, o impugnado, continuava a tratar sobre assuntos da COMAN, embora deve-se estar afastado plenamente, de direito e de fato, inclusive temas de relevância.

A última testemunha, Júlia Saar, também conhecedora da causa animal, além de referir em seu depoimento no MP, que a conduta do impugnado não era adequada quando exercia sua função na COMAN, disse ter recebido um vídeo deste no mês de agosto de 2020, atuando nas mesmas funções que exercia na COMAN, e inclusive postagens deste em Facebook, referindo-se a um cão que este havia resgatado quando estava na Coordenação, e após mencionado que o referido animal está agora bem.

Se JOSÉ ÂNGELO efetivamente não estivesse no controle das demandas da COMAN não teria ligado para o Ministério Público, e sim a referida sucessora da COMAN. da mesma forma, NÃO ANDARIA COM A COORDENADORA ATUAL DA COMAN EM SEU VEÍCULO EM SETEMBRO DE 2020.

A corroborar a ação de impugnação, o Ministério Público Eleitoral durante o tramite do registro de candidatura recebeu cópia do expediente nº 00931.002.523/2020 (https://www.mprs.mp.br/atendimento/consulta-processo/processo/?sis=SIM&id=1166150) e o juntou para subsidiar as anteriores informações já constantes dos autos, comprovando, de fato, que o impugnado permaneceu efetuando atendimentos, recebendo reclamações acerca de maus-tratos contra animais, orientando e trabalhando diretamente com sua “sucessora”, inclusive andando com este dentro de seu veículo e com o veículo da Prefeitura, tratando-se de ações que sempre realizou quando do desempenho de suas funções na Coordenação Municipal de Atenção aos Animais – COMAN, vinculada à

Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Viamão.

O Ministério Público comprovou, documentalmente, através dos expedientes nº 00930.000.991/2020 e nº 00931.002.523/2020 (cujas cópias foram juntadas), que o impugnado, na verdade, deixou de informar no seu registro de candidatura que exerceu função pública nos últimos 6 meses às eleições e após continuou a exercendo cargo na Coordenação Municipal de Atenção aos Animais – COMAN, vinculada à Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Viamão, tendo comprovado sua desvinculação de direito, mas não de fato.

Assim, imprescindível referir, inicialmente, que a conduta do recorrido, que deixou de informar o efetivo exercício da função pública que exercia junto à COMAN (vinculado à Secretaria do Meio Ambiente de Viamão), levou a erro o Ministério Público que, em vista da documentação juntada no pedido de registro de candidatura nº 0600125-44.2020.6.21.0059, opinou, inicialmente, pelo registro da candidatura. Entretanto, posteriormente, diante de informações prestadas por pessoas da comunidade, que deram origem a procedimentos específicos, é que o Parquet teve efetiva ciência dos fatos, ajuizando assim a ação de impugnação de registro de candidatura.

 

Assim, como concluiu o Procurador Eleitoral (ID 44868936), a prova testemunhal é firme no sentido de que o candidato impugnado utilizava a estrutura e as funções inerentes à COMAN – apesar da sua desincompatibilização formal – para obter proveito eleitoral. Apesar do entendimento da sentença de que o recorrido poderia validamente manter contato com o Ministério Público, a fim de auxiliar a sua sucessora na coordenação da COMAN, como relatado pela testemunha Alessandra Pereira, tem-se que esse contato demonstra, sim, continuidade da atuação do servidor junto à Coordenadoria Municipal de Atenção aos Animais, o que é corroborado pelo relato de Cassandra Borges quanto a ter avistado juntos, em duas oportunidades no mês de setembro, o recorrido e sua sucessora na coordenação da COMAN.

Além disso, há vários elementos que comprovam a exploração eleitoral que o candidato realizava em todo o período de exercício da função de coordenador da COMAN (p. 126/129 e 172/173 do expediente n. 00931.002.523/2020, disponível no link indicado no recurso eleitoral), de modo que a prova produzida nestes autos veio a confirmar o interesse do candidato em manter-se em evidência a partir das ações realizadas pelo serviço de atenção aos animais em Viamão-RS.

Por derradeiro, registro que, na sentença, a magistrada consignou que a prova testemunhal “deixou margem de dúvidas sobre eventual autuação do impugnado” (ID 44501833), concluindo pela preponderância da elegibilidade.

Entretanto, havendo dúvida razoável sobre o cumprimento do prazo de afastamento, deve ser prestigiada a higidez e legitimidade do pleito, em detrimento do jus honorum do cidadão:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. DEPUTADO FEDERAL. SERVIDOR PÚBLICO. CARGO EFETIVO. AFASTAMENTO NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. REGISTRO DE CANDIDATURA INDEFERIDO. DESPROVIMENTO.

1. O afastamento do cargo de chefia não é suficiente para comprovar a desincompatibilização, devendo o servidor público também se afastar do exercício do seu cargo efetivo.

2. "O prazo de desincompatibilização deve ser cumprido de modo a não imprimir dúvida ao julgador" (AgR-REspe nº 186687/PI, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 18.02.2011.).

3. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

(RO – Agravo Regimental em Recurso Ordinário n. 55235, Acórdão, Relator(a) Min. Luciana Lóssio, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão de 04.9.2014.) (Grifo nosso)

 

Ausentes elementos de prova a rechaçar a circunstância fática de que as atividades ordinárias do candidato continuaram a ser por ele desempenhadas, deve preponderar a preservação da legitimidade do pleito:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL. INDEFERIMENTO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. FOLHA DE FREQUÊNCIA ASSINADA DENTRO DO PERÍODO DE 3 (TRÊS) MESES ANTES DO PLEITO. AFASTAMENTO DE FATO DAS FUNÇÕES PÚBLICAS. NÃO DEMONSTRADO. AGRAVO DESPROVIDO.

1. A exigência legal de desincompatibilização de cargo, emprego ou função pública para concorrer à de cargo eletivo busca assegurar a um só tempo o equilíbrio entre os candidatos na disputa eleitoral, e também preservar a normalidade no exercício das funções públicas por aqueles que as exercem de forma efetiva, comissionada ou temporária, ao mesmo tempo em que almejam desempenhar atividade política. Precedentes. (REspe 14142, Rel. Min. Herman Benjamin. DJE de 23.5.2018.)

2. Exige-se, além do afastamento formal, o afastamento de fato das funções públicas pelo pretenso candidato. Precedentes. (REspe nº 82074, Rel. Min. Henrique Neves Da Silva, DJE de 02.5.2013.).

3. Confrontados os elementos de prova, cumpre ao julgador, de forma motivada e com base em regras de experiência e nos indícios constantes dos autos, determinar a preponderância de uma prova em detrimento de outra.

4. A existência de prova robusta de efetivo exercício das funções públicas dentro do período de 3 (três) meses antes das eleições é suficiente à demonstração de que a desincompatibilização se dera somente no plano jurídico.

5. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Ordinário nº 060067393, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 06.12.2018.) (Grifo nosso)

 

Na espécie, a dicção de Fux e Frazão, in Novos Paradigmas do Direito Eleitoral, p. 167:

A demonstração da desincompatibilização exige que: (i) o pretenso candidato tenha comprovado seu afastamento de fato através de elementos probatórios idôneos, dentro do período exigido pela legislação constitucional e infraconstitucional, e (ii) inexistam provas contundentes no sentido de que o agente público efetivamente tenha se utilizado de seu cargo, emprego ou função em proveito de sua candidatura.

 

Ante o exposto, VOTO pelo PROVIMENTO do recurso, ao efeito de indeferir o registro de candidatura de JOSE ANGELO GOMES DE OLIVEIRA para concorrer ao cargo de vereador no Município de Viamão, nas eleições de 2020.

Determino a exclusão do nome do recorrido da lista de suplentes do PL de Viamão, devendo ser computados os votos do candidato para a respectiva legenda pela qual concorreu, diante do disposto no art. 196, § 2º, da Resolução TSE n. 23.611/19.