REl - 0600654-55.2020.6.21.0094 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/02/2022 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

 

Mérito

No mérito, trata-se de recurso interposto contra a sentença que desaprovou as contas da recorrente e determinou-lhe o recolhimento de R$ 935,67 ao Tesouro Nacional, em face das seguintes irregularidades: a) omissão de gastos eleitorais e utilização de recursos de origem não identificada; e b) saque eletrônico de recursos do FEFC.

Assim, passo à análise das irregularidades que fundamentaram a desaprovação das contas e dos respectivos argumentos deduzidos nas razões recursais.

 

a) Omissão de Gastos Eleitorais e Utilização de Recursos de Origem Não Identificada

O órgão técnico, em seu parecer conclusivo (ID 44841517), detectou, mediante “circularização e/ou informações voluntárias de campanha e/ou confronto com notas fiscais eletrônicas”, a existência de 07 (sete) notas fiscais contra o CNPJ de campanha, que totalizaram o montante de R$ 635,67, sem que os recursos para quitação das despesas tenham transitado pelas contas bancárias do candidato, indicando omissão de gasto eleitoral, conforme o seguinte quadro:

DADOS OMITIDOS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS

DATA

CPF/CNPJ

FORNECEDOR

N º DA NOTA FISCAL OU RECIBO

VALOR (R$)

FONTE DA INFORMAÇÃO

19/10/2020

34.267.208/0001-93

POSTO BORGES LTDA

15028

97,91

NFE

30/10/2020

34.267.208/0001-93

POSTO BORGES LTDA

16975

78,32

NFE

03/11/2020

34.267.208/0001-93

POSTO BORGES LTDA

17719

50,12

NFE

09/11/2020

34.267.208/0001-93

POSTO BORGES LTDA

18824

78,32

NFE

11/11/2020

14.067.451/0001-50

ANDRE FORTE

93

86,00

NFE

13/11/2020

34.267.208/0001-93

POSTO BORGES LTDA

19654

50,00

NFE

13/11/2020

88.321.450/0001-27

V.A. CERUTTI GRAFICA BARRIL EIRELI

202000000003954

195,00

NFE

 

A legislação eleitoral preconiza que a emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa, conforme preceitua o art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

 

Da leitura do dispositivo, presume-se que, se há a nota fiscal, houve o gasto correspondente. Nesse sentido, impõe-se ao candidato o dever de comprovar que o gasto eleitoral não ocorreu ou que ocorreu de forma regular.

Se o gasto não ocorreu ou se o candidato não reconhece a despesa, a nota fiscal deve ser cancelada, consoante estipula o art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19, e, em sequência, devem ser adotados os procedimentos previstos no art. 92, §§ 5º e 6º, da mesma Resolução, in verbis:

Art. 59. O cancelamento de documentos fiscais deve observar o disposto na legislação tributária, sob pena de ser considerado irregular.

[...].

Art. 92. (...)

§ 5º O eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, apresentado por ocasião do cumprimento de diligências determinadas nos autos de prestação de contas, será objeto de notificação específica à Fazenda informante, no julgamento das contas, para apuração de suposta infração fiscal, bem como de encaminhamento ao Ministério Público.

§ 6º Na situação de eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, o prestador deverá apresentar a comprovação de cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pelo fornecedor.

 

Entretanto, intimada em primeiro grau para oferecer esclarecimentos referentes ao primeiro parecer técnico (ID 44841511), a prestadora limitou-se a apresentar extrato bancário e comprovante de depósito (ID 44841515 e 44841516, respectivamente), insuficientes para esclarecer as despesas sonegadas.

Em suas razões recursais, a candidata, novamente, não apresentou impugnação específica quanto ao tema, em que pese a sentença tenha sido bastante clara em suas razões de decidir, limitando-se a tecer argumentos genéricos de ausência de dolo ou má-fé.

Desse modo, tem-se a caracterização de despesas de campanha que não foram escrituradas no conjunto contábil, devendo ser mantida integralmente a sentença quanto ao ponto, visto que os gastos não contabilizados pela candidata afrontam o art. 53, inc. I, als. “g” e “i”, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

I - pelas seguintes informações:

(...)

g) receitas e despesas, especificadas;

(...)

i) gastos individuais realizados pelo candidato e pelo partido político;

 

Nesse trilhar, a Corte Superior entende que a omissão em tela viola as regras de regência e macula a confiabilidade do ajuste contábil, uma vez que a prestação de contas deve ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, com especificação completa, na linha dos seguintes julgados:

DIREITO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2014. DIRETÓRIO NACIONAL. PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL). COMITÊ FINANCEIRO NACIONAL PARA PRESIDENTE DA REPÚBLICA. DESAPROVAÇÃO.

I.  HIPÓTESE

1. Prestação de contas apresentada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e seu Comitê Financeiro Nacional para Presidente da República, relativa às Eleições 2014.

2. A análise da prestação de contas está limitada à verificação das informações declaradas espontaneamente pelo partido, bem como daquelas obtidas a partir de procedimentos de auditoria ordinariamente empregados pela Justiça Eleitoral, em especial análise documental, exame de registros e cruzamento, além de confirmação de dados, por meio de procedimento de circularização.

II. INCONSISTÊNCIAS ANALISADAS

(...)

IRREGULARIDADE - OMISSÃO DE DESPESAS (R$ 84.900,77).

13. A omissão de despesas nas contas prestadas por meio do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais - SPCE viola o disposto nos arts. 40, I, g, e 41 da Res.-TSE nº 23.406/2014 e constitui irregularidade que macula a sua confiabilidade.

(...)

(Prestação de Contas n. 97006, Acórdão, Relator: MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 167, Data 29.8.2019, pp. 39/40.) (Grifei.)

 

DIREITO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2014. PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB). DIRETÓRIO NACIONAL E COMITÊ FINANCEIRO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

I. HIPÓTESE

1. Prestação de contas apresentada pelo Diretório Nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e seu Comitê Financeiro Nacional, relativa às Eleições 2014.

2. A análise da prestação de contas está limitada à verificação das informações declaradas espontaneamente pelo partido, bem como daquelas obtidas a partir de procedimentos de auditoria ordinariamente empregados pela Justiça Eleitoral.

(...)

III. IRREGULARIDADES

(…)

10. Omissão de despesas: confronto com informações externas (R$ 369.860,32). Gastos não declarados que tenham sido informados por fornecedores por meio do Sistema de Registro de Informações Voluntárias, e/ou constem de notas fiscais oriundas das Secretarias das Fazendas Estaduais e Municipais, violam o disposto no art. 40, I, f e g, da Res.-TSE nº 23.406/2014 e constituem omissão de despesas.

(...)

(Prestação de Contas n. 97795, Acórdão, Relator: MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO, Publicação: DJE, Tomo 241, Data 16.12.2019, p. 73.) (Grifei.)

 

Além disso, as despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação da dívida de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do candidato, caracterizando o recurso como de origem não identificada, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por consequência, correta a conclusão sentencial no sentido de reputar o montante de R$ 635,67 como proveniente de origem não identificada e determinar sua transferência ao Tesouro Nacional.

 

b) Saque Eletrônico de Recursos do FEFC

Em relação ao segundo apontamento, o relatório conclusivo atestou a “ausência dos documentos comprobatórios relativos à despesa, bem como dos respectivos comprovantes de pagamento (cópia do cheque nominal cruzado ou transferência bancária identificando o beneficiário) realizadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC”.

No caso, restou comprovado o saque eletrônico, no valor de R$ 300,00, da conta específica para recursos do FEFC (conta n. 06.061075.0-7), no dia 09.11.2020, e, após dois dias, a realização de depósito de R$ 214,00 na mesma conta, tendo sido supostamente utilizada a diferença, de R$ 86,00, para o pagamento, em espécie, de despesas de impressão de adesivos, conforme nota fiscal n. 93 (ID 44841492).

Sobre o tema, o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece as formas de realização de gastos eleitorais de natureza financeira, litteris:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I – cheque nominal cruzado;

II – transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III – débito em conta; ou

IV – cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais.

(Grifei.)

 

A norma em apreço possui caráter objetivo e exige que o pagamento de gastos eleitorais seja realizado por meio de cheque nominal cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta ou cartão de débito da conta bancária.

A norma visa impor que o pagamento do gasto eleitoral ocorra mediante crédito em conta bancária, de modo a permitir a rastreabilidade das movimentações financeiras de campanha, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração, em especial, que os prestadores de serviço indicados na demonstração contábil foram efetivamente os beneficiários dos créditos.

O argumento trazido pela recorrente quanto à demora no fornecimento do talonário de cheques, que lhe teria imposto o saque direto dos valores para o cumprimento de seus compromissos, não a exime de observar a legislação eleitoral, pois a falta de talonário poderia ser suprida pelos demais expedientes igualmente previstos no texto do art. 38 citado, tais como a transferência bancária.

A prestação de contas tem a finalidade de esclarecer e demonstrar a movimentação de recursos de campanha, permitindo que se identifiquem a origem das receitas e o destino das despesas, notadamente aquelas realizadas com recursos públicos, como o Fundo Partidário e o Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

Nesse cenário, constata-se a utilização indevida de recursos públicos do FEFC, justificando a imposição do recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional. Todavia, considerando a efetiva restituição da quantia de R$ 214,00 à respectiva conta, a devolução ao erário, no tocante a esta irregularidade, deve estar adstrita ao valor de R$ 86,00.

Desse modo, a sentença deve ser reformada quanto ao tópico, apenas para reduzir o montante a ser recolhida ao Tesouro Nacional para R$ 86,00.

 

Percentual das Irregularidades Constatadas

Na hipótese dos autos, a soma das irregularidades perfaz um total de R$ 721,67 (sendo R$ 635,67 referentes à omissão de gastos e R$ 86,00 relativos ao saque eletrônico de recursos do FEFC), monta que corresponde a 72,16% das receitas arrecadadas pela candidata (R$ 1.000,00).

Apesar da elevada dimensão percentual das falhas, a jurisprudência deste Tribunal admite a aplicação do critério do valor nominal diminuto, de modo a afastar o juízo de desaprovação das contas quando o conjunto das irregularidades se mostra irrelevante em sua cifra absoluta, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10 (TRE-RS: PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: DES. FEDERAL CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, julgado em 14.7.2020, e REl n. 0600399-70.2020.6.21.0103, Relator: DES. ELEITORAL GERSON FISCHMANN, julgado em 20.5.2021).

Tal conclusão pela aprovação das contas com ressalvas, cabe ressaltar, não afasta a determinação do recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, que decorre exclusiva e diretamente das previsões contidas nos arts. 32, caput e inc. VI, e 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, alusivas, respectivamente, à caracterização do uso de recursos de origem não identificada (R$ 635,67) e à ausência de comprovação da utilização de verbas do FEFC (R$ 86,00), independentemente da sorte do julgamento final das contas.

 

Diante do exposto, voto pelo provimento parcial do recurso para reformar em parte a sentença e aprovar com ressalvas as contas de DANIELA ANTÔNIO WEISSHEIMER SEVERIANO, relativas ao pleito de 2020, bem como reduzir para R$ 721,67 o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.