REl - 0600297-92.2020.6.21.0056 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/09/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada pela magistrada a quo, sendo determinado a SILVIO PEREIRA DA SILVA o recolhimento de R$ 2.300,00 ao Tesouro Nacional.

Depreende-se dos autos que foram contratados pelo candidato, para prestação de serviços de cabo eleitoral, RICHARD MATHEUS DUARTE, para o período de 14 de outubro a 14 de novembro de 2020 (ID 29596933), VANIA ELIZABETH FRAGATA (ID 29596533) e GEOVANA FRAGATA POLITTA (ID 29596733), para o intervalo de 29 de outubro a 14 de novembro de 2020, sendo estabelecido o pagamento de R$ 1.280,00 ao primeiro e R$ 510,00 a cada uma das demais, conforme contratos acostados ao feito.

Destaco, outrossim, que o candidato, na origem, em manifestação, afirmou que os cheques utilizados para desembolso dos serviços foram emitidos de forma nominal aos respectivos prestadores, porém, por falha, não foram cruzados (ID 29597833).

Assim, sobreveio sentença que, entendendo inexistir comprovação dos gastos, diante da “impossibilidade de se identificar a contraparte recebedora de dinheiro oriundo de fundo público”, desaprovou a contabilidade de campanha e determinou o recolhimento de R$ 2.300,00 ao Tesouro Nacional.

Sobre a temática em questão, registro que a forma de pagamento dos dispêndios eleitorais encontra-se disciplinada na Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 38, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais.

 

No caso vertente, não restou evidenciado que os cheques utilizados para pagamento das despesas com recursos do FEFC tenham sido preenchidos em nome dos prestadores de serviços, porquanto não carreada ao feito a microfilmagem das cártulas. De outra banda, é incontroverso que as ordens de pagamento foram emitidas sem o necessário cruzamento.

Outrossim, da análise dos extratos eletrônicos disponibilizados pelo TSE (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89290/210000826665/extratos), não é possível verificar contraparte favorecida pela compensação dos cheques em questão.

Entretanto, em relação a dois outros títulos anteriormente emitidos pelo candidato (cheques ns. 850001 e 850003), constam nos extratos os devidos registros dos créditos nas contas bancárias dos fornecedores, sendo absolutamente injustificada a falha incidente sobre três pagamentos posteriores.

Por conseguinte, indene de dúvida que os referidos dispêndios se deram à margem dos preceitos enunciados no dispositivo antes transcrito, que exigem que o cheque seja cruzado e nominal ao fornecedor, restando configurada irregularidade apta a ensejar a desaprovação das contas.

Com efeito, a exigência de cruzamento do título visa impor que o seu pagamento ocorra mediante crédito em conta bancária, de modo a permitir a rastreabilidade das movimentações financeiras de campanha, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração.

Esse procedimento, aliás, ganha especial relevo em se tratando da fiscalização do uso de recursos públicos e, notadamente, no caso sob exame, em que as verbas totais do FEFC repassadas ao candidato (R$ 3.000,00) representaram cerca de 80% de sua arrecadação de campanha (R$ 3.750,00), de acordo com o demonstrativo de ID 29595683.

Por conseguinte, não é possível verificar que os prestadores de serviço informados na demonstração contábil foram efetivamente os beneficiários dos créditos.

Sobre o ponto, colho a judiciosa manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral:

Assim, se por um lado o pagamento pelos meios indicados pelo art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/19 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto de campanha informado, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para a campanha eleitoral, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o candidato contratou, acerca dos elementos da relação existente; por outra via a tão só confirmação do terceiro por recibo, contrato ou nota fiscal também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi ele quem efetivamente recebeu o referido valor.

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes distintas, que permite, nos termos da Resolução, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se tratam de recursos públicos, como são as verbas recebidas via FP ou FEFC.

 

Assim, ausente a devida comprovação do emprego de recursos públicos por meio da identificação da contraparte no histórico das operações bancárias respectivas, impõe-se a obrigação de ressarcir o Tesouro Nacional do montante de R$ 2.300,00, com fundamento no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, na forma propugnada pelo juízo da origem.

A matéria em exame foi amplamente debatida neste Colegiado, que sufragou o referido entendimento no pleito de 2020, conforme ementa que reproduzo:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.

3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.

5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.

6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

7. Provimento negado.

(TRE-RS; REl 0600464-77.2020.6.21.0099, Relator designado: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado na sessão de 06 de julho de 2021.) Grifei.

 

O valor global da inconsistência apurada, R$ 2.300,00, representa 61,33% das receitas auferidas pelo candidato (R$ 3.750,00), razão pela qual se tem por inviabilizada a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para abrandar a gravidade das falhas, na linha da jurisprudência consolidada deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018.

(...)

3. Falha que representa 18,52% dos valores auferidos em campanha pelo prestador. Inviabilidade da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como forma de atenuar a gravidade da mácula sobre o conjunto das contas.

4. Desaprovação.

(Prestação de Contas n 060235173, Acórdão de 03.12.2019, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão).

 

Nesse contexto, anoto que a quantia excede bastante a cifra de R$ 1.064,10, equivalente a 1.000 UFIR, que tem sido empregada por esta Corte como parâmetro máximo para que a irregularidade possa ser relevada e permita a aprovação das contas com ressalvas, ainda que o percentual da mácula se revele elevado em relação ao total arrecadado.

Logo, não merece reparo a sentença que desaprovou as contas de campanha e determinou o recolhimento do correspondente montante ao Tesouro Nacional.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto por SILVIO PEREIRA DA SILVA para confirmar a sentença que desaprovou as contas relativas à campanha eleitoral de 2020 e determinou o recolhimento da quantia de R$ 2.300,00 ao Tesouro Nacional.