REl - 0600019-21.2024.6.21.0131 - Voto Relator(a) - Sessão: 30/04/2025 às 09:30

VOTO

1. Da Admissibilidade

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

 

2. Do Pedido de Concessão de Tutela Antecipada

Entre a interposição do recurso e sua chegada a este Tribunal, em 19.11.2024, ocorreu o pleito de 2024, no qual Carina Patrícia Nath Corrêa foi reeleita Prefeita de Sapiranga (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/SUL/RS/2045202024).

Assim, o pedido de tutela antecipada recursal para a retirada imediata da suposta propaganda eleitoral irregular tornou-se esvaziado, já que as publicações perderam o potencial de influenciar sobre o resultado das eleições.

Logo, resta prejudicado o pedido de concessão imediata da tutela antecipada e, igualmente, prejudicado o pedido liminar alternativo de intimação do provedor de internet responsável para exclusão do conteúdo.

3. Das Preliminares

3.1. Da Preliminar de Ausência de Angularização Processual

O recorrente Partido Progressista de Sapiranga, em suas razões recursais, suscita a nulidade da sentença por ausência de citação dos representados, devido à alegada violação ao art. 18 da Resolução TSE n. 23.608/19.

Em realidade, o juízo recorrido, entendendo, de plano, que as postagens impugnadas não caracterizavam propaganda eleitoral antecipada, decidiu pela improcedência liminar do pedido, nos termos do art. 332 do CPC, independentemente da citação do réu.

Na hipótese, não houve transgressão ao princípio do contraditório e da ampla defesa, uma vez que, oferecido recurso pela parte adversária, os representados/recorridos foram citados para a apresentação de contrarrazões, nos exatos termos do art. 332, § 4º, do CPC, in verbis:

Art. 332. (…).

[…].

§ 4º Se houver retratação, o juiz determinará o prosseguimento do processo, com a citação do réu, e, se não houver retratação, determinará a citação do réu para apresentar contrarrazões, no prazo de 15 (quinze) dias.

 

Com essas considerações, rejeito a preliminar de nulidade da sentença.

3.2. Da Preliminar de Ilegitimidade Passiva do PT de Sapiranga

O recorrido DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO DOS TRABALHADORES DE SAPIRANGA/RS, em contrarrazões, suscita sua ilegitimidade passiva, sob a alegação de que, “haja vista não ter realizado as publicações, que partiram de cidadãos irresignados com a atual administração municipal”.

A controvérsia refere-se a publicações realizadas em redes sociais, alegadamente promovidas por indivíduos associados ao PT, configurando, segundo o recorrente, propaganda eleitoral antecipada negativa contra a candidata à reeleição, Carina Patrícia Nath Corrêa, do Progressista de Sapiranga.

O art. 40-B da Lei n. 9.504/97 estabelece que o beneficiário de propaganda irregular pode ser responsabilizado, desde que comprovado o seu prévio conhecimento ou autoria.

A apuração da responsabilidade do beneficiário da conduta reputada irregular deve ser examinada no mérito, de forma associada à avaliação do conjunto probatório dos autos, a fim de aferir a participação ou anuência no suposto ilícito.

Nada obstante, considerando o benefício direto pela suposta propaganda irregular em favor de seu candidato no pleito majoritário, é inequívoca a legitimidade passiva do partido político.

Nesse sentido, a jurisprudência deste Tribunal Regional Eleitoral admite a possibilidade de imputação de responsabilidade a partidos políticos quando há indícios robustos de que os autores das condutas tenham agido em consonância ou com vínculo relevante com a agremiação partidária, o que deve ser analisado com o mérito da demanda. Nessa linha de entendimento, colho o seguinte julgado:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÃO 2024. RECURSO. REJEITADA PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. MÉRITO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. ADESIVOS DE CAMPANHA EM VEÍCULOS DE PESSOA JURÍDICA. MULTA. INAPLICABILIDADE. RECURSO PROVIDO.

I. CASO EM EXAME

1.1. Recurso interposto contra sentença que julgou procedente representação e reconheceu irregularidade em propaganda eleitoral realizada mediante adesivação de veículos de propriedade de pessoa jurídica, impondo multa à coligação, com base no § 1º do art. 37 da Lei n. 9.504/97.

[…].

III. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. Preliminar de ilegitimidade passiva rejeitada.

3.1.1. O art. 40-B da Lei n. 9.504/97 estabelece que o beneficiário de propaganda irregular pode ser responsabilizado, desde que comprovada a autoria ou demonstrado o seu prévio conhecimento. No caso, considerando o benefício direto pela suposta propaganda irregular em favor de seu candidato no pleito majoritário, é inequívoca a legitimidade passiva da coligação. Ademais, coligação tem o dever de fiscalização e controle dos eventuais excessos praticados por seus candidatos, do que deflui eventual responsabilidade pela propaganda eleitoral ilícita.

3.1.2. A jurisprudência do TSE enuncia que, “conforme disposto no art. 241 do Código Eleitoral e no art. 6°, § 5º, da Lei n. 9.504/97, na propaganda eleitoral há solidariedade passiva entre coligação, partidos e candidatos”.

[…].
RECURSO ELEITORAL nº 060069824, Acórdão, Des. Mario Crespo Brum, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 26/11/2024.

 

Assim, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva do PT de Sapiranga.

4. Do Mérito

No mérito, a petição inicial da representação, oferecida em 3 de maio de 2024, relata a veiculação de propaganda extemporânea e negativa contra Carina Patrícia Nath Corrêa, então pré-candidata ao cargo de prefeita, mediante postagens realizadas por Josué Lopes da Silva e José Carlos Dri nas redes sociais (https://www.facebook.com/jose.carlosdri.1/posts/pfbid024cvYUhYwAmSkd8Xf3K4eorjXhjQWrv252KrnEJNm6no86NrdA5w2idM5bkziJM9Al e https://bit.ly/4do1Cxk), conforme imagem a seguir reproduzidas, constante da petição inicial (ID 45807258, fls. 5 e 6):

Conforme o art. 36 da Lei n. 9.504/97, a propaganda somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição, sob pena de configurar propaganda antecipada passível de multa, nos termos regulados pelos arts. 2º e 3º-A da Resolução TSE n. 23.610/19.

Ainda, de acordo com o entendimento do TSE, “há propaganda eleitoral extemporânea irregular quando se tem, cumulativamente ou não, a presença de: (a) referência direta ao pleito vindouro ou cargo em disputa, (b) pedido explícito de voto, de não voto ou o uso de "palavras mágicas" para esse fim, (c) realização por forma vedada para a propaganda eleitoral no período permitido, (d) violação à paridade de armas entre os possíveis concorrentes, (e) mácula à honra ou imagem de pré–candidato e (f) divulgação de fato sabidamente inverídico” (TSE - Rp: 06002873620226000000 BRASÍLIA - DF 060028736, Relator: Min. Raul Araujo Filho, Data de Julgamento: 23/05/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 113).

Com efeito, a jurisprudência do TSE enuncia que “o pedido explícito de voto ou não voto legalmente proibido não se limita às locuções ‘vote em’ ou ‘não vote em’, podendo ser objetivamente extraído de locuções outras, igualmente explícitas e diretas, materializadas naquilo que não apenas a jurisprudência desta Corte, mas também a abalizadíssima doutrina de Aline Osorio, designam de "magic words", tais como "vote", "não vote", "eleja", "derrote", "tecle na urna", "apoie", etc. (OSORIO, Aline. Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017, 194)” (Recurso na Representação n. 060030120, Acórdão, Min. Maria Claudia Bucchianeri, Publicado em Sessão de 19.12.2022).

Assim, na hipótese, as mensagens estão contextualizadas com uma crítica às situações de alagamentos e às políticas de saneamento básico do município, o que se encontra dentro dos limites razoáveis e próprios das campanhas eleitorais e do direito de liberdade de expressão, constitucionalmente assegurado, uma vez que abordam questionamentos sobre as ações ou inações da mandatária no exercício do cargo, envolvendo suas obras e a aplicação de recursos públicos.

De acordo com o entendimento deste Tribunal Regional, “as críticas aos detentores de cargo eletivo fazem parte da atividade e da vida pública dos mandatários, assegurada nos termos do art. 5º, inc. IV, da Constituição Federal, que garante o direito à liberdade de expressão e manifestação do pensamento, ainda que duras, ácidas e contundentes" (TRE-RS - REl 0601848-13, Relatora: Desa. Eleitoral Elaine Maria Canto da Fonseca, Data de Julgamento: 05.09.2022, Publicado em Sessão: 06.09.2022).

Não obstante, as postagens também utilizam as expressões “povo não reeleja essa mulher” e “meu povo vamos saber votar e não reeleja quem não tá nem aí para o povo”, que trazem estímulos à não recondução da então Prefeita, em conformidade formal com a concepção de “palavras mágicas” adotada pela jurisprudência do TSE.

Contudo, na linha propugnada pela Procuradoria Regional Eleitoral, entendo que, no caso concreto, há peculiaridades que distanciam os fatos do ilícito de propaganda eleitoral antecipada e distinguem a hipótese de outros julgados deste Tribunal nos quais reconhecidas as "palavras mágicas" pelo pedido de "não voto".

Em primeiro, os recorridos JOSUÉ LOPES DA SILVA e JOSÉ CARLOS DRI não disputam e não disputaram qualquer cargo eletivo no pleito de 2024 e suas manifestações foram realizadas na qualidade de eleitores.

Embora o recorrente sustente haver uma certa proximidade entre os recorridos e a candidata adversária de Carina Nath, a suposta relação pessoal não está detalhada ou comprovada nos autos e não há outras evidências de que os cidadãos recorridos detenham alguma influência política relevante sobre o eleitorado.

Os elementos apresentados não evidenciam uma ligação estreita entre os recorridos e o Partido dos Trabalhadores de Sapiranga ou qualquer pré-candidato ou candidato, não se podendo concluir que essa relação vá além da mera filiação partidária e adesão ideológica.

Não se pode olvidar que, em um Estado Democrático de Direito, é imprescindível que os eleitores e demais atores políticos possam manifestar suas opiniões, críticas e discordâncias, especialmente no período eleitoral, no qual o debate público sobre temas políticos, gestões e comportamentos de candidatos deve ser incentivado, uma vez que a livre circulação de ideias contribui para a formação da vontade popular e a legitimidade do processo eleitoral.

No caso, o argumento sobre a reeleição da então Prefeita está intimamente relacionado à crítica política por acontecimentos ocorridos na esfera pública dos debates eleitorais, e não à promoção pessoal ou ao proselitismo eleitoral.

A Resolução TSE n. 23.610/19 estabeleceu que a livre manifestação do pensamento do eleitor na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem ou divulgar fatos sabidamente inverídicos sobre candidatos, partidos ou coligações, ainda que antes do início do período da propaganda eleitoral, conforme dispositivos que transcrevo:

Art. 27. É permitida a propaganda eleitoral na internet a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 57- A).

§ 1º A livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

§ 2º As manifestações de apoio ou crítica a partido político ou a candidata ou candidato ocorridas antes da data prevista no caput deste artigo, próprias do debate democrático, são regidas pela liberdade de manifestação. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

 

Como se percebe, a normatização privilegiou a liberdade do eleitor na difusão de ideias e opiniões na internet, sob a perspectiva de que a democracia está assentada na exposição e no confronto de propostas e concepções, em plena compatibilidade com o art. 5º, inc. IV, da CF/88, que consagra como garantia e direito individual a livre manifestação do pensamento, vedado o anonimato.

Desse modo, em proteção à liberdade de expressão e à discussão de ideias, "as manifestações identificadas dos eleitores na internet, verdadeiros detentores do poder democrático, somente são passíveis de limitação quando ocorrer ofensa à honra de terceiros ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos" (REspe n. 2949/RJ, Relator: Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 25.8.2014).

Nessa linha, o TSE tem sufragado que "as restrições impostas à propaganda eleitoral não afetam os direitos constitucionais de livre manifestação do pensamento e de liberdade de informação e comunicação (art. 220 [da] Constituição Federal), os quais devem ser interpretados em harmonia com os princípios da soberania popular e da garantia do sufrágio" (AI 115–64, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 29.2.2016). No mesmo sentido: RESPE n. 060759889, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, DJE de 05.12.2019.

Conclui-se, que, ao eleitor, protagonista do processo eleitoral e verdadeiro detentor da soberania popular, não devem ser impostas limitações senão aquelas referentes à honra dos demais eleitores, dos próprios candidatos, dos partidos políticos e as relativas à veracidade das informações divulgadas.

A partir de tais premissas, tenho que as circunstâncias apresentadas apenas demonstram que as publicações constituem manifestações individuais, e não uma ação coordenada para favorecer interesses político-eleitorais, a indicar que houvesse o prévio conhecimento do PT de Sapiranga ou da candidata sobre as publicações.

Em segundo, as circunstâncias relevadas pelas próprias postagens denotam a ausência de qualquer desequilíbrio ou dano ao processo eleitoral, ante a inexpressiva repercussão social ou midiática das divulgações e do significativo lapso temporal entre os fatos e o pleito.

Com efeito, publicadas as manifestações em 29 de abril de 2024, ou seja, 3 meses antes do início das campanhas e 5 meses antes da data das eleições, ainda no cenário trazido pelas inundações que assolaram o Rio Grande do Sul naquele ano, o potencial de influência sobre as campanhas restou razoavelmente mitigado pelo tempo.

Outrossim, observa-se que, até o presente momento, a publicação teve um desempenho ínfimo de 8 interações, 6 comentários e 5 compartilhamentos (https://bit.ly/4do1Cxk), confirmando o reduzido alcance sobre o eleitorado e a ausência de capital político dos eleitores recorridos.

Dessa forma, diante das particularidades do caso concreto, julgo que as publicações em tela não merecem o sancionamento previsto para a propaganda eleitoral antecipada, nos termos da bem-lançada sentença e do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.