RCED - 0600817-15.2024.6.21.0023 - Voto Relator(a) - Sessão: 30/04/2025 às 09:30

VOTO

Da Preliminar de Preclusão e do Cabimento do RCED

Preliminarmente, em contrarrazões, Wilson Ribeiro da Silveira defende que “o recorrente incorreu em preclusão”, uma vez que “o meio adequado para questionar eventual inelegibilidade seria a impugnação”, bem como que “os documentos que fundamentam o recurso já eram de conhecimento público”, “não sendo admissível discutir matéria que deveria ter sido tratada em momento processual anterior”.

Com efeito, o Recurso Contra Expedição de Diploma encontra fundamento no art. 262 do Código Eleitoral e é cabível nas hipóteses de inelegibilidade superveniente, de natureza constitucional ou de ausência de condição de elegibilidade.

É assente na jurisprudência eleitoral o entendimento de que a inelegibilidade infraconstitucional que autoriza o manejo do Recurso Contra Expedição de Diploma é apenas aquela superveniente, ou seja, que tenha surgido entre a data do registro da candidatura e a das eleições, nos termos da Súmula n. 47 do TSE.

No caso, o fato alegado, ou seja, a falta de desincompatibilização do candidato no prazo legal, não se enquadraria na qualificação de causa superveniente de inelegibilidade, pois o termo final do prazo ocorreu antes do dia do registro de candidatura, de modo que eventual inelegibilidade por ausência de desincompatibilização estaria fulminada pela preclusão, implicando no descabimento da discussão trazida apenas em RCED.

No entanto, há casos em que a verificação da admissibilidade confunde-se com a análise do mérito da ação. Isso porque, para reconhecer a preclusão da matéria, torna-se necessário verificar quando a situação de incompatibilidade se tornou conhecida e se o exercício da função vedada persistiu após o prazo legal, o que constitui, em essência, o próprio objeto da controvérsia.

Nessa linha, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral admite que a ausência de desincompatibilização seja discutida em sede de RCED quando houver indícios de que o candidato permaneceu no exercício da função após o prazo legal (TSE - REspEl: n. 060000284-2021, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE 30.6.2022).

No caso concreto, o recorrente sustenta que a inelegibilidade do recorrido foi deliberadamente omitida na fase do registro de candidatura e somente se tornou evidente após o prazo para impugnação ao registro de candidatura.

Assim, impõe-se o processamento do recurso, com a análise do mérito quanto ao efetivo exercício de atividade incompatível com a candidatura.

Além disso, em observância aos princípios da primazia da decisão de mérito, da instrumentalidade das formas e da eficiência, é possível superar o exame de questões preliminares, quando o julgamento de mérito for favorável à parte a quem aproveitaria o acolhimento daquelas arguições, nos termos dos arts. 282, § 2º e 488, do CPC:

Art. 282. (…).

§ 2º Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta.

[…].

Art. 488. Desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485 .

 

É o caso dos autos, uma vez que, conforme adianto, julgo não ser exigível a desincompatibilização do recorrido.

Nesses termos, rejeito a matéria preliminar e passo ao exame de mérito.

Do Mérito

A questão de fundo consiste em verificar a alegada ausência de desincompatibilização do recorrido de suas funções no Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), entidade integrante do Sistema S, bem como a suposta permanência de vínculo com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Catuípe, organização que, segundo o recorrente, mantém relação institucional com o SENAR.

De acordo com o art. 1º, inc. II, al. "g", da Lei Complementar n. 64/90, são inelegíveis aqueles que, nos quatro meses anteriores ao pleito, tenham exercido cargo de direção, administração ou representação em entidades representativas de classe mantidas, total ou parcialmente, por contribuições impostas pelo poder público ou com recursos arrecadados e repassados pela Previdência Social.

No caso concreto, os documentos constantes dos autos demonstram que o recorrido formalizou a rescisão do seu contrato de trabalho com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Catuípe em 10.4.2024 (ID 45898524).

Contudo, em 1º de abril de 2024, celebrou contrato com o SENAR para a prestação de serviços como “Técnico de Campo”, mas atuando como pessoa jurídica, conforme contrato de prestação de serviços acostado aos autos (ID 45898525).

Nesse cargo, conforme se anota nas próprias razões recursais (ID 45898499, fl. 11), sua atuação consistia no “atendimento aos produtores rurais por meio de vistas às propriedades, onde transmite conhecimentos relacionados à gestão técnica, econômica e ambiental da empresa rural orientando as atividades desenvolvidas nas propriedades”.

Logo, o trabalho prestado ao SENAR era realizado sem vínculo empregatício, por meio de pessoa jurídica contratado por prazo determinado e sem qualquer função de direção, administração ou representação dentro da estrutura da entidade.

A relação entre o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Catuípe e o SENAR foi apontada pelo recorrente como indicativa da manutenção de vínculos institucionais, sustentando que o recorrido continuaria a exercer funções ligadas ao Sindicato, mesmo após seu desligamento formal.

No entanto, para que se configure a inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. II, al. "g", da LC n. 64/90, é indispensável demonstrar que o candidato ocupava cargo de comando ou representação em entidade de classe financiada por recursos públicos.

Considerando que o recorrido não atuou em atividades de direção, administração ou representação, não há necessidade de desincompatibilização, mormente porque as causas de inelegibilidade devem ser interpretadas de forma restritiva, a fim de garantir a máxima elegibilidade, dada a natureza fundamental à capacidade eleitoral passiva.

Nesse sentido, colho julgado do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÃO MUNICIPAL. (2012) . REGISTRO DE CANDIDATO. DEFERIMENTO. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. CONSELHEIRO DA OAB . DESNECESSIDADE. 1. É possível a atribuição de efeitos infringentes aos embargos declaratórios em casos excepcionais, em que o reconhecimento de omissão ou contradição tenha por consequência a alteração do julgado. Precedentes . 2. A incompatibilidade prevista no art. 1º, II, g, da LC nº 64/90 impõe o afastamento daqueles que tenham ocupado, nos 4 (quatro) meses anteriores ao pleito, função de direção, administração ou representação em entidades representativas de classe, mantidas, total ou parcialmente, por contribuições impostas pelo Poder Público, situação que não ficou configurada nos autos. 3. Assentado pela instância regional que o agravado não integrava a diretoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, não incide a mencionada cláusula de inelegibilidade, sendo desnecessária, portanto, a desincompatibilização. 4. Agravo regimental desprovido.

(TSE - AgR-REspe: 52110 MT, Relator.: Min . JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 14/02/2013) (Grifei.)

 

Na mesma direção, destaco precedente desta Corte Regional:

Direito eleitoral. Eleição 2024. Recurso. Impugnação. Registro de candidatura. Improcedente. Desincompatibilização. Desnecessidade. Ausência de vínculo empregatício. Associação de caráter privado. Recurso desprovido.

I. CASO EM EXAME

1.1. Recurso eleitoral contra a sentença que julgou improcedente impugnação e deferiu o registro de candidatura do recorrido ao cargo de vereador.

1.2. Os recorrentes sustentam que o candidato, atuando como Secretário Executivo da Associação de Municípios do Vale do Rio Pardo (AMVARP), deveria ter se desincompatibilizado de sua função com antecedência de seis meses do pleito, o que não ocorreu.

II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO

2.1. A questão em discussão consiste em saber se o recorrente estava sujeito à desincompatibilização por exercer a função de Secretário Executivo da AMVARP e, se sim, se ele cumpriu o prazo de desincompatibilização.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. A desincompatibilização é exigida, conforme o art. 1º, inc. II, al. "g", da Lei Complementar n. 64/90, para aqueles que ocupam cargos de direção, administração ou representação em entidades mantidas, total ou parcialmente, por recursos públicos.

3.2. No caso, verifica-se que o candidato recorrido prestava serviços advocatícios à AMVARP por meio de sua sociedade de advocacia individual, sem manter vínculo empregatício com a associação, conforme nota fiscal e documentos juntados aos autos.

3.3. A AMVARP possui natureza jurídica de associação privada, e o candidato não ocupava cargo de direção, administração ou representação na entidade. Ademais, a ausência de vínculo contratual com o poder público e a condição de prestador de serviços afastam a incidência da regra de desincompatibilização.

3.4. A jurisprudência firmada pelo Tribunal Superior Eleitoral corrobora o entendimento de que, na ausência de vínculo empregatício ou função de direção em entidade pública, não há exigência de desincompatibilização.

IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: "A ausência de vínculo contratual com o poder público afasta a incidência da regra de desincompatibilização.".

Dispositivos relevantes citados: Lei Complementar n. 64/90, art. 1º, inc. II, al. "g".

Jurisprudência relevante citada: TRE-SP - REl: 0600536-72.2020.6.26.0213 OSASCO - SP 060053672, Relator: Marcelo Vieira de Campos, Data de Julgamento: 15/04/2021, Data de Publicação: 26/04/2021; TRE-RS - RE: 060025689 LINHA NOVA - RS, Relator: MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Data de Julgamento: 12/11/2020, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data: 13/11/2020.
(TRE-RS; RECURSO ELEITORAL nº060006765, Acórdão, Des. RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 27/09/2024) (Grifei.)

 

O recorrido, na condição de prestador de serviço técnico contratado como pessoa jurídica, não exercia funções que pudessem influenciar a condução da entidade, tampouco dispunha de prerrogativas decisórias dentro da estrutura do SENAR.

Na dicção da Corte Superior, “as regras alusivas às causas de inelegibilidade são de legalidade estrita, sendo vedada a interpretação extensiva para alcançar situações não contempladas pela norma” (TSE – RO n. 39477/MS, Relator.: Ministro Gilmar Ferreira Mendes, Data de Julgamento: 19.5.2015, DJE, Tomo n. 155, Data 17.8.2015, Páginas 37/38).

Não cabe ampliar o conceito de direção, administração ou representação para abarcar meros prestadores de serviço que não possuem poder de comando na entidade, sob pena de se criar uma causa de inelegibilidade por analogia ou interpretação extensiva.

O fato de o SENAR atuar em parceria com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Catuípe não altera essa conclusão, pois não há prova de que o candidato tenha exercido qualquer poder de comando ou representação em relação à entidade sindical ou ao próprio SENAR.

Com efeito, os prints de postagens de redes sociais acostados com a petição inicial apenas confirmam a atuação do recorrido na função de técnico de campo ligado e a sua participação em treinamentos na área patrocinados por seu contratante.

Portanto, as alegações de que o poder de ingerência do recorrido teria ocorrido no plano fático, ainda que não juridicamente formalizado, não encontram amparo na prova dos autos.

De acordo com a jurisprudência, constitui ônus do recorrente comprovar por prova robusta e inequívoca a inelegibilidade por falta de desincompatibilização fática (RO-El n. 0600737-22/AL, Rel. Min. Carlos Horbach, DJE de 30.9.2022), o que não ocorre no caso dos autos.

Assim, ausentes os requisitos exigidos pelo art. 1º, inc. II, al. "g", da LC n. 64/90, não há que se falar em inelegibilidade, impondo-se a improcedência da ação.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela improcedência do pedido deduzido no recurso contra expedição de diploma.