AJDesCargEle - 0600051-94.2025.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 30/04/2025 às 09:30

VOTO

Trata-se de ação de perda de cargo eletivo por desfiliação partidária sem justa causa ajuizada por LUCIANO LEAL NAGERA, primeiro suplente ao cargo de vereador, e ANTONIO CARLOS ARAUJO PINTO, presidente do MDB de São Sepé/RS, contra o vereador MARCELO NEVES, atualmente filiado ao Partido Liberal (PL).

Inicialmente, declaro a ilegitimidade ativa do presidente do partido MDB de São Sepé para o ajuizamento da ação.

Conforme referido na decisão do ID 45924690, o parlamentar era filiado ao MDB, e o partido não ajuizou o pedido de desfiliação partidária sem justa causa contra o vereador no prazo decadencial de 30 (trinta) dias, carecendo o atual dirigente de legitimidade para a propositura da ação, nos termos do art. 1° da Resolução TSE n. 22.610/07, c/c o art. 485, inc. VI, do CPC.

Quanto ao prosseguimento do feito, uma vez que a ação também foi ajuizada pelo primeiro suplente de vereador, o qual detém legitimidade ativa para a proposição da demanda, verifica-se que a inicial não foi dirigida contra o PL, partido ao qual o vereador requerido se filiou e que é litisconsorte passivo necessário, conforme o art. 4° da Resolução TSE n. 22.610/07.

Na inicial, os autores afirmaram que a desfiliação do MDB ocorreu em 02.01.2025, que a filiação do parlamentar ao Partido Liberal se deu em 03.01.2025, juntaram a certidão de que o requerido está filiado ao PL e formularam o seguinte pedido: “REQUER seja oficiado ao Cartório Eleitoral local de São Sepé a junta da Comissão Executiva do Partido Liberal para compor a lide no polo passivo, conforme disposto no Art. 4 da Resolução 22.610/07, já que indisponível no site do TRE RS a referida informação”.

Uma vez que detinham ciência da nova filiação, a indicação do PL no polo passivo dentro do prazo decadencial de ajuizamento da ação era imprescindível.

Os autores informaram que não localizaram órgão municipal do PL no Município de São Sepé e requereram, após o prazo decadencial, a inclusão do órgão estadual do PL no polo passivo, em 13.03.2025 (ID 45929634). De fato, não existe órgão do partido na localidade.

Contudo, na ausência de órgão municipal, pode ser ajuizada a ação contra o órgão regional ou nacional do partido, de modo a garantir o contraditório, pois possuem legitimidade concorrente, nos termos do entendimento consolidado no âmbito do TSE (AC: 2378 PR, Relator.: Min. CARLOS EDUARDO CAPUTO BASTOS, Data de Julgamento: 20.05.2008, Data de Publicação: DJ - Diário da Justiça, Data 26.05.2008, página 10).

Nos processos de infidelidade partidária, o TSE entende que qualquer dos diretórios do partido, seja nacional, regional ou municipal, pode responder à ação. A legitimidade concorrente está fundada no entendimento de que o partido é pessoa jurídica de direito privado, de caráter nacional (art. 17, CF), e que os diretórios nacional, estadual e municipal são seus órgãos, não constituindo pessoas jurídicas autônomas (TSE - Decisão Monocrática em 19.12.2007 - MS n 2 3677, Min. Ayres Britto).

É cediço que, nos casos de mandato de vereador, a legitimidade da esfera partidária para ser representada em juízo é concorrente, ainda que a filiação tenha sido promovida perante o órgão municipal ou estadual, pois o vereador se filia a um partido político de caráter nacional (TSE - AI: 7371320116180000 Bertolínia/PI 132342012, Relator: Min. Henrique Neves Da Silva, Data de Julgamento: 06.08.2012, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico – 09.08.2012).

O TSE também não realiza distinção da esfera partidária que concede anuência específica em casos envolvendo mandato federal, entendendo ser válida a anuência firmada por diretório municipal (TSE, Pet: 06004009220196000000 Recife/PE, Relator: Min. Luis Felipe Salomão, Data de Julgamento: 03.02.2020, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico - 04.02.2020 - n. 24).

E quanto à possibilidade de emenda à petição inicial, há diretriz jurisprudencial firmada no TSE no sentido de que, “Decorrido o prazo estipulado na Res.-TSE nº 22.610/2007, sem a citação do partido, que detém a condição de litisconsorte passivo necessário, deve o processo ser julgado extinto, em virtude da decadência” (Agravo Regimental em Recurso Ordinário n. 102074, Acórdão, Min. Arnaldo Versiani, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 23.10.2012). Prevalece o entendimento jurisprudencial de que a emenda da inicial para a regularização do polo passivo, quando já escoado o prazo para a adoção da providência, não afasta o implemento da decadência:

PETIÇÃO. ELEIÇÕES 2006. AÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA SEM JUSTA CAUSA. DEPUTADO FEDERAL. PROCEDÊNCIA. 1. Apenas o primeiro suplente do partido detém legitimidade para pleitear a perda do cargo eletivo de parlamentar infiel à agremiação pela qual foi eleito, uma vez que a legitimidade ativa do suplente condiciona-se à possibilidade de sucessão imediata na hipótese da procedência da ação. Precedentes. 2. Nos termos do art. 1º, § 2º, da Res.-TSE nº 22.610/2007, o ajuizamento da ação de decretação de perda de cargo eletivo é facultado àquele que detenha interesse jurídico ou ao Ministério Público, caso o partido político não ajuíze a ação no prazo de 30 dias contados da desfiliação. 3. A Res.-TSE nº 22.610/2007 é constitucional. Precedentes do STF. 4. A inclusão de litisconsorte necessário no polo passivo da demanda pode ser feita até o fim do prazo para o ajuizamento da ação, estabelecido no art. 1º, § 2º, da Res.-TSE nº 22.610/2007. 5. Considera-se criado o novo partido, para fins do disposto no art. 1º, § 1º, II, da Res.-TSE nº 22.610/2007, com o registro do estatuto partidário no Tribunal Superior Eleitoral, momento a partir do qual é possível a filiação ao novo partido. O registro do Cartório de Registro Civil não impede que o parlamentar continue filiado ao partido de origem, pois se trata de etapa intermediária para a constituição definitiva da nova agremiação. 6. No processo de perda de cargo eletivo por desfiliação sem justa causa, cabe ao autor a comprovação do fato constitutivo do ilícito (a desfiliação partidária), recaindo sobre aquele que se desfiliou do partido político o ônus de demonstrar a ocorrência do fato extintivo (ocorrência de justa causa), nos termos do art. 333, I e II do Código de Processo Civil. 7. A mera instauração de procedimento administrativo para averiguar eventual descumprimento de normas partidárias, por si só, não configura grave discriminação pessoal, porquanto se cuida de meio investigativo usualmente aceito. Caso contrário, consistiria até uma inibição absurda a qualquer espécie de apuração de eventual irregularidade. 8. A mudança substancial do programa partidário também não foi evidenciada, porquanto a alteração de posicionamento do partido em relação a matéria polêmica dentro da própria agremiação não constitui, isoladamente, justa causa para desfiliação partidária. 9. Pedido julgado procedente. (TSE. Petição n. 3019, Relator Min. ALDIR GUIMARÃES PASSARINHO JUNIOR, DJE 13.09.2010.) (Original sem grifos.)

 

Assim, o pedido de expedição de ofício não supre a ausência de ajuizamento da ação contra o litisconsorte passivo necessário. Ademais, a diligência era despicienda, pois a informação sobre a existência e dados dos órgãos partidários são públicas e estão disponíveis na página do TSE na internet (https://www.tse.jus.br/partidos/partidos-registrados-no-tse/informacoes-partidarias/modulo-consulta-sgip3).

A douta Procuradoria Regional Eleitoral acompanha esse entendimento, conforme as razões a seguir transcritas:

Não há razão para a continuidade deste feito. Vejamos.

É cediço que nos processos de perda de mandato eletivo por desfiliação partidária, há a configuração de litisconsórcio passivo necessário entre o candidato eleito e o partido que esteja inscrito após a desfiliação.

Pois bem, o suplente ajuizou a ação em 26/02/2025, ou seja, dentro do prazo legal de 60 (sessenta) dias, sem, no entanto, contemplar o partido destinatário que acolheu o requerido.

Ora, o pedido expresso contido na petição inicial, para que o Cartório Eleitoral certificasse a existência do órgão partidário municipal não supre o necessário pedido de citação, que poderia ter sido requerido em face do órgão regional ou nacional do partido que, consoante bem referido pela Exma Relatora: (...) possuem legitimidade concorrente nos termos do entendimento consolidado no âmbito do TSE (AC: 2378 PR, Relator.: Min. CARLOS EDUARDO CAPUTO BASTOS, Data de Julgamento: 20/05/2008, Data de Publicação: DJ - Diário da Justiça, Data 26/05/2008, página 10). (ID 45924690).

Ademais, só foi formalizado pelo requerente o pedido de inclusão do órgão estadual do PL, em 13/03/2025 (ID 45929634), de modo que operou-se a decadência, pois já transcorrido o prazo de 60 dias, previsto no Art. 1º, § 2º da Resolução TSE n. 22.610/2007.

Com efeito, verifica-se que o Partido Liberal, agremiação na qual filiou-se o réu, é parte indispensável à relação processual, uma vez que, a teor do art. 4º da citada Res. nº 22.610/07 do TSE, é obrigatória a citação do partido no qual o mandatário tenha se inscrito.

Nesse sentido:

AÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA SEM JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DA AGREMIAÇÃO PARTIDÁRIA DENTRO DO PRAZO LEGAL. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. DECADÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO. EXTINÇÃO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. I - Agremiação de origem que tomou ciência da desfiliação de seu parlamentar em 04.02.2020, quedando-se, contudo, inerte. Suplente que ajuizou a ação em 27.03.2020, dentro dos 60 dias a que alude o art. 1º, §2º, da Res. TSE nº 22.610/2007, sem, no entanto, contemplar o partido destinatário que acolheu o requerido. II - Instado a se manifestar a respeito da ausência de citação da nova legenda em que se filiou o mandatário, o autor restringiu-se a emendar a inicial para retificar o polo passivo, em 06.05.2020. III - A não inclusão na ação de perda de cargo eletivo por infidelidade do partido político para o qual o suposto trânsfuga migrou, dentro do prazo normativo, enseja a decadência do direito de ação, ante a sua natureza de litisconsorte passivo necessário, nos termos do art. 4º, caput, da resolução de regência. Jurisprudência consolidada acerca da matéria.Improcedência liminar do pedido, nos moldes do art. 332, 1º do NCPC. Extinção do processo com resolução do mérito.

(PETIÇÃO nº060007997, Acórdão, Des. Guilherme Couto De Castro, Publicação: DJERJ - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, 25/06/2020. - g.n)

Ação de perda de mandato eletivo por desfiliação partidária. Litisconsórcio passivo necessário entre mandatário que se desfiliou e o partido de destino. Art. 4º da Res.TSE n. 22.610/07.Ausência de citação da agremiação para a qual migraram vereador e seu suplente. Transcorrido o prazo para o ajuizamento da ação, inviável a correção do pólo passivo da demanda o que, por conseguinte, acarreta a decadência da ação. Extinção do processo com julgamento do mérito. Petição nº543, Acórdão, Des. DR. LUIS FELIPE PAIM FERNANDES, Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, 24/04/2014 – g.n.)

Assim, a ausência da agremiação no polo passivo impede a formação regular do processo, tornando impossível a resolução justa e eficaz da lide, não sendo possível eventual saneamento do vício com a citação do partido, pois já transcorrido o prazo decadencial assinalado à espécie.

Com essas razões, entendo que é caso de improcedência liminar do pedido, na forma do art. 332, § 1º, do CPC, e declaro a decadência do direito de  de pleitear o mandato eletivo objeto da presente ação.

 

Por fim, em relação à alegação de nulidade por falta de indicação do valor da causa e ao pedido de condenação dos requerentes nos ônus da sucumbência, consigno que, no âmbito da Justiça Eleitoral, vigora a gratuidade. Inexiste valor da causa ou condenação ao pagamento de emolumentos ou custas processuais, com base no que dispõe o art. 5º, inc. LXXVII, da Constituição Federal, regulamentado pela Lei n. 9.265/96. 

Diante do exposto, declaro a ilegitimidade ativa de ANTONIO CARLOS ARAUJO PINTO, nos termos do art. 1° da Resolução TSE n. 22.610/07, c/c o art. 485, inc. VI, do CPC, e VOTO pela extinção do processo, com resolução de mérito, reconhecendo a decadência do direito quanto a LUCIANO LEAL NAGERA, com fundamento no art. 487, inc. II, do Código de Processo Civil.