REl - 0600211-51.2024.6.21.0034 - Divirjo do(a) relator(a) - Sessão: 30/04/2025 às 09:30

                                     DIVERGÊNCIA

Esses autos é mais um dos inúmeros processos ajuizados por MARCIANO PERONDI, candidato não eleito a Prefeito de Pelotas, nas eleições 2024, envolvendo o acidente automobilístico. Tramitaram e ainda tramitam esta Corte pelo menos 25 processos a respeito desse evento, cujos números transcrevo: 0600235-79.2024.6.21.0034, 0600257-40.2024.6.21.0034, 0600256-55.2024.6.21.0034, 0600216-73.2024.6.21.0034, 0600254-85.2024.6.21.0034, 0600268-69.2024.6.21.0034, 0600217-58.2024.6.21.0034, 0600231-42.2024.6.21.0034, 0600248-78.2024.6.21.0034, 0600273-91.2024.6.21.0034, 0600280-83.2024.6.21.0034, 0600270-39.2024.6.21.0034, 0600261-77.2024.6.21.0034, 0600255-70.2024.6.21.0034, 0600209-81.2024.6.21.0034, 0600218-43.2024.6.21.0034, 0600220-13.2024.6.21.0034, 0600226-20.2024.6.21.0034, 0600246-11.2024.6.21.0034, 0600244-41.2024.6.21.0034, 600208-96.2024.6.21.0034, 0600214-06.2024.6.21.0034, 0600219-28.2024.6.21.0034, 0600212-36.2024.6.21.0034 e 0600247-93.2024.6.21.0034.

Com efeito, todos os eleitores e eleitoras que teceram comentários sobre o acidente trágico que evolveu o recorrido, que resultou na morte de um ciclista, no dia 26.05.2024, por volta das 6h20min, foram objeto de representação por propaganda eleitoral, sendo condenados cada um a multa de R$ 5.000,00.

A recorrente LIANE MARIA MEDEIROS DE FREITAS sustenta não ser possível a aplicação de multa para o caso, visto que a previsão legal seria para sua imputação apenas no caso de anonimato. Aduz, ainda, que a postagem não se afigura como disseminação de notícia sabidamente inverídica, tampouco de manifestação caluniosa sobre a conduta do recorrido, mas de publicização de opinião pessoal sobre conteúdo amplamente difundido na imprensa eletrônica sobre os fatos ocorridos.

Inicialmente, acompanho a Relatora quanto à rejeição da alegação de que a multa seria devida apenas no caso de anonimato, pois, nas palavras da Relatora “ o sancionamento é cabível em caso de publicação de conteúdo de autoria identificada que represente violação à honra de candidatas e candidatos, nos termos do art. 9º-H da Resolução TSE n. 23.610/2019.”

 

A sentença julgou procedente a representação formulada por Marciano Perondi, condenando a recorrente ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00, com fundamento no art. 30, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19, por veiculação da seguinte postagem, na rede social Facebook, na qual afirma que o recorrido "Atropelou um senhor, que veio a falecer. Não prestou socorro e fugiu.”

A Relatora considerou que o conteúdo da postagem na qual a recorrente afirma que o recorrido “não prestou socorro” caracteriza a divulgação de flagrante inverdade ofensiva à honra.

Nesse ponto que, com a mais respeitosa vênia, divirjo da Relatora.

Com efeito, a Constituição Federal estabelece em seu art. 5º, inc. IV, a liberdade de manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.

Nas palavras de José Jairo Gomes (2024, p. 66), a divulgação de fato ou acontecimento encontra-se compreendida pela liberdade de comunicação prevista no inciso IX do art. 5º e pelo direito de informação, ambos previstos no art. 220 da Constituição Federal.

Ao que interessa para o caso, a manifestação do eleitor na internet está disciplinada no art. 27, §1º, da Res. TSE n. 23.610/19:

 

Art. 27. É permitida a propaganda eleitoral na internet a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 57- A) . ( Vide, para as Eleições de 2020, art. 11, inciso II, da Resolução nº 23.624/2020 )

 

§ 1º A livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

 

Significa dizer, a limitação possível da manifestação do pensamento somente poderá ocorrer quando se verificar ofensa à honra ou imagem dos candidatos ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos.

Assim, cumpre examinar a manifestação da recorrente sob essa perspectiva. Houve divulgação de fato sabidamente inverídico? Houve ofensa à honra do recorrido?

A resposta é trazida pelo próprio recorrido na inicial, com a juntada do Laudo Pericial de Acidente de Trânsito (ID 45778153 - p. 3) no qual na NARRATIVA descreve o ocorrido em relação ao condutor e o veículo 2 de propriedade do recorrido:

 

 

 

[…]

O condutor do V2 e o veículo V2 não estavam no local. O mesmo teria informado dados de identificação ao funcionário da concessionária e deixado o local com o veículo antes da chegada da equipe PRF. Desta forma, a equipe realizou contato por ligação telefônica convencional para o número de telefone registrado no sistema informatizado e informado ao mesmo que deveria retornar ao local com o veículo para os procedimentos de identificação e apuração do sinistro que ocasionou o crime de trânsito. No entanto, o suposto condutor informou que havia deixado os dados de identificação e não poderia retornar ao local naquele momento pois já estaria em viagem à cidade de Florianópolis, relatando ainda que se apresentaria posteriormente. (grifo nosso)

 

Como constou no mencionado relatório da Polícia Rodoviária Federal, efetivamente o recorrido não aguardou a Polícia Rodoviária Federal no local, obrigação a que estava sujeito para os procedimentos de identificação e apuração do sinistro.

O fato foi amplamente noticiado localmente, como na matéria publicada no site “A Hora do Sul”, disponível em https://ahoradosul.com.br/conteudos/2024/07/12/policia-apura-omissao-de-socorro-apos-atropelamento-que-matou-ciclista/ (acesso em 29.04.2025), do qual destaco o excerto:

Polícia apura omissão de socorro após atropelamento que matou ciclista

Marciano Perondi não aguardou a PRF depois do acidente que vitimou Jairo Oliveira Camargo no último dia 25.

A 3ª Delegacia de Polícia de Pelotas investiga a circunstância do acidente de trânsito ocorrido no dia 25 de junho, e que levou à morte o ciclista Jairo de Oliveira Camargo, 63, no dia 8, na Santa Casa de Pelotas. O autor do atropelamento, o pré-candidato à prefeitura de Pelotas pelo Partido Liberal (PL), Marciano Perondi, não teria aguardado a presença da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e se apresentou horas depois na unidade de Eldorado do Sul, onde passou pelo teste do bafômetro e foi liberado.

De acordo com a delegada Maria Angélica Gentili, como no dia do ocorrido, a tipificação ficou como lesão corporal, a ocorrência foi encaminhada para a Central de Termos Circunstanciados (TCs). Entretanto, com a morte da vítima, o caso passa a ser de Homicídio de Trânsito Culposo, em tese.

 

 

Segundo a matéria jornalística, a declaração do Chefe da unidade policial, Daniel Pitrez Correa foi no seguinte sentido: “A Ecosul chegou primeiro no local, onde o autor apresentou a carteira da OAB e foi fotografada a placa do carro, ele evadiu-se. A nossa equipe então fez o trabalho de praxe do acidente, logo depois contatou o motorista. Este disse que trocou de carro e estava indo para Porto Alegre, sendo que tinha passado 20 quilômetros do posto, não quis voltar e garantiu sua apresentação em Eldorado.”

Ainda, outras matérias como a divulgada abaixo, no dia 11.07.2024 no “O Bairrista” (disponível em: https://obairrista.com/2024/07/prf-e-ecosul-negam-versao-de-pre-candidato-do-pl-sobre-acidente-de-transito-que-resultou-na-morte-de-um-homem-em-pelotas/, acesso em 30.11.2024, com o seguinte teor:

PRF e Ecosul negam versão de pré-candidato do PL sobre acidente de trânsito que resultou na morte de um homem em Pelotas

A Polícia Civil está investigando o acidente de trânsito envolvendo o pré-candidato a prefeitura de Pelotas pelo Partido Liberal (PL), Marciano Perondi, que resultou na morte de Jairo de Oliveira Camargo, de 63 anos. O caso aconteceu no dia 25 de junho, enquanto a vítima acabou falecendo no início desta semana.

O acidente ocorreu no km 522 da BR-116, próximo ao bairro Fragata. Marciano conduzia um carro que acabou colidindo contra um ciclista que precisou ser internado devido a seu estado gravíssimo de saúde e, posteriormente, quatorze dias depois, acabou falecendo. O caso foi classificado no momento como lesão corporal culposa.

Novas informações sobre o caso acabaram sendo reveladas nas últimas horas. A polícia investiga a posição de Perondi, que afirmou ter aguardado a chegada da Ecosul após a colisão, entretanto, segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), o empresário e pré-candidato não aguardou a viatura da corporação chegar e seguiu viagem.

Ainda segundo a PRF, um agente precisou descobrir a placa do veículo de Perondi, através das informações repassadas pelos socorristas da Ecosul. Conforme a polícia, após conseguir contato com ele, este afirmou não ter como voltar ao local da colisão, teria que seguir viagem e não teria a possibilidade sequer de se apresentar ao posto da PRF.

Vale ressaltar que ao O Bairrista, Perondi afirmou que se pronunciaria através de uma nota, elaborada em parceria com advogados, ainda na tarde desta quarta-feira (1). O posicionamento, porém, não foi divulgado até o fechamento desta reportagem, às 10h50 desta quinta-feira (11). À Rádio Gaúcha, o pré-candidato firmou que o ciclista teria cortado a frente de seu carro e bateu no farol, ocasionando o acidente. Quanto a sua saída do local, Marciano falou que precisava seguir viagem à Santa Catarina para encontrar o ex-presidente Jair Bolsonaro em um ato da direita.

 

Ainda à rádio, a Ecosul negou a versão de Marciano dada à Polícia Civil, afirmando que este não havia sido liberado do local do acidente. A concessionária afirmou ainda ser falsa a informação dada pelo pré-candidato de que teria ficado com seu número de telefone para, posteriormente, contatá-lo ou repassar às autoridades.

 

Desse modo, as afirmações de que o recorrido “Atropelou um senhor, que veio a falecer.” e “Não prestou socorro e fugiu.” à vítima não podem ser interpretados como fatos sabidamente inverídicos ou passíveis de afetar a honra ou a imagem do recorrido, visto que não há imputação de crime de homicídio ou de omissão de socorro, mas, tão somente, a transposição da ocorrência do fato atropelamento, do qual o recorrido não refuta a autoria, da morte da vítima e da não prestação de socorro. Ou seja, qualquer suposição da ocorrência de crime está fora do que foi efetivamente dito na postagem, visto que a averiguação dos fatos, suas circunstâncias e eventuais capitulações penais serão devidamente aferidas em eventual processo pertinente.

Assim, tenho que os comentários da recorrente revestem-se de opinião pessoal, amplamente guarnecidos pela liberdade de expressão e do pensamento crítico.

A propósito a jurisprudência do TSE:

 

Representação por propaganda irregular desinformativa – alegada divulgação de fato sabidamente inverídico ou gravemente descontextualizado – art. 9º-A da Resolução/TSE 23.610/2019 – inocorrência – falas vagas ou ambíguas – postagens que navegam com comentários, críticas ou análises dentro do espectro possível de significação de manifestação pública do próprio candidato – imprestabilidade da representação como forma de estabelecimento judicial de uma única interpretação possível a manifestações lacunosas [...] 1. A intervenção judicial sobre o livre mercado de ideias políticas deve sempre se dar de forma excepcional e necessariamente pontual, apenas se legitimando naquelas hipóteses de desequilíbrio ou de excesso capazes de vulnerar princípios fundamentais outros, igualmente essenciais ao processo eleitoral, tais como a higidez e integridade do ambiente informativo, a paridade de armas entre os candidatos, o livre exercício do voto e a proteção da dignidade e da honra individuais. 2. Muito embora a maximização do espaço de livre mercado de ideias políticas e a ampla liberdade discursiva na fase da pré-campanha e também no curtíssimo período oficial de campanha qualifiquem-se como fatores que catalisam a competitividade da disputa e que estimulam a renovação política e a vivacidade democrática, a difusão de informações inverídicas, descontextualizadas ou enviesadas configuram prática desviante, que gera verdadeira ‘falha no livre mercado de ideias políticas’, deliberadamente forjada para induzir o eleitor em erro no momento de formação de sua escolha. 3. A desinformação e a desconstrução de figuras políticas a partir de fatos sabidamente inverídicos ou substancialmente manipulados devem ser rapidamente reprimidas pela Justiça Eleitoral, por configurarem verdadeira falha no livre mercado de circulação das ideias políticas, que pode desembocar na indução do eleitor em erro, com comprometimento da própria liberdade de formação da escolha cidadã. 4. A desinformação não se limita à difusão de mentiras propriamente ditas, compreendendo, por igual, o compartilhamento de conteúdos com elementos verdadeiros, porém gravemente descontextualizados, editados ou manipulados, com o especial intento de desvirtuamento da mensagem difundida, com a indução dos seus destinatários em erro. 5. Postagens que navegam com comentários, críticas, sátiras ou análises dentro do espectro possível de significação das falas lacunosas feitas pelo candidato, sem qualquer grave descontextualização capaz de alterar seu conteúdo sensivelmente, a ponto de induzir o eleitor em erro. 6. A via da representação não se presta para desfazer mal entendidos, para adequar eventuais afirmações mal colocadas ou para conferir amplitude e visibilidade a eventual corrigenda feita pelo candidato, a quem competirá neutralizar as críticas que sofreu ou vem sofrendo no campo do próprio discurso político [...]”.

 

(Ac. de 19.12.2022 no R-Rp nº 060092739, rel. Min. Maria Claudia Bucchianeri.) (grifo nosso)

 

Eleições 2022. Representação. Candidato. Presidente da república. Propaganda eleitoral irregular. Televisão. Inserção. Alegada divulgação de fato sabidamente inverídico ou gravemente descontextualizado. Art. 9º-A da Res.-TSE nº 23.610/2019. Inocorrência. Questionamentos a ações realizadas durante as gestões anteriores do candidato ou de seu partido político, em tema de política externa. Comportamento configurador de mera crítica política, a ser respondida dentro da própria dialética da disputa eleitoral [...] 2. Muito embora a maximização do espaço de livre mercado de ideias políticas e a ampla liberdade discursiva na fase da pré-campanha e também no curtíssimo período oficial de campanha qualifiquem-se como fatores que catalisam a competitividade da disputa e que estimulam a renovação política e a vivacidade democrática, a difusão de informações inverídicas, descontextualizadas ou enviesadas configura prática desviante, que gera verdadeira ‘falha no livre mercado de ideias políticas’, deliberadamente forjada para induzir o eleitor em erro no momento de formação de sua escolha [...] 7. Caso que não versa fato sabidamente inverídico ou gravemente descontextualizado, mas, apenas, críticas políticas, também inseridas no debate político, e que devem ser neutralizadas e respondidas dentro do próprio ambiente político, sem a intervenção do Poder Judiciário, que não pode e não deve funcionar como "curador" da "qualidade" de discursos e narrativas de natureza eminentemente políticas – especialmente quando construídas a partir de fatos de conhecimento público. 8. Liminar indeferida referendada”.

 

(Ac. de 28.10.2022 na Ref-Rp nº 060158041, rel. Min. Maria Claudia Bucchianeri.) (grifo nosso)

 

[...] Art. 323. Divulgação de fato inverídico. Não configuração. [...] 3. Concede-se habeas corpus de ofício quando se constata a ausência de tipicidade da conduta, tendo em conta a não subsunção dos fatos ao tipo descrito no art. 323 do Código Eleitoral, que considera crime eleitoral a divulgação, na propaganda, de fatos sabidamente inverídicos em relação a partidos ou candidatos e capazes de influir perante o eleitorado. [...]” NE: Distribuição de folhetos por candidato a vereador, nos quais foi divulgada a informação de que o candidato adversário foi cassado. Trecho do voto do relator: “[...] ao contrário do entendimento do Tribunal Regional, entendo que a divulgação da frase na qual o ora requerente afirma ter o candidato oponente sido cassado não se contrapõe ao fato de não ter a condenação transitado em julgado. Ressalte-se que nada há de inverídico na afirmação de que teria havido a cassação, mas, ao contrário, seria inverídica se constasse do panfleto que a condenação à perda da função pública transitou em julgado, o que, aí sim, iria de encontro à verdade dos fatos. Daí concluir-se não constituir fato inverídico a divulgação da frase em questão, a ponto de consubstanciar o crime descrito no art. 323 do Código Eleitoral, cuja interpretação deve ser feita de forma estrita, de acordo com o princípio da reserva legal.”

 

(Ac. de 24.10.2014 na AR nº 50395, rel. Min. Dias Toffoli.)

 

Vale ressaltar, ainda, o vetor principiológico trazido pelo art. 38 da Res. TSE n. 23.610/19, no sentido de que a intervenção da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático, sob pena de que o Poder Judiciário funcione como “curador da qualidade de discursos e narrativas de natureza eminentemente políticas – especialmente quando construídas a partir de fatos de conhecimento público” (Ac. de 28.10.2022 na Ref-Rp nº 060158041, rel. Min. Maria Claudia Bucchianeri), como é o caso dos autos.

Com essas considerações, VOTO por DAR INTEGRAL PROVIMENTO ao recurso interposto por LIANE MARIA MEDEIROS DE FREITAS, para julgar improcedente a representação, afastando a multa de R$ 5.000,00.