REl - 0600211-51.2024.6.21.0034 - Voto Relator(a) - Sessão: 30/04/2025 às 09:30

VOTO

A sentença julgou procedente a representação formulada por Marciano Perondi, condenando a recorrente ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00, com fundamento no art. 30, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19, por veiculação da seguinte postagem, na rede social Facebook, na qual afirma que o recorrido "Atropelou um senhor, que veio a falecer. Não prestou socorro e fugiu":

A sentença confirmou a decisão liminar que determinou a remoção do conteúdo da internet e abstenção de nova publicação, e decidiu pela remessa de cópia dos autos à Delegacia da Polícia Federal para instauração de procedimento investigatório visando à apuração do crime previsto no artigo 325 do Código Eleitoral.

As razões recursais apresentadas concentram-se na defesa da liberdade de expressão e na contestação da aplicação da multa, pois se tratou de manifestação identificada, protegida pelo art. 57-D da Lei 9.504/97, que veda apenas o anonimato.

A Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso, destacando que é vedada a utilização de conteúdo manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos. Ressaltou que a recorrente não comprovou que apenas veiculou matéria publicada em órgão de imprensa, e que a jurisprudência atual do TSE permite a aplicação da multa em casos de divulgação de conteúdo inverídico e ofensivo, não se restringindo apenas aos casos de anonimato.

Primeiramente, ressalto que deve ser rejeitada a tese defensiva de que a condenação ao pagamento de multa somente pode ocorrer em caso de anonimato, pois a sentença expressamente fundamenta a condenação no artigo 30, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/2019, que regulamenta o art. 57-D da Lei n. 9.504/1997.

Na interpretação referido dispositivo legal, o TSE estabeleceu a diretriz jurisprudencial de que o sancionamento é devido em caso de violação à honra, conforme art. 9º-H da Resolução TSE n. 23.610/2019: “A remoção de conteúdos que violem o disposto no caput do art. 9º e no caput e no § 1º do art. 9º-C não impede a aplicação da multa prevista no art. 57-D da Lei nº 9.504/1997 por decisão judicial em representação”. A propósito, o seguinte precedente:

ELEIÇÕES 2022. RECURSOS INOMINADOS. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. INTERNET. DESINFORMAÇÃO. FATOS MANIFESTAMENTE INVERÍDICOS. REMOÇÃO DAS PUBLICAÇÕES. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 57-D DA LEI 9.504/1997. ART. 16 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO. 
1. O art. 57-D da Lei 9.504/1997 não restringe, de forma expressa, qualquer interpretação no sentido de limitar sua incidência aos casos de anonimato, de forma que é possível ajustar a exegese à sua finalidade de preservar a higidez das informações divulgadas na propaganda eleitoral, ou seja, alcançando a tutela de manifestações abusivas por meio da internet - incluindo-se a disseminação de fake news tendentes a vulnerar a honra de candidato adversário - que, longe de se inserirem na livre manifestação de pensamento, constituem evidente transgressão à normalidade do processo eleitoral. Precedente. 
2. O entendimento veiculado na decisão monocrática se mostra passível de aplicação imediata, não se submetendo ao princípio da anualidade, previsto no art. 16 da Constituição Federal, tendo em vista a circunstância de que a interpretação conferida pelo ato decisório recorrido não implica mudança de compreensão a respeito do caráter lícito ou ilícito da conduta, mas sim somente quanto à extensão da sanção aplicada, o que não apresenta repercussão no processo eleitoral nem interfere na igualdade de condições dos candidatos. 
3. Tratando-se de conduta já considerada ilícita pelo ordenamento jurídico, o autor do comportamento ilegal não dispõe de legítima expectativa de não sofrer as sanções legalmente previstas, revelando-se inviável a invocação do princípio da segurança jurídica com a finalidade indevida de se eximir das respectivas penas. 
4. O Plenário do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, no julgamento do Recurso na Representação 0601754-50, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, analisando a matéria controvertida, estabeleceu diretriz interpretativa a ser adotada para as Eleições 2022, inexistindo decisões colegiadas desta CORTE que, no âmbito do mesmo pleito eleitoral, veiculem conclusão em sentido diverso. 
5. Recurso desprovido.
(TSE, Recurso em Representação n. 060178825, Acórdão, Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 24/04/2024).

 

Assim, não há que se falar em falta de previsão legal para a aplicação da pena de multa, pois o sancionamento é cabível em caso de publicação de conteúdo de autoria identificada que represente violação à honra de candidatas e candidatos, nos termos do art. 9º-H da Resolução TSE n. 23.610/2019.

Quanto às razões de reforma da sentença, neste Tribunal pendem de julgamento diversos recursos eleitorais envolvendo fatos similares aos analisados no presente caso. Contudo, a verificação da existência de irregularidade deve ser realizada de forma particular, diante da prova juntada aos autos e das peculiaridades do caso concreto, a partir do inteiro teor do conteúdo impugnado pelo candidato. Não há como se estabelecer uma decisão uniforme para todos os processos.

Na hipótese em tela, e diante das especificidades do fato analisado, incontroverso que a recorrente, em sua rede social, publicou mensagem não apenas associando Marciano Perondi a crimes graves, mas afirmou a conduta de não prestar socorro.

A sentença considerou a ação procedente com base nos seguintes fundamentos:

(…)

Considerando também que a defesa apresentada pelo representado, que sustenta a legalidade da publicação e a ausência de inverdade nas informações veiculadas, está em desacordo com o princípio de que a liberdade de expressão deve ser exercida com responsabilidade, especialmente em um contexto eleitoral. A proteção à honra e à imagem dos candidatos é essencial para assegurar um pleito democrático e justo. A mera referência a informações veiculadas por veículos de comunicação, ainda que fossem verdadeiras, não exime da responsabilidade de não propagar acusações que possam ser consideradas ofensivas e que não se sustentam perante a Justiça.

A análise do conteúdo veiculado revela que o representado atribuiu ao representante a prática de crimes ainda não processados pela Justiça Criminal, como o homicídio culposo e a omissão de socorro, fatos que ainda dependem de investigação e decisão judicial. A disseminação dessas informações de forma antecipada e sem o devido processo legal configura, de fato, violação à honra e à imagem do representante.

Além disso, a publicação possui claro potencial de comprometer a integridade do processo eleitoral, ao influenciar negativamente a opinião dos eleitores sobre o candidato com base em acusações infundadas e sem decisão judicial transitada em julgado.

A conduta do representado extrapola os limites da crítica política legítima e adentra o campo das agressões pessoais, causando danos à honra e à imagem do representante, bem como à lisura do processo eleitoral.

Diante do exposto, e considerando que a veiculação do conteúdo impugnado revela-se ilícita e ofensiva, JULGO PROCEDENTE a presente representação, tornando definitiva a decisão liminar que determinou a suspensão da veiculação do conteúdo impugnado, como também aplico a multa prevista no artigo 30, §1º, da Resolução TSE nº 23.610/2019 ao representado, pela prática de propaganda eleitoral irregular, no valor de R$ 5.000,00.

(...)

Considero ser possível o juízo de provimento parcial do recurso, pois ainda que não haja irregularidade na afirmação de que o candidato "Atropelou um senhor, que veio a falecer", é sabidamente inverídica a alegação de que o recorrido “Não prestou socorro e fugiu”:

Quanto ao primeiro fato atribuído ao recorrido, é incontroverso que o atropelamento causou a morte da vítima. Essa circunstância não é negada pelo candidato.

Todavia, considero que o teor da publicação, ao imputar ao candidato a conduta de não prestar socorro, caracteriza a divulgação de flagrante inverdade ofensiva à honra.

Após detida análise do caderno probatório verifica-se que o Boletim de Ocorrência Policial e o Laudo Pericial dos IDs 45777954 e 45777955 informam que: “o motorista do veículo acionou o socorro e, na chegada desse, seguiu sua viagem deixando foto de sua carteira da Ordem dos Advogados do Brasil com a equipe da Ecosul, que repassou aos policiais rodoviários”.

Logo, constitui fato sabidamente inverídico a narrativa de que o candidato não prestou socorro, a qual foi divulgada com o manifesto propósito de macular a reputação do recorrido junto ao eleitorado. No âmbito eleitoral essa prática ultrapassa os limites do debate político legítimo e as diretrizes que norteiam o exercício da liberdade de expressão e livre manifestação do pensamento.

Portanto, nesse ponto a postagem configura uma forma de propaganda negativa vedada pela legislação vigente, pois a liberdade de manifestação do pensamento, embora garantida pelo art. 5º, inc. IV, da Constituição Federal, não é absoluta, encontra seus limites na proteção de direitos fundamentais de terceiros, como a honra e a imagem, e deve ser exercida com responsabilidade.

A recorrente, ao alegar que se limitou a replicar informações previamente divulgadas pela imprensa, não se exime da responsabilidade pela mensagem veiculada, especialmente porque adotou tom afirmativo e conclusivo ao atribuir ao recorrido a conduta de não prestar socorro, extrapolando o mero exercício de opinião. Ao permitir o livre debate de ideias, a legislação eleitoral veda expressamente a disseminação de conteúdos caluniosos ou difamatórios que possam ofender a honra e interferir no equilíbrio do pleito, conforme preveem o art. 57-D da Lei nº 9.504/97 e o art. 9º-C da Resolução TSE nº 23.610/19.

Considero que para a divulgação de propaganda eleitoral negativa na internet, com pedido de não voto, é necessário verificar a presença de elementos que permitam concluir, com razoável segurança, pela fidedignidade da informação, sujeitando-se às sanções legais as pessoas responsáveis pela veiculação de fatos inverídicos e ofensivos, sem prejuízo de eventual responsabilidade penal.

Com esses fundamentos, concluo pelo provimento parcial do recurso para considerar a representação procedente somente no que pertine à afirmação de que o candidato não prestou socorro.

Por fim, verifico que a condenação imposta pela sentença foi fixada no patamar mínimo legal, consistente na aplicação de multa de R$ 5.000,00, mostrando-se razoável, adequada e proporcional à gravidade da infração. O valor da multa está em consonância com o disposto no art. 30, § 1º, da Resolução TSE nº 23.610/19, e busca cumprir sua finalidade pedagógica e inibitória, desestimulando a prática de condutas semelhantes no curso do processo eleitoral.

Com esses fundamentos, VOTO pelo provimento parcial do recurso interposto para considerar irregular a propaganda somente no que se refere à afirmação de que o candidato não prestou socorro, mantendo a multa fixada na sentença, nos termos da fundamentação.