REl - 0600284-16.2024.6.21.0004 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/04/2025 às 17:00

VOTO

O recurso é tempestivo, e presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

No mérito, ANDRE LUIS PEREIRA DA SILVA recorre contra a sentença que desaprovou a prestação de contas referente ao cargo de vereador no Município de Selbach. A decisão hostilizada determinou o recolhimento do valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

A questão central versa sobre a ausência de identificação do beneficiário do pagamento no extrato bancário, reflexo da quitação dos gastos por meio diverso dos previstos na legislação de regência, em afronta ao art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ da beneficiária ou do beneficiário;

III - débito em conta; (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

IV - cartão de débito da conta bancária; ou (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

V - PIX, somente se a chave utilizada for o CPF ou o CNPJ. (Incluído pela Resolução nº 23.665/2021)

V – Pix. (Redação dada pela Resolução nº 23.731/2024)

 

Destaco que a matéria percorreu, na jurisprudência, um período de amadurecimento. No início, havia a aceitação do título sem cruzamento apenas quando, modo inequívoco, fosse possível verificar o destino da verba utilizada para pagamento do gasto. Exemplifico, com caso em que houve o depósito nas contas bancárias dos endossatários, alcançando o objetivo de conferir transparência à contabilidade com o registro de cruzamento dos títulos de crédito (Recurso Eleitoral n. 0600821-73.2020.6.21.0029, Relatora Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, julgado em 25.4.2023).

Mais recentemente, o e. TSE passou a entender que, havendo comprovação do gasto e da quitação ao fornecedor ou prestador de serviço por meio de cheque nominal, ainda que não cruzado, deveria ser mantida a glosa, pois desrespeitada a formalidade - contudo, sem determinação do recolhimento. A posição da e. Corte está registrada na ementa que segue:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA. PREFEITO E VICE–PREFEITO. DESAPROVAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO ERÁRIO.SÍNTESE DO CASO

1. O Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão manteve, à unanimidade, a sentença que desaprovou as contas de campanha do agravante, referentes às Eleições de 2020, quando concorreu ao cargo de prefeito do Município de Carolina/MA, com a determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, dos recursos de origem não identificada, no valor de R$ 8.216,99, bem como dos recursos recebidos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no montante de R$ 77.280,65.

2. Na decisão agravada, o agravo em recurso especial teve seguimento negado por não ter sido reconhecida a alegada violação aos dispositivos legais invocados, bem como pela incidência do óbice do verbete sumular 24 do Tribunal Superior Eleitoral, tendo sido interposto agravo regimental.ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL

3. Na espécie, subsistem as seguintes falhas glosadas pela Corte de origem e aptas à manutenção da desaprovação das contas, pelos fundamentos já alinhavados na decisão agravada:i) a não apresentação dos extratos, em sua forma definitiva, da conta aberta para movimentação de recursos do Fundo Partidário e daquela aberta para movimentação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), além da ausência de extratos bancários referentes à conta bancária de Outros Recursos;ii) omissão de receitas e de gastos, haja vista que os recursos financeiros utilizados para pagamentos de bens e serviços, para os quais foram emitidas notas fiscais eletrônicas, não transitaram pela conta bancária de campanha; iii) irregularidade na aplicação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), cujas despesas não foram comprovadas por documentos fiscais idôneos.

4. No que respeita ao pagamento a fornecedores de bens e serviços e de atividades de militância por meio de cheque nominal não cruzado, é certo que a Corte de origem assinala que foram anexados "notas fiscais, contratos de prestação de serviços, declarações e cópias de cheques", embora tenha entendido que o pagamento desses gastos por meio de cheque nominal não cruzado (ao invés de cruzado) seria suficiente para manutenção da falha.

5. A jurisprudência admite que – mantida a glosa em face da não observância da formalidade preconizada quanto à necessidade de emissão de cheque nominal cruzado para quitação de despesas – não é caso de determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional se há a comprovação da própria regularidade do gasto. Nesse sentido: Recurso Especial 0602985–69, rel. Min. Og Fernandes, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 16.8.2021; Recurso Especial 0602104–92, rel. Min. Carlos Horbach, DJE de 20.10.2021.

CONCLUSÃO

Agravo regimental provido em parte, a fim de prover o agravo em recurso especial eleitoral e, desde logo, prover em parte o recurso especial eleitoral, para, subsistente a desaprovação das contas do candidato a prefeito Erivelton Teixeira Neves, manter a determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, somente dos recursos de origem não identificada, no valor de R$ 8.216,99 (oito mil, duzentos e dezesseis reais e noventa e nove centavos) e, ainda, de R$ 6.001,00 (seis mil e um reais), decotado, portanto, o valor de R$ 71.279,65.
(AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 060020346, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 47, Data 22.03.2023)

 

E esta Casa se alinhou ao entendimento da Corte Superior, em julgado de relatoria do Desembargador Caetano Cuervo Lo Pumo, do qual transcrevo excertos da ementa:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. DOCUMENTAÇÃO QUE DISPENSA ANÁLISE TÉCNICA. PRECEDENTES DESTA CORTE. ADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA REGULAR UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. CHEQUES NOMINAIS E NÃO CRUZADOS. DÉBITOS BANCÁRIOS SEM IDENTIFICAÇÃO DO FORNECEDOR. OFERECIMENTO DE PROVA IDÔNEA E SEGURA ACERCA DO DESTINO DOS RECURSOS. ENDOSSO DOS TÍTULOS. FALHA SUPERADA PELA EMISSÃO NOMINAL E PELA APOSIÇÃO DE ASSINATURA DO BENEFICIÁRIO NO VERSO DO CHEQUE. ENDOSSO EM BRANCO. DESPESAS SEM DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA DOS DESTINATÁRIOS DOS RECURSOS. INFRINGÊNCIA À NORMA DE REGÊNCIA. RECOLHIMENTO DO VALOR CONSIDERADO IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. BAIXO PERCENTUAL DAS FALHAS. APLICADOS OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

(...)

3. Aplicação irregular de recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

(…)

3.2. Falta de cruzamento de cheques nominativos a fornecedores, descontados mediante operação de “saque eletrônico”. Cártulas endossadas em branco pelos beneficiários, constando as respectivas assinaturas e números de CPF no verso. Falha superada pela sua emissão nominal e pela aposição da assinatura do beneficiário no verso dos títulos (endosso em branco). A legislação eleitoral, ao estabelecer as formas de quitação dos gastos eleitorais, não impõe a emissão de cheque não endossável ("não à ordem"), o qual pode ser licitamente transmitido a terceiros, conforme previsto no art. 17 da Lei n. 7.357/85. Embora afastado o dever de recolhimento de quantias ao Tesouro Nacional, subsiste a falha formal por descumprimento do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, relativamente aos gastos. No mesmo sentido, o cheque não cruzado e depositado na conta bancária do endossatário alcança o objetivo de conferir transparência e a rastreabilidade bancária da quantia.

(Prestação De Contas Eleitorais 060215212/RS, Relator Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Acórdão de 29.02.2024, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 40, data 06.03.2024.)

 

Ou seja, uma vez comprovada a contratação do gasto e demonstrada a quitação ao correspondente fornecedor ou prestador de serviço, há que se considerar regular a despesa - porém, com a manutenção do apontamento em face do não atendimento à determinação legal quanto à forma de quitação: cheque nominal cruzado.

Com tal contexto, passo ao exame do caso propriamente dito.

Os elementos dos autos comprovam o gasto de campanha realizado com José Rodrigo da Rosa Borges. Há contrato particular de prestação de serviços (ID 45840375), controle de frequência do contratado (ID 45840373), recibo do pagamento (ID 45840374, p. 1) e o cheque n. 03, conta corrente n. 06.015560.0-1, Banco 041, no valor de R$ 5.000,00 (ID 45840374, pág. 2).

Destaco que o cheque, cuja microfilmagem consta dos autos, foi preenchido de modo nominal não cruzado; contudo, no verso é possível ver o endosso do título por José Rodrigo, ainda que em branco. Nessa senda, julgo que a despesa se mostra comprovada, de modo a admitir, na linha do entendimento precitado do e. TSE e desta Casa, que seja afastado o recolhimento de tal quantia, subsistindo a falha por descumprimento do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de ANDRE LUIS PEREIRA DA SILVA e afastar a ordem de recolhimento determinada na sentença.