REl - 0600348-61.2024.6.21.0154 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/04/2025 00:00 a 25/04/2025 23:59

VOTO

Cuida-se de recurso contra sentença prolatada pelo Juízo da 154ª Zona Eleitoral de Arroio do Tigre/RS, que julgou desaprovada prestação de contas referente às Eleições de 2024 e determinou ao recorrente o recolhimento da importância de R$ 1.471,00 ao Tesouro Nacional.

Alega, incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, ao estabelecer o limite de R$ 1.064,10 para doações em espécie, pois cria exigência adicional que a Lei não prevê.

A matéria já foi longamente debatida na jurisprudência, sedimentada pelo que consta no seguinte julgado:

 

[...] Prestação de contas. Prefeito. Desaprovação. Res.-TSE nº 23.463/2015. Poder regulamentar. Observância. Arguição de inconstitucionalidade. Interpretação da norma infraconstitucional. Conjunto de irregularidades [...] 2. ‘ A edição de resolução sobre matéria eleitoral prevista em lei e amparada por diversos precedentes desta Corte não extrapola a competência regulamentar conferida ao Tribunal Superior Eleitoral.

3. A regra contida no art. 18, II, § 1º, da Res.-TSE nº 23.463/2015 não extrapola o poder regulamentar conferido à Justiça Eleitoral e tem por objetivo conferir maior transparência às doações financeiras. Sobre o referido dispositivo, esta Corte Superior fixou o entendimento de que ‘a ratio essendi da norma é identificar a origem de recurso arrecadado, com o rastreamento a partir da transferência eletrônica efetivada entre estabelecimentos bancários’ [...] 4. Nos termos da Jurisprudência deste Tribunal e do STF, ‘ não há ofensa ao Princípio da Reserva de Plenário quando o Tribunal interpreta norma infraconstitucional, sem declará-la inconstitucional ou afastar sua aplicação com apoio em fundamentos extraídos da Lei Maior. Precedentes do STF’ [...]

(Ac. de 10.3.2020 no AgR-AI nº 78135, rel. Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto.)

 

Destarte, rejeito a prefacial.

No mérito, a sentença prolatada pelo Juízo da 154ª Zona Eleitoral de Arroio do Tigre/RS desaprovou a prestação de contas referente às Eleições de 2024 do Recorrente, em face do depósito em espécie da quantia de R$ 1.471,00, superior ao limite para esse tipo de transação (R$ 1.064,10).

Em suas razões, alega ausência de prejuízo ao regular exame das contas e consequentemente nenhum ilícito se apresenta, pois perfeitamente identificável a origem do recurso, uma vez que realizada a doação pelo próprio Recorrente, de modo que postula a aprovação das contas com ressalvas.

Sem razão.

A decisão merece ser mantida, pois de fato o procedimento adotado na doação contraria o art. 21, inc. I, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que estabelece o limite de R$ 1.064,10 para doação bancária em espécie, realizada por um mesmo doador em um mesmo dia.

Tal exigência normativa visa assegurar a rastreabilidade dos recursos (origem e destino) recebidos pelos candidatos, o que resta comprometido quando a operação é feita por meio diverso, como feito pelo recorrente.

Nesse cenário, ainda que o comprovante de depósito indique o CPF do doador (o candidato), há irregularidade porque houve superação do limite diário de recebimento de doação em dinheiro, a qual inviabiliza o rastreamento, estando correta a conclusão do juízo a quo no sentido de que o valor não está com a origem devidamente identificada, o que conduz ao recolhimento ao erário, na forma prevista no caput do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

O valor não deveria ser utilizado no financiamento de campanha e, no caso de utilização, como na hipótese dos autos, deve ser recolhido ao Tesouro Nacional na forma do disposto nos arts. 21, §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º; 32, caput, e 79, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19:

 

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

(...)

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias da doadora ou do doador e da beneficiária ou do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por uma mesma doadora ou um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação da doadora ou do doador, ser a ela ou a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificada(o) a doadora ou o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

(…)

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatas ou candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

(…)

Art. 79. A aprovação com ressalvas da prestação de contas não obsta que seja determinada a devolução dos recursos recebidos de fonte vedada ou a sua transferência para a conta única do Tesouro Nacional, assim como dos recursos de origem não identificada, na forma prevista nos arts. 31 e 32 desta Resolução.

(...)

 

Ressalto que o egrégio Tribunal Superior Eleitoral entende que a obrigação de as doações acima de R$ 1.064,10 serem realizadas mediante transferência bancária não se constitui em mera exigência formal, sendo que o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas, consoante precedente a seguir colacionado:

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO. DEPÓSITO BANCÁRIO. EM ESPÉCIE. VALOR SUPERIOR A R$ 1.064,10. TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. EXIGÊNCIA. ART. 18, § 1º DA RES. TSE Nº 23.463/2015. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO.

(...)

2. Nas razões do regimental, o Parquet argumenta que não foi observado o art. 18, § 1º, da Res.-TSE nº 23.463/2015, segundo o qual "as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação". 3. A Corte Regional, soberana na análise dos fatos e provas, atestou a identificação da doadora do valor apontado como irregular por meio do número do CPF impresso no extrato eletrônico da conta de campanha.

4. Consoante decidido nesta sessão, no julgamento do AgR-REspe nº 265-35/RO, a maioria deste Tribunal assentou que a exigência de que as doações acima de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) sejam feitas mediante transferência eletrônica não é meramente formal e o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas.

(...)

7. Agravo regimental acolhido para dar provimento ao recurso especial, com determinação de recolhimento ao erário do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

(Recurso Especial Eleitoral n. 52902, Relator Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE, Tomo 250, Data: 19.12.2018, pp. 92-93.) (Grifo nosso)

 

O raciocínio é o de que o descumprimento da exigência de realização de transferência bancária ou de emissão de cheque nominal cruzado não fica suprido pela realização de depósito em espécie, ainda que identificado por determinada pessoa, circunstância que não se mostra apta para comprovar a efetiva origem do valor devido à ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário.

Não se trata de irregularidade meramente formal, nem de análise da boa ou má-fé dos prestadores, ou de hipótese de malversação, desvio de recursos ou de locupletamento indevido, mas de manifesto e injustificável descumprimento de norma eleitoral aplicável a todos os candidatos.

Sobre o juízo de desaprovação, irreparável igualmente a sentença.

Com efeito, o valor nominal da irregularidade (R$ 1.471,00) representa 31,66% da receita total do candidato (R$ 4.645,00).

Como salientado no parecer ministerial (ID 45898156), o entendimento sedimentado na jurisprudência deste Tribunal é no seguinte sentido: “em relação à pretensão de aprovação das contas com ressalvas, com base na pequena expressão do valor irregular, a jurisprudência considera inexpressivo o montante que não ultrapassar: (a) em termos absolutos, o valor de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos); ou (b) em termos relativos, o percentual de 10% (dez por cento) do total de recursos arrecadados” (TRE-RS, REl n. 060002152, Relator: Des. Mario Crespo Brum, Publicação: 03.9.2024)

Na espécie, o valor ultrapassa R$ 1.064,10 (R$ 1.471,00) e é superior ao percentual de 10% sobre o total de recursos arrecadados (31,66%), considerado módico e que autoriza a adoção do juízo de aprovação das contas com ressalvas.

Assim, não há que se falar em eventual aprovação das contas, ainda que com ressalvas.

Com essas considerações, em linha com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, concluo que o recurso merece ser desprovido.

Ante o exposto, VOTO pela rejeição da matéria preliminar e pelo desprovimento do recurso.