RE - 49269 - Sessão: 02/06/2015 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por CESAR TADEU PAIER E JONAS MAGAGNIM, escolhidos, respectivamente, Prefeito e Vice-Prefeito de Barra do Guarita nas eleições municipais de 2012, contra sentença proferida pelo Juízo da 101ª Zona Eleitoral, que julgou parcialmente procedente a ação de investigação judicial eleitoral proposta pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES, reconhecendo a prática de captação ilícita de sufrágio em relação ao sexto, sétimo e nono fatos alegados na inicial, para o fim de condená-los às penas de multa individual no valor de 1.000 UFIR e à cassação do diploma, declarando-os inelegíveis pelo prazo de oito anos, com fundamento no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 e no art. 1º, I, “j”, da Lei Complementar n. 64/90 (fls. 1.013-1.027).

O feito aportou neste Tribunal, inicialmente, em virtude da interposição de recurso contra a sentença que extinguiu o processo pelo reconhecimento da decadência (fls. 264-265), a qual veio a ser desconstituída por acórdão da relatoria do Dr. Luis Felipe Paim Fernandes (fls. 295-299), que determinou o retorno dos autos à origem para regular processamento.

Nas razões de reforma, Cesar Tadeu e Jonas Magagnim suscitam a nulidade da sentença, pois o feito não foi julgado com base nos arts. 1º, I, “d” e 22, XIV e XVI, todos da LC 64/90, e art. 14, § 9º, da CF, visto que a condenação por captação ilícita de sufrágio veio a ser proferida em sede de ação de investigação judicial eleitoral, de modo que a sentença veio a tratar de forma igual situações distintas. No mérito, afirmam que, embora não tenham sido apurados atos de abuso de poder, declarou-se a inelegibilidade por oito anos dos demandados; todavia a aplicação de pena pecuniária no mínimo legal demonstra não terem sido os fatos suficientemente graves para acarretar a cassação do diploma. Alegam que a condenação baseou-se no depoimento de eleitores autodenominados corrompidos, carecendo o processo de prova robusta e incontroversa para confortar aquelas declarações. Aduzem que o parecer ministerial de primeiro grau opinou pela improcedência da ação, evidenciando que não havia provas suficientes para o juízo condenatório proferido. Requerem a reforma da sentença para o fim de serem julgados improcedentes os pedidos (fls. 1.047-1.063).

Em contrarrazões, o Diretório do Partido dos Trabalhadores de Barra do Guarita postulou o desprovimento do recurso, mantendo-se a sentença de parcial procedência (fls. 1.065-1.130).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo provimento do apelo (fls. 1.138-1.142v.).

É o relatório.

 

VOTO

1. Admissibilidade

O recurso é regular e tempestivo, pois foi interposto no prazo de três dias previsto no art. 258 do Código Eleitoral (fls. 1.027v. e 1.029).

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

2. Preliminar de nulidade da sentença

A inicial apresentada pelo Partido dos Trabalhadores de Barra do Guarita imputou aos recorrentes a prática de doze fatos que caracterizariam, em tese, prática de abuso de poder econômico, condutas vedadas e captação ilícita de sufrágio, infrações que devem ser apuradas de acordo com o rito processual previsto no art. 22 da LC n. 64/90. Por conta disso, ajuizou-se ação de investigação judicial eleitoral com cumulação de pedidos condenatórios nas penas previstas nos arts. 41-A e 73 da Lei das Eleições, e o processamento pelo rito do art. 22 da Lei de Inelegibilidades.

A apuração de captação ilícita de sufrágio no bojo de ação de investigação judicial eleitoral é prática comum no âmbito da Justiça Eleitoral, conforme se verifica pela leitura das ementas dos seguintes julgados do c. TSE (com grifos meus):

1. Agravo regimental no agravo de instrumento. Recurso especial provido. Ação de investigação judicial eleitoral. Captação ilícita de sufrágio. Prazo para ajuizamento até a diplomação. Retorno dos autos ao TRE para que proceda a novo julgamento do feito, como entender adequado. Precedentes. A ação de investigação judicial eleitoral fundada no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 pode ser proposta até a data da diplomação dos eleitos. […]

4. Ação de investigação judicial eleitoral. Captação ilícita de sufrágio. Mandato do quadriênio 2005-2008 ainda não finalizado. Possibilidade de condenação à cassação do diploma e, consequentemente, à perda do mandato. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. O julgamento da presente ação de investigação judicial eleitoral fundada no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 não está prejudicado, porquanto ainda não findou o quadriênio 2005-2008.

(Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 8981, Acórdão de 26.8.2008, Relator: Min. JOAQUIM BENEDITO BARBOSA GOMES, Publicação: DJE – Diário da Justiça Eletrônico, Data 17.9.2008, Página 22.)

 

1. QUESTÃO PRELIMINAR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL E AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE DETERMINOU A APLICAÇÃO DO ART. 224 DO CE. RENÚNCIA DO PREFEITO E VICE-PREFEITA AO MANDATO ELETIVO NA VÉSPERA DO JULGAMENTO PELO TSE. PERDA DE OBJETO AFASTADA.

2. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER ECONÔMICO E CAPTAÇÃO DE SUFRÁGIO (ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/97).

2.1 Tendo a inicial, ao invocar o direito aplicável à espécie, transcrito o art. 41-A da Lei nº 9.504/97, o qual prevê, expressamente, a cassação do registro e do diploma, e ainda pugnado pela não persistência da candidatura do representado, afasta-se a alegação de decisão extra petita.

2.2 O TSE entende que, para a caracterização da captação de sufrágio, é indispensável a prova de participação direta ou indireta dos representados, permitindo-se até que o seja na forma de explícita anuência da conduta objeto da investigação, não bastando, para a configuração, o proveito eleitoral que com os fatos tenham auferido, ou a presunção de que desses tivessem ciência. A ausência de prova de participação dos candidatos na conduta investigada afasta a aplicação do art. 41-A da Lei nº 9.504/97.

[...]

2.4 Recursos especiais interpostos por Maria da Conceição Vieira e Gelson Cordeiro de Oliveira providos em parte, para afastar a cassação dos registros e diplomas por força do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, mantendo-se, contudo, a procedência da representação, nos termos do art. 22, caput, XIV e XV, da LC nº 64/90, de forma a manter a declaração da inelegibilidade dos candidatos representados para as eleições realizadas nos três anos subsequentes às eleições de 2000, período esse que já se encontra vencido.[...]

(Recurso Especial Eleitoral n. 21327, Acórdão de 04.3.2004, Relatora: Min. ELLEN GRACIE NORTHFLEET, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 31.8.2006, Página 126 RJTSE – Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 17, Tomo 4, Página 202.)

Como se observa, não se pode confundir as hipóteses materiais inscritas no art. 22 da LC n. 64/90 (... uso indevido, desvio ou abuso de poder econômico ou do poder de autoridade ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social...), que requerem, para a configuração do ato abusivo, o exame da gravidade das circunstâncias, com o procedimento previsto para a apuração da captação ilícita de sufrágio, exigência contida no caput do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, quando resta dispensada a análise daquele requisito, bastando estejam presentes os elementos caracterizadores da corrupção eleitoral.

Portanto, a análise da gravidade das circunstâncias reclamada se justificaria caso fosse apurado o abuso de poder econômico ou outra hipótese de cabimento a viciar a normalidade e legitimidade do pleito, bens jurídicos protegidos pela norma prescrita no § 9º do art. 14 da Constituição Federal. Todavia, condenados por condutas que se amoldam à captação ilícita de sufrágio descrita no art. 41-A da Lei das Eleições, quando o bem jurídico tutelado é a vontade do eleitor, despicienda a análise do gravame das circunstâncias preconizada no inc. XVI do art. 22 da LC n. 64/90.

A douta Procuradoria Regional Eleitoral comunga de igual entendimento:

[...]

O abuso do poder econômico é um conceito jurídico indeterminado que precisa ser integrado a partir da análise fática. Nesse contexto, conforme a Lei Complementar 64/90, art. 22, XVI, só há abuso do poder econômico se houver gravidade nas circunstâncias que o caracterizam.

Em suma: considerando a Constituição Federal, art. 14, § 9º, que determina o bem jurídico a ser protegido no âmbito da legislação infraconstitucional e a Lei Complementar 64/90, que cumpre o referido mandamento constitucional, tem-se que a caracterização do abuso do poder econômico pode ser assim sistematizada: conduta de desvirtuamento de recursos econômicos, no sentido amplo, pois se trata de conceito jurídico indeterminado + potencialidade de violação aos bens jurídicos constitucionais, normalidade e legitimidade das eleições.

Destaca-se que para a Lei Complementar 64/90, art. 22, XVI, a potencialidade lesiva a tais bens jurídicos é tratada como consideração pelo órgão julgador da gravidade e das circunstâncias que caracterizam o abuso de poder econômico. Segue regra em comento:

LC 64/90, art. 22, XVI:

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

Contudo, tal análise não é para o caso dos autos. Analisando detidamente a instrução e sentença, vê-se que embora sejam 11 (onze) fatos imputados como ilícitos eleitorais na Ação de Investigação Judicial Eleitoral, dentre os quais alguns caracterizados, em abstrato, como abuso de poder econômico, os representados foram condenados por 3 (três) fatos classificados como captação ilícita de sufrágio (art. 41-A, da Lei n. 9.504/97).

Disso, os argumentos lançados pelos recorrentes, no sentido de que o juízo a quo não teria se manifestado sobre o elemento constitutivo do abuso do poder econômico, gravidade das circunstâncias que o caracterizaram, não podem ser considerados.

É dizer: embora captação ilícita de sufrágio é uma forma de abuso de poder econômico, seus elementos configuradores são diversos do abuso em sentido amplo (objeto propriamente dito da AIJE). São elementos constitutivos da captação ilícita de sufrágio: a) a prática de uma ação, consistente em doar ou prometer uma vantagem; b) a existência de eleitor determinado ou indeterminado (possibilidade da promessa ser dirigida a um grupo); c) finalidade explícita ou implícita de obter voto; d) prática durante o período eleitoral (do registro de candidatura a data da eleição). Como se percebe os elementos configuradores da captação ilícita são taxativos.

Nesse contexto a análise jurídica é delimitada pela norma em comento (art. 41-A, da Lei 9.504/97), não sendo, por evidente, necessária a análise da gravidade da conduta, nos termos do abuso do poder econômico em sentido amplo.

Por essas razões, conclui-se que o argumento lançado pelos recorrentes não persiste, sendo válida a decisão, pois os fundamentos utilizados estão de acordo como os requisitos legais que determinam a configuração do ilícito eleitoral de captação ilícita de sufrágio. (Grifos do original.)

À vista dessas considerações, rejeito a preliminar e passo ao exame das razões de reforma da sentença.

3. Mérito

No mérito, os recorrentes sustentam a ausência de provas suficientes para atrair as graves penalidades impostas pelo magistrado a quo.

Dos doze fatos alegados na inicial da investigação, três foram considerados suficientemente comprovados (fatos seis, sete e nove), pois caracterizariam hipótese de captação ilícita de sufrágio – art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Passo à descrição dos ilícitos conforme aduzidos na inicial da investigação (fls. 7-9):

SEXTO FATO

No início do mês de agosto de 2012, o primeiro representado, no intuito de captar votos ilicitamente, foi até a casa do eleitor Sr. Vanderson da Silva, e ofertou-lhe emprego na prefeitura, para que ele e sua esposa votassem nele, no pleito que concorria a reeleição.

O Sr. Vanderson, desempregado, e com família para sustentar, aceitou a proposta. Combinaram verbalmente que o Sr. Vanderson trabalharia de guarda na Escola da Esquina Jaboticaba, sempre das sextas-feiras até os domingos, das 20 horas até por volta das 02 horas da manhã do outro dia, a começar no dia 17 de agosto de 2012.

[…]

SÉTIMO FATO

Parecido com o caso anterior, no período eleitoral, o primeiro investigado contratou verbalmente o eleitor Sr. Altamir Possamai e Pedro Weber, para trabalhar para a prefeitura, condicionando ao voto do mesmo e de sua esposa.

Ambos desempregados, e precisando de dinheiro para sustento aceitaram a proposta. Combinaram verbalmente que trabalhariam de guarda na nova Creche Municipal que está sendo construída na cidade, na parte da noite, sendo que o primeiro foi demitido no dia posterior a eleição, e o segundo trabalha até hoje. […]

NONO FATO

No mês de setembro de 2012, o primeiro representado ofereceu a LUCILÉIA BOTEGA, contrato de estágio, com intuito de que ela votasse para ele. O estágio que lhe deram nada tinha haver (sic) com estágio, mas sim trabalhar fora da sua área de estudo, e em outros, ficar aguardando o tempo passar, tendo em vista o grande número de estagiários (aproximadamente 30), com contrato vigente no período eleitoral.

Em situação parecida, também a Luciléia, também REJANE BEATRIZ FIEPKE, as quais tiveram o contrato rescindido logo após as eleições. A situação também configura abuso de poder.

O sexto e sétimo fatos foram analisados conjuntamente, e a condenação baseou-se nos depoimentos de dois dos três eleitores que teriam sido alegadamente aliciados. Nas razões de decidir, consignou-se que o recorrente Cesar Tadeu, então candidato à reeleição, contratou pessoalmente o eleitor Vanderson para desempenhar atividade junto ao município como guarda, apenas durante o período eleitoral e com a intenção de obter seu voto.

Além disso, o magistrado a quo considerou que o depoimento de Pedro deixou evidente que quem exercia influência sobre a empresa para contratá-los foi o representado Cesar, pois este teria falado com o empreiteiro para realizar a suposta contratação.

Consta nos autos, ainda, prova documental atinente à declaração assinada por Vanderson, com firma reconhecida (fl. 81), em que garante ter sido procurado pelo prefeito e candidato à reeleição Cesar Tadeu, que teria lhe oferecido emprego em troca do voto, efetuado a contratação e, depois, rescindido o contrato porque não quer mais os meus serviços.

Entendeu o magistrado que a ilicitude teria restado demonstrada com base na evidência de que Cesar Tadeu intercedeu, junto à empresa terceirizada que possuía contrato com o Município de Barra do Guarita para realização de obras, de modo a obter emprego para seus eleitores em troca de votos, o que comprovaria captação ilegal de sufrágio em relação a Vanderson da Silva, Altamir Possamai, Pedro Weber e suas famílias.

Os eventos apontados no nono fato, relativos à contratação das estagiárias Rejane e Luciléia em troca de votos, foram considerados parcialmente procedentes, pois o juízo eleitoral afastou a acusação atinente à estudante Rejane, a qual firmou contrato de estágio fora do período eleitoral.

A procedência foi consubstanciada no depoimento judicial prestado por Luciléia, estudante contratada para estagiar junto à municipalidade no período de 01.9.2012 a 31.12.2012 (fl. 232). De acordo com a sentença, Ela foi categórica ao afirmar em juízo que a proposta de estágio se deu por conta do voto em favor dos representados, sendo manifesto que a contratação se deu no período eleitoral (em 01.9.2012). A captação de sufrágio também estaria demonstrada devido ao breve período de desempenho do labor e pela rescisão antecipada ainda no período letivo.

Contudo, nada obstante o juízo de convicção alcançado pelo magistrado sentenciante, tenho que as provas dos autos não carregam a robustez e a certeza necessárias ao grave juízo condenatório que culminou com a cassação do mandato eletivo dos candidatos eleitos nas urnas pela vontade popular.

As alegações aventadas na inicial foram contestadas pelos candidatos investigados desde a apresentação da peça defensiva. Oportunamente, acostaram aos autos declaração de um dos eleitores supostamente aliciados, Altamiro Possamai (fl. 200), na qual assevera que não trabalhou na prefeitura, mas, sim, que desempenhou a função de guarda em escola municipal pelo vínculo estabelecido com a empresa prestadora de serviços “Construções Primo LTDA-EPP”.

Além disso, juntaram declarações do procurador da referida empresa (fls. 201-202) em que afirma ter realizado pessoalmente a contratação de Pedro Webber e de Vanderson Silva com o objetivo de que prestassem “serviço esporádico” em obras municipais, conforme contratos, termos de licitação e demais documentos relativos à prestação de serviços, devidamente anexados (fls. 203-222).

No que pertine ao contrato de estágio da Luciléia Bottega, foi anexado o termo de rescisão de compromisso de estágio, datado de 07.11.2012 (fl. 231), no qual consta que a avença foi rescindida a pedido da empresa Eccos Estágios em virtude de contenção de despesas.

A prova oral colhida durante a instrução consta nas mídias das fls. 432 e 736, que contêm apenas a gravação de áudio das audiências.

Em juízo, Pedro Webber afirmou ter ido atrás de serviço no mês de outubro, e que, ao indagar o investigado Cesar Tadeu a respeito de emprego, ele afirmou existirem vagas disponíveis na empresa terceirizada. Pedro disse, ainda, que trabalhou de outubro a dezembro na função de guarda de uma creche municipal, e que o contrato foi realizado de forma verbal diretamente com o empreiteiro, inexistindo qualquer conotação política no desempenho da tarefa.

Vanderson Silva, por sua vez, disse que foi procurado por Cesar Tadeu em agosto, o qual lhe ofereceu emprego na função de guarda de uma escola municipal em troca de voto. Afirmou que o contrato de trabalho era verbal e o pagamento realizado diretamente pelo Prefeito Cesar Tadeu.

As demais testemunhas ouvidas em relação aos fatos seis e sete em nada contribuíram para o esclarecimento da controvérsia.

Conforme se verifica, apenas o depoimento prestado por Vanderson Silva, eleitor supostamente aliciado, evidencia a possível prática de captação ilícita de sufrágio mediante oferta de emprego, e respectiva contratação, em troca de voto. Todavia, a questão não ficou suficientemente esclarecida pela prova colacionada aos autos. O eleitor Altamir Possamai, que também teria sido aliciado pelo candidato Cesar Tadeu, não foi ouvido em juízo, e o eleitor Pedro Webber referiu que Cesar apenas mencionou a existência de vagas de emprego na empresa prestadora de serviços à municipalidade, sem conotação eleitoral.

Além do depoimento prestado por Vanderson, não há prova alguma no sentido de que Cesar Tadeu tenha intercedido junto à construtora da obra pública municipal para que ela empregasse eleitores, circunstância que é sugerida nesse único depoimento.

A questão alusiva à forma da contatação dos empregados, por contrato verbal em vez de assinado, além da falta de registro em carteira de trabalho e demais direitos previdenciários ou trabalhistas, é matéria que transcende a competência da Justiça Eleitoral, circunstância realçada pelo órgão ministerial de origem no sentido de que os ilícitos cíveis, trabalhistas e eventual cometimento de improbidade administrativa seriam devidamente apurados pelas vias próprias.

Nesta ação, os fatos devem ser analisados sob o enfoque da captação ilícita do sufrágio, das condutas vedadas e do abuso de poder, ilícitos que, pela vagueza e imprecisão da prova, não restaram suficientemente demonstrados. Idêntico entendimento foi alcançado pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, conforme se extrai do seguinte excerto do parecer (fls. 1.141-1.142):

Embora não haja parcialidade em relação a prova testemunhal, a prova colhida nos autos não é robusta a ponto de determinar a procedência da representação.

[…]

No tópico, os elementos (b) e (d), restaram inequívocos, não havendo controvérsia, pois efetivamente Vanderson da Silva, Pedro Weber e Altamir Possamai trabalharam, na escola (o primeiro) e na creche (os demais), durante o período eleitoral do ano de 2012. A prova colhida é nesse sentido. Todavia, a prova coletada, em relação aos elementos (a), a prática de uma ação, consistente em doar ou prometer uma vantagem, e (c), finalidade explícita ou implícita de obter voto, não é robusta a ponto de determinar a procedência da representação.

[…]

No tópico, a prova que determinou a procedência da representação foi os testemunhos de Vanderson da Silva e Pedro Weber, no seguinte sentido:

Vanderson da Silva alegou (folhas 481 e 736, testemunho em áudio): que não tem relação com o Partido dos Trabalhadores; que na metade de agosto, o prefeito lhe havia procurado para lhe dar emprego em troca de voto; trabalhou de guarda em colégio do município; o trabalho seria de agosto a dezembro; recebia R$ 30,00 por noite, pagos pelo Prefeito; que não assinou contrato de trabalho; que trabalhou até a metade de novembro, porque sua contraprestação estava a mais de mês atrasado.

Pedro Weber (folhas 481 e 736, testemunho em áudio): que não tem relação com o Partido dos Trabalhadores; que ninguém lhe ofereceu emprego; que foi atrás de serviço; que o prefeito lhe ofereceu emprego; que trabalhou de outubro a dezembro na creche do município; que a empreiteira lhe pagava; que recebia R$ 500,00, sem carteira assinada; que contratou o trabalho com o empreiteiro; que trabalhava de guarda; que o prefeito falou com o pessoal da empreiteira para lhe contratar; que ninguém lhe pediu voto;

Embora não haja evidência de que Vanderson da Silva, Pedro Weber estariam comprometidos com o partido representante, fato é que a procedência da representação tem por elementos unicamente os testemunhos deles, quanto à possível contratação por meio da pessoa de CESAR e quanto à possível finalidade de obter o voto deles. Nesse contexto, chega-se a conclusão de que, não seria proporcional considerar a prova robusta a ponto de determinar a procedência da representação, pois inexistem outros elementos a corroborar de forma mínima os testemunhos unilaterais. (Grifei.)

De igual modo, o oferecimento de contratos de estágio deve ser analisado à luz das regras de Direito Eleitoral, que dizem com a legitimidade e a isonomia do pleito. Assim, as questões relativas a estagiário que passa muito tempo ocioso durante o período de trabalho, ao número inadequado de estagiários contratados pela municipalidade, ou ao estágio sem relação com a formação do estudante não constituem, em princípio, ofensa à legislação eleitoral e devem ser abordadas em ações próprias perante o juízo competente.

No nono fato, argumenta-se que a estudante Luciléia Botega teria firmado contrato de estágio em troca do voto nos candidatos recorrentes. De acordo com o contrato juntado aos autos (fls. 231-237), o período de estágio era de 01.9.2012 a 31.12.2012, mas o contrato foi rescindido em 07.11.2012, sob a alegação de contenção de despesas.

Embora a afirmação de Luciléia, no sentido de que Cesar Tadeu a contratou para trabalhar de estagiária na Barra do Guarita, e que a proposta de estágio se deu em troca de voto, o fato não foi minimamente comprovado em nenhum outro elemento de prova constante dos autos. Trata-se de mera alegação que não tem força suficiente a amparar o juízo condenatório.

A conclusão contida na sentença, no sentido de que o município, caso houvesse efetivamente dificuldades financeiras, não a contrataria por um curto período de tempo e nem rescindiria o contrato com antecedência, é conjectura que não encontra amparo no caderno probatório. Ainda que o depoimento da ex-estagiária tenha sido claro, direto e sem qualquer indicativo de prejudicar alguém, há de se sopesar que a prova é isolada e não encontra arrimo em qualquer outra evidência de captação ilícita de sufrágio, conduta vedada ou abuso de poder. Nessa linha, transcrevo excerto do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (fl. 1.142-1.142v.):

Também no tópico chega-se a conclusão de que a prova não é robusta a ponto de determinar a procedência da representação. O convencimento do órgão julgador está baseado no depoimento de Luciléia Botega, no seguinte sentido:

Depoimento de Luciléia Botega (folhas 430 e 432, testemunho em áudio): afirma ter trabalhado de estagiária no colégio na Barra do Guarita, no período de setembro a novembro de 2012; afirma que teria sido um contrato em troca de voto para Cesar Tadeu; que não teria participado da campanha eleitoral de Cesar; que a promessa de voto teria influenciado ela a votar no candidato.

Conquanto não haja evidência de que Luciléia Botega estaria comprometida com o partido representante, fato é que a procedência da representação tem por elemento unicamente o testemunho dela, quanto à possível contratação como estagiária, por meio da pessoa de CESAR e quanto à possível finalidade de obter o seu voto. Nesse contexto, chega-se a conclusão de que, não é razoável considerar a prova robusta a ponto de determinar a procedência da representação, pois inexistem outros elementos a corroborar de forma mínima o testemunho unilateral. (Grifos do original.)

A captação ilícita de sufrágio consiste na promessa ou oferecimento de vantagem ao eleitor em troca de voto. Tratando-se de norma restritiva, mostra-se imperioso que o investigante comprove os ilícitos que alega de forma robusta e incontroversa, com provas sólidas e convincentes que confiram credibilidade à versão da testemunha exclusiva, o que não ocorreu.

Portanto, assiste razão aos recorrentes. O caderno probatório não revela ter havido aliciamento espúrio de eleitores, não se prestando a comprovar a relação negocial de compra e venda do voto repudiada pela Lei Eleitoral no seu art. 41-A.

Desse modo, ausente a negociata, a manobra escusa na busca do voto do eleitor, tampouco estampado o benefício supostamente auferido, os autos apenas retratam a contratação de pessoas, na forma de emprego em empresa terceirizada ou de estágio junto ao Executivo Municipal, sem malferimento à legislação eleitoral.

A punição tão gravosa contida no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 reclama prova inequívoca da compra de votos, não sendo suficientes meras ilações.

Nesse passo, a jurisprudência do TSE, em caráter exemplificativo:

REspe – Recurso Especial Eleitoral n. 49871 – Jardim/MS, Acórdão de 05.6.2014, Relator: Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA

Recurso especial. Representação. Captação Ilícita de sufrágio. Vereador. Eleições 2012.

1. [...]

2. [...]

3. A aplicação das sanções previstas no art. 41-A da Lei das Eleições exige prova robusta de que o candidato participou de forma direta com a promessa ou a entrega de bem em troca do voto ou, de forma indireta, com ela anuiu ou contribuiu, não bastando meros indícios e presunções.

(AgR-REspe – Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 66173 – Palmeiras do Tocantins/TO. Acórdão de 01.7.2014 Relator: Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA.) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS. DESPROVIMENTO.

1. Consoante a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a captação ilícita de sufrágio pode ser comprovada mediante prova exclusivamente testemunhal, desde que demonstrada, de forma inconteste, a ocorrência de uma das condutas previstas no art. 41-A da Lei 9.504/97.

2. No caso dos autos, porém, os depoimentos colhidos em juízo revelam-se frágeis, tendo a Corte Regional assentado não somente a existência de contradições, como também que nenhuma das testemunhas presenciou o agravado Evandro Pereira de Sousa oferecendo dinheiro a Jacivan Alves Damaceno em troca de seu voto.

3. Agravo regimental desprovido.

(AgR-AI – Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 44498 – Tupaciguara/MG. Acórdão de 24.6.2014 Relatora: Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO.) (Grifei.)

Diante do exposto, e na linha do parecer ministerial, afasto a preliminar de nulidade e VOTO pelo provimento do recurso, reformando a sentença para julgar improcedente a ação.