REC - 1298 - Sessão: 20/03/2015 às 19:30

RELATÓRIO

Trata-se de recurso inominado interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA DO RIO GRANDE DO SUL - PP contra decisão monocrática que extinguiu, sem apreciação do mérito, a ação anulatória de débito, com pedido liminar de antecipação de tutela, proposta pelo ora recorrente, diante da impossibilidade jurídica do pedido.

A agremiação alega que a demanda proposta não visa desconstituir o acórdão de desaprovação das contas de campanha eleitoral mas, sim, a validade dos requisitos legais de formação do título executivo, efeito este secundário do referido julgado. Reprisa o argumento da desobrigação de os diretórios municipais abrirem conta autônoma para a campanha eleitoral, motivo pelo qual a decisão deste Tribunal não se coaduna com a melhor interpretação da regra. Refere que se trata de título executivo extrajudicial, o qual, por sua natureza própria, mostra-se passível de desconstituição sem que se atinja a coisa julgada, ou seja, sem que se ataque a decisão que desaprovou as contas de campanha eleitoral desta agremiação partidária. Acresce que todos os requisitos legais para o pedido de anulação encontram-se presentes, não importando que a via eleita não esteja consagrada no âmbito da Justiça Eleitoral. Sustenta, também, que a possibilidade de discussão dos requisitos legais de formação do débito encontra ainda amparo por meio de remédio jurídico de embargos à execução […]. Requer, por fim, seja revertida a decisão que obstou o normal curso da ação anulatória (fls. 134-143).

É o relatório.

 

 

 

VOTO

1. Admissibilidade

Verifico, de início, que a agremiação ingressou com recurso inominado a fim de que a decisão, prejudicial aos seus interesses, possa ser apreciada pelo órgão colegiado deste Regional. Todavia, cumpre esclarecer que o agravo regimental é o instrumento processual adequado em situações como a dos presentes autos, de acordo com o art. 118 do Regimento desta Casa, que assim dispõe:

A parte, que se considerar prejudicada por despacho do Presidente ou do relator, poderá requerer que se apresentem os autos em mesa para mantença ou reforma da decisão.

§ 1º Admitir-se-á agravo regimental tão somente quando, para a hipótese, não haja recurso previsto em lei.
§ 2º O prazo para interposição desse recurso será de três (3) dias, contados da publicação ou da intimação do despacho. (Grifei.)

Tendo em conta a apresentação tempestiva do apelo, e em homenagem ao princípio da fungibilidade recursal, que prioriza a finalidade ao invés da forma, conheço do recurso inominado como se agravo regimental fosse.

 

2. Mérito

No mérito, insurge-se o agravante contra a decisão monocrática que extinguiu, sem apreciação do mérito, o pleito formulado na ação anulatória de débito proposta, em vista da impossibilidade jurídica do pedido.

A decisão combatida foi exarada nos seguintes termos:

Vistos etc.

Trata-se de AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO, com pedido liminar de antecipação de tutela, proposta pelo PARTIDO PROGRESSISTA DO RIO GRANDE DO SUL- PP contra a UNIÃO (fls. 02-14 e docs. de fls.15-129).

Informa a agremiação que, nos autos do processo PC n. 7214-05.2010.6.21.0000, julgado neste Tribunal em 16.05.2011, teve desaprovadas suas contas relativas às eleições de 2010, determinando-se a transferência do valor de R$ 119.154,00 ao Tesouro Nacional, quantia considerada de origem não identificada em virtude de provir de diretórios municipais que utilizavam contas bancárias preexistentes, além da suspensão do repasse das novas quotas do Fundo Partidário pelo período de 12 meses.

Sustenta que a necessidade de abertura de conta-corrente específica era uma inovação, mas que a Resolução TSE n. 23.217/2010 não contemplava a obrigatoriedade de os diretórios municipais abrirem conta autônoma para a campanha eleitoral, motivo pelo qual a decisão deste Tribunal não se coaduna com a melhor interpretação da regra. Aduz que a discussão da matéria restou estagnada neste Tribunal, visto que o recurso especial interposto foi considerado intempestivo, não alcançando resultado as demais inconformidades apresentadas.

Entende que o débito merece ser anulado antes mesmo da efetivação da dívida e da propulsão do processo de execução fiscal, visto que os recursos financeiros oriundos dos órgãos municipais, na maneira retratada, não constituem recursos de origem não identificada, em conformidade com a jurisprudência do TSE.

Requer, por fim, a concessão de medida liminar de antecipação de tutela, de modo a suspender a exigibilidade do crédito eleitoral, para, ao final, ver anulado o débito e o consequente lançamento fiscal.

É o relatório.

Decido.

[...]

Não merece prosperar a ação proposta.

Dentre os diversos temas sobre prestação de contas verificados nas eleições de 2010 sobressaiu aquele atinente às doações realizadas por diretórios municipais a candidatos e ao partido, pois os recursos financeiros alcançados não prescindiam da abertura de conta bancária específica para tal fim, a teor da Resolução TSE n. 23.217/2010.

Assim, nos autos do processo PC n. 7214-05, da relatoria do Dr. Eduardo Kothe Werlang, em conformidade com a análise empreendida pelo órgão técnico deste Tribunal, foram considerados recursos de fonte não identificada aqueles provindos de diretórios municipais e alcançados ao PP sem os resguardos que o regramento exigia, cuja decisão, de 16.05.2011, possui a seguinte ementa:

Prestação de contas. Eleições 2010. Parecer técnico e pronunciamento ministerial pela desaprovação. Recebimento de valores com origem não identificada.

É lícito aos partidos políticos arrecadarem e destinarem recursos às campanhas eleitorais. Obrigatoriedade, contudo, de abertura de conta bancária específica (vedado o uso de preexistente).

Aplicação do artigo 39, III, da Resolução TSE n. 23.217/2010, determinando a devolução dos valores impugnados após a decisão definitiva sobre a demonstração contábil.

Desaprovação.

[...]

Desse modo, visto que impossibilitada a aferição da higidez da contabilidade ofertada pela agremiação partidária, foram desaprovadas as contas e determinada a devolução do valor de R$ 119.154,00 ao Tesouro Nacional, além da suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário pelo período de 12 meses.

Pois bem, como o próprio Partido Progressista alega (fls. 06-07), restaram inviabilizados os recursos interpostos contra a decisão, pois intempestiva a irresignação apresentada e sem resultado aquelas tantas outras inconformidades que se seguiram. Agora, transitado em julgado o acórdão deste Tribunal, a sigla partidária busca anular o débito mediante a ação proposta, sustentado que o TSE retificou o entendimento, visto que as contribuições provindas de diretórios municipais que não abriram conta específica não constituem irregularidade a caracterizar a origem não identificada dos recursos financeiros alcançados.

Todavia, o meio buscado, ou seja, a anulação daquela decisão, não encontra suporte legal no âmbito da Justiça Eleitoral.

Observa-se que o partido almeja, na verdade, com os argumentos trazidos, rediscutir a matéria que já foi enfrentada por este Tribunal, tecendo considerações sobre julgados do TSE em sentido contrário em processos tidos como análogos, tema que se amolda à irresignação intempestiva interposta e não conhecida, não se podendo acolher sua inconformidade na forma com que agora procura afastar o débito imposto.

Descabe, assim, no âmbito da Justiça Eleitoral, ações que busquem desconstituir decisões transitadas em julgado, como no caso sob exame, ressalvada uma única exceção legalmente prevista. Nesta Justiça especializada, somente é cabível a ação rescisória para desconstituir acórdão final do TSE e restrita aos casos de inelegibilidade, conforme art. 22, inc. I, “j”, do Código Eleitoral, de acordo com entendimento sedimentado naquele Tribunal sobre a matéria:

Somente é possível ao próprio TSE rescindir seus próprios julgados, seja pela sua competência originária ou mesmo recursal. Logo, não é cabível ação rescisória das decisões dos juízes eleitorais e dos Tribunais Regionais Eleitorais. (Ação Rescisória n. 106, Acórdão SE j 16.11.2000 – Rel. Fernando Neves da Silva – DJ Volume 1, 2.2.2001, p. 235 – RJTSE, Volume 12, tomo 3, p. 11, TSE – Agravo Regimental em Ação Rescisória n. 254 – Acórdão - RJ – j. 8.5.2007 - Rel. Antonio Cezar Peluso – DJ. Data 25.5.2007, p. 269.)

[...]

Na espécie, constata-se que a agremiação busca obter por meio da anulação daquela decisão os mesmos efeitos de ação rescisória, de modo a fazer ressurgir, na verdade, a discussão sobre o acórdão lançado naquele processo específico, já transitado em julgado, convém gizar, utilizando-se desse instrumento para atacar a coisa julgada.

Deste modo, as razões agora trazidas se prestariam, isto sim, a combater o acórdão lançado naquele processo, não se podendo transpor para este momento os motivos que rechaçariam o recolhimento do valor imposto.

Não bastasse isso, A fixação de jurisprudência não é capaz de invalidar acórdão proferido em processo que tramitou dentro da normalidade, tendo em vista que não houve afronta ao devido processo legal ou a qualquer outro direito fundamental. (TSE. AgReg. n. 77.50.2012.6.12.0000. Sessão de 15.10.2013. Relator Ministro Dias Toffoli.)

Os tribunais pátrios afastam tal expediente, conforme jurisprudência que segue:

Recurso Eleitoral. Ação Declaratória de Nulidade. Prestação de Contas. Eleições de 2008. Sentença de desaprovação. Vício em intimações. Pedido julgado improcedente.

Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido. Acolhida. Não é admissível ação anulatória como sucedâneo de ação rescisória na Justiça Eleitoral, quando incabível a própria actio rescisorium. Aplicação, em contrario sensu, do art. 22., I, “j”, do Código Eleitoral. Extinção do feito sem resolução do mérito. (Recurso eleitoral n. 5-95.2011.6.13.0024 TRE/MG – Relatora Luciana Nepomuceno, Sessão de 29.04.2011.)

[...]

Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido.

Ação de prestação de contas transitou em julgado em 12.07.2010.

Incabível o ajuizamento de ação anulatória como sucedâneo de ação rescisória, ainda mais quando não há previsão de cabimento desta espécie de ação (a rescisória).

Impossibilidade jurídica do pedido de rescindir, nesta Especializada, decisão judicial transitada em julgado.

Preliminar acolhida.

Extinção do processo sem resolução do mérito. (Recurso Eleitoral n. 191-92.2010.6.13.0335, Acórdão de 08/09/2010, Relator Juiz Benjamin Rabello, Publicação: DJEMG – Diário de Justiça Eletrônico – TREMG, data 15.09.2010.)

Assim, inadmissível a pretensão perante o ordenamento jurídico eleitoral diante da restrita possibilidade de desconstituir a decisão exarada pelos meios pretendidos.

Desta forma, constatável a impossibilidade jurídica do pedido, extingue-se o processo sem resolução do mérito, nos termos do inciso VI do art. 267 do Código de Processo Civil.

Como se observa, o Partido Progressista, inviabilizado o recurso interposto contra a decisão originária em vista da intempestividade da irresignação ofertada, e sem resultado aquelas tantas outras inconformidades que se seguiram, busca anular o débito mediante a ação proposta, sustentando, em suma, que o TSE retificou o entendimento, visto que as contribuições provindas de diretórios municipais que não abriram conta específica não constituem irregularidade a caracterizar a origem não identificada dos recursos financeiros alcançados.

Como consignado na decisão, inadmissível a pretensão perante o ordenamento jurídico eleitoral, pois somente ao próprio TSE é possível rescindir seus julgados, e de modo restrito aos casos de inelegibilidade.

O agravante sustenta que a demanda proposta não almeja desconstituir o acórdão de desaprovação das contas, mas, isto sim, a validade dos requisitos legais de formação do título executivo, efeito este secundário do referido julgado. Além disso, reproduz o argumento da desobrigação de os diretórios municipais abrirem conta autônoma para a campanha eleitoral daquele ano de 2010.

Novamente sem razão o partido.

Ainda que a agremiação alegue que não intentava contra a decisão que desaprovou as contas da campanha eleitoral do pleito daquele ano, não alcançando a coisa julgada, em verdade não é outra a intenção buscada com a rediscussão do que já foi debatido e decidido neste Tribunal, acórdão transitado em julgado.

A agremiação afirma que seu desiderato é desconstituir a validade dos requisitos legais de formação do título executivo, pois, de acordo com a inicial, o fato gerador do débito (os fundamentos jurídicos que embasaram a formação do débito) – as doações dos diretórios municipais e a utilização de tais recursos na campanha eleitoral – não foi recepcionado pelo TSE.

A decisão que desaprova a prestação de contas da agremiação, contida nas fls. 383-387 da PC n. 7214-05, vem alicerçada nas incorreções apontadas pelo órgão técnico deste Tribunal, quais sejam, as doações realizadas por aqueles diretórios que não abriram conta bancária específica de campanha, restando assentado o entendimento de que o alcance de numerário por aqueles órgãos conduz à desaprovação das contas, visto que evidenciada a arrecadação de recursos provenientes de diretórios municipais do partido sem o cumprimento das medidas obrigatórias a viabilizar a identificação dos valores doados.

Ora, diante dessa premissa, o fato gerador do débito, a qual o agravante busca afastar, mostra-se a essência da decisão provinda deste Tribunal, não se podendo desconstituí-lo sem alcançar a coisa julgada, opção que encontra amparo, nesta Justiça Especializada, somente em relação ao próprio TSE e seus julgados, ainda assim restrita aos casos de inelegibilidades.

Ainda que o TSE tenha modificado seu entendimento posteriormente, convém repetir que A fixação de jurisprudência não é capaz de invalidar acórdão proferido em processo que tramitou dentro da normalidade, tendo em vista que não houve afronta ao devido processo legal ou a qualquer outro direito fundamental. (TSE. AgReg. n. 77.50.2012.6.12.0000. Sessão de 15.10.2013. Relator: Ministro Dias Toffoli.)

Desse modo, verificado o trânsito em julgado do acórdão que desaprovou as contas, não pode prosperar a anulação pretendida do débito, devendo a sigla partidária buscar discutir a formação do débito na via própria, mediante as alternativas legais disponíveis, não com a pretendida ação anulatória oferecida.

Com essas considerações, não vislumbro motivo para alterar o decidido monocraticamente.

Diante do exposto, VOTO no sentido de negar provimento ao Agravo Regimental.