RC - 43426 - Sessão: 21/10/2015 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto (fls. 549-556) por ARIOSTO IRENO MATHIAS e GLÊNIO LORENTZ GASPARY contra sentença (fls. 501-525v.) do Juízo Eleitoral da 82ª Zona Eleitoral, sediada em São Sepé, em caso que se apurou a prática do delito previsto no art. 299 do Código Eleitoral.

A referida decisão, em resumo, condenou os réus às seguintes penas: 

- ARIOSTO IRENO MATHIAS à pena de (9) nove meses de reclusão, cumulada com 30 (trinta) dias-multa, à razão de 1/5 (um quinto) do salário-mínimo pela prática de corrupção eleitoral, em cinco fatos distintos, sendo que cada fato gerou uma condenação, individualmente;

- GLÊNIO LORENTZ GASPARY à pena de (9) nove meses de reclusão, cumulada com 30 (trinta) dias-multa, à razão de 1/5 (um quinto) do salário-mínimo, pela prática de corrupção eleitoral, em um fato.

Apresentam preliminar, suscitando a prescrição. No mérito, pugnam pela reforma da sentença e consequente absolvição, à míngua de comprovação da materialidade dos ilícitos.

Com as contrarrazões do Parquet Eleitoral (fls. 559-583), vieram os autos a esta instância.

Os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que apresentou parecer pelo desprovimento do recurso, fls. 587-597.

É o relatório.

 

 

 

VOTO

O recurso merece recebimento, eis que interposto no prazo de 10 dias previsto no artigo 362 do Código Eleitoral, conforme fls. 546v.-547 v. e a interposição recursal à fl. 549.

Verificados os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Preliminar

Prescrição

Os recorrentes suscitam prescrição, levando-se em conta a pena concretamente aplicada (inferior a um ano) e as respectivas datas (1) do fato e (2) do recebimento da denúncia.

Não houve prescrição.

Note-se que, antes de ocorrido o trânsito em julgado (caso dos autos), a prescrição penal eleitoral, na falta de regulamentação própria, é regulada pelo art. 109 do Código Penal. Aliás, mais especificamente, o caso posto é regulado pelo art. 109, VI, do CP:

Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no §1° do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

(...)

VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.  (Grifei.)

Transcrevo o art. 110, § 1°, do Código Penal, porquanto, no caso posto, houve trânsito em julgado para a acusação, com a redação dada pela Lei n. 12.234, de 5 de maio de 2010, ou seja, já vigente à época dos fatos:

Art. 110. (...)

§ 1o  A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. (Grifei.)

Regulado pelas penas aplicadas – nove meses de reclusão – o prazo prescricional continua a ser o de 3 (três anos).

A sentença foi publicada no DEJERS em 27 de novembro de 2014, conforme certidão de fl. 545.

Não ocorrida, portanto, a prescrição em relação a qualquer das condenações.

Antes de adentrar no mérito, merecem registro duas situações.

A primeira delas diz respeito à coleta do interrogatório dos réus ao início da instrução, quando, conforme reiterada jurisprudência, deveria ter sido realizada no final da instrução.

A segunda, refere-se à fixação da pena-base em patamar abaixo do mínimo legal, que para o delito do art. 299 do Código Eleitoral seria de 1 ano, a teor do que dispõe o art. 284 do mesmo diploma legal.

Como não houve irresignação a respeito, operou-se a preclusão em relação a ambas as circunstâncias.

Mérito

Imputa-se o oferecimento de benesses aos eleitores, consistente na prestação de serviços de trator para construção de açudes e similares, em troca de voto ao candidato Ariosto Mathias.

Como se percebe, os ilícitos narrados na denúncia reportam-se à prática conhecida popularmente como “compra de votos”, prevista na legislação eleitoral no art. 299 do Código Eleitoral:

Art. 299 – Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita.

Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.

Os delitos consideram-se ocorridos independentemente da aceitação ou não da oferta, por isso se diz ser crime meramente formal, que independe do resultado.

O exame do recurso impõe a apreciação da prova produzida nos autos, tarefa que muito bem se desincumbiu o douto juiz eleitoral, analisando cada um dos fatos postos na denúncia.

1° Fato:

Segundo descrito na denúncia, em data não especificada, mas no período compreendido entre os meses de agosto e setembro de 2012, na Localidade do Cerro de Formigueiro, no Município de Formigueiro, os denunciados ARIOSTO e EDUARDO, em comunhão de esforços e conjugação de vontades, com a finalidade de obter votos dos familiares de DARCY SIMÕES BARCELLOS ao candidato a vereador ARIOSTO, ofereceram e deram vantagem a DARCY, consistente na prestação gratuita de serviços de trator, caçamba e retroescavadeira para construção de um açude na propriedade daquele último.

Em relação a esse fato, o douto magistrado, após tecer comentários acerca do conjunto probatório, manifestou-se no seguinte sentido:

No presente caso, no contexto específico deste primeiro fato analisado, o eleitor DARCY BARCELLOS, embora reconhecendo que, a mando do réu de ARIOSTO, fora executado um serviço de construção de açude em favor daquele primeiro agricultor, negou em Juízo que ARIOSTO ou o terceiro executor do serviço (EDUARDO SCHIRMER) o tenham oferecido em troca de votos.

O conjunto probatório, contudo, converge em sentido oposto.

Os demais elementos de prova colhidos nos autos, dentre os quais, principalmente, o conteúdo da interceptação telefônica e os depoimentos prestados em Juízo pelas testemunhas EZIO ARDANAZ e ERON SILVEIR, demonstram de forma segura que o réu ARIOSTO ofereceu em favor de diferentes agricultores, em troca de votos, a execução do serviço de construção de açudes, estando incluído entre tais agricultores, inequivocamente, o eleitor DARCY.

Ou seja, existe perfeita adequação formal e material entre a conduta praticada pelo réu ARIOSTO (oferecimento de vantagem a terceiro eleitor em troca de votos para si) e o tipo objetivo descrito no art. 299 do CE.

Neste contexto, não havendo causas passíveis de excluir a ilicitude ou culpabilidade do aludido réu, cumpre que se reconheça o cometimento do crime imputado pelo Ministério Público.

2º Fato:

Segundo descrito na denúncia, em data não especificada, mas no mês de agosto de 2012, na Localidade de Colônia do Aroeira, no Município de Formigueiro, os denunciados ARIOSTO e EDUARDO, em comunhão de esforços e conjugação de vontades, com a finalidade de obter votos de ESCOLÁSTICO GONÇALVES DA SILVA ao candidato a vereador ARIOSTO, ofereceram e deram vantagem a ESCOLÁSTICO, consistente na prestação gratuita de serviços de trator para construção de um açude na propriedade daquele último.

Aqui, também, colho na sentença:

No que pertine a este segundo fato processado, o réu ARIOSTO, ao ser interrogado, negou ter oferecido qualquer vantagem em favor do eleitor ESCOLÁSTICO DA SILVA. Aduziu não saber se EDUARDO executara algum serviço em favor do agricultor ESCOLÁSTICO, ressalvando que, se o fizera, EDUARDO agira por sua própria responsabilidade.

Já o réu EDUARDO, por sua vez, no seu interrogatório, embora negando ter pedido votos a ESCOLÁSTICO, afirmou que fora ARIOSTO quem pedira que ele, EDUARDO, prestasse, “gratuitamente”, serviços em favor do agricultor e eleitor ESCOLÁSTICO. EDUARDO ainda aduziu ter dito a ESCOLÁSTICO que os outros açudes que ele, EDUARDO, havia construído em favor de outros eleitores haviam sido oferecidos por ARIOSTO a estas outras pessoas em troca de votos.
A testemunha ESCOLÁSTICO GONÇALVES DA SILVA, ao ser inquirida em Juízo, confirmou que EDUARDO lhe procurou e disse que poderia, gratuitamente, construir um açude na propriedade dele, depoente, caso ele e outros familiares dele votassem em ARIOSTO. Ressalvou, porém, ter dito a EDUARDO que não venderia o seu voto. Aduziu que, mesmo diante de sua negativa de vender o voto, EDUARDO executou o serviço. Afirmou não ter pago nenhum valor pelo trabalho executado, aduzindo que, mesmo assim, EDUARDO lhe pedira para emitir um recibo. Confirmou, por fim, que EDUARDO também lhe dissera que já havia executado outros serviços gratuitamente a diferentes agricultores em troca de votos para ARIOSTO.

b.3) Da Adequação Típica:

No que diz respeito a este segundo fato processado, restou demonstrado que o réu ARIOSTO, agindo na condição de candidato a vereador, ofereceu, por intermédio de terceira pessoa (EDUARDO SCHIRMER), vantagem a outrem em troca de votos, uma vez que prometeu ao agricultor e eleitor ESCOLÁSTICO DA SILVA a construção de um açude em benefício deste último caso ele e seus familiares votassem em ARIOSTO.
Ou seja, uma vez mais, existe perfeita adequação formal e material entre a conduta praticada pelo réu ARIOSTO (oferecimento de vantagem a terceiro eleitor em troca de votos para si) e o tipo objetivo descrito no art. 299 do CE.

No caso, cabe ressalvar que o fato do eleitor ESCOLÁSTICO ter declarado não ter aceitado a promessa e não ter “vendido” seu voto em nada desnatura a adequação típica da conduta de ARIOSTO, uma vez que, consoante expressa previsão no tipo do art. 299, a não-aceitação da oferta pelo eleitor não descaracteriza a tipicidade da conduta.

Neste contexto, não havendo causas passíveis de excluir a ilicitude ou culpabilidade, cumpre que se reconheça o cometimento do crime imputado pelo Ministério Público ao réu ARIOSTO.

3º Fato:

Segundo descrito na denúncia, em data não especificada, mas no mês de agosto de 2012, na Localidade do Cerro de Formigueiro, no Município de Formigueiro, os denunciados ARIOSTO e EDUARDO, em comunhão de esforços e conjugação de vontades, com a finalidade de obter votos para o candidato a vereador ARIOSTO, ofereceram e deram vantagem ao eleitor IDALÉCIO RODRIGUES BAIRROS, consistente na prestação gratuita de serviços de trator (lavra e discagem da terra) na propriedade daquele último.

Da mesma forma, elucidativa a sentença:

No que se refere a este terceiro fato processado, o réu ARIOSTO, no seu interrogatório, negou, igualmente, ter oferecido qualquer vantagem em favor do eleitor IDALÉCIO BAIRROS.

Já o réu EDUARDO, por sua vez, no seu interrogatório, consoante acima se viu, admitiu ter executado, a mando de ARIOSTO, serviços de construção de açudes em favor de diferentes agricultores, dentre os quais o eleitor IDALÉCIO.

A testemunha IDALÉCIO RODRIGUES BAIRROS, quando ouvida em Juízo, afirmou que EDUARDO, em uma ocasião, se dirigiu à casa do depoente e ofereceu a execução de serviços de trator em seu favor, dizendo que poderia executar tais serviços gratuitamente caso IDALÉCIO votasse no candidato ARIOSTO. Confirmou que EDUARDO executou o serviço prometido, sem que ele, IDALÉCIO, tenha pago qualquer valor em retribuição. Aduziu que EDUARDO também pediu que familiares do depoente votassem em ARIOSTO. Por fim, referiu ter, diante da insistência de EDUARDO, concordado em votar em ARIOSTO em troca da execução do serviço (conforme mídia acostada aos autos).

c.3) Da Adequação Típica:

Da mesma forma, no que tange a este terceiro fato processado, restou demonstrado que o réu ARIOSTO, agindo na condição de candidato a vereador, ofereceu, por intermédio de terceira pessoa (EDUARDO SCHIRMER), vantagem a outrem em troca de votos, uma vez que prometeu ao agricultor e eleitor IDALÉCIO BAIRROS a construção de um açude em benefício deste último caso ele e seus familiares votassem em ARIOSTO.

Ou seja, uma vez mais, existe perfeita adequação formal e material entre a conduta praticada pelo réu ARIOSTO (oferecimento de vantagem a terceiro eleitor em troca de votos para si) e o tipo objetivo descrito no art. 299 do CE.

Neste contexto, não havendo causas passíveis de excluir a ilicitude ou culpabilidade, cumpre que se reconheça o cometimento do crime imputado pelo Ministério Público ao réu ARIOSTO.

4º Fato:

Segundo descrito na denúncia, em data não especificada, mas no período compreendido entre os meses de agosto/setembro de 2012 e a data de 07/10/2012, na Localidade de Colônia do Aroeira, no Município de Formigueiro, os denunciados ARIOSTO e EDUARDO, em comunhão de esforços e conjugação de vontades, com a finalidade de obter votos de ADELINO CONCARI ao candidato a vereador ARIOSTO, ofereceram e deram vantagem a ADELINO, consistente na prestação gratuita de serviços de trator para construção de um açude na propriedade daquele último.

Novamente a análise do contexto probatório é irretocável:

O réu ARIOSTO, ao ser interrogado, negou ter oferecido qualquer vantagem em favor do eleitor ADELINO CONCARI.

EDUARDO SCHIRMER, por sua vez, no seu interrogatório, admitiu ter executado, a mando de ARIOSTO, serviços de construção de açudes em favor de diferentes agricultores, dentre os quais o eleitor ADELINO.

A testemunha SELMAR CONCARI afirmou ser filho de ADELINO CONCARI, já falecido à época do depoimento. Aduziu que, em data próxima às eleições de 2012, seu pai lhe contou ter pago a quantia aproximada de R$ 900,00 para que fosse construído um “bebedor” na propriedade dele, ADELINO. Referiu que seu pai nada lhe referiu sobre o fato de alguém ter oferecido a execução gratuita de tal serviço em troca de votos. Negou que seu pai tenha pedido que ele, depoente, votasse em favor de ARIOSTO.

Contudo, tal qual se viu quando do exame do primeiro fato imputado, a negativa do eleitor beneficiado encontra-se isolada no contexto probatório dos autos. Com efeito, o conteúdo da interceptação telefônica e os depoimentos prestados em Juízo pelas testemunhas EZIO ARDANAZ e ERON SILVEIR demonstram de forma segura que o réu ARIOSTO ofereceu em favor de diferentes agricultores, em troca de votos, dentre os quais o agricultor/eleitor ADELINO CONCARI, a execução do serviço de construção de açudes.

Ou seja, existe perfeita adequação formal e material entre a conduta praticada pelo réu ARIOSTO (oferecimento de vantagem a terceiro eleitor em troca de votos para si) e o tipo objetivo descrito no art. 299 do CE.

Neste contexto, não havendo causas passíveis de excluir a ilicitude ou culpabilidade do aludido, cumpre que se reconheça o cometimento do crime imputado pelo Ministério Público.

d.3) Da Adequação Típica:

No que pertine a este quarto fato processado, restou demonstrado que o réu ARIOSTO, agindo na condição de candidato a vereador, ofereceu, por intermédio de terceira pessoa (EDUARDO SCHIRMER), vantagem a outrem em troca de votos, uma vez que prometeu ao agricultor e eleitor ADELINO CONCARI a construção de um açude em benefício deste último caso ele votasse em ARIOSTO.

Ou seja, uma vez mais, existe perfeita adequação formal e material entre a conduta praticada pelo réu ARIOSTO (oferecimento de vantagem a terceiro eleitor em troca de votos para si) e o tipo objetivo descrito no art. 299 do CE.

Neste contexto, não havendo causas passíveis de excluir a ilicitude ou culpabilidade, cumpre que se reconheça o cometimento do crime imputado pelo Ministério Público ao réu ARIOSTO.

Por fim, a análise do 5º e do 6º fatos foi realizada conjuntamente, já que se está diante da corrupção na modalidade ativa e passiva. É dizer, o art. 299 do Código Eleitoral criminaliza, ao mesmo tempo, a conduta de oferecer e receber dádiva.

5º Fato:

Segundo descrito na denúncia, em data não especificada, mas no mês de agosto de 2012, na Localidade de Timbaúva, no Município de Formigueiro, os denunciados ARIOSTO e EDUARDO, em comunhão de esforços e conjugação de vontades, com a finalidade de obter votos de GLÊNIO LORENTZ GASPARY ao candidato a vereador ARIOSTO, ofereceram e deram vantagem a GLÊNIO, consistente na prestação gratuita de serviços de trator para construção de um açude na propriedade daquele último.

6º Fato:

Segundo descrito na denúncia, nas mesmas condições de tempo e lugar do 5º fato, o denunciado GLÊNIO, mediante a doação de voto ao candidato a vereador ARIOSTO, recebeu vantagem correspondente à prestação gratuita de serviços de trator para construção de um açude na propriedade daquele primeiro.

No que se refere a estes últimos fatos, o réu ARIOSTO, ao ser interrogado, da mesma forma, se limitou a negar ter solicitado ao corréu EDUARDO que utilizasse o trator deste último para prestar serviços em favor do agricultor GLÊNIO GASPARY.

Já o réu EDUARDO, no seu interrogatório, além de confirmar a execução dos serviços em favor dos agricultores a pedido de ARIOSTO, dentre os quais o agricultor GLÊNIO GASPARY, enfatizou ter sido orientado pelo candidato a vereador a dar recibos aos destinatários pelos serviços executados, mesmo não tendo tais agricultores efetuado qualquer pagamento em retribuição. Referiu, neste contexto, ter emitido um recibo de R$ 700,00 em favor de GLÊNIO GASPARY, enfatizando que GLÊNIO nada pagara pela execução do serviço (conforme mídia acostada aos autos).

Já GLÊNIO, por sua vez, também acusado do cometimento deste último fato, ao ser interrogado, confirmou, em síntese, que EDUARDO construiu um açude em favor dele, interrogando, ressalvando que teria sido ele próprio, GLÊNIO, quem contratara EDUARDO e não ARIOSTO. Alegou ter pago R$ 960,00 em espécie a EDUARDO pela execução do serviço, incluindo as despesas com combustível. Afirmou, ainda, que EDUARDO jamais lhe pediu votos em favor de ARIOSTO (conforme mídia acostada aos autos).

Ou seja, é nítida a contradição entre as versões de EDUARDO de um lado e de ARIOSTO e GLÊNIO de outro.

Ocorre que há elementos probatórios que permitem concluir, sem qualquer margem para dúvida, que a versão verdadeira, no caso, é a apresentada por EDUARDO e não por aqueles dois réus.

No caso, cumpre transcrever, novamente, um trecho da conversa telefônica interceptada entre EDUARDO e a pessoa de EZIO ARDANAZ na data de 05/11/2012, na qual o primeiro relatou ao segundo que construíra um açude em favor do agricultor GLÊNIO GASPARY, enfatizando que agira com o objetivo de angariar votos para o candidato a vereador ARIOSTO e que, em tal contexto, GLÊNIO nada pagara pela execução do serviço (fls. 90-105):

E – Pois é porque eu fiz cinco açude e disquei umas 6 he de terra pra ele. Rapaiz de Deus eu fui lá faze um açude pro Glênio, não sei se tu sabe o Glênio.

ML – Qual é o Glênio?

E – O Glênio, aquele lá da Timbaúva, da onde ele fez a festa.

ML – Ta loco?

E - (...)

ML – o Glênio do cabrito?

E – Isso. Aquele home ali eu fiz um açude ali rapaiz, eu vinha pra casa, quando enxugava eu ia de novo, com o trator batendo tração, pra baixo e pra cima, umas 3 vez, eu fui lá pra termina o açude do home. Tu já viu só.

ML – De graça?

E – De graça criatura, só não comenta nada que eu confio em ti. Mamo vê pode sê.

ML – Não, não pode fica tranquilo. Mais olha, eu lamento muito, mais eu acho que tu vai te que senta e bota, bota(...). Olha eu acho que tu tinha que pega tua mulher, manda faze uma conta e bota no papel isso ai e apresenta pra ele, é o mínimo que pode acontece.

Por outro lado, consta, na fl. 72 dos autos, cópia de recibo emitido e assinado por EDUARDO, declarando ter recebido de GLÊNIO a quantia de R$ 960,00 pela execução do serviço em questão. Ocorre que, conforme se depreende do teor da conversa telefônica interceptada e das declarações prestadas em Juízo por EDUARDO, o aludido documento é falso, tendo sido emitido por aquele último por orientação de ARIOSTO com o objeto de atribuir aparência de licitude à operação de compra de votos concertada entre o candidato a vereador e o agricultor GLÊNIO, com a participação de EDUARDO, responsável pela execução do serviço em favor do agricultor.

e.3) Da Adequação Típica:

No que diz respeito também a este quinto fato processado, restou demonstrado que o réu ARIOSTO, agindo na condição de candidato a vereador, ofereceu, por intermédio de terceira pessoa (EDUARDO SCHIRMER), vantagem a outrem em troca de votos, uma vez que prometeu ao agricultor e eleitor GLÊNIO LORENTZ GASPARY a construção de um açude em benefício deste último caso ele e seus familiares votassem em ARIOSTO.

Ou seja, uma vez mais, existe perfeita adequação formal e material entre a conduta praticada pelo réu ARIOSTO (oferecimento de vantagem a terceiro eleitor em troca de votos para si) e o tipo objetivo descrito no art. 299 do CE.

Já no que condiz ao sexto fato processado, atribuído a GLÊNIO GASPARY, restou demonstrado que o aludido agricultor recebeu, efetivamente, vantagem correspondente à prestação gratuita de serviços de trator para construção de um açude, isto mediante a promessa de doação de voto para o candidato a vereador ARIOSTO. Neste contexto, impende destacar que o art. 299 do CE não criminaliza apenas a conduta de oferecer vantagem em troca de votos, mas também de receber, para si, dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem para dar voto a outrem, o que significa dizer que a conduta praticada pelo eleitor GLÊNIO, no caso, também é penalmente típica.

Cabe enfatizar que a conversa telefônica interceptada entre as pessoas de EDUARDO e ÉZIO, acima transcrita, consiste em prova cabal não apenas de que EDUARDO executou o serviço de construção de açude em favor de GLÊNIO sem receber qualquer contraprestação pecuniária, como também que o serviço foi executado porque GLÊNIO aceitou a proposta de EDUARDO (realizada a pedido de ARIOSTO) de que aquele eleitor desse seu voto em favor do candidato a vereador.

Neste contexto, não havendo causas passíveis de excluir a ilicitude ou culpabilidade de ARIOSTO ou GLÊNIO quanto ao quinto e sexto fatos, respectivamente, cumpre que se reconheça o cometimento dos crimes imputados pelo Ministério Público aos aludidos réus.

Apesar das teses defensivas lançadas neste feito, o exame do farto conjunto probatório, consistente em interceptações telefônicas e testemunhos, aliado à prévia condenação pelos mesmos fatos em representação que apurou a espécie do art. 41-A da Lei 9.504/97, versão cível da “compra de votos”, tenho pelo desprovimento do recurso.

De fato, a circunstância de ter havido condenação em representação baseada em captação ilícita de sufrágio, não induz, necessariamente, à procedência da ação criminal.

Não desconheço a independência das instâncias cível e criminal, todavia, não se pode ignorar a situação de que esses mesmos fatos já obtiveram apreciação judicial, transitada em julgado, ainda que sob a ótica de diversa jurisdição.

Trata-se do RE n. 436-93.2012.6.21.0082, julgado em 06 de maio de 2014, da relatoria da Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, minha antecessora, utilizado como fundamento da sentença e juntado aos autos do presente recurso, às fls. 528-544, ementado nos seguintes termos:

Recurso. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Vereador. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Pedido de cassação do diploma. Improcedência no juízo originário.

Contexto probatório demonstrando a atuação conjunta do representado e de seu cabo eleitoral na consecução de prestação gratuita de serviços com trator em propriedades rurais em troca do voto.

Confissão do responsável direto pela compra de votos e conteúdo de interceptações telefônicas autorizadas judicialmente evidenciam forte vínculo entre o cabo eleitoral e o candidato beneficiário.

Reconhecimento dos ilícitos perpetrados com a consectária cassação do diploma e anulação da votação auferida pelo representado eleito, sem possibilidade do cômputo desses votos pela legenda.

Provimento.

Esse feito transitou em julgado em 05 de junho de 2014, nele sendo reconhecido, de forma inequívoca, a existência de forte esquema de compra de votos, orquestrado pelo recorrente Ariosto Mathias e executado por Eduardo Schirmer.

Ressalto que o cabo eleitoral Eduardo Schirmer, nesta ação penal também havia sido denunciado. No entanto, aceitou a suspensão condicional do processo. Esse é o mesmo cidadão que, nos autos da representação RE n. 436-93.2012.6.21.0082, foi condenado à pena de multa, e Ariosto, multa e cassação do diploma.

Por elucidativo, transcrevo o que constou no r. acórdão:

Os pilares da prova, nestes autos, são os depoimentos dos representados ARIOSTO e EDUARDO; os testemunhos de Escolástico Gonzáles Gonçalves da Silva, Idalécio Rodrigues Bairros, Darcy Simões Barcelos, Paulo Roberto Ferreira Vieira, Augusto Stromm Bairros, Selmar Concari, Glênio Lorentz, Eron Silveira, Gildomar Silveira Antonelli, Ézio Roberto Ardanaz, José Celso Rosa Silva, Idélio Folleto, José Luiz Berger e Geraldo Giacomini, bem como os diálogos gravados mediante interceptação telefônica autorizada judicialmente, provas colhidas tanto na instrução própria do presente feito, quanto na colheita realizada por ocasião da instrução da Ação Penal n. 434-26.2012.21.6.0082.

E, de fato, entendo que a sentença é de ser reformada.

Muito embora o respeitável juízo de origem tenha entendido não haver nos autos elementos suficientes para dar firmeza a uma condenação, fato é que alguns testemunhos e, sobretudo, o conteúdo dos diálogos interceptados, dão conta da existência de um forte esquema de compra de votos por parte do candidato representado ARIOSTO IRENO MATHIAS, executado pelo representado EDUARDO SOUZA SCHIRMER.

Nessa linha, a seguinte passagem do testemunho de Escolástico González Gonçalves da Silva, com grifos aproveitados da transcrição realizada pelo Ministério Público Eleitoral, nas razões de recurso, verbis:

ESCOLÁSTICO GONZÁLES GONÇALVES DA SILVA, ouvido em juízo, afirmou:

Juiz: (...) O Ariosto era candidato a vereador, ele teria contratado o Eduardo pra construir açudes e o Ariosto pagava esses açudes, o Eduardo construía, em troca de voto. Um desses açudes foi construído para o Senhor, é verdade isso ou não é?

Testemunha: Açude mesmo não, é uma sanguinha.

Juiz: Tá, sanguinha.

Testemunha: É, uma sanguinha.

Juiz: Construíram?

Testemunha: Construíram.

Juiz: Quem que construiu? O Eduardo?

Testemunha: O Seu Eduardo Schirmer foi quem construiu o açude.

Juiz: Tá, quem pagou?

Testemunha: O ... deram recibo que era pra dizer que foi pago e agora eu estou sentado na sua frente, Doutor. Eu estou aqui pra não mentir.

Juiz: Não, eu quero a verdade. Até porque o Senhor tem o compromisso de dizer a verdade. O Senhor é testemunha.

Testemunha: Aham, deixa eu falar a verdade.

Juiz: Ahn?

Testemunha: O AÇUDE NÃO FOI PAGO, O RECIBO FOI SÓ POR DAR O RECIBO.

Juiz: Então o Senhor não pagou açude nenhum?

Testemunha: NÃO FOI PAGO. FOI COMPRADO A TROCO DE VOTO.

Juiz: A compra de voto pelo seu Ariosto? Foi justamente o que o Eduardo hoje prestou depoimento aqui nos disse, que ele é réu, ele confessou.

Testemunha: Sim, sim, Senhor.

Juiz: É isso então?

Testemunha: (Assentiu com a cabeça).

Juiz: E o Senhor pediu pra fazer o açude ou não? O Ariosto mandou fazer lá, essa "sanguinha".

Testemunha: O que eu falei com o seu Eduardo "Schirma", um dia eu vinha vindo do meu serviço e ele me deu uma carona no trator.

Juiz: Sim.

Testemunha: Mas não se tratando de política.

Juiz: Sim, sim.

Testemunha: Aí eu vou e pergunto pra ele: "escuita", quanto é que tu tá cobrando a hora? Pra fazer um açude aí pra fora, porque eu tinha um buraco lá pra tapar. Ele foi e me deu a... me deu o preço que eu não to lembrado agora quanto é que saía.

Juiz: Sim.

Testemunha: Disse não, mas a gente dá um jeito de "fazê". Dá um jeito de "fazê". E foi quando ele foi lá, para fazer o açude.

Juiz: Tá, mas quando ele disse a gente de fazer, ele disse que o Ariosto pagava? Pediu voto pro Ariosto?

Testemunha: Olha, ele voto pediram.

Juiz: Pediu?

Testemunha: E eu como sou um homem que não entendo da coisa, um homem nervoso, como eu que eu, não trato... nunca gostei de "vim" nisso aqui.

Juiz: Sim.

Testemunha: Então me pressionaram, aí eu disse, então possam fazer.

Possam fazer. E mesmo que eu precisava dessa água, mas nunca que pensei que seria por isso.

Juiz: Que idade que o Senhor tem?

Testemunha: 61 anos.

Juiz: O Senhor entendeu isso como compra de voto do Senhor? Já que lhe pediram voto pra construir o açude de graça.

Testemunha: Sim, e aí o nosso saiu cobrado.

Juiz: Tá bom. Pelo Ministério Público.

Ministério Público: Senhor Escolástico, nessa ocasião, o Senhor disse que o Eduardo ofereceu fazer de graça se o Senhor votasse no Ariosto?

Testemunhas: Sim, Senhor.

Ministério Público: Ele pediu voto também pros seus familiares pro Ariosto?

Testemunha: Pro meu familiar?

Ministério Público: Os teus familiares, disse "ó, arruma mais uns votos com os familiares ai!", ele pediu?

Testemunha: Eles pediram, se eu não "conseguia" "arruma". Não.

Ministério Público: Não deu?

Testemunha: Não dei. Não.

MINISTÉRIO PÚBLICO: MAS ELE PEDIU?

TESTEMUNHA: PEDIU.

Ministério Público: Tá.

Testemunha: Pediu, mas não falaram mais. Chega já que eu tava impressionado com isso.

Ministério Público: Tá, e o Senhor disse pra ele que iria votar no Ariosto? Pro Eduardo.

Testemunha: Sim.

Ministério Público: Quando o Eduardo ofereceu fazer o serviço de graça se o Senhor votasse no Ariosto.

Testemunha: Votei nesse aí uma vez, que deve ser esse aqui e (inaudível).

MINISTÉRIO PÚBLICO: VOTOU?

TESTEMUNHA: VOTEI. SIM, SENHOR.

MINISTÉRIO PÚBLICO: VOTOU NO ARIOSTO?

TESTEMUNHA: VOTEI NO ARIOSTO E PRO GILDO.

MINISTÉRIO PÚBLICO: TÁ, OK.

TESTEMUNHA: FOI OS DOIS QUE VOTEI. ENTÃO, ISSO AÍ QUE EU FIZ.

MINISTÉRIO PÚBLICO: ELE PEDIU PRO ARIOSTO E PRO GILDO?

TESTEMUNHA: É. VOTEM PRO ARIOSTO E PRO GILDO. E EU VOTEI .

MINISTÉRIO PÚBLICO: VOTOU?

TESTEMUNHA: VOTEI, SIM.

MINISTÉRIO PÚBLICO: E AÍ O SENHOR GANHOU O SERVIÇO DE GRAÇA?

TESTEMUNHA: FICOU DE GRAÇA. E O... ESSE COMPROVANTE, QUE ELES ME DERAM.

MINISTÉRIO PÚBLICO: QUEM DEU PRO SENHOR O COMPROVANTE?

TESTEMUNHA: FOI O EDUARDO SCHIRMER.

MINISTÉRIO PÚBLICO: O EDUARDO? ELE DISSE QUE ERA PRO SENHOR DÁ O RECIBO COMO SE TIVESSE RECEBIDO ESSE DINHEIRO? COMO SE TIVESSE PAGO.

TESTEMUNHA: COMO SE EU TIVESSE PAGO.

MINISTÉRIO PÚBLICO: SIM.

TESTEMUNHA: ENTÃO ESSE RECIBO FICOU NA DELEGACIA NA MÃO DO SEU EDSON,

JUIZ: MAS O SENHOR NÃO PAGOU?

TESTEMUNHA: NÃO, EU HOJE TO AQUI PRA FALAR A VERDADE. E. PORQUE O QUE VALE AQUI É A VERDADE.

JUIZ: TÁ BOM.

TESTEMUNHA: AQUI É QUE EU TENHO QUE CONTAR A VERDADE. E FOI COMO FOI.

(...) o depoimento de IDALÉCIO RODRIGUES BAIRROS, abaixo transcrito e grifado:

Juiz: (...) O Senhor foi um dos beneficiários com isso, eu lhe pergunto, é verdadeiro isso? Eles construíram açude e o Senhor não pagou nada?

Testemunha: Não, pra mim eles não construíram açude.

Juiz: Tá, ou fizeram algum serviço de trator?

Testemunha: Fizeram, fez, o Eduardo fez.

Juiz: Tá, que serviço de trator fizeram pro Senhor?

Testemunha: Uma terra de milho.

Juiz: Tá, o Senhor pagou por esse serviço de trator? O Senhor pagou?

Testemunha: Não, dinheiro não.

Juiz: Ah?

Testemunha: Não.

Juiz: E O EDUARDO ELE PEDIU VOTO PRA VOTAR NO ARIOSTO?

Testemunha: SIM.

Juiz: EM TROCA DE ELE FAZER O SERVIÇO?

Testemunha: SIM.

(...)

Ministério Público: E o Senhor votou no Ariosto e no Gildo?

Testemunha: Sim. Aí eu digo, não, então faz assim ó, o que eu tenho eu tenho é uma terra... e ele disse: "não, então eu vou fazer essa terra pra ti". Foi o que ele fez.

Juiz: Só pra ficar bem claro então, então ele passava lhe incomodando pra fazer, xaropeando...

Testemunha: Xaropeando, de tanto ele pressionar que eu mandei fazer.

Juiz: Pra fazer o serviço...

Ministério Público: Ele ofereceu esse serviço em troca de votos mais de uma vez?

Testemunha: Ah, passava lá xaropeando.

Ministério Público: Uhum. E ele pediu voto pros seus familiares também? Pro Ariosto. Ou só pro Senhor?

Testemunha: Não. Assim, ele teve na minha casa, né? E da minha família lá. E minha filha também.

Ministério Público: PEDIU VOTO PROS SEUS FAMILIARES?

Testemunha: UHUM.

Ministério Público: E o Ariosto teve lá durante esse período em que o Eduardo tava fazendo o serviço, o Ariosto teve lá?

Testemunha: Na minha casa?

Ministério Público: Isso.

Testemunha: Ele teve depois lá. Fez só uma visita na minha casa.

Ministério Público: Depois do serviço?

Testemunha : É.

Ministério Público: Antes ou depois das eleições?

Testemunha: Não, antes das "eleição".

Chama a atenção o depoimento do próprio Eduardo Souza Schirmer, nos autos da mencionada representação, nos seguintes termos:

Defesa: a pergunta é essa: o senhor pode afirmar ou não, que aqueles serviços tenham sido feito, contratados e feitos, durante o período eleitoral, ou é possível que tenha sido contratado e feito antes do período eleitoral?

Interrogado Eduardo: Durante o período eleitoral tinha também, ele me contratou durante o período eleitoral, também. E antes, eu não lembro direito, se foi setembro ou outubro, antes também, antes um bocadinho. Mas tudo véspera de eleição.

Defesa: o senhor prestou serviços, antes do período eleitoral e durante o período eleitoral, é isso?

Interrogado: durante o período eleitoral.

Defesa: Mas eu quero saber do antes. O senhor prestou?

Interrogado: O antes, eu não me lembro que data, que mês foi.

Defesa: sim, mas o senhor (...)

Interrogado: Foi tudo, tudo por voto, doutor, foi pra fazer esse serviço tudo por votação e coisa. Eu não tô aqui pra mentir meu, olha, mentira tem a perna curta, daqui a pouco vou pra uma cadeira, pra mentir pra favorecer o seu Ariosto, sei lá, eu não vou mentir, gente. Eu não tenho, não tenho, não tenho interesse nenhum em mentir.

Salientam-se passagens de diálogos entre o réu Ariosto e Eduardo sobre uma pessoa, chamada Edson, que estaria perguntando sobre um açude que teria sido feito ao eleitor Pedro, com as mesmas características, ou seja, mediante troca de votos.

Eduardo: E aí o Pedro tava me dizendo que o Edson apareceu lá para saber. Diz que tinha uma denúncia de um açudezinho que eu fiz e tinha uma denúncia no IBAMA. Pra ver se eu não tinha cortado tora e nem coisa nenhuma. Eu disse: mas que barbaridade, Pedro! Se sou eu boto esse cara a correr daí. Se tem uma denúncia do IBAMA quem vai é o IBAMA, não é o Edson e nem a Polícia nem nada, né? Alô?

Ariosto: tô te ouvindo, Eduardo.

E: Ah, tá ouvindo? Aí ele perguntou quem é que tinha feito o açude. Aí o Pedro disse não o Eduardo, aquele que fez açude ali. Ele fez o açude e já paguei ele. Aí, ele perguntou assim ó: quantos açudezinhos ele fez mais por aí? Aí o Pedro, diz o Pedro que: não, eu até nem sei quantos ele fez mais. Ele fez açude pra todo mundo. Tu entendeu?

A: Ahã.

E: Pois é, anda fuçando nos troço aí esse imundícia, não sei a mandado de quem eu não sei, mas anda fuçando. O que que tu me diz?

A: O que que eu vou te dizer, eu não sei de açude, Eduardo.

E: Pois é, pois é, pois é que eu sei, não, eu sei.

A: Eu não fiz açude nenhum.

E: Pois é, pois é (...) Eu sei, eu sei que tu não fez. Mas por causa dos comentários, o pessoal é ordinário, né?

A: Isso é comentário do povo. Tu sabe como é.

Evidenciado, pois, o vínculo político existente entre os réus, candidato e cabo eleitoral, sendo incontroverso nos autos que ARIOSTO, juntamente com Eduardo Souza Schirmer, construíram açudes e similares nas propriedades dos agricultores Darcy Simões Barcellos, Escolástico Gonçalves da Silva, Idalécio Rodrigues Bairros, Adelino Concari e Glênio Lorentz Gaspary.

Para a procedência da acusação é necessária a congruência entre a ação concreta e o paradigma legal (…), e para se reconhecer a tipicidade reclama-se a confluência dos tipos concretos (fato do mundo real) e abstrato (fato do mundo abstrato) (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 180.).

O exame do amplo acervo probatório permite conferir a existência dessa sintonia fina entre norma e fatos, restando inequívoco o dolo específico de agir dos recorrentes, sempre visando à obtenção ilícita de votos.

Em delitos como o presente, que na sua maioria se consumam às escuras, a exigência de prova documental é, no mais das vezes, prova impossível, na medida em que inexiste recibo de compra ilícita de votos.

Aliás, é de se registrar que os recibos nos autos como sinalizadores de pagamento pelos serviços (fls. 68 – Escolástico e 72 – Glênio), não socorre a defesa.

Como visto, a prova colhida demonstrou que esses recibos foram forjados para aparentar licitude à negociação escusa de voto.

O crime do art. 299 do Código Eleitoral é um dos exemplos de tipo penal cujos vestígios são de difícil constatação. Muitas vezes, são promessas feitas de forma verbal, restando apenas os respectivos interlocutores como testemunhas do crime. São comuns, por exemplo, o adiantamento de valores, as ofertas de empregos, de cargos públicos, a influência política. Portanto, por ser a corrupção eleitoral um delito cujos vestígios são de difícil constatação, a prova testemunhal ganha relevância para a comprovação de sua materialidade.

Porém, no caso, não só a prova oral dá sustentáculo ao juízo condenatório, como também as interceptações telefônicas e a prévia condenação dos réus no ilícito cível-eleitoral previsto no art. 41-A, da Lei n. 9.504/97, conhecido popularmente como compra de votos.

Dessa forma, forçosa a manutenção do juízo condenatório, na linha dos precedentes desta Corte e do c. TSE:

Recurso criminal. Corrupção eleitoral. Art. 299 da Lei n. 4.737/65. Eleições 2008. Denúncia julgada procedente pelo julgador originário. Comete corrupção eleitoral aquele que dá, oferece, promete, solicita ou recebe, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita. Prova harmônica que demonstra a solicitação e o recebimento de dinheiro, sob o pano de fundo da obtenção ilícita de votos. Demonstrado o especial fim de agir, assim como a autoria e a materialidade, imperiosa a confirmação do decreto condenatório. Provimento negado. (RC 4529-38.2010.6.21.0028 - PROCEDÊNCIA: LAGOA VERMELHA RECORRENTES: ADILSON PEREIRA GOMES E PAULO SÉRGIO PEREIRA DUARTE RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL – Relatora: Desa. Elaine Harzheim Macedo.)

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. PREFEITO. CRIME. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. COMPROVAÇÃO. CONDUTA TÍPICA.

1. O crime de corrupção eleitoral ativa (art. 299 do CE consuma-se com a promessa, doação ou oferecimento de bem, dinheiro ou qualquer outra vantagem com o propósito de obter voto ou conseguir abstenção.

2. No caso, o candidato a prefeito realizou aproximadamente doze bingos em diversos bairros do Município de Pedro Canário, distribuindo gratuitamente as cartelas e premiando os contemplados com bicicletas, televisões e aparelhos de DVD.

3. Ficou comprovado nas instâncias ordinárias que os eventos foram realizados pelo recorrente com o dolo específico de obter votos. No caso, essa intenção ficou ainda mais evidente por ter o recorrente discursado durante os bingos, fazendo referência direta à candidatura e pedindo votos aos presentes.

4. Recurso especial desprovido.

(RESPE 4454-80.2009.6.08.0000 – Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 07 de junho de 2011.)

Por fim, a Polícia Federal de Santa Maria solicita a remessa de cópia de todas as gravações das audiências realizadas por sistema audiovisual (fl. 598), pedido ratificado pelo Ministério Público Eleitoral à fl. 597.

A solicitação deve ser deferida. No entanto, entendo que o feito deve ser disponibilizado à Procuradoria Eleitoral, para que o órgão remeta as peças que entender necessárias à Delegacia da Polícia Federal de Santa Maria.

Não havendo reparos a serem feitos na bem lançada sentença, que analisou adequadamente o contexto probatório constante nos autos, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo-a integralmente.

Determino a remessa do feito à Procuradoria Eleitoral para atendimento da solicitação realizada pela Polícia Federal de Santa Maria.