RC - 5153 - Sessão: 27/08/2015 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por MARCIO PIRES contra sentença proferida pelo Juízo da 90ª Zona Eleitoral – Guaíba, que julgou procedente a ação penal proposta pelo Ministério Público para condenar o réu pela prática do crime tipificado no artigo 39, § 5º, inciso II, da Lei Eleitoral, conhecido como boca de urna.

A peça acusatória oferecida Ministério Público assim descreveu os fatos:

No dia 07 de outubro de 2012, por volta das 11h, na Rua P1, Vila Cohab, em via pública, nas proximidades de local de votação, o denunciado Marcio Pires portava material de propaganda política (propaganda de boca de urna), consistente em panfletos (apreensão à fl.06).

Naquela oportunidade, o denunciado, no dia das Eleições Municipais de Guaíba, portava, próximo do local onde se situava uma seção eleitoral, cartões partidários, ocasião em que foi visto por policiais militares, arregimentando eleitores.

Com o denunciado foram apreendidos cartões do candidato à Prefeitura Municipal de Guaíba Caio (nº 23 - União Popular por Guaíba e do candidato a Vereador Guilherme (nº 23227), para cuja campanha o mesmo fez propaganda eleitoral irregular.

Intimado/citado o réu (fl. 22v.), compareceu à audiência aprazada e aceitou a proposta de transação penal, consistente em pagamento de prestação pecuniária no valor total de R$ 200,00, a ser pago em 04 parcelas (fl. 23 e verso).

O réu não adimpliu a primeira prestação (fl. 24), manifestando-se o Ministério Público Eleitoral pela intimação para que o demandado comprovasse o pagamento (fl. 26), promoção acolhida pela magistrada (fl. 27).

O réu não foi encontrado para comprovar o pagamento das parcelas vencidas da transação penal (fl. 28v.), determinando o juízo, então, à vista da promoção do agente ministerial (fl. 31), fosse expedido edital de intimação (fl. 33).

Decorrido o prazo do edital (fl. 37), restando deserta sua finalidade, a magistrada revogou o benefício e declarou revel o demandado, designando defensor dativo (fl. 48 e verso).

A defesa escrita suscitou preliminares de inépcia da denúncia, nulidade do termo circunstanciado e nulidade da intimação por edital, assim como do ato judicial que decretou a revelia. No mérito, alegou não haver prova do ilícito imputado ao réu. Invocou o princípio da insignificância ao argumento de que a quantidade de panfletos apreendidos (46) não teria potencial para alterar o resultado do pleito.

Foi realizada audiência de instrução (fls. 68-70).

Oferecidas alegações finais (fl. 73 e verso, e 76-86), sobreveio sentença julgando procedente a ação penal para condenar MARCIO PIRES à pena de seis meses de detenção, em regime inicial aberto. A magistrada, motivada pelo descumprimento da transação penal, deixou de substituir a pena imposta por pena restritiva de direito. Foram fixados honorários advocatícios ao defensor dativo no valor de R$ 1.450,00 (fls. 95-99).

Em suas razões recursais, o recorrente repisou as preliminares arguidas por ocasião da defesa escrita e acrescentou outra, relativa à nulidade absoluta da instrução processual por suposta violação ao sistema acusatório. No mérito, aduziu que a mera apreensão de panfletos, sem outros elementos de convicção acaba por não configurar o ilícito penal eleitoral narrado. Sustenta ser direito do cidadão portar a “colinha” no dia da eleição. Asseverou que o Policial Militar que apreendeu os folhetos disse não ter visto o recorrente entregá-los ou convencer algum eleitor a votar, o que descaracterizaria o crime narrado na inicial, assim como a circunstância de que o fato teria ocorrido no bairro Colina, enquanto na denúncia e nos registros policiais consta ter sido no Bairro Cohab. Alegou, também, que os honorários advocatícios fixados encontram-se abaixo do mínimo legal. Por fim, postulou a reforma da decisão ou, caso contrário, fosse convertida em pena restritiva de direito (fls. 103-132).

Em contrarrazões, o Ministério Público requereu a manutenção da sentença (fls. 140-144v.).

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo provimento parcial do recurso (fls. 149-153v.).

A Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Rio Grande do Sul, ingressou com pedido de intervenção no processo em virtude dos honorários arbitrados, cuja apreciação foi postergada para o momento de análise do presente recurso (fls. 156, 158-166).

É o relatório.

 

VOTOS

Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez:

1. Admissibilidade

O recurso é tempestivo.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do apelo.

2. Preliminares

O réu suscita diversas preliminares, dentre as quais destaco a de nulidade da intimação por edital e posterior decretação de revelia, ao argumento de que não foram esgotadas todas as possibilidades tendentes a localizá-lo, quando havia outro endereço a ser observado.

Não obstante o respeitável entendimento da douta Procuradoria Regional Eleitoral, registro que merece acolhida a alegação do recorrente diante das razões que a seguir exponho.

A inicial proposta pelo Ministério Público apresenta o seguinte endereço: rua A, n. 1.603, bairro centro, Guaíba/RS (fl. 02).

O mandado de citação/intimação do réu, visando ao seu comparecimento à audiência designada para recebimento da denúncia e oferecimento de suspensão condicional do processo, foi expedido com aquele endereço. Todavia, Márcio Pires veio a ser citado em outro local, na rua P Dois, n. 559, bairro Cohab,  também na cidade de Guaíba (fl. 22v.).

O esclarecimento sobre os endereços se extrai do Termo Circunstanciado (fl. 09), no qual se verifica que o primeiro é pertinente ao seu local de trabalho e, o segundo, à sua residência.

Posteriormente, aceitas as condições impostas (fl. 23 e verso), foi requerida sua intimação para que comprovasse o cumprimento da avença, visto que o demandado não havia quitado a primeira prestação do acordo (fl. 24). O mandado de intimação para tal fim foi expedido unicamente com o endereço residencial (fl. 28), no qual havia sido citado, mas que não constava na inicial.

A certidão lavrada pelo oficial de justiça consigna a informação da enteada do réu de que ele se encontrava em local incerto e não sabido, não fazendo referência a nenhuma outra providência visando à localização do recorrente (fl. 28v.), desconsiderando, portanto, o endereço informado na própria inicial, justamente o informado pelo autor da ação.

Não localizado o réu, foi expedida certidão da Promotoria de Justiça no sentido de que o órgão realizou consulta em sites disponibilizados para essa finalidade e não logrou êxito em localizar novos endereços (fl. 32), tendo o Juízo nela se baseado para determinar a intimação por edital.

Por sua vez, verifica-se que o Edital de intimação n. 21/2013 (fls. 25-26) consigna o endereço de trabalho, onde não foi realizada qualquer diligência para localização do réu.

Assim, constata-se não ter havido o esgotamento de todas as possibilidades de paradeiro do demandado, providência imprescindível para a intimação por edital, sob pena de afronta ao devido processo legal garantido pela Constituição Federal.

Com efeito, o art. 5º, LIV, da Constituição da República reza que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

A doutrina sublinha que O devido processo legal é uma garantia do cidadão. Garantia constitucionalmente prevista que assegura tanto o exercício do direito de acesso ao Poder Judiciário como o desenvolvimento processual de acordo com normas previamente estabelecidas. (PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 145).

Desse modo, tem-se que a observação das normas previamente estabelecidas deve se dar de forma efetiva, de modo a cumprir a sua finalidade. Nessa linha, a intimação por edital prevista no art. 361 do Código Penal, aplicável às intimações, conforme disposto no art. 370, requer sejam exauridas as tentativas de intimação pessoal, não bastando uma diligência na residência quando os próprios autos apontam endereço diverso.

A jurisprudência do STJ é firme quanto à necessidade de esgotar os meios de localização como requisito indispensável à intimação por edital (com grifos meus):

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DA CONDENAÇÃO. RENÚNCIA DO ADVOGADO DE DEFESA. INTIMAÇÃO DO RÉU MILITAR PARA CONSTITUIÇÃO DE NOVO PATRONO. NORMA DO ART. 358 DO CPP. NÃO OBSERVÂNCIA PELO TRIBUNAL ESTADUAL. INTIMAÇÃO POR EDITAL. NULIDADE.

CERCEAMENTO DE DEFESA. PREJUÍZO DEMONSTRADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.

1. Dispõe o Código de Processo Penal que as intimações dos acusados devem, via de regra, observar as disposições relativas à citação. E no que toca aos militares, a citação será feita por intermédio do chefe do respectivo serviço. Inteligência do art. 358 do CPP.

2. Na hipótese em apreço, trata-se de paciente militar, baseado no 5º Batalhão da Polícia Militar de Londrina/PR, lotado na citada unidade desde outubro de 2002, local para onde, inclusive, foi destinado o mandado de prisão para início do cumprimento da reprimenda.

3. A irregularidade na intimação do acusado sobre a renúncia de seu patrono, para que pudesse substituí-lo por outro de sua confiança, configura ofensa ao devido processo legal. Precedentes do STJ.

4. Ficando claro que a Corte Estadual não envidou todos os esforços para a regular intimação do paciente, caracterizado está a irregularidade processual.

5. Assim, se até no caso de revelia deve o oficial de justiça esgotar todas as possibilidades de intimação pessoal do réu, quem dirá no caso em apreço, no qual, como anteriormente afirmado, o paciente é miliar e se encontrava aquartelado em local conhecido.

Nessa ordem de idéias, observa-se que não houve a devida e válida intimação do paciente, estando, ainda, evidente o prejuízo existente diante da ausência de interposição, pelo Defensor nomeado, de possíveis recursos cabíveis.

6. Desse modo, a teor do disposto na alínea "o" do inciso III do art. 564 do Código de Processo Penal, nulos resultaram os atos executados sem a intimação válida, razão pela qual não poderia ser reconhecido o trânsito em julgado da sentença condenatória.

7. Eventual erro formal na intimação do acusado equivale a sua ausência, gerando a nulidade dele e dos demais atos processuais subsequentes.

8. Ordem concedida para, confirmando a liminar anteriormente concedida, anular o processo desde a intimação do paciente para constituição de novo patrono, com a reabertura do prazo recursal.

(HC 173.122/PR, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 31.5.2011, DJe 08.6.2011.)

 

PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – CITAÇÃO POR EDITAL – POSSIBILIDADE SOMENTE APÓS O EXAURIMENTO DE TODOS OS MEIOS POSSÍVEIS À LOCALIZAÇÃO DO DEVEDOR – SÚMULA 83/STJ – AFERIÇÃO DO ESGOTAMENTO – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA 7/STJ.

1. A jurisprudência deste Tribunal Superior é pacífica no sentido de entender necessário esgotar todos os meios disponíveis para a localização do devedor para somente após deferir a citação editalícia.

2. Contrariar acórdão que afirma não terem sido esgotados todos os meios de localização do devedor, implica em reexame de matéria fático-probatória, o que encontra óbice na Súmula 7/STJ.

Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp 1082386/PE, Relator Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, julgado em 03.3.2009, DJe 31.3.2009.)

O prejuízo, no caso dos autos, é evidente, visto que a intimação por edital – sem resultado – redundou na decretação de revelia do réu, que veio a ser condenado sem ao menos ser ouvido em juízo, em ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa.

Assim, não esgotadas as possibilidades de intimação pessoal do réu, considerando a ausência de diligência no endereço informado na própria inicial, com flagrante prejuízo à sua defesa, nos termos da jurisprudência mencionada, impõe-se a anulação de todos os atos praticados a partir da decisão que determinou a intimação por edital, inclusive – página 33 em diante – devendo os autos retornarem à origem para que sejam exauridas as possibilidades de localização do demandado.

Por fim, resta prejudicada a análise sobre a intervenção requerida pela OAB.

Diante do exposto, acolho a preliminar de nulidade da intimação editalícia e declaro nulos os atos praticados a partir da página 33, determinando o retorno dos autos ao Juízo de origem, nos termos da fundamentação.

 

Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz:

Senhor Presidente, eu acompanho o voto da relatora porque, constando dos autos o endereço residencial do réu, de forma que era possível citá-lo, a citação editalícia não supre a ausência da prévia tentativa de cumprimento da diligência no local que se encontrava expresso nos autos. Na realidade, vício insanável. Nem se discute se houve prejuízo ou não, porque o acusado está condenado.

 

Dr. Leonardo Tricot Saldanha:

Gostaria de lançar voto divergente.

O caso específico traz uma denúncia na qual o Ministério Público diz que foi encontrado o réu portando 46 santinhos, 46 colas. Nós já absolvemos quando as pessoas portavam até mesmo um número maior do que isso, em face da gravidade de uma punição penal diante de um elemento tão pequeno assim. Não existe nenhuma prova judicializada que diga que ele estava fazendo boca de urna. Ainda, a única prova que se tem nesse sentido é um flagrante escrito a computador, que o senhor policial militar assinou dizendo "sim, isso aconteceu". Não existiu esse desenvolvimento por um motivo simples trazido pela relatora que é o da revelia. Vamos imaginar que realmente isso tenha acontecido, que o valor quarenta e seis seja o número, isso é a única prova que nós temos. Parece-me, senhor presidente, que esse processo, se nós o anularmos, vai voltar, vai ser exigida toda uma nova instrução, um trabalho imenso para punição. Uma punição que muito bem disse o Ministério Público, substituível por outra pena não corporal, e nós temos decisões já no sentido de entender ser de pequena monta o crime aqui estabelecido. Então, pelo princípio da economia processual, eu proponho, como alternativa à decretação da nulidade, que se reconheça a absolvição, em face das provas sumárias e poucas que foram geradas. Sequer existem testemunhas, existe apenas o policial. Eu me lembro muito bem de voto do Dr. Ingo Sarlet no qual sustenta que nós não podemos condenar um réu baseado em uma testemunha apenas – e que, no caso, é a testemunha que efetuou a prisão –.

Quanto ao pedido de maiores honorários trazidos pelo Dr. Gilvan, mantenho os honorários arbitrados.

 

Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz:

Senhor Presidente, eu já votei. Mas me sensibiliza a tese ora trazida pelo colega. É certo que eu não compreendi bem se foi atipicidade pela irrelevância social do fato ou ausência de prova, porque os dois argumentos foram levantados. A questão da insignificância diz respeito à tipicidade. Se a conduta não é típica, eu não avançaria pra dizer que a materialidade não estaria comprovada. Mas, de qualquer sorte, são argumentos muito importantes. Aguardo os colegas, e se for o caso, ao final, posso retificar meu voto, inclusive porque desconheço o paradigma que esta corte utiliza para sopesar a insignificância.

 

Desa. Liselena Schifino Robles Ribeiro:

Acompanho a relatora porque acho importante a instrução. Assim, acolho a nulidade para que haja instrução do feito.

 

Dr. Hamilton Langaro Dipp:

Também fiquei impressionado com os argumentos do Dr. Leonardo, mas acompanho a relatora, para que haja o julgamento deste processo. Com relação aos honorários, quando voltar, em novo recurso,  me manifesto.

 

Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja:

Eu tenho dúvida no que diz respeito à insignificância, porque o tipo penal não define a quantidade de santinhos, o ato em si me parece crime. Em um processo, não houve instrução e sequer interrogatório do réu, e há uma materialidade e uma fase pré-processual. Entendo importante essa instrução, acompanho integralmente o voto da relatora.