RE - 268331 - Sessão: 17/03/2015 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. contra decisão do Juízo da 74ª Zona Eleitoral de Alvorada, que determinou a intimação do agravante para pagamento de multa cominatória decorrente de astreintes, no montante de R$ 15.000.000,00 (quinze milhões), na forma do art. 475-J do Código de Processo Civil (fl. 230), execução promovida pela COLIGAÇÃO ALVORADA DE UM NOVO TEMPO e EDSON DE ALMEIDA BORBA.

O agravante pretende a atribuição de efeito suspensivo ao presente agravo, a fim de obstar o andamento da execução até seu final julgamento, nos termos do artigo 527 e 558 do CPC, diante da inegável verossimilhança das alegações e do perigo de lesão grave e de difícil reparação causada pela r. decisão agravada, dando-se, ao final, provimento ao recurso (fls. 02-13). Junta documentos (fls. 14-248).

Foi concedido o efeito suspensivo requerido (fl. 250 e v.).

Intimados os agravados (fl. 258), ofereceram contrarrazões (fl. 261).

Edson de Almeida Borba alega que a imposição das astreintes já transitou em julgado, constituindo título executivo judicial válido a ser cumprido pelo agravante. Acrescenta que, por se tratar de multa cominatória, deve ser revertida em favor do credor, não do Fundo Partidário. Afirma que os prejuízos com a imagem veiculada, de caráter eleitoreiro, foram por ele suportados diante da falta de retirada do vídeo questionado, motivo pelo qual é o legítimo destinatário do valor imposto (fls. 261-265).

Por sua vez, a Coligação Alvorada de Um Novo Tempo alega, primeiro, ser inadmissível o agravo de instrumento, visto que a decisão impugnada apenas iniciou a execução das astreintes. Refere, ainda, ser parte legítima para o recebimento da multa, pois teve sua imagem atingida com a veiculação do vídeo. Sustenta que o valor da multa deve ser mantido em razão da persistência do agravante em manter a veiculação do vídeo, não obstante a ordem de retirada (fls. 267-275).

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo provimento do agravo, reconhecendo-se a ilegitimidade ativa ou, caso contrário, o redimensionamento do valor das astreintes.

É o relatório.

 

VOTO

1. Tempestividade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do prazo de dez dias.

 

2. Preliminar

A Coligação Alvorada de Um Novo Tempo suscita, em vista da inadequação da via eleita, a inadmissibilidade do agravo de instrumento como meio para atacar a decisão que determinou a intimação do Google para o pagamento das astreintes, pois ela apenas teria iniciado a execução de cobrança da multa.

Sem razão a agravada.

Observa-se que o cálculo do valor das astreintes foi oferecido pelos agravados no patamar de quinze milhões de reais, mas essa quantia, no entanto, não possui o caráter de definitividade, liquidez e certeza a autorizar a execução nos moldes do art. 475-J do CPC. Observa-se, também, que não houve qualquer ponderação por parte do magistrado de origem sobre o valor apresentado, a teor da autorização contida no § 6º do art. 461 do mesmo diploma legal.

Assim, em verdade, a determinação de que o recorrente fosse intimado para o pagamento daquele expressivo montante encerra caráter de decisão, não apenas mero ato ordinatório como alega a agravada, de modo a não comportar o recurso interposto. Desse modo, por possuir conteúdo decisório, compatível o agravo de instrumento para combater a decisão contida na fl. 230.

Chama a atenção, ainda, o fato de a agravada suscitar a impropriedade do meio utilizado para atacar aquela decisão e, ao mesmo tempo, colacionar jurisprudência do TRE de São Paulo sobre julgamento de agravo de instrumento em execução de astreintes, justamente a irresignação que alega descaber no presente caso. Como se verifica, os tribunais pátrios admitem a interposição de agravo da decisão que determina o pagamento de multa cominatória.

Com essas considerações, afasto a preliminar suscitada.

 

2. Mérito

A empresa GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. interpôs agravo de instrumento contra decisão do Juízo da 74ª Zona Eleitoral de Alvorada, que determinou a intimação do agravante para pagamento de multa cominatória decorrente de astreintes, no montante de R$ 15.000.000,00 (quinze milhões), execução promovida pela COLIGAÇÃO ALVORADA DE UM NOVO TEMPO e EDSON DE ALMEIDA BORBA.

A inconformidade manifesta no agravo volta-se em relação a dois motivos, a ilegitimidade ativa dos exequentes e a necessidade de readequação do valor.

Em relação ao primeiro ponto, no qual se encontra subsumida a destinação dos valores decorrentes da multa cominatória, cumpre referir a divergência jurisprudencial eleitoral sobre o tema, mas que encontrou, no decorrer dos dois últimos anos, o apaziguamento em diferentes regionais e, por fim, no próprio Tribunal Superior Eleitoral - TSE.

O TSE possuía o entendimento de que a destinação das astreintes deveriam ser em favor da parte contrária, tendo-se como representativa a decisão proferida no Mandado de Segurança n. 1652-63, de relatoria da Min. Cármen Lúcia Antunes Rocha (DJe de 07.12.2011, p. 78):

Eleições 2010. Mandado de segurança contra decisão preferida no Tribunal Regional de Rondônia. Execução de astreintes. Possibilidade de revisão de seus valores a qualquer tempo. Destinação ao credor da obrigação descumprida e não à União. Precedentes do Tribunal de justiça e do Tribunal Superior Eleitoral. Liminar parcialmente deferida. (Grifei.)

Todavia, em 09.9.2014, quando do julgamento do Recurso Especial Eleitoral n. 1168-39, relatora a Min. Luciana Lóssio, em confirmação a diversas decisões monocráticas, o TSE reviu este entendimento e assentou que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional é parte legítima para ajuizar ação de execução de astreintes imposta pelo descumprimento de ordem de Juízo Eleitoral, devendo ser observado, para a execução, o procedimento previsto para a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, as quais obedecem à sistemática do art. 367, IV, do Código Eleitoral. Definiu-se, ainda, que o valor aplicado às astreintes deve ser destinado ao Fundo Partidário, de acordo com o art. 38, I, da Lei n. 9.096/1995.

Reproduzo a ementa do julgado:

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. EXECUÇÃO. MULTA ELEITORAL. ASTREINTES. ILEGITIMIDADE ATIVA. DESPROVIMENTO.

1. A legitimidade para ajuizar ação de execução de astreintes, imposta pelo descumprimento de ordem judicial relativa à retirada de propaganda eleitoral irregular, é da União, por se estar a tratar de norma de interesse público, cujo bem jurídico protegido é a democracia e a soberania popular.

2. Recurso especial não provido. (Grifei.)

Extraio da decisão as seguintes razões a amparar o novo caminho percorrido:

[...]

A meu sentir, deve prevalecer o entendimento fixado pela Corte de origem, segundo o qual as multas eleitorais, inclusive as astreintes, estão submetidas à ação executiva na forma prevista para a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, correndo a ação perante os juízos eleitorais.

Com efeito, o Tribunal Regional afirmou que a astreinte prevista no art. 461, § 40, do CPC obedece a mesma sistemática do art. 367 do Código Eleitoral, não sendo relevante na seara eleitoral, para fins de execução, a distinção entre multa punitiva ou cominatória (arts. 287 e 461, § 40, do CPC). Colho do voto condutor do acórdão recorrido e dos votos proferidos nos embargos de declaração:

A astreinte, nesse caso e a meu ver, aplicável subsidiariamente no direito eleitoral como mecanismo processual de tutela efetiva do direito material, tem a finalidade de compelir o réu a cumprir a ordem judicial, proferida a pedido da parte autora para garantir a plena observância da isonomia no pleito eleitoral, o sufrágio livre, a soberania popular, a democracia plena - o Interesse público, em última análise.

[...]

Com efeito, na Justiça Eleitoral a parte legítima defende, a rigor, interesse público da coletividade, como já expus, de forma que a multa, a meu ver, não pode ser revertida em favor da parte - como ocorre no direito privado - mas sim em favor da União, sob pena de a propositura de ações eleitorais se tornar, indevidamente, um meio transverso de enriquecimento privado sob a égide de proteção da coletividade (fls. 127-128)

Em suma, não há previsão legal que legitime as partes envolvidas no processo eleitoral a proporem ações de cobrança de multas advindas de astreintes, cujo titular é a União, restando às partes o dever de comunicar ao Juízo Eleitoral competente o descumprimento das ordens judiciais, permitindo a inscrição das multas na dívida ativa. (fls. 147-148)

Uma vez que as astreintes pertencem à União, o procedimento a ser adotado é a inscrição do valor da sanção em dívida ativa, existindo legislação específica e suficiente a regular o procedimento. (fl. 160)

Compartilho do entendimento esposado no acórdão regional, porquanto o Direito Eleitoral versa sobre norma de interesse público, cujo bem jurídico protegido é, em última análise, a democracia.

Não é por outra razão que o acesso à Justiça Eleitoral é gratuito, sem cobrança de custas judiciais, tampouco condenação em honorários advocatícios.

A astreinte, embora seja um instituto próprio do Direito Processual Civil (art. 461 do CPC), pode ser utilizada no âmbito do Direito Eleitoral para dar efetividade à tutela jurisdicional. Na espécie, foi devidamente utilizada para tutelar o interesse coletivo na lisura da propaganda eleitoral.

Registre-se, por oportuno, que na seara eleitoral, por serem os bens protegidos de titularidade coletiva, não é possível proceder à individuação das pessoas prejudicadas pelo ato que tenha sido coibido judicialmente, mediante cominação de multa. É que a lisura do pleito eleitoral e a normalidade das eleições é direito subjetivo de todos os cidadãos.

Assim, consoante ponderou o Tribunal Regional "se a ordem judicial no âmbito da Justiça Eleitoral, assim como, por consequência, a própria astreinte, tem por finalidade garantir a plena observância dos princípios de Direito Público que embasam o microssistema de Direito Eleitoral, não se pode atribuir à multa a natureza civilista e individual que a caracteriza no direito privado" (fl. 127).

Não é demais esclarecer que a astreinte foi prevista no ordenamento jurídico como forma de impor o cumprimento de uma obrigação determinada judicialmente, ou seja, é um meio de coerção que objetiva o respeito ao ato estatal.

Também sob essa ótica, caberia ao Estado o produto pecuniário alcançado pela incidência da multa, pois o ente público teria sido desrespeitado ante a inobservância a uma ordem judicial.

Vale noticiar, a propósito, que há previsão no Projeto do Novo Código Civil Brasileiro de destinação da astreinte ao Estado, a partir de determinado limite, de modo que, mesmo no âmbito do direito civil, se vislumbra a ausência de beneficiários específicos da multa diária.

Outro motivo que implica o não reconhecimento de titularidade do autor da ação para a execução da multa diária é o fato de a astreinte não possuir natureza ressarcitória, pois não é cominada para reembolsar o credor de eventuais prejuízos sofridos. Para tanto, lhe caberia a ação de indenização por perdas e danos.

Desse modo, para a execução da astreinte deve ser adotada a mesma sistemática prevista no art. 367, IV, do Código Eleitoral, cujo teor determina que a cobrança dos valores decorrentes de multas eleitorais será feita por ação executiva, na forma prevista para a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, correndo a ação perante os Juízos Eleitorais.

Na mesma linha, também manifestou-se a Procuradoria-Geral Eleitoral, de cujo parecer transcrevo:

Assim, a legislação eleitoral é clara ao determinar que as regras processuais da Lei n. 6.830180 devem ser aplicadas à espécie. E o seu art. 11 dispõe que, na hipótese de existir omissão no referido estatuto, é admissível a aplicação do Código de Processo Civil, de forma subsidiária.

Nessa esteira, a Procuradoria da Fazenda Nacional é parte legítima para propor ação de execução fiscal e cobrar crédito proveniente de multas eleitorais. Esse é o entendimento desse Sodalício. Senão vejamos:

"AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. MULTA ELEITORAL. FAZENDA PÚBLICA. LEGITIMIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO.

A Procuradoria da Fazenda Nacional é parte legítima para ajuizar ação de execução fiscal e cobrar crédito decorrente de multas eleitorais, dívida ativa não tributária da União. Precedentes.

II - A agravante deve atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada, não se limitando a reproduzir no agravo as razões do recurso. Precedentes.

III - Decisão agravada que se mantém pelos seus próprios fundamentos.

IV - Agravo regimental a que se nega provimento.

(AAG n° 7464/SP, Rei. Min. Enrique Ricardo Lewandowski, DJE 10.9.2009) (g.n.). (Fis. 190-191)"

No ponto, ressalto que o art. 367 do CE, ao tratar da imposição e cobrança de multas, utiliza a expressão "qualquer multa", fazendo ressalva apenas quanto às decorrentes de condenações criminais, de modo que se deve adotar uma interpretação restritiva para, no âmbito do direito eleitoral, entender que a cobrança judicial de qualquer multa deve ser realizada pela Fazenda Pública.

Assim, conforme asseverado pelo Procurador da Fazenda Nacional à fl. 200-v, é da União (Fazenda Nacional) a legitimidade para a cobrança da multa imposta pelo descumprimento de uma ordem judicial que determinou - no resguardo um interesse puramente coletivo - a retirada da propaganda eleitoral.

Registro, ainda, que o valor da astreinte deve ser destinado ao Fundo Partidário, que, à luz do disposto no art. 38, 1, do CE, tem como fonte de receita "multas e penalidades pecuniárias aplicadas nos termos do Código Eleitoral e leis conexas."

 

Efetivamente, conforme ensina José Jairo Gomes (Direito Eleitoral. 8ª ed., São Paulo: Atlas, 2012, p. 20), Insere-se o Eleitoral nos domínios do Direito Público Interno. Como se sabe, o Direito Público é aquele cujas relações envolvem a participação do Estado, como poder político soberano. Trata-se do complexo de normas e princípios jurídicos que organiza as relações entre os entes públicos, estrutura os órgãos e serviços administrativos, organiza o exercício das atividades político-administrativas, tudo à vista do interesse público e do bem comum. O Direito Eleitoral é justificado pelo próprio regime democrático.

Nessa linha, como bem mencionado na decisão paradigma do TSE, a especialidade da Justiça Eleitoral vem sustentada nos princípios que norteiam o direito público, constituindo seu objeto a defesa da garantia e equilíbrio isonômico entre os contendores do pleito, a preservação da vontade livre dos eleitores, a efetividade dos resultados que emanam das urnas.

E como o interesse público se sobrepõe, diferentes facetas do Direito Eleitoral revelam a garantia do bem comum como desiderato, conforme se observa na ausência de cobrança de custas judiciais ou condenação em honorários advocatícios, tudo a demonstrar que a prestação jurisdicional destina-se à proteção de direitos indisponíveis de ordem constitucional e cunho não econômico (TRE-PR. AI julgado em 30.10.2012, referido no MS n. 1603-70, julgado em 29.9.2014).

E sob esse enfoque se insere a cobrança das astreintes, pois a multa infligida ao demandado para cumprir a determinação judicial tem por fim dar efetividade à tutela específica da Justiça Eleitoral, recobrando o equilíbrio que deve caracterizar as eleições, não podendo se beneficiar economicamente daquela sanção o contendor oposto, visto que o interesse público deve se sobressair ao mero proveito particular.

A Procuradoria Regional Eleitoral comunga desse entendimento:

De fato, são procedentes as alegações da agravante no que tange à ilegitimidade ativa da parte agravada para a propositura da execução das astreintes.

Em que pese a existência de entendimentos contrários, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e dos Tribunais Regionais inclina-se a considerar a Fazenda Pública como legitimada ativa nessas ações, uma vez que a norma é de ordem pública e público, também, são os interesses protegidos, quais sejam, a democracia e a soberania popular. De ressaltar-se que, sendo o valor das astreintes revertido ao Fundo Partidário, não há se falar em outra possibilidade quanto à legitimação ativa que não a Procuradoria da Fazenda Nacional. Diferente seria se a importância fosse direcionada à parte credora da obrigação: nesse caso, sim, seria ela a legitimada para propor a execução.

Não é outro o motivo, pelo qual a Justiça Eleitoral é gratuita, que não a tutela de interesses da coletividade. Com efeito, por não ser possível a individualização dos ofendidos e por serem os bens tutelados coletivos, não há, inclusive, condenação em honorários advocatícios na seara eleitoral. Repise-se o disposto em acórdão do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná em Embargos de Declaração, citado no voto da Ministra Luciana Lossio no Recurso Especial Eleitoral nº. 1168-39.2012.6.16.0171 – Classe 32 – Almirante Tamandaré – Paraná:

A astreinte, nesse caso e a meu ver, aplicável subsidiariamente no direito eleitoral como mecanismo processual de tutela efetiva do direito material, tem a finalidade de compelir o réu a cumprir a ordem judicial, proferida a pedido da parte autora para garantir a plena observância da isonomia no pleito eleitoral, o sufrágio livre, a soberania popular, a democracia plena — o interesse público, em última análise.

[...]

Com efeito, na Justiça Eleitoral a parte legítima defende, a rigor, interesse público da coletividade, como já expus, de forma que a multa, a meu ver, não pode ser revertida em favor da parte — como ocorre no direito privado — mas sim em favor da União, sob pena de a propositura de ações eleitorais se tornar, indevidamente, um meio transverso de enriquecimento privado sob a égide de proteção da coletividade (Fls. 127-128)

Em suma, não há previsão legal que legitime as partes envolvidas no processo eleitoral a proporem ações de cobrança de multas advindas de astreintes, cujo titular é a União, restando às partes o dever de comunicar ao Juízo Eleitoral competente o descumprimento das ordens judiciais, permitindo a inscrição das multas na dívida ativa. (Fls. 147-148).

Uma vez que as astreintes pertencem à União, o procedimento a ser adotado é a inscrição do valor da sanção em dívida ativa, existindo legislação específica e suficiente a regular o procedimento. (Fl. 160)

A multa cominatória possui o intuito de coagir a parte devedora da obrigação a cumpri-la, por isso seu valor é estipulado multiplicando-se um valor base por uma unidade de tempo, pois ele cresce à proporção que aumenta a demora no cumprimento da obrigação. Entretanto, a astreinte força o devedor a cumprir um ato estatal, uma ordem judicial, por isso seu valor deve ser revertido ao Erário, pois é o Estado que foi afrontado quando do descumprimento e não a parte contrária, a despeito de ter sido, também, lesada.

O entendimento no sentido de o valor ser revertido à parte beneficiada pela sentença criaria a contradição de ver-se a parte agraciada pelo transcurso do tempo, pois isto apenas tornaria mais vultosa a quantia, quanto mais ela demorasse a propor a execução. Vê-se que é este o caso dos autos, pois o valor milionário da multa transborda qualquer razoabilidade e trespassa o limite do aceitável quando se pensa na gravidade da ofensa, impacto ou desrespeito causados pela veiculação da propaganda irregular.

[…]

Remete-se, ainda, ao julgado do Agravo Regimental nº 7464/SP, no Superior Tribunal de Justiça, que restou assim ementado:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. MULTA ELEITORAL. FAZENDA PÚBLICA. LEGITIMIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO.

I - A Procuradoria da Fazenda Nacional é parte legítima para ajuizar ação de execução fiscal e cobrar crédito decorrente de multas eleitorais, dívida ativa não tributária da União. Precedentes.

II - A agravante deve atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada, não se limitando a reproduzir no agravo as razões do recurso. Precedentes.

III - Decisão agravada que se mantém pelos seus próprios fundamentos.

IV - Agravo regimental a que se nega provimento.

(AAG n° 7464/SP, Rel. Min. Enrique Ricardo Lewandowski, DJE 1°.9.2009) (g.n.). (fls. 190- 191)

Assim, com base nos fundamentos supra, a Procuradoria Regional Eleitoral opina pelo acolhimento da ilegitimidade ativa, extinguindo-se, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 267, VI, do CPC, o pedido de cumprimento de sentença intentado pelos agravados.

Neste caso, opina-se, também, pela intimação do Procurador da Fazenda Nacional, nos autos de origem, para que manifeste interesse em proceder a cobrança das astreintes.

 

Com essas considerações, alicerçadas no entendimento que provém do Tribunal Superior Eleitoral, entendo que as astreintes, no âmbito desta Justiça especializada, não podem ser revertidas em benefício da parte, mas, isto sim, da União, pois prepondera o interesse público da coletividade, reconhecendo-se que a destinação dos valores estipulados deve reverter em favor do Fundo Partidário.

O segundo argumento resta prejudicado diante da ilegitimidade da parte.

Por fim, consigno que a Procuradoria da Fazenda Nacional, em casos análogos, relativos à cobrança de multas que não possuem o caráter eleitoral strictu sensu, devolveu os processos ao Tribunal em razão de julgar-se incompetente para propor a cobrança pertinente. Assim, desde então, a Advocacia-Geral da União – AGU tem sido o órgão responsável pelo ajuizamento do cumprimento de sentença em relação às astreintes.

 

Diante do exposto, afastada a preliminar suscitada pela Coligação, VOTO pelo conhecimento do agravo de instrumento, dando provimento ao recurso para acolher a ilegitimidade ativa dos agravados, extinguindo, sem apreciação do mérito, com base no art. 267, inc. VI, do CPC, o pedido de cumprimento de sentença.

Dessa forma, remetam-se os autos para a Zona Eleitoral de origem, de modo a oportunizar à AGU que se manifeste sobre as providências que entender de direito.