PET - 1116 - Sessão: 18/02/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de PEDIDO DE REVISÃO proposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA DO RIO GRANDE DO SUL (PP), em razão da suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário, pelo período de 12 meses, decorrente de decisão proferida nos autos do processo PC n. 7214-05.2010.6.21.0000, julgado neste Tribunal em 16.5.2011, quando a agremiação teve desaprovadas suas contas relativas às eleições de 2010.

Alega, em síntese, que não foi observada a aplicação de um juízo proporcional e razoável quanto à suspensão determinada. Indica, como vetor da dosimetria pleiteada, o parágrafo único do art. 25 da Lei n. 9.504/97, também conhecida como Lei das Eleições, o qual dispõe sobre o sancionamento pelo período de “um a doze meses”. Aduz que a penalização imposta, sem a ponderação, traz consequências impactantes sobre a estrutura e a vida administrativa da agremiação. Requer seja anulada a suspensão ou, alternativamente, revista a sanção, conforme o disposto no § 5º do art. 37 da Lei n. 9.096/95, também denominada Lei dos Partidos Políticos (fls. 02-18 e docs. de fls. 19-178).

Foi determinada vista à Procuradoria Regional Eleitoral (fl. 180 e verso).

O órgão ministerial manifestou-se, preliminarmente, pelo não conhecimento do pedido e, caso conhecido, pela parcial procedência (fls. 182-189).

É o relatório.

 

VOTO

1. Juntada dos memoriais

O Partido Progressista do Rio Grande do Sul (PP) protocolou memoriais após a emissão do parecer da d. Procuradoria Regional Eleitoral, n. 8.594/2015, requerendo o recebimento e processamento da peça nos autos, com distribuição de cópias aos demais julgadores, com base no § 4º do art. 58 do Regimento Interno deste Tribunal.

A mencionada regra estipula (com grifos meus):

Art. 58 Feito o pregão e concluído o relatório, poderão as partes produzir sustentação oral durante dez (10) minutos (CE, art. 272).

(...)

§ 4º Poderão as partes, até vinte e quatro (24) horas antes do julgamento, apresentar memoriais aos julgadores, entregando os exemplares na Secretaria Judiciária.

Como se observa, o pedido deve se submeter à regra regimental.

Isso porque não há previsão de os memoriais virem a integrar os autos, mas somente sua distribuição aos integrantes da Corte.

Não bastasse isso, indico que os memoriais do presente caso contemplam argumentos não encontrados na peça inaugural, inovando nas razões. A entrada dessa peça nos autos consistiria em reabertura da instrução, o que definitivamente não é o caso.

Desse modo, defiro em parte o pedido, somente ao efeito de distribuir os memoriais com antecedência aos demais julgadores, na forma do Regimento Interno.

Quanto à peça protocolada, coloque-se à disposição do PP no Cartório da Secretaria Judiciária para retirada no período de trinta dias, desde já autorizada a inutilização ao final do prazo.

2. Mérito

De início, refiro que a preliminar suscitada pelo d. Procurador Regional Federal, pelo não conhecimento do pedido de revisão, encontrará abordagem conjunta ao mérito e de tal forma será tratada.

A diferença de tratamento ocorre apenas porque entendo que o pedido do requerente carrega pretensão de que esta Corte pratique interpretação analógica (ou extensiva), conforme se verá, eis que objetiva redefinir a extensão de aplicabilidade de uma norma existente, precisamente o art. 37 da Lei n. 9.096/95, comando referente às prestações de contas partidárias, em uma prestação de contas relativa à campanha eleitoral.

Ou seja, o método interpretativo se faz necessário apenas para definir os contornos de aplicabilidade da norma, questão que entendo deva ser analisada como matéria de fundo.

Ao caso propriamente dito.

O Partido Progressista do Rio Grande do Sul (PP) apresentou pedido de revisão da decisão que aplicou, pelo período de 12 meses, suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário.

Tal decisão foi proferida nos autos da PC n. 7214-05.2010.6.21.0000, julgada neste Tribunal em 16.5.2011, quando a agremiação teve desaprovadas suas contas relativas às eleições de 2010. O referido processo transitou em julgado em 08.9.2014, conforme certidão constante à fl. 526 daqueles autos.

Em resumo, o PP argumenta pela necessidade de uma dosimetria da pena em que sejam observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

No transcorrer do processo originário, os registros contábeis foram desaprovados porque os diretórios municipais do PP realizaram doações ao diretório regional da mesma agremiação, no montante de R$ 119.154,00, sem procederem à abertura de conta bancária específica.

A falta, de natureza bastante grave, implicou na determinação para que esse valor fosse devolvido ao Tesouro Nacional, bem como a suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário por doze meses (máximo da pena prevista), em virtude da impossibilidade de identificação da origem da quantia alcançada.

O feito já transitou em julgado, como referido.

Apenas saliento, aqui, a dimensão da gravidade da falha: não foram abertas contas bancárias específicas para o repasse de R$ 119.154,00.

Dessa forma, condenado, o partido requer a revisão.

De início, estabeleço duas distinções fundamentais.

A primeira, no que tange a argumentações que possam ser feitas relativamente a uma pretensa aplicabilidade das modificações trazidas pelo advento da Lei n. 13.165/15.

Ressalto que esta Corte, na sessão do dia 20.10.2015, em processo da relatoria do Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, firmou entendimento no sentido da irretroatividade da novel legislação:

Prestação de contas de candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.406/14. Eleições 2014. Arrecadação de recursos sem a emissão de recibo eleitoral; despesas com combustível sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos ou publicidade com carro de som; divergências e inconsistências entre os dados dos fornecedores lançados na prestação de contas e as informações constantes na base de dados da Receita Federal; pagamentos em espécie sem a constituição do Fundo de Caixa; pagamento de despesa sem que o valor tivesse transitado na conta de campanha; inconsistência na identificação de doador originário. Conjunto de falhas que comprometem a transparência e a regularidade da contabilidade apresentada.

Entendimento deste Tribunal, no sentido da não retroatividade das novas regras estabelecidas pela Lei n. 13.165/2015, permanecendo hígida a eficácia dos dispositivos da Resolução TSE n. 23.406/2014.

A ausência de discriminação do doador originário impossibilita a fiscalização das reais fontes de financiamento da campanha eleitoral, devendo o recurso de origem não identificada ser transferido ao Tesouro Nacional. Desaprovação. (PC 2066-71.2014.6.21.0000) (Grifei.)

A segunda circunstância de relevo: quando se está a tratar de prestação de contas de partidos políticos, há que se fazer a diferenciação entre prestação de contas anuais e aquelas relativas à campanha eleitoral.

Igualmente importantes, absolutamente distintas.

Senão, vejamos.

2.1 Da prestação de contas de campanha eleitoral

Os partidos políticos devem prestar contas relativamente às receitas e despesas ocorridas em virtude da competição eleitoral.

Todavia, por óbvio, essa espécie de prestação de contas deve ser apresentada somente nos anos em que há eleição e, via de regra (exatamente por corresponder a determinado certame eleitoral), a regulamentação ocorre via resoluções específicas para aquele pleito, editadas pelo e. Tribunal Superior Eleitoral.

Destaco: esse é o caso dos presentes autos, no qual o PP do Rio Grande do Sul requer revisão de decisão ocorrida em processo de prestação de contas relativas às eleições do ano de 2010.

Sigo.

A prestação de contas de campanha eleitoral é regrada, além das resoluções, pela Lei n. 9.504/97. Lá, constam também os sancionamentos.

Para as prestações de campanha eleitoral, o juízo de proporcionalidade na aplicação da suspensão do repasse está previsto no art. 25 da Lei n. 9.504/97, em redação dada pela Lei n. 12.034/09 (frise-se bem: legislação vigente à época dos fatos, desconsiderada a Lei n. 13.165/15, conforme fundamentação já delineada):

Art. 25. O partido que descumprir as normas referentes à arrecadação e aplicação de recursos fixadas nesta Lei perderá o direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário do ano seguinte, sem prejuízo de responderem os candidatos beneficiados por abuso do poder econômico.

Parágrafo único. A sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, por desaprovação total ou parcial da prestação de contas do candidato, deverá ser aplicada de forma proporcional e razoável, pelo período de 1 (um) mês a 12 (doze) meses, ou por meio do desconto, do valor a ser repassado, na importância apontada como irregular, não podendo ser aplicada a sanção de suspensão, caso a prestação de contas não seja julgada, pelo juízo ou tribunal competente, após 5 (cinco) anos de sua apresentação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009) (Grifei.)

Esta corte, por ocasião do julgamento da PC n. 7214-05, suspendeu o repasse pelo período de 12 (doze) meses. Tal gradação considerou as circunstâncias do caso, como a quantidade e gravidade das irregularidades praticadas, de forma fundamentada.

À segunda espécie de obrigação partidária, relativamente a prestação de contas.

2.2 Da prestação de contas de exercício financeiro

Além de prestar contas a cada eleição, os partidos políticos devem também prestar contas a cada exercício financeiro finalizado.

São as denominadas prestações de contas anuais, ou prestações de contas partidárias, propriamente ditas. Decorrem elas da própria existência da agremiação como um ente que movimenta valores financeiros. O molde legislativo, aqui, é a Lei n. 9.096, de 19 de setembro de 1995, regulamentada, até pouco tempo, pela Resolução TSE n. 21.841, de 22 de junho de 2004, esta revogada pela Resolução TSE n. 23.432, aos 30 de dezembro de 2014.

Na prestação de contas de exercício financeiro é que a legislação prevê a possibilidade de revisão da suspensão do repasse de quotas em face da ausência do juízo de proporcionalidade no sancionamento imposto, conforme requer a sigla partidária.

Tal possibilidade vem do disposto no art. 37 da Lei n. 9.096/95, em redação dada pela Lei n. 12.034/09, na parte que segue, por mim, grifada:

Art. 37. A falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial implica a suspensão de novas cotas do Fundo Partidário e sujeita os responsáveis às penas da lei. (Redação dada pela Lei nº 9.693, de 1998)

(...)

§ 2º A sanção a que se refere o caput será aplicada exclusivamente à esfera partidária responsável pela irregularidade. (Incluído pela Lei nº 9.693, de 1998)

§ 3º A sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, por desaprovação total ou parcial da prestação de contas de partido, deverá ser aplicada de forma proporcional e razoável, pelo período de 1 (um) mês a 12 (doze) meses, ou por meio do desconto, do valor a ser repassado, da importância apontada como irregular, não podendo ser aplicada a sanção de suspensão, caso a prestação de contas não seja julgada, pelo juízo ou tribunal competente, após 5 (cinco) anos de sua apresentação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4º Da decisão que desaprovar total ou parcialmente a prestação de contas dos órgãos partidários caberá recurso para os Tribunais Regionais Eleitorais ou para o Tribunal Superior Eleitoral, conforme o caso, o qual deverá ser recebido com efeito suspensivo. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 5º As prestações de contas desaprovadas pelos Tribunais Regionais e pelo Tribunal Superior poderão ser revistas para fins de aplicação proporcional da sanção aplicada, mediante requerimento ofertado nos autos da prestação de contas. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009) (Grifei.)

Por clareza, repito: a prestação de contas regulamentada pela Lei dos Partidos Políticos é aquela relativa ao exercício financeiro anual da agremiação, encontrando-se o instituto da revisão inserido nesse contexto.

Estabelecidas tais premissas, à análise.

3. Do pedido

Em termos bem sintéticos: o PP do Rio Grande do Sul requer seja aplicado o art. 37 da Lei n. 9.096/95, comando referente às prestações de contas partidárias, em uma prestação de contas relativa à campanha eleitoral.

E, à vista do panorama legislativo, constata-se que o instituto da revisão efetivamente existe, mas direcionado às prestações de contas anuais das agremiações, aquelas ordinárias, pertinentes ao exercício financeiro normal, não se amoldando à contabilidade relativa às eleições.

Repiso: o caso posto trata de prestação de contas de campanha eleitoral.

Uma circunstância que poderia gerar alguma confusão é a de que a lei instituidora da revisão às prestações de exercício financeiro modificou, igualmente, a legislação atinente às prestações de campanha. Nessa toada, a Lei n. 12.034/09 modificou tanto a Lei n. 9.096/95 (prestação de contas de exercício financeiro) quanto a Lei n. 9.504/97 (prestação de contas de campanha eleitoral).

Contudo, a situação é comum, em se tratando de Direito Eleitoral: por exemplo, o mesmo ocorreu com a Lei n. 13.165/15, que modificou tanto a Lei n. 9.096/95 quanto a Lei n. 9.504/97.

Além disso, a situação até mesmo depõe contra a pretensão do peticionante, pois se o legislador, na mesma norma, na mesma ocasião, entendeu por bem possibilitar a revisão da sanção relativamente às prestações de contas de exercício financeiro, não o fazendo em relação à prestação de contas de campanha eleitoral, é porque entendeu haver tal necessidade de distinção entre as espécies.

De fato, a distinção se impõe, bastando citar o maior rigor que tem sido necessário na análise, pela Justiça Eleitoral, do manejo dos valores financeiros nas campanhas eleitorais, em vista dos abusos e das irregularidades frequentemente ocorrentes nessas ocasiões, bem como a maior celeridade que se exige relativamente ao julgamento das prestações de contas de campanha eleitoral.

Ora, a diferenciação foi estabelecida em termos legais expressos, de forma a não ser possível aplicar a revisão da pena aos casos de prestação de contas de campanha eleitoral. Nessa linha, como bem asseverado pela Procuradoria Regional Eleitoral, (…) verifica-se que o legislador intencionalmente deixou de conferir à prestação de contas de campanha eleitoral a possibilidade de revisão.

Ou seja, não há como estender a aplicação da revisão prevista no § 5º do art. 37 da Lei n. 9.096/95 para alcançar, em vista de uma suposta similitude das situações jurídicas, a suspensão imposta por descumprimento de regras da campanha eleitoral da Lei n. 9.504/97. Não foi essa, nitidamente, a opção legislativa.

Ao contrário.

Justamente a distância entre as espécies de prestações de contas é que levou o legislador a regulamentá-las de modo distinto. Como já posto, isso se deve ao fato de o regramento pertinente aos pleitos eleitorais ter a necessidade de ser mais rígido e célere em relação àquele voltado à prestação de contas de exercício anual.

À vista dessas considerações, entendo que o pedido de revisão da suspensão de quotas é de ser conhecido, eis que requer interpretação analógica.

Todavia, como o peticionante requer a aplicação, em um caso de prestação de contas de campanha eleitoral, de uma regra atinente às prestações de exercício financeiro, o pedido não pode ser deferido.

Em resumo, não há, no regramento atinente às prestações de contas de campanha eleitoral dos partidos, Lei n. 9.504/97, a previsão de revisão das decisões condenatórias, como deseja o peticionante. Muito embora seja de se  observar que a decisão tenha, de fato, aplicado a pena máxima de suspensão de quotas do Fundo Partidário, há que se levar em consideração, igualmente, que a decisão, já transitada em julgado, considerou as peculiaridades do caso concreto, por ocasião da aplicação da pena.

E, a título de desfecho, por mera argumentação, indico: ainda que fosse aplicada a norma na forma desejada pelo peticionante, a situação não lhe beneficiaria, pois a decisão cuja revisão se pretende transitou em julgado em 08 de setembro de 2014, como antes apontado.

Diante do exposto, VOTO pelo indeferimento do pedido de revisão proposto pelo Partido Progressista do Rio Grande do Sul.