RC - 76867 - Sessão: 24/03/2015 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por LEODI IRANI ALTMANN e VIVALDINA BRUNETTO contra sentença proferida pelo Juízo da 15ª Zona Eleitoral, que julgou procedente denúncia oferecida contra os recorrentes, considerando comprovada a prática dos delitos tipificados no art. 299 do Código Eleitoral, art. 39, § 5º, II e III, da Lei n. 9.504/97 e art. 11, III, da Lei n. 6.091/74, e condenando o acusado Leodi Altmann à pena de 6 anos e 9 meses de reclusão, a ser cumprida em regime semiaberto, e multa de 93 dias-multa, à razão de um salário-mínimo vigente ao tempo dos fatos, e a acusada Vivaldina Brunetto à pena de 4 anos de reclusão, a ser cumprida em regime aberto, e multa de 60 dias-multa, à razão de um salário-mínimo vigente ao tempo dos fatos (fls. 753-767).

Nas suas razões recursais (fls. 773-821), Leodi Altmann e Vivaldina Brunetto suscitaram, preliminarmente, a nulidade da sentença em razão (1) da falta de realização de interrogatório dos réus; (2) da ausência de transcrição integral das conversas telefônicas captadas; (3) do emprego, unicamente, de interceptações telefônicas para justificar a condenação; e (4) do uso de depoimentos de pessoas que deveriam ser corrés no processo. Suscitaram, ainda, a nulidade da interceptação telefônica, requerida e deferida antes da instauração formal de inquérito. No mérito, sustentam que não há provas suficientes para justificar a condenação, pois não se verifica, pelos depoimentos colhidos, a presença do especial fim de agir dos acusados. Requerem, preliminarmente, a decretação de nulidade da sentença e, no mérito, a improcedência da denúncia.

Nas contrarrazões, o Ministério Público Eleitoral requereu o provimento do recurso quanto à alegada nulidade por falta de interrogatório do réu, manifestando-se, nos demais pontos, pelo não provimento do recurso.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se, em preliminar, pela decretação de nulidade dos atos posteriores ao encerramento da instrução e, caso superada a preliminar, pelo desprovimento do recurso (fls. 911-930).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. Os recorrentes foram intimados da sentença em 22.9.2014 (fl. 771) e interpuseram o recurso em 02.10.2014 (fl. 773), dentro, portanto, do prazo de dez dias estatuído no art. 362 do Código Eleitoral.

Os recorrentes suscitaram preliminar de nulidade da sentença em razão da falta de realização do interrogatório dos réus.

De fato, após colhidos os testemunhos, deu-se por encerrada a instrução, sem que fosse realizado o interrogatório dos réus.

Atualmente, doutrina e jurisprudência entendem que o interrogatório, além de possuir natureza jurídica de prova, é também um importante meio de defesa, como se extrai da lição de Eugênio Pacelli (Curso de Processo Penal. 13ª ed., São Paulo: Atlas, 2010, p. 393.):

Que continue a ser uma espécie de prova, não há maiores problemas, até porque as demais espécies defensivas são também consideradas provas. Mas o fundamental, em uma concepção de processo via da qual o acusado seja um sujeito de direitos, e no contexto de um modelo acusatório, tal como instaurado pelo sistema constitucional das garantias individuais, o interrogatório do acusado encontra-se inserido fundamentalmente no princípio da ampla defesa.

Trata-se, efetivamente, de mais uma oportunidade de defesa que se abre ao acusado, de modo a permitir que ele apresente a sua versão dos fatos, sem se ver, porém, constrangido ou obrigado a fazê-lo. (Grifei.)

A jurisprudência segue o mesmo entendimento doutrinário:

[…] O INTERROGATÓRIO JUDICIAL COMO MEIO DE DEFESA DO RÉU. – Em sede de persecução penal, o interrogatório judicial – notadamente após o advento da Lei nº 10.792/2003, aplicável ao processo penal militar (CPPM, art. 3º, “a”) – qualifica-se como ato de defesa do réu, que, além de não ser obrigado a responder a qualquer indagação feita pelo magistrado processante, também não pode sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em virtude do exercício, sempre legítimo, dessa especial prerrogativa. Doutrina. Precedentes. [...]

(STF, HC 111567 AgR, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 05.8.2014, Processo Eletrônico DJe-213, Divulgado em 29.10.2014, Publicado em 30.10.2014.) (Grifei.)

Tratando-se de um meio de defesa, a não abertura de oportunidade à parte para ser ouvida em juízo constitui nulidade, em razão do cerceamento à garantia constitucional da ampla defesa. É o que se extrai da lição de Eugênio Pacelli (Curso de Processo Penal. 13ª ed., São Paulo: Atlas, 2010, pp. 393-394.):

E a conceituação do interrogatório como meio de defesa, e não de provas (ainda que ostente valor probatório), é riquíssima de consequências.

[…]

Em segundo lugar, impõe, como sanção, a nulidade absoluta do processo, se realizado sem que se desse ao réu a oportunidade de se submeter ao interrogatório. Haveria, no caso, manifesta violação da ampla defesa, no que se refere à manifestação da autodefesa.

Também a jurisprudência segue a mesma linha do entendimento doutrinário:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. 1. FRAUDES EM LICITAÇÕES PÚBLICAS. DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA. RATIFICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS. AUSÊNCIA DE INTERROGATÓRIO DOS RÉUS NO NOVO JUÍZO. OPORTUNIDADE PARA A DEFESA REQUERER O QUE ENTENDER DE DIREITO. NULIDADE RELATIVA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 2. RECURSO IMPROVIDO.

1. No curso da persecução penal deve ser concedida a oportunidade ao réu para ser ouvido em juízo para apresentar a sua versão dos fatos denunciados, mesmo após o momento próprio, qual seja, na audiência de instrução e julgamento, sob pena de nulidade. Todavia, o deferimento de pedido extemporâneo para interrogatório do acusado, que não se realizou por inércia da defesa, depende da demonstração do efetivo prejuízo sofrido, nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal.

2. Na espécie, após o deslocamento do processo para a Justiça Federal, o magistrado ratificou todos os atos praticados pela Justiça comum e determinou o regular processamento da ação. Mesmo assim, por duas vezes, concedeu a oportunidade para as partes requererem o que entendessem de direito, como novas diligências e a realização de atos instrutórios relevantes à defesa. Todavia a defesa quedou-se inerte, arguindo a suposta nulidade após o encerramento da instrução criminal.

3. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.

(STJ, RHC 47.667/PE, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Quinta Turma, julgado em 26.8.2014, DJe 04.9.2014.) (Grifei.)

Na hipótese dos autos, embora o advogado pudesse ter solicitado o interrogatório dos acusados quando aberto prazo para diligências, não foi oportunizada a realização do interrogatório dos réus, acarretando inequívoco cerceamento de defesa em processo que resultou na condenação dos acusados, sendo evidente o prejuízo sofrido.

Dessa forma, na linha de raciocínio do órgão ministerial com atuação perante este Tribunal, entendo que o processo deve ser anulado a partir do ato da folha 700, no qual se deu por encerrada a instrução, retornando os autos ao primeiro grau, a fim de que seja realizado o interrogatório dos réus e conferido, a partir desse ato, o regular seguimento ao feito.

Diante do exposto, acolho a preliminar arguida no recurso, para decretar a nulidade do processo a contar do ato de encerramento da instrução, determinando o retorno dos autos à origem a fim de que seja oportunizada a realização de interrogatório dos acusados.