PET - 266692 - Sessão: 29/04/2015 às 17:00

RELATÓRIO

A Presidência da ASSEMBLEIA LEGISLATIVA do Estado do Rio Grande do Sul encaminhou a este Regional a Lei Estadual n. 14.593, promulgada em 11 de agosto de 2014, a qual dispõe sobre a autorização, nos termos da Lei Complementar n. 13.587/2010, da realização de consulta plebiscitária com o objetivo de desmembrar os distritos de Cazuza Ferreira e Juá, do Município de São Francisco de Paula, e anexá-los ao Município de Caxias do Sul.

A referida petição e vários anexos que a acompanham foram protocolados neste Tribunal em 03 de setembro de 2014 e, em 21 de novembro de 2014, a esta foi juntado o pedido das folhas 508-519, por meio do qual a Comissão de Anexação de Cazuza Ferreira e Juá a Caxias do Sul requer a indicação, por este Regional, das providências que devem ser adotadas para a realização de consulta plebiscitária visando ao cumprimento da Lei Estadual n. 14.593, de 11 de agosto de 2014, para que sejam ouvidos democraticamente os eleitores de Caxias do Sul e de São Francisco de Paula, acerca do desmembramento dos distritos de Cazuza Ferreira e Juá do Município de São Francisco de Paula, e anexação desses distritos ao Município de Caxias do Sul.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo não acolhimento do pedido, em razão da ausência de regulamentação do artigo 18, § 4º, da Constituição Federal (fls. 523-526).

É o relatório.

 

 

VOTOS

Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja:

Eminentes colegas:

A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios têm previsão no artigo 18, § 4º, da Constituição Federal, que assim dispõe:

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

[…]

§ 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.

A formação de municípios é matéria complexa, que atualmente depende de lei complementar que regulamente o artigo 18, § 4º, da Constituição Federal.

Tal exigência foi incluída pela Emenda Constitucional n. 15, de 12 de setembro de 1996, que incluiu os diversos requisitos de observância obrigatória para todos os Estados-membros, a fim de promoverem a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral já se manifestou nesse sentido:

De Barreiras, exatamente a partir do povoado Mimoso do Oeste, sairá para o mapa um novo Município, na Bahia. Esta a vontade do Tribunal Regional Eleitoral daquele Estado, cuja decisão é contestada aqui, neste Mandado de Segurança pelo PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira. Argumento do PSDB para que não se realize a vontade dos dignos Juízes do Tribunal baiano - o desmembramento e emancipação de Mimoso do Oeste depende de estudos prévios de viabilidade antes mesmo da consulta plebiscitária, ab ovo viciada, porquanto só alcançaria os eleitores mimosenses. Isso tudo, portanto, de forma ignorante aos preceitos constitucionais. Pede liminar para que se ordene, de pronto, a suspensão do plebiscito programado pelo Egrégio baiano (CF, Art. 18, § 4º, com a redação da Emenda 15/96). Decido. A Constituição Federal, Art. 18, § 4º, com a redação da Emenda 15/96, é taxativa ao determinar que "a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos estudos de viabilidade municipal, apresentados e publicados na forma da lei." Ora, é público e notório que essa lei complementar federal não existe, ainda, na ordem jurídica do País. Nesse sentido, "RECURSO ESPECIAL - EMANCIPAÇÃO DE DISTRITO - DEFERIMENTO DE CONSULTA PLEBISCITÁRIA - AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO FEDERAL - VIOLAÇÃO DO ART. 18, PARÁGRAFO 4º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL COM A REDAÇÃO DADA PELA EMENDA N. 15/96 - RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO" "Município. (Resp 16.174, Rel. Min. Eduardo Alckmin, DJ de 23.11.1999) Emancipação. Consulta. Não se viabiliza o procedimento, tendente à criação de município, enquanto não editada a lei complementar a que se refere o artigo 18, § 4º da Constituição." No mesmo sentido, sob minha relatoria a decisão desta Corte no Proc. Adm. n. 18.399-PA. (Resp. 16.164, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 14.12.1999). Assim, presentes o fumus boni juris, bem como o periculum in mora, ante a clara possibilidade de danos ao erário e à segurança política e administrativa do Município de Barreiras, concedo a liminar, determinando, de imediato, a suspensão do plebiscito marcado para o dia 19 de março próximo, no Distrito de Mimoso do Oeste, Município de Barreira, Estado da Bahia, suspendendo, por conseguinte, a eficácia da Resolução nº 33/2000, de 14 de março último, editada pelo Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, até a decisão final neste Mandado de Segurança. Comunique-se com urgência ao Exmo. Sr. Presidente do TRE-BA e ao Exmo. Sr. Deputado Presidente da Assembléia Legislativa do Estado da Bahia. Peçam-se as informações atualizadas. Após, juntadas, sigam os autos à Procuradoria Geral Eleitoral.

(TSE - MS: 2812 BA, Relator: Min. EDSON CARVALHO VIDIGAL, Data de Julgamento: 16.3.2000, Data de Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 23.3.2000, Página 43.) (Grifei.)

É justamente na ausência desse requisito que esbarra a pretensão deduzida.

Ou seja, na inexistência de lei complementar federal que confira plena eficácia ao parágrafo 4º do artigo 18 da Constituição Federal, não há como se levar a efeito a consulta plebiscitária autorizada pela Lei Estadual n. 14.593/2014.

Ainda, quanto a esse ponto, o julgamento de ADI 2395/DF, ajuizada contra a Emenda Constitucional n. 15/96, cuja ementa foi trazida aos autos pelo Ministério Público Eleitoral em seu parecer (fls. 523-526), decretou o fim da polêmica sobre a (in)constitucionalidade da norma ante o argumento de que a exigência de lei complementar federal em matéria eminentemente estadual violaria o princípio federativo, entendendo inexistente a afronta à cláusula pétrea disposta no inciso I do § 4º do art. 60 da Carta Magna:

Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Emenda Constitucional nº 15/1996, que deu nova redação ao § 4º do art. 18 da Constituição Federal. Modificação dos requisitos constitucionais para a criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios. 3. Controle da constitucionalidade da atuação do poder legislativo de reforma da Constituição de 1988. 4. Inexistência de afronta à cláusula pétrea da forma federativa do Estado, decorrente da atribuição, à lei complementar federal, para fixação do período dentro do qual poderão ser efetivadas a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios. Precedente: ADI nº 2.381-1/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14.12.2001. 5. Ação julgada improcedente.

(STF - ADI: 2395 DF, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 09.5.2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-092, Divulg. 21.5.2008, Public. 23.5.2008, Ement. Vol. 02320-01 PP-00122.)  (Grifei.)

Interessante trazer excerto do raciocínio posto pela Advocacia Geral da União na referida ADI e reproduzido no voto do Ministro Gilmar Mendes, relator do processo:

[...]

Verifica-se, assim, que nestas hipóteses, o Poder Legislativo da União não está agindo como Poder Legislativo Federal e sim como Poder Legislativo Nacional, sendo, assim, necessária a criação de normas que possam vincular os Estados e Municípios, sem que se possa considerá-las como ofensivas ao princípio federativo.

Exemplo elucidativo da competência da União para editar regras normativas de caráter nacional pode ser vislumbrado na determinação da Constituição Federal de que lei complementar deverá dispor sobre a concessão de benefícios ou incentivos fiscais em matéria de ICMS. A rigor, como este tributo é de competência dos Estados-membros e do Distrito Federal, a União não poderia editar normas atinentes à exclusão de crédito tributário proveniente do referido imposto sem incidir em ofensa ao princípio federativo, uma vez que esta circunstância prejudicaria a autonomia financeira dos citados entes da federação.

Entretanto, com o objetivo de se evitar a “guerra fiscal” entre os Estados e o Distrito Federal, outorgou-se à União a qualidade de legislador nacional para se regular concessão dos referidos benefícios fiscais.

Entendimento semelhante pode ser adotado no presente caso, uma vez que, no intuito de coibir a situação nociva à Federação brasileira, adveio a Emenda Constitucional n. 15/96, fixando que a União deveria disciplinar a época e os requisitos que deveriam ser obedecidos para se criar um município. Nesse caso, como a regulação desta situação deveria ser realizada de forma uniforme em todo país, extrai-se a conclusão de que somente a União poderia editar regras normativas com eficácia em todo o território nacional. [...]”

(STF - ADI: 2395 DF, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 09.5.2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-092, Divulg. 21.5.2008, Public. 23.5.2008, Ement. Vol.-02320-01 PP-00122.)  (Grifei.)

Ademais, e apenas para fins informativos, no que concerne à existência de lei estadual que permita a realização de plebiscito e ao advento da Emenda Constitucional n. 57/2008 – a qual convalidou atos de criação e desmembramento de municípios –, a jurisprudência deste Tribunal nos demonstra que o caso sob análise é bastante distinto das hipóteses previstas na referida Emenda:

Consulta. Questionamento sobre a viabilidade da organização de plebiscito, pela Justiça Eleitoral, em processos de criação, fusão, incorporação ou desmembramento de municípios. A inexistência de regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição Federal, mediante a elaboração de Lei Complementar federal disciplinando a realização de consultas populares em nível municipal, inviabiliza a participação desta Justiça Especializada na organização e execução das votações. Consentimento, no entanto, para efetivação de plebiscito na hipótese prevista na Emenda Constitucional n. 57, que prevê a convalidação de atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 de dezembro de 2006, observados os demais requisitos estabelecidos no § 4º do artigo 18 da Constituição Federal.

(TRE-RS - Cta: 26358 RS, Relator: Dr. EDUARDO KOTHE WERLANG, Data de Julgamento: 10.11.2011, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 10.11.2011.) ( Grifei.)

Nota-se que a Lei Estadual n. 14.593 foi promulgada em 11.8.2014, data em muito posterior ao limite temporal aceito pela Emenda Constitucional n. 57/2008 para a convalidação de lei estadual que autorize plebiscito para criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios, segundo a qual, a norma deveria estar publicada até 31.12.2006 para que fosse passível de convalidação. Portanto, conclui-se que o caso sob análise igualmente não se encontra abarcado pelas hipóteses permissivas da Emenda Constitucional n. 57/2008.

Ante o exposto, em face da ausência de regulamentação do artigo 18, § 4º, da Constituição Federal, VOTO pelo não acolhimento do pedido de providências para a realização de plebiscito visando ao desmembramento dos distritos de Cazuza Ferreira e Juá de São Francisco de Paula e a subsequente anexação de ambos ao Município de Caxias do Sul.

 

Dra. Maria de Lourdes Gonzalez:

Acompanho a relatora.

Des. Luiz Felipe Brasil Santos:

Também acompanho. Não vejo muito sentido no eventual acolhimento do pedido, em uma decisão condicional, diferida indeterminadamente no tempo.

 

Dr. Hamilton Langaro Dipp:

A sra. relatora bem analisou a questão. Acompanho o seu voto.

Dr. Leonardo Tricot Saldanha:

Sr. Presidente, minha primeira tendência foi dar provimento ao pleito desses munícipes. Ocorre que, no caso específico, qualquer movimento que nós fizermos nesse sentido, possivelmente será considerado nulo pelas instâncias superiores, pela instância constitucional. Isso porque existe uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que foi julgada pelo Supremo há bastante tempo - inclusive foi referida - que fala da impossibilidade de fazermos qualquer tipo de emancipação.

Certamente são situações diferentes, mas tanto na Constituição Federal quanto naquela ADI a incorporação, fusão e desmembramento dos municípios são tratadas da mesmíssima maneira. Então, em virtude disso, do ponto de vista puramente normativo, o movimento para que nós fizéssemos um plebiscito seria de extrema dificuldade. A realização do plebiscito me parece impossível pelo que a Dr. Gisele já colocou, mas acrescento ainda uma questão: de que serviria o plebiscito se a Lei Complementar aparecer apenas daqui a três ou quatro anos? Vai mudar a população de Caxias do Sul e o Colégio Eleitoral das duas cidades, exigindo a renovação do plebiscito, e isso seria utilização do dinheiro público sem função – o que é nosso dever evitar. Então, não há sentido de fazer um plebiscito que não possa gerar o desmembramento e anexação em momento imediato.

Eu estudava ontem a matéria e percebi que existe uma Lei Complementar que foi vetada pela Sra. Presidenta da República e está no Congresso Nacional exatamente pra discutir esse veto. Talvez um caminho seja pressionar os deputados para que haja a análise desse veto. O motivo do veto consiste no fato de que criar novos municípios gera muita despesa, o que não é o caso dos senhores. Então entendo que é viável fazer uma movimentação política naquela Casa, no Congresso Nacional, para que se analise esse veto com a maior brevidade possível. Então, Senhor Presidente, eu apenas gostaria de dizer que me solidarizo com a população, acho que é uma luta que está longe de estar finda, mas nesse momento realmente não há como se dar esse provimento. É como voto.