INQ - 169 - Sessão: 05/03/2015 às 17:00

RELATÓRIO

Cuidam os autos de pedido de arquivamento em inquérito instaurado para apurar suposta prática de delito tipificado no art. 347 do Código Eleitoral (crime de desobediência eleitoral) por DANIEL LUIZ BORDIGNON, deputado estadual e, à época dos fatos, candidato a Prefeito Municipal de Gravataí.

Daniel Luiz Bordignon figurou como representado no Processo n. 126-08.2012.6.21.0173, que tratou da veiculação de propaganda eleitoral irregular consistente na divulgação de informações inverídicas acerca da sua candidatura (RE 78-64.2012.6.21.0071), considerando que este Tribunal não havia deferido o seu pedido de registro de candidatura em razão de inelegibilidade, porém autorizou a realização de campanha eleitoral e permanência do nome do candidato na urna eletrônica enquanto o registro estivesse sub judice.

A Representação 126-08.2012.6.21.0173 foi julgada procedente, restando confirmada a liminar que proibiu a prática de atos de propaganda por parte do representado, bem como determinada a divulgação de nota de esclarecimento nos meios de comunicação do Município de Gravataí, relativa à situação jurídica do candidato. Em sede recursal, esta Casa manteve a sentença prolatada pelo juízo eleitoral (fls. 83-86).

Restou encaminhada à autoridade policial a cópia integral do expediente para a tomada de providências em relação à desobediência da decisão judicial, em face da notícia de que o candidato teria renovado a veiculação de propaganda eleitoral após a decisão liminar (certidão de fl. 47).

Os autos foram encaminhados ao Tribunal de Justiça do Estado, em razão da prerrogativa de foro e, após, foram remetidos a este TRE (fl. 116 e verso).

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo arquivamento do expediente (fls. 126-129).

É o relatório.

 

VOTO

De início, cabe firmar a competência desta Casa para julgamento do presente expediente, haja vista o cargo ocupado pelo representado, de deputado estadual.

O presente inquérito busca apurar indícios de eventual crime previsto no artigo 347 do Código Eleitoral:

Art. 347. Recusar alguém cumprimento ou obediência a diligências, ordens ou instruções da Justiça Eleitoral ou opor embaraços à sua execução.

Pena - detenção de três meses a um ano e pagamento de 10 a 20 dias-multa.

Como bem apontado pelo Procurador Regional Eleitoral, a sanção administrativa – astreintes – fixada pelo juízo eleitoral em caso de descumprimento, impede a tipificação do crime de desobediência. A propósito, o parecer ministerial:

No direito contemporâneo a tutela penal é subsidiária em relação a outros ramos do direito. Significa dizer que uma vez resolvido o conflito satisfatoriamente por outro ramo do direito, não há necessidade de se recorrer aos institutos penais. Isso porque o tipo penal é composto de tipicidade formal (adequação típica) e tipicidade material (lesão a bem jurídico), sendo que, no presente caso, não se verificou a ocorrência da tipicidade material, uma vez que não houve lesão ao bem jurídico tutelado.

Como se verifica na análise das peças de informação, o Direito Eleitoral demonstrou-se capaz de alcançar os objetivos da norma penal por seus próprios meios, qual seja, a imposição de multa para o caso de descumprimento da decisão judicial.

Nesse passo, a jurisprudência do STF:

CRIME DE DESOBEDIÊNCIA - COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA ("ASTREINTE"), SE DESRESPEITADA A OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER IMPOSTA EM SEDE CAUTELAR - INOBSERVÂNCIA DA ORDEM JUDICIAL E CONSEQÜENTE DESCUMPRIMENTO DO PRECEITO - ATIPICIDADE PENAL DA CONDUTA - "HABEAS CORPUS" DEFERIDO . - Não se reveste de tipicidade penal - descaracterizando-se, desse modo, o delito de desobediência (CP, art. 330)- a conduta do agente, que, embora não atendendo a ordem judicial que lhe foi dirigida, expõe-se, por efeito de tal insubmissão, ao pagamento de multa diária ("astreinte") fixada pelo magistrado com a finalidade específica de compelir, legitimamente, o devedor a cumprir o preceito. Doutrina e jurisprudência.

(STF - HC: 86254 RS , Relator: CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 25/10/2005, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 10-03-2006 PP-00054 EMENT VOL-02224-02 PP-00257 RT v. 95, n. 848, 2006, p. 490-494)

Na mesma linha, a jurisprudência do TSE, quando do julgamento do HC n. 130882, de relatoria da Ministra Carmen Lúcia. Esta Corte já enfrentou o tema, ao julgar o RE 3023, de relatoria do Dr. Hamilton Langaro Dipp, cuja ementa está assim vazada:

Recurso. Propaganda eleitoral. eleições 2012. Utilização de alto-falantes nas proximidades de edificações públicas. Parcial procedência da representação pelo juízo originário, determinando ao recorrente abster-se de realizar a propaganda, sob pena de incidir em crime de desobediência, fixando o valor de R$10.000,00, acaso descumprida a obrigação de não fazer.

Matéria disciplinada pela Lei n. 9.504/97, art. 39, § 3º, inc. I e Resolução TSE n. 23.370/2011, art. 9º, § 1º, inc. I. Comprovado o uso de carro de som nas proximidades de prédios públicos.

Afastada, na espécie, a possibilidade de tipificação do crime de desobediência, haja vista a sanção administrativa já fixada para o caso de reincidência.

Determinada a redução do valor das astreintes para R$ 8.000,00, adequando o seu montante à previsão da sanção pecuniária do art. 37, § 1º, da Lei n. 9.504/97.

Provimento parcial.

A imposição de astreintes afasta a natureza criminal de eventual descumprimento da ordem judicial.

Ademais, inexiste indícios do crime tipificado no art. 347 do Código Eleitoral, motivo que enseja o acolhimento da promoção de arquivamento do presente inquérito.

Vale ressaltar, por fim, que DANIEL LUIZ BORDIGNON integrou o polo passivo de outras demandas que julgaram fatos semelhantes, a exemplo do INQ. 102-43.2014.6.21.0000, cuja peça de informação restou arquivada, por ausência de justa causa para a propositura da ação penal por crime de desobediência.

Diante do exposto, acolhendo a promoção ministerial, VOTO pelo arquivamento do expediente.